RESUMO: O presente trabalho o qual parte de uma analise bibliográfica, objetiva traçar um entendimento sobre a pratica punitiva, e sua evolução no tempo e no espaço, as peculiaridades, no que tange a justiça privada e o rumo que o aparato punitivo estatal toma quando confrontado e submetido as mudanças no pensamento social trazidas pelo liberalismo, mudanças como a individualização e proporcionalização das penas.
PALAVRAS-CHAVE: justiça privada, aparato punitivo estatal, liberalismo.
ABSTRACT: The present work, which starts from a bibliographic analysis, aims to outline an understanding about punitive practice, and its evolution in time and space, the peculiarities, with regard to private justice and the direction that the state punitive apparatus takes when confronted and subjected to changes in social thinking brought about by liberalism, changes such as the individualization and proportionalization of penalties.
KEYWORDS: private justice, state punitive apparatus, liberalism.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A publicização dos fatos criminosos: conceitos básicos; 3. Da punição ao entretenimento; 4. Um debate sobre a história das punições públicas; 5. A influência do liberalismo na evolução da legislação e pratica punitiva. 6. Conclusão; 7. Referências Bibliográficas
1. INTRODUÇÃO:
O presente trabalho busca sem exaurir o tema, desenvolver uma pesquisa bibliográfica, utilizando-se do método hipotético dedutivo, sobre a evolução dos mecanismos de pretenção punitiva ao longo do tempo, tal como mecanismo de influência, não apenas na aplicação mas também até no desenvolvimento de legislação e pratica dentro do processo penal,esse que com o tempo vai da prtenção punitiva privada, até a pratica punitiva sob os auspicios do estado, nesse inteirim discutem-se discussões sobre o papel estatal na efetivação da justiça
Dessa forma objetiva-se aqui que seja desenvolvido o tema, com foco nos conceitos históricos de publicidade e punições “especificamente as públicas” e a interseção entre os fenômenos ao longo da história, com fulcro nos elementos que se concatenaram, na atual noção de ambos. Serão investigados as raízes e fundamentos sobre as punições públicas, a perspectiva da finalidade última da aplicação de penas e a construção da individualização da pena na perspectiva liberal.
Faz-se necessario uma observação no que tange a perspectiva de terminos e retrocessos, quando analisam-se situações como a utilidade das punições publicas, a carga de preconceito, inclusive por parte do estado, direcionada a grupos especificos, os quais no passado eram visiveis e recorrentes, e que infelizmente em diversos momentos, evitando claro o anacronismo, podem sim ser comparadas com situações dos dias atuais, onde a barbarie, o despreso pela dignidade da pessoa humana, ou mesmo a omissão no que tange as proteções existentes no estado democratico de direito exteriorizam cenários atemporalmente criticos de violência e vingança, totalmente distânciados da real aplicação da justiça.
2. A PUBLICIZAÇÃO DOS FATOS CRIMINOSOS: CONCEITOS BÁSICOS
Quando se remete ao passado é fácil de se encontrar em diversos momentos da história, inúmeras praticas que ligavam a punição, a execução e a tortura de “criminosos” como uma ferramenta de imposição social, e até como uma forma de divertimento, quando muitos iam a praça pública assistir a execução de criminosos, ou mesmo nos tempos em que a igreja católica utilizou-se largamente da inquisição nos chamados autos da fé, onde centenas de “julgados” eram punidos das formas mais barbaras, em meio a um ritual religioso em que a comunidade sempre era convidada a assistir.
A Penalização de atos considerados criminosos ao longo de centenas de anos, era retroativa, tendo em vista que na perspectiva da legislação consuetudinária, a palavra do legislador, ou do soberano era o que definia, o que seria ou não fatos suscetíveis a pena, por diversas vezes a pena capital, suscitar a individualização da pena, era irrisório, basta a simples observação de como os julgamentos aplicados pela inquisição católica transcendiam a figura do apenado, estendendo a pena para as gerações seguintes.
Atualmente mesmo tais narrativas sendo vistas como barbaras, inimagináveis e desumanas, elas não estão de todo longe de determinadas situações as quais nos deparamos na atualidade, lembrando que práticas como as penas públicas e a inquisição remetem a tempos em que a concepção iluminista de processo penal não existia absolutamente, aos moldes que temos hoje, punir como vingar-se, punir como fazer o trabalho de Deus, punir como meio de inibir pelo medo aqueles que vislumbravam as execuções.
Na atualidade basta apenas ligar a televisão em diversos canais da rede aberta que é possível se deparar com os mais variados tipos de crime, as mais variadas reações e a sempre presente figura de alguém direcionando opiniões e tecendo observações particulares sobre vítima e pretenso criminoso, quanto mais chamativas melhor, para atrair a atenção do público, é comum por exemplo, por parte desse tipo de narrativa, se pregar a ineficiência do estado punitivo, construir uma imagem estereotipada dos agentes da lei como violentos e despreparados, e não raras vezes, incitar a autotutela.
Para GUARESCHI (1991. p. 14) a mídia tem com absoluta facilidade, o poder de criar fatos novos simplesmente ao divulga-los, como também pode fazer com que esses inexistam, simplesmente omitindo a sua divulgação, de tal forma a mídia possui um poder de direcionar o olhar da coletividade, que não basta a simples existência de situações ou experiências positivas, se essas não forem publicitadas, simplesmente não existem, a exemplo, a ressocialização ou meios eficientes de aplicação de justiça, tais temáticas não são interessantes ou atraem tanta audiência quanto fatos negativos diante disso bem apresenta THOMPSON (2004, p. 182) ao apresentar que as pessoas recebem de forma seletiva as experiencias mediatas, dando atenção a o que lhes é interessante apenas.
O aparelho estatal se utiliza da mídia sempre que necessariamente precisa de apoio popular ou respaldo em relação a determinadas políticas públicas a serem implantadas.
[...] são determinados problemas e conflitos que ao atingirem um certo grau de interesse e de alarme social no público se convertem num pretexto para uma ação política destinada a obter não tanto funções instrumentais específicas, mas sim uma outra função de caráter geral: a obtenção do consenso buscado pelos políticos na chamada “opinião pública” (BARATTA, 1994, p. 23).
O espaço ocupado pela opinião pública é sempre amplo e efetivamente abrangente dentro dos estados democráticos, sendo a opinião pública que direciona os interesses ou mesmo o grau de aprovação e reprovação que a sociedade direciona ao seu próprio governo, o crivo da mídia, e da publicidade, apresenta-se par a população como um porta-voz de seus anseios e valores, ao mesmo tempo que um vigilante, eficaz, coerente, e supostamente imparcial.
Tendo em vista que mesmo estando e por vezes ligando-se direta u indiretamente ao estado a mídia raramente é reconhecida como parte ou auxiliar do aparato estatal.
O fato de não estar sob o controle do governo, de ser a tribuna comum das minorias numa democracia, de separar o noticiário do que é opinativo, de se dispor a não omitir nada o que o público tem direito de conhecer, e de se corrigir ou de se retificar toda vez que comete um erro, aproxima o jornalismo de seu dever de ser imparcial. (BAHIA 1990 P.16)
Instrumentos de analise ou de mera instrumentalização da vontade da sociedade em relação a mudanças legislativas drásticas, como plebiscito ou referendo, a exemplo recente; o referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições, ocorrido no Brasil a 23 de outubro de 2005, o mesmo não aprovou o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento Lei 10826/2003. Tais instrumentos sempre são acompanhados de uma enorme repercussão midiática, não apenas por parte da publicidade estatal, mas de uma grande comoção por parte do meio jornalístico, que convenientemente se direciona nos rumos que venham a tornar mais socialmente aceitável a mudança em destaque.
Um outro aspecto relevante a ser considerado no que tange a publicização dos fatos penais é que essa é impossível de ser desconsiderada, na perspectiva de um estado democrático de direito de tal forma que a constituição da república federativa do Brasil promulgada em 1988 em seu art. art.5°, inciso LV que diz “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Nesse sentido, também os artigos 5°, inciso XXXIII e 93, inciso IV, da Constituição Federal, falam sobre a publicidade como sendo esta indispensável à administração da justiça.
Faz-se aqui necessária a observação de que tal instrumento constitucionalmente garantido é um mecanismo de garantias indispensável, tendo em vista que a publicização dos atos a toda a coletividade, ou a quem vir a ter interesse, garante que os mesmos, não sublevarão a abusos ou obstruções e que todos os atos foram justos e seguiram uma dinâmica respaldada naquilo que a lei estabelece, garante essa um direito justo, equilibrado e que uniformemente trata todos os cidadãos. (MIRABETE,1997)
3. DA PUNIÇÃO AO ENTRETENIMENTO
Um dos instrumentos que de certa forma a partir do iluminismo galgou patamares gigantescos a ponto de hoje ser uma estrutura de poder que muitas vezes dita os rumos da politica e por vezes da justiça, é a mídia, a imprensa, essa tem o poder de guiar a sociedade na direção que bem entender, de certa forma ditando aquilo que deve ser tomado como verdade, que deve ser visto ou quisto como a realidade concreta dos fatos, valendo-se aqui do ditado popular, se é notícia é por que é verdade.
A imagem tem a particularidade de poder produzir o que os críticos literários chamam o efeito do real, ela pode fazer ver e fazer crer no que faz ver. Esse poder de evocação tem efeitos de mobilização. [...] As variedades, os incidentes ou os acidentes cotidianos podem estar carregados de implicações políticas, ética, etc., capazes de desencadear sentimentos fortes (BOURDIEU. 1997, p.28):
Hoje é corriqueiro bastando apenas ligar a TV a qualquer hora do dia ou da noite, para o cidadão comum ser bombardeado por uma enorme gama de notícias das mais terríveis, estupros, assassinatos violência doméstica, crimes dos mais variados, se imputando e exibindo agressores e vítimas, e se tecendo diversos cenários pela capacidade imaginativa do repórter ou do apresentador, agora porque esse tipo de fatos são tão amplamente noticiados, nas palavras de Marta Bertolini (2003, p.1099), “a normalidade ou as boas notícias não dão matéria”. Assim a superexploração da violência faz parecer que essa é absoluta e que a barbárie já toma conta da realidade, a mídia assim não distorce os fatos, mas seleciona aquilo que será mostrado e qual ênfase será dada como nas palavras de Sodre:
O “espelho” midiático não é simples cópia, reprodução ou reflexo, porque implica uma forma nova de vida, com um novo espaço e modo de interpelação coletiva dos indivíduos, portanto, outros parâmetros para a constituição das identidades pessoais. Dispõe, consequentemente, de um potencial de transformação da realidade vivida, que não se confunde com manipulação de conteúdo ideológicos (SODRE 1992 P.23)
A mídia explora, algumas vezes, de forma descuidada as situações penais, o que me muitas situações afeta diretamente os direitos tanto de vítimas quanto daqueles que cometeram os atos criminosos, invadem a vida particular, não é incomum forçarem entrevistas de pessoas em estado de choque, tudo para ganhar atração do público, quando não fazem um verdadeiro interrogatório do pretenso infrator as vistas de milhares de pessoas, logo, o direito constitucional a não produzir provas contra si mesmo cai por terra diante das especulações de um repórter e suas perguntas invasivas.
O descaso e a facilidade ao acesso a informações torna a mídia ao mesmo tempo que de uma utilidade tremenda, por vezes perigosíssima para a persecução penal, como por exemplo, não é incomum por exemplo a absoluta divulgação de todos os passos do inquérito policial, quando se trata de um crime de ampla repercussão popular, o que atrapalha e muito o trabalho dos responsáveis, ao ponto de divulgar “suspeitos” e esses tendo ou não algum lastro de culpa, são taxativa e amplamente apresentados ao público, colocando em risco a vida e a propriedade desses e de seus familiares.
uma informação infundada pode não só destruir a reputação de pessoas que podem sequer ter relação com o fato delituoso, e nenhuma nota de esclarecimento ou pedido de desculpa, poderiam reverter os efeitos da violência encoberta pelo desejo de justiça. Construir narrativas pela necessidade de ter um produto, “no caso a notícia” sendo consumido, não é algo simples, tendo em vista que aquilo que está sendo exposto são vidas humanas, e aquilo que está em risco e a saúde, segurança e até mesmo a vida das pessoas que se envolvem direta ou indiretamente com aquilo que está sendo mostrado.
Os meios de massa, se não são diretamente responsáveis pelo aumento da violência e da criminalidade, seriam, quando menos, um canal de estruturação de sociabilidades violentas, já que aí a violência é, não raro, apresentada como um comportamento valorizado. (PORTO 2002.p. 160)
Não raro é a ocorrência de situações em que a mídia explora de forma descomedida determinados fatos penalmente puníveis, assim a mídia incita comportamentos ou apresenta determinadas respostas que da forma que são apresentadas induzem a sociedade a telas como aceitáveis, corretas, ou justificáveis, de tal forma por exemplo ações em que indivíduos passam de vítima a agressor, são vistas e celebradas pela mídia como corretas e justificadas,
4. UM DEBATE SOBRE A HISTÓRIA DAS PUNIÇÕES PÚBLICAS
É de conhecimento geral que ao longo do processo de evolução da sociedade a capacidade punitiva do estado ampliou-se intrinsecamente ligada a existência do mesmo, de tal forma que é impossível pensar em aglomerações humanas dentro de um corpo social, sem regras ou sansões estabelecidas, as quais objetivam cercear condutas moralmente aceitas e impedir a barbárie, porem tão comum quanto a capacidade punitiva é o objetivo simbólico desta que perdura no limiar dos séculos.
Não é preciso longas divagações para se analisar o papel simbólico das punições públicas, pegando por exemplo os grandes julgamentos da história, como o de Sócrates ou o do próprio Cristo, ou as execuções mais emblemáticas como a de Luís XVI, ou Robespierre, arquétipo vivo da revolução francesa, todos esses exemplos são de punições que transcendem largamente a figura do condenado em direção a uma alegoria punitiva que deveria atingir toda uma sociedade, era o punir o indivíduo como uma representação da capacidade de se punir toda uma coletividade que se colocasse a transgredir.
Ao se analisar essa pratica, punições ou execuções públicas e carnavalescas, a exemplo no Brasil, é possível enxergar o atrelo entre essas ações e a própria existência institucionalizada de um governo, basta observar que no Brasil colonial para uma comunidade ser considerada vila, tinha de possuir um Pelourinho, tronco onde criminosos e escravos são punidos em praça pública. O punir violentamente, o esquartejar e desmembrar tipos criminosos, como o que fora feito com Tiradentes, perdura de tal forma na história das punições públicas no Brasil que transpassa colônia, império e republica.
Desde as cartas regias que chegaram a colônia Brasil, até a constituição imperial de 1824, perdurou a xenofobia, o racismo e o total barbarismo no que tange a forma como uma gigantesca parcela da população era tratada, das guerras justas que permitiam massacres as populações indígenas, a eliminação dos quilombos e das comunidades negras, tudo o que se publicitava era a manutenção da ordem social vigente, aponto de a própria igreja orientar e apoiar práticas como a escravidão e métodos de tortura, como instrumentos garantidores da ordem naquele quadro histórico especifico “Ao fundar o trono, Deus escolhera o próprio povo. [...] Dessa forma, os lusos consideravam-se também como o povo eleito para conservar e expandir a fé católica [...]” (AZZI, 2004, p. 23-24).
Assim o mais nobre de todos os motivos era uma justificativa socialmente aceita para o estabelecimento da violência para punir não apenas indivíduos, mas grupos inteiros, a violência, camuflada de justiça, como sinônimo de um instrumento de controle ou até de eliminação de grupos considerados, até mesmo não humanos, era algo tão simples e recorrente que se apresentava como aceitável e por vezes como uma ação benéfica, para toda a coletividade.
Conhecidíssimo e chocante caso da ilustração de poder de punir por parte do estado, e a representação que a mídia fez disso, foi um fenômeno constituído por verdadeiros massacres protagonizados pelo governo republicano, e o espaço dado a mídia de noticiar, relatar e se posicionar com apenas uma visão da história, assim Canudos, contestado, Caldeirão, Pau de colher, todos movimentos retratados como redutos de fanáticos e criminosos, comunistas e antirrepublicanos, punidos severamente por não se encaixarem na ordem vigente, tal represaria estatal toma sua versão mais grotesca nos anos 30 quando os cangaceiros, símbolos construídos midiaticamente, são caçados tendo vários deles como no caso de Virgulino Ferreira “lampião” suas cabeças exibidas em museu por décadas a fio, como simples espólios de guerra.
A demonização de determinados indivíduos ou grupos em face da construção de elementos socialmente aceitos, forçadamente ao longo do tempo deu espaço para uma permissiva e corriqueira política de punir e publicitar, literalmente exibir como troféus de caça aos holofotes, as feras que necessariamente devem e merecem ser tiradas do convívio, nesse contexto de exibição e holofotes para os fatos criminosos que a partir da década de 80 a espetacularização de crimes como sequestros de figuras conhecidas, como Abílio Diniz ou roberto Medina, levam a uma rediscussão legislativa tão abrangente que culmina com a lei n. º 8.072/90, a Lei dos Crimes Hediondos, essa legislação, que dará vasão a uma interpretação e uma perspectiva de punição bem mais rígida por parte do estado, para determinados crimes, é o pontapé inicial para diversas outras inovações draconianas no trato da legislação penal.
As questões relativas aos crimes, são social e politicamente construídas essas adquirem o seu significado a partir de processos que envolvem uma representação simbólica, ao se provocar a reação nas pessoas é possível direcional os mecanismos de controle social necessário para tanto, constrói-se então uma visão do aparato prisional, a máxima punitiva do estado, como um deposito de lixo humano (BAUMAN, 2005), que retira, pretos, pobres e estrangeiros do convívio social.
Não é preciso ir muito longe por exemplo para analisar a evolução dos mecanismos punitivos e sua relação direta com uma tentativa de ser um nivelador social de grupos ou indivíduos que não se encaixam ou são tidos como corpos anômicos dentro da sociedade, nesse patamar encontram-se as crianças.
“[…] as crianças, a partir do início do século dezenove em diante, passaram a ser percebidas tanto como vítimas vulneráveis com necessidades de cuidado e proteção, quanto como ameaças precoces que requerem controle e correção” (GOLDSON, 2002, p. 120, tradução livre).
Ótimo exemplo de uma percepção tardia e deturpada da figura da criança e do adolescente, quando essa parte de grupos tidos como perigosos é código de menores criado no Brasil em 1927 e que perdurou até a criação do ECA intervalado por uma versão mais branda de 1979 ou lei 6697 de 10 de outubro de 1979, que inaugurava, ou tornava bem mais escancarada a chamada doutrina da “situação irregular do menor”
A partir de uma análise sistemática do Código de Menores de 1979 e das circunstâncias expostas, podem-se extrair as seguintes conclusões quanto à atuação do Poder Estatal sobre a infância e a juventude sob a incidência da Doutrina da Situação Irregular: (i) uma vez constatada a “situação irregular”, o “menor” passava a ser objeto de tutela do Estado; e (ii) basicamente, toda e qualquer criança ou adolescente pobre era considerado “menor em situação irregular”, legitimando-se a intervenção do Estado, através da ação direta do Juiz de Menores e da inclusão do “menor” no sistema de assistência adotado pela Política Nacional do Bem-Estar do Menor.(LEITE,2005)
O código de menores é um exemplo de como a construção de uma imagem estereotipando um grupo especifico pode ser uma ferramenta socialmente aceita e de certa forma apoiada pela sociedade, no que tange a forma que a chamada opinião pública a apresenta, diga-se de passagem a substituição do código de menores pelo ECA (lei 8068/90), estatuto da criança e do Adolescente, que veio a inaugurar a chamada proteção integral do menor, foi diretamente ligada ao esforço de se construir uma imagem positiva de tal mudança, tal logo a mídia começou a direcionar esforços em sentido oposto esse instrumento que vinha a buscar uma nova roupagem em relação ao papel do estado no que tange a essa parcela vulnerável da sociedade, também mudou.
Não foram poucas as propostas parlamentares de revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou mesmo de redução da maioridade penal, a surgirem em consonância com acontecimentos que tiveram ampla repercussão midiática, como por exemplo o sequestro e Assassinato dos jovens Liana e Felipe, de 16 e 19 anos, ocorrido em Novembro de 2003, crime protagonizado por um menor de 16 anos, Roberto Aparecido Alves Cardoso, que respondia pela alcunha de Chambinha, tal barbaridade chocou a sociedade brasileira e reacendeu diversas críticas ao eca e a atual limitação da maioridade penal, que no Brasil é irrefutavelmente aos 18 anos.
Houve uma gigantesca exploração desse e de diversos outros casos eu seguiam a mesma linha , a mídia concentrou-se totalmente sobre essa discussão, inclusive com diversas matérias e discussões comparadas entre a legislação penal brasileira e os códigos penais de países como os Estados Unidos da América, segundo nessa linha diversos grupo protagonizaram debates a favor e contra, mudanças legislativas nesse sentido, tal como as discussões relativas ao estatuto do desarmamento e a incapacidade do estado de suprir ou não a proteção necessária dos indivíduos.
5. A INFLUÊNCIA DO LIBERALISMO NA EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO E PRATICA PUNITIVA.
De todas as épocas, o grande divisor de aguas no que tange a concepção de uma noção concreta de justiça, em relação a capacidade do estado de aplicar punições, surge com o nascimento do estado liberal burguês e da máxima iluminista que levou a criação de legislações como a declaração dos direitos do Homem, na França de 1789 ou a declaração de independência dos EUA de 1776, parte do iluminismo, todas as grandes discussões a respeito do reconhecimento do homem como um individuo dotado de direitos e obrigações universalmente presentes e individualmente delimitadas dentro do chamado contrato social, que impõe aos indivíduos a obediência como mecanismo de permanência:
Suponhamos que homem chegando a aquele ponto em que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no estado de natureza sobrepujam pela sua resistência as forças de que cada indivíduo dispõe para manter-se nesse estado. Então, nesse estado primitivo já não pode subsistir, e o gênero humano parecia se não mudasse de modo de vida (ROUSSEAU, 1964, p. 360).
Na perspectiva do contrato social, os indivíduos entregam a autoridade estatal, mediante acordo preestabelecido, o poder sobre suas escolhas e comportamentos, em uma relação direta entre o coletivo e o individual, assim a grande inovação trazida pelas discussões que se avolumam a partir do séc. XVIII, é a noção de individuo em detrimento a coletividade, nasce dessa discussão por exemplo os primeiros questionamentos sobre a utilidade da pena de morte, assim como as críticas as punições desproporcionais (BECCARIA2012)
O art. 5º, inciso XLVI, da Constituição da República Federativa do Brasil, versa sobre o princípio da individualização da pena, pelo qual nenhuma punição pode perpassar a pessoa do acusado, essa é uma importantíssima garantia constitucional, que surge, ao mesmo tempo que é obscurecida, em seu aspecto pratico em um momento conturbado, na história. É até contraditório imaginar que uma das ferramentas que de certa forma inaugurou uma perspectiva de uniformização das práticas punitivas, foi a guilhotina, a navalha nacional, dos revolucionários franceses, instrumento que segundo os seus defensores, seria para democratizar a pena capital e expor o condenado ao mínimo suplicio.
Ao passo que o liberalismo toma conta do senário político as discussões acerca de direitos e garantias individuais, vão muito além de reflexões sobre governo e sufrágio e passam a adentrar no campo do direito penal e na aplicabilidade deste dentro da nova roupagem em que a sociedade passa a se apresentar a partir do século XVIII, novos paradigmas a respeito da justiça e da finalidade dela como instrumento garantidor não apenas da punição aos tipos criminosos, mas também de reparação e de manutenção da paz social.
Em uma análise superficial dos artigos 5 ao 9 da declaração dos direitos do homem e do cidadão, criada pelos revolucionários franceses de 1789 encontramos as seguintes garantias, todos serão iguais perante a lei, não a pena sem lei anterior que a defina, ninguém será punido sem que antes seja submetido a prova, traz também que todos são inocentes até que se prove o contrário, em resumo essas regras relativas à aplicação da justiça, inspiradas na carta de independência dos Estados Unidos, trazem uma máxima que será aplicada na elaboração e efetivação dos códigos penais presentes no ocidente ao longo dos séculos seguintes.
A mesma legislação em seu artigo 11, traz na integra a seguinte descrição: Art. 11.º - A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos dessa liberdade nos termos previstos na lei. Celebra-se nessa legislação o conceito de liberdade de imprensa, tão intricadamente ligado aos mencionados nos artigos anteriores a esse, tal artigo já acendia a discussão sobre os limites dessa liberdade e sobre eventuais abusos que poderiam vir a ocorrer por conta de um uso ou abuso dessa liberdade de se comunicar.
Um exemplo emblemático do uso desmedido dessa liberdade encontra-se nos anais da história da revolução francesa está na figura de Jean Paul Marat e seu jornal o L 'Ami du peuple, o amigo do povo, as denúncias e acusações apresentadas por ele em seu jornal direcionadas a grupos de oposição a ordem vigente acabaram em massacres tenebrosos, o fúnebre senário das execuções à revelia de diversas pessoas durante o período mais tenebroso da revolução francesa, chamado de terror pelos seus cronistas.
Na sociedade contemporânea como suprassumo do pensamento liberal, o individualismo deixou o campo ideológico e passou a ser a principal linha interpretativa, para a economia, politica e para o campo do direito, a proteção as garantias individuais, ao mesmo tempo que a propriedade individual, foram engrenagem para a elaboração de legislações bem mais amenas, no que tange a finalidade máxima da justiça, ao se abandonar a perspectiva de punição como meio de se transmitir uma mensagem para a coletividade, em detrimento ao ato de punir como mecanismo de reparação e reprovação individualizado.
6. CONCLUSÃO:
Através das discussões aqui apresentadas, buscou-se apresentar, partindo de uma bibliografia diversificada, inicialmente, a intricada relação entre a mídia e como essa se comporta em relação aos fatos criminosos, a exacerbada exposição e exploração desses fatos e o discurso que é construído sobre a legislação penal que é posta e o grau de efetividade que o estado tem em conseguir estabelecer a proteção dos indivíduos e da própria sociedade como um todo.
Analisou-se a construção do discurso midiático, as motivações, e pretensões , que levam a construção de uma realidade, muitas vezes a quem dos fatos concretos, mas construída como um entretinimento a ser oferecido a um público, a construção do discurso, de vítima e vilão e a desumanização do indivíduo em face, do julgamento popularizado, pelos veículos de comunicação, a cobrança e ao mesmo tempo a criação de um mecanismo de julgamento que não enxerga as etapas processuais, mas apenas presume e aponta aos olhos da coletividade, culpados que devem ser punidos como verdadeiros monstros ausentes de direitos.
Foi apresentada uma análise linear da evolução da concepção de punição pública e punição publicitada, ao longo da história, como essa perspectiva se apresentou ao longo do tempo e como novos avanços no que tange a humanização, individualização e reinterpretação finalística da prática punitiva ocorreram ao longo dos séculos, culminando com a perspectiva liberal moderna e a construção dos códigos penais, que baseados na premissa iluminista, perduram ou trazem reflexo nas legislações e no garantismo do aparato punitivo estatal, até a atualidade.
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Graduado em história Especialista em história contemporânea, acadêmico em Direito e professor.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Antonio Wilton da. A violência como fonte de audiência. Um debate sobre a história das punições publicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jan 2021, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56082/a-violncia-como-fonte-de-audincia-um-debate-sobre-a-histria-das-punies-publicas. Acesso em: 23 dez 2024.
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