WILMA HIDHERLLANE SOUSA SILVA
(coautora) [1]
GILLIAN SANTANA DE CARVALHO MENDES
(coautora) [2]
RESUMO[3]: O presente artigo teve como objetivo analisar os reflexos sucessórios na exclusão por indignidade quando há multiparentalidade. As causas para que seja alguém excluído da sucessão por indignidade são cada vez mais comuns, surgindo problemas concretos nas relações familiares que necessitam de solução. Para que se pudesse alcançar o objetivo pretendido, foi necessário conhecer a evolução pela qual passou a família até se chegar aos novos arranjos familiares, caracterizar a multiparentalidade socioafetiva e as causas de exclusão da sucessão por indignidade. Reputa-se, ser de grande importância, o presente estudo tendo em vista que ainda é complexo o reconhecimento do direito sucessório na multiparentalidade, e, mais inovador tratar sobre a ocorrência da indignidade quando há multiparentalidade. A metodologia aplicada foi a pesquisa bibliográfica narrativa de abordagem qualitativa, baseando-se na análise de doutrinas gerais sobre o direito sucessório e específicas sobre a multiparentalidade, legislações, artigos científicos, jurisprudências pertinentes ao tema. Concluiu-se que há lacunas a serem supridas pelo legislador em relação a multiparentalidade, que as causas de indignidade são para todos os que são considerados herdeiros legítimos e testamentários e, por conseguinte, a referida pena civil também atinge os considerados parentes socioafetivos.
Palavras-chave: Multiparentalidade. Indignidade. Direito Sucessório.
ABSTRACT: This paper aimed to analyze the succession reflexes in the exclusion due to indignity when there is multiparenting. The causes for someone to be excluded from succession due to indignity are increasingly common, with concrete problems arising in family relationships that need a solution. In order to achieve the intended objective, it was necessary to know the evolution that the family went through until arriving at the new family arrangements, to characterize socio-affective multiparenting and the causes of exclusion from succession due to indignity. The present study is considered to be of great importance, considering that it is still complex to recognize the right of succession in multiparenting, and it is more innovative to deal with the occurrence of indignity when there is multiparenting. The applied methodology was a narrative bibliographic research with a qualitative approach, based on the analysis of general doctrines on inheritance law and specific on multiparenting, legislation, scientific articles, jurisprudence relevant to the theme. It was concluded that there are gaps to be filled by the legislator in relation to multiparenting, that the causes of indignity are for all who are considered legitimate and testamentary heirs and, therefore, the aforementioned civil penalty also affects those considered socio-affective relatives.
Keywords: Multiparenting. Indignity. Succession Law.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A instituição da família permeada pela dignidade da pessoa humana. 3. Da multiparentalidade socioafetiva. 4. Do intistituto da indignidade. 5. Considerações finais. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
A família, ao longo dos anos, tem sofrido várias transformações. Transformações estas que decorrem das alterações nas relações sociais e que refletem diretamente no convívio familiar, onde acabam por surgir novos conceitos nas relações de parentesco, bem como novos arranjos familiares.
Em consequência da evolução da sociedade e das modificações nas relações que permeiam o instituto da família, surge a necessidade de resguardar direitos ainda não positivados. Face o legislativo não ser tão ágil quanto a realidade, os indivíduos se socorrem aos Tribunais a fim de que o sistema jurisdicional possa transmitir segurança jurídica e, principalmente, atue como instituição necessária a efetivar a dignidade da pessoa humana, tal como no caso das relações socioafetivas, a coexistência da paternidade biológica e o reconhecimento da multiparentalidade.
Nesse compasso, a multiparentalidade versa sobre a possibilidade jurídica conferida aos genitores biológicos e/ou dos genitores afetivos de invocarem os princípios da dignidade humana e da afetividade para ver garantida a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais.
Outrossim, com base nas novas constituições que fazem parte das relações parentais, quando há coexistência de genitores biológicos e de genitores afetivos, é que o presente estudo possui eixo no direito sucessório, repercutindo a multiparentalidade nas causas determinantes da indignidade na sucessão hereditária. A indignidade é uma das formas de exclusão da herança, e a lei é absoluta, não admite outras causas que não as definidas no diploma civilista. Outra forma de exclusão da herança é a deserdação, no entanto, não será foco do atual artigo.
Diante dessas considerações, tem-se como o objeto de estudo uma análise nos reflexos sucessórios na exclusão por indignidade quando há multiparentalidade, no qual pretende responder ao seguinte questionamento: como se desencadeiam os efeitos sucessórios nas relações familiares multiparentais quando ocorrem as causas de exclusão da herança por indignidade?
Para cumprir a finalidade do estudo, tem-se como objetivo geral, analisar a exclusão por indignidade quando há multiparentalidade no direito sucessório e objetivos específicos: caracterizar o instituto da família; descrever a multiparentalidade, utilizando como suporte e fundamento as decisões dos Tribunais, em especial, do Supremo Tribunal Federal (STF), através do Recurso Extraordinário (RE) 898.060-SC e da Repercussão Geral 622, do dia 21 de setembro de 2016; identificar as causas da indignidade ao examinar os efeitos da multiparentalidade na exclusão por indignidade, bem como os reflexos aplicados ao direito à herança dos parentes sucessíveis biológicos e afetivos.
A relevância do presente estudo se justifica por conta dos reflexos jurídicos que a multiparentalidade apresenta no direito sucessório, e por conseguinte nas causas que determinam a exclusão por indignidade. Sendo importante a discussão acerca das lacunas deixadas pelo legislador em relação ao tema, bem como as consequências jurídicas do instituto da multiparentalidade, quer entre os ascendentes e descendentes socioafetivos, quer na partilha de bens em decorrência do evento morte, causando impactos patrimoniais-econômicos entre os possíveis herdeiros em razão da indignidade. Através do estudo, observar-se-á a relevância do afeto nas relações familiares e as manifestações jurisprudenciais no sentido de reconhecer o instituto da multiparentalidade nas relações familiares hodiernas.
A pesquisa será de natureza teórica, e se desenvolverá como metodologia, a pesquisa bibliográfica narrativa de abordagem qualitativa. Os dados serão embasados no estudo analítico da indignidade na multiparentalidade já elaborado pelas doutrinas gerais sobre o direito sucessório e específicas sobre a multiparentalidade, na legislação constitucional e infraconstitucional, em artigos científicos, bem como em jurisprudências pertinentes ao tema, traçando um paralelo entre a realidade jurídica e social acerca do assunto.
Este artigo será dividido em três tópicos. No primeiro será caracterizado o instituto da família na concepção atual, traduzindo a importância do reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana para os novos arranjos familiares; em seguida, no segundo tópico, será descrita a multiparentalidade socioafetiva, o seu reconhecimento nas decisões dos Tribunais, em especial, do STF através do RE 898.060-SC; no terceiro tópico será identificada a indignidade e suas causas no direito sucessório, examinando os efeitos da multiparentalidade na exclusão por indignidade e os reflexos aplicados ao direito à herança para os herdeiros biológicos e afetivos.
2 A INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA PERMEADA PELA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A família é uma instituição social e encontra-se sempre em evolução. O Direito tem, muitas vezes, a necessidade de se adaptar a essas alterações, tendo em vista não ser possível que o legislador preveja todas as possíveis mudanças de pensamento e comportamento que possam vir a acontecer, principalmente no que tange às relações familiares (GONÇALVES, 2018).
Para a Constituição Federal de 1988 (CF), a família constitui o fundamento mais sólido em que se apresenta toda a organização social, merecendo, assim, a proteção especial do Estado, conforme o art. 226 da CF, sendo referenciada como base da sociedade (BRASIL, 1988).
Na estrutura familiar, o papel do pai e da mãe têm-se modificado com o tempo. Nos últimos anos, a partir do Código Civil de 2002 (CC), houve grande mudança de eixo, no qual o homem deixa de ser o detentor do poder da família, havendo um estado de solidariedade e igualdade entre os demais membros da família, admitindo o surgimento de novos modelos familiares em que o afeto, o amor e a busca da felicidade passam a ser o foco principal.
Nesse cenário, a força da convivência e o afeto são reconhecidos como ponto de identificação da família, sendo a certidão de nascimento bem menos relevante do que a presença para o sentimento de família, onde é notório que pais ausentes nunca serão pais e, por outro lado, padrastos afetuosos e presentes sempre serão considerados pais (DIAS, 2016).
O Código Civil (CC) de 1916 conceituava a família como patriarcal e hierarquizada, constituída unicamente pelo casamento. Já no modelo atual, de 2002, novos elementos compõem as relações familiares, merecendo destaque os vínculos afetivos em sua formação. Nesse contexto, a família socioafetiva vem sendo fortemente sinalizada na doutrina e na jurisprudência (BRASIL, 1916; BRASIL, 2002).
Nessa conjuntura, a CF, no sentido de acompanhar as transformações e adotar nova ordem de valores, priorizou a dignidade da pessoa humana, realizando uma revolução no Direito de Família, a partir de três eixos básicos: família plural, equidade entre filhos havido ou não fora do casamento, igualdade entre homens e mulheres (BRASIL, 1988).
Dessa forma, trouxe a CF, em seu art. 226, que a entidade familiar é plural e não mais singular, possibilitando várias maneiras de constituição. Outra importante sinalização transformadora, está no § 6º do art. 227 da CF que aponta a alteração do sistema de filiação, que vem a proibir denominações discriminatórias decorrentes do fato de ter a concepção ocorrido dentro ou fora do casamento, apresentando igualdade entre os filhos. O terceiro eixo está na CF no art. 5º, inciso I, e art. 226, § 5º, que traz a igualdade de direitos e deveres dos homens e mulheres, e por conseguinte, como a existência dessa igualdade de direitos e deveres na sociedade conjugal (BRASIL, 1988).
Outrossim, conforme Dias (2016), o princípio mais utilizado no Direito de família, tem como rol o princípio da dignidade da pessoa humana, que vem permeado pelos demais princípios gravitadores: da liberdade, igualdade e respeito à diferença, solidariedade familiar, pluralismo das entidades familiares, proteção integral de crianças, adolescentes, jovens e idosos, proibição de retrocesso social e o da afetividade.
Nesse norte, para Mendes (2020), o princípio da dignidade da pessoa humana é o mais importante dentre os princípios, cabendo a observação mais acertada pelo legislador, doutrinador e julgador. Ainda segundo a autora, tal princípio é próprio da condição civilizatória do homem, sendo cada homem único nas suas experiências.
Deste modo, o princípio da dignidade da pessoa humana permeia por todo ordenamento jurídico. Com previsão legal no art. 1˚, III, da CF vigente, é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, com repercussão em outros dispositivos constitucionais (BRASIL, 1988).
Assim, as famílias devem valorar a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana para com seus membros, bem como os legisladores devem fazer valer esse comando, incluindo a relevância do planejamento familiar ser de livre decisão do casal, assegurando à criança e ao adolescente, bem como ao jovem, o direito à dignidade e ao tratamento com absoluta prioridade (PAIANO, 2017).
Gonçalves (2018) acena que a doutrina, em uma tendência de ampliar conceitos, traz alguns modelos familiares, caracterizando o permanente processo de mudança inerente à conceituação de família. A CF e o CC também reconhecem alguns modelos familiares. Dentre eles, pode-se mencionar: a família matrimonial, informal, monoparental, anaparental, homoafetiva, eudemonista, mosaica e multiparental, descritas a seguir:
a) Família Matrimonial: decorrente do casamento, sendo esta, a única entidade familiar anteriormente reconhecida no ordenamento jurídico. Pouco se dava importância aos laços afetivos e a felicidade pessoal dos seus membros, prevalecendo a manutenção do vínculo conjugal a todo custo (GONÇALVES, 2018). Era patriarcal, isto é, dirigida e comandada pelo chefe da família, o pai, que decidia sobre todos os filhos e tinha ampla hierarquia, inclusive, sobre o seu cônjuge;
b) Família Informal: decorrente da união estável, quando duas pessoas livres para se casarem passam a ter o animus de constituir família e passam a ser reconhecidas publicamente como companheiras. A união estável difere-se do concubinato, pois este ainda não é reconhecido pela lei, nem pela doutrina, salvo nos casos previdenciários, considerado tal como o relacionamento duradouro entre pessoas, nas quais, pelo menos uma, não se encontra livre para casar-se. A união estável está prevista no art. 226 § 3˚ da CF e art. 1.723 do CC (BRASIL, 1988; BRASIL, 2002);
c) Família monoparental: constituída por um dos genitores com seus filhos, é expressamente reconhecida no texto constitucional, no § 4º do art. 226, quando se refere à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (BRASIL, 1988);
d) Família Anaparental: constituída somente pelos filhos, figuram apenas parentes colaterais ante a inexistência de genitores e não há hierarquia de gerações entre os seus integrantes. Para esse núcleo familiar, é necessário que exista entre os membros uma identidade de propósitos (GONÇALVES, 2018);
e) Família Homoafetiva: formada por pessoas do mesmo sexo, sendo admitida a conversão da união homoafetiva em casamento, bem como a proibição, na ordem jurídica brasileira, de qualquer discriminação ou preconceito por motivos de orientação sexual (GONÇALVES, 2018);
f) Família Eudemonista: seu núcleo existencial reside justamente na busca da felicidade e o desenvolvimento pessoal de cada um dos integrantes da entidade familiar, visando não apenas respeitar a dignidade humana destes, mas também alcançar a sua felicidade individual plena (GONÇALVES, 2018);
g) Família Mosaico: designada para caracterizar famílias com sucessivas recomposições diante da fratura de vínculos anteriores, assim é composta por membros provenientes de famílias precedentes e tendo o afeto como seu elemento central (GONÇALVES, 2018). É possível encontrar-se várias nomenclaturas, além da aqui denominada, para este tipo de estrutura familiar: família reconstruída, recomposta ou pluriparental;
h) A família Multiparental: caracterizada por uma pluralidade de relações parentais, em razão do acúmulo de diferentes critérios de filiação, que pode ter origem em diferentes situações (GONÇALVES, 2018). Essa família multiparental será melhor apresentada no tópico seguinte.
Apesar das mais variadas formações de famílias, o afeto e o amor são os elementos basilares dessas relações. A nova concepção de família, prioriza pela felicidade, advinda da família eudemonista. A busca dos indivíduos em atingir a felicidade, independentemente de qual formação tenha sido a instituição familiar, demonstra que para a família o foco está mais ligado aos elos afetivos, no carinho, no amor, no respeito, na presença, no companheirismo do que, de fato, o ideal biológico.
Na opinião de Picinini (2020), embora a filiação socioafetiva não tenha sido adotada expressamente pela CF e pelo CC, essa modalidade de filiação está cada vez mais presente, tendo ganhado importância em diversas situações fáticas em que a afetividade justifica e caracteriza uma filiação. A filiação socioafetiva, poderá, inclusive, se sobrepor à biológica nas situações, em que nessa família biológica, não existe qualquer sentimento de afeto.
Compartilha da mesma opinião Carvalho (2009), que traz ser a sociafetividade uma espécie de filiação, respaldada pela convivência, o afeto e pela estabilidade constante nas relações familiares atuais, e que esses conceitos estão presentes, de forma cada vez mais recorrente, na evolução do direito de família. Ainda segundo o autor, a doutrina acena que a verdade real está demonstrada no fato do filho gozar da posse de estado de filho, comprovando o vínculo de parentalidade civil de outra origem, atribuindo à verdade biológica um papel secundário.
Nesse segmento, para Farias e Rosenvald (2015), a família atual impõe um novo modelo familiar, abalizado no afeto, na solidariedade recíproca entre os seus membros e na construção individual da felicidade, de tal forma que se assegure o respeito e à garantia da dignidade humana.
De acordo com Madaleno (2011), a família se sente realizada quando inserida no grupo familiar e que cada um de seus componentes encontra na convivência baseada no afeto, na solidariedade, o valor social e jurídico que a família exerce no desenvolvimento da sociedade e do Estado.
Portanto, atualmente, a família possui duas bases supremas: o afeto, constante em sentimentos que causam cooperação, solidariedade, uma convivência pacífica e harmoniosa respaldada no respeito, e no princípio da dignidade da pessoa humana, fundamentado na liberdade, na igualdade entre os seus membros, na pluralidade das relações familiares, na proteção aos que são vulneráveis dentro da entidade familiar e, como se fosse um bumerangue, na afetividade.
3 DA MULTIPARENTALIDADE SOCIOAFETIVA
Os conceitos de família e filiação são renovados constantemente, em decorrência das frequentes mudanças pelas quais passa a própria sociedade, repercutindo nas relações familiares de forma geral. Dessa forma, a parentalidade também se transmutou, não sendo mais concebível a dogmática de que só se vê como parente apenas aqueles advindos da relação genética. Novos arranjos familiares foram se formando e como resultado dessas transformações surgiu a multiparentalidade, com o escopo de compreender as relações familiares baseadas no afeto, amor e respeito.
Nesse cenário, a multiparentalidade pode ter origem, muitas vezes, a partir da família mosaico, na qual há a recomposição afetiva de um casal, onde um ou ambos possuem filhos de casamentos ou uniões anteriores, constituindo uma nova entidade familiar com novos vínculos afetivos. Em outras vezes, pode estar presente em casos de adoção, em que os pais estão cientes de não serem os pais biológicos, mas agem como se pais fossem, ou até mesmos de outros vínculos afetivos, em que o amor, o carinho, o respeito, a presença, a cumplicidade entre os membros se fazem tão presentes que passam a surgir o sentimento de família.
Embora sendo uma realidade cada vez mais frequente na atual sociedade, as famílias multiparentais não possuem regulamentação legal específica, sendo amparadas pelo seu reconhecimento jurisprudencial e doutrinário, de forma ainda incipiente.
Nessa perspectiva, descreve Camacho (2020, p. 127):
A multiparentalidade da atualidade é um fenômeno que ganha força com a reorganização dos núcleos familiares nos quais os pais reconstituem suas vidas amorosas, por vezes trazendo filhos de outros relacionamentos e gerando vínculo afetivo entre todos os componentes daquela família.
Assim, conforme apresentam a CF, o CC e Gonçalves (2018), há uma infinidade de princípios que regem as relações familiares, conferindo-se à família atual um tratamento mais condizente à realidade social, atendendo-se às necessidades da prole, de afeição e aos elevados interesses da família e da sociedade. Para a compreensão dos novos arranjos familiares, alguns princípios ressaltam os relevantes aspectos que fundamentam a multiparentalidade. Dentre eles pode-se citar:
a) Princípio da Dignidade Humana: conforme já foi tratado no primeiro tópico, está disposto no art. 1˚, III, CF, é um macroprincípio constitucional que visa tutelar a felicidade e realização pessoal dos indivíduos a partir de suas próprias configurações existenciais, garantindo a observância de igual dignidade às diferentes entidades familiares (BRASIL, 1988);
b) Princípio do Planejamento Familiar e da Paternidade Responsável: positivado na CF, art. 226, §7°, estabelece plena liberdade ao casal de decidir seu planejamento familiar, sendo competência estatal a garantia dos recursos educacionais e científicos necessários (BRASIL, 1988);
c) Princípio da Igualdade de Filiação: disposto no art. 227, §6° da CF e art. 1.596 do CC, impede que se faça qualquer discriminação ou hierarquização entre as espécies de filiação, seja de origem biológica ou não (BRASIL, 1988; BRASIL, 2002);
d) Princípio do Pluralismo Familiar: em que se reconhece às pessoas o direito de constituir livremente entidades familiares, todas dignas de tratamento isonômico. Permitiu-se o reconhecimento das entidades familiares não mais matrimoniais, garantindo-se a elas amparo jurídico (GONÇALVES, 2018);
e) Princípio da Proteção Integral e do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente: encontra fundamento de validade no art. 227 da CF, prioriza os interesses das crianças e adolescentes, como sujeitos de direitos, e não mais meros objetos de decisão dos interesses parentais, como prevalecia antigamente (BRASIL, 1988);
f) Princípio da Afetividade: trata-se de princípio implícito que fundamenta a igualdade de filiação biológica e não biológica, o respeito a seus direitos fundamentais e a solidariedade recíproca, além de ser o elo que caracteriza as uniões familiares atuais (GONÇALVES, 2018).
Desta forma, a nova realidade de arranjo familiar, chamada de multiparentalidade, em que se vislumbra a coexistência de parentalidades, considera presente a liberdade de constituição familiar. Disso pode resultar a múltipla paternidade ou maternidade socioafetiva, havendo a possibilidade de mais de um pai ou mãe constarem na certidão de nascimento.
Nesse norte, Cassettari (2017), aduz que é possível a coexistência da parentalidade biológica e a socioafetiva, sem que uma exclua a outra, caracterizando a formação da multiparentalidade. Acredita, ainda, que a parentalidade afetiva prevalece sobre a biológica e que as relações baseadas no afeto não devem sofrer distinções daquelas de natureza biológica.
No entendimento de Paiano (2017), em razão do princípio da isonomia, não há hierarquia entre os tipos de parentesco, devendo a filiação socioafetiva não suprimir a filiação biológica, mas, sim, coexistirem.
Em consonância a esse entendimento, corrobora-se sobre a coexistência das paternidades biológicas e socioafetivas, e, que não existe hierarquia entre pais socioafetivos e pais biológicos.
Contudo, no âmbito jurídico, a multiparentalidade, apesar de extremamente recorrente, é um instituto novo e seus efeitos ainda estão sendo discutidos e construídos. De acordo com Paiano (2017), não existe impedimento legal para o reconhecimento da multiparentalidade e que ela vem confirmar juridicamente situações que já existem de fato.
Ainda, conforme traz Paiano (2017), a multiparentalidade é um fenômeno jurisprudencial e doutrinário, que permite o reconhecimento de mais de um pai ou mãe a uma mesma pessoa, fazendo assim, constar no registro de nascimento as consequências desse reconhecimento, tais como a alteração do nome, a inclusão do nome de outro pai e o nome de outra mãe, bem como a inclusão dos nomes dos outros avós.
Nesse contexto, é possível asseverar que a multiparentalidade transformou diversos aspectos jurídicos, dentre eles, o direito sucessório. Sendo importante salientar, a preocupação da doutrina quando a multiparentalidade surge na vida do filho quanto aos seus efeitos, especialmente, patrimoniais.
Conforme menciona Camacho (2020), quando existe a filiação afetiva, a busca pela filiação biológica deve ser vista com cuidado no que tange a patrimonialização da filiação, pois deve-se evitar que o filho busque o reconhecimento do vínculo com o intuito apenas de concorrer na linha sucessória dos pais biológicos, agindo de má-fé com fins meramente patrimoniais.
Madaleno (2008) complementa dizendo que a paternidade biológica deve coincidir com a vinculação afetiva em relação a filiação e que esses valores não devem ser invertidos na intenção de gerar ganhos patrimoniais em detrimento do amor, do afeto.
Já na opinião de Paiano (2017), não pode haver a supressão do direito de reconhecimento do estado de filiação biológico ou socioafetivo em face aos efeitos patrimoniais, uma vez ser uma consequência a igualdade jurídica entre filhos.
Ademais, a proteção jurídica que foi concedida no ordenamento jurídico brasileiro ao instituto da filiação, traz que seus efeitos jurídicos devem ser prescritos em todos os casos, mesmo que haja alteração no direito já prelecionado. O escopo é o de garantir que a igualdade de filiação seja atendida, em todas as circunstâncias, inclusive patrimoniais (CARLOS, 2019).
Nessa perspectiva, em concordância com a existência da igualdade jurídica entre os filhos, o vínculo afetivo não exonera o vínculo biológico. Entende-se que a paternidade socioafetiva não exclui da responsabilidade o pai/mãe biológico diante da patrimonialização da filiação.
Hodiernamente, em virtude das diversas discussões a respeito da multiparentalidade, muito se debate em relação a seus reflexos no campo jurídico e como se dariam essas extensões, especialmente, as sucessórias.
Nesse segmento, a Suprema Corte, por ocasião da decisão do RE nº 898.060/SC, trouxe a Repercussão Geral nº 622 de 2016 sedimentando a tese, para utilização em casos semelhantes, de que a paternidade socioafetiva pode ser reconhecida mesmo sem registro, ao dispor que declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. Assim, o referido RE nº 898.060/SC trouxe uma seguridade maior para as relações de multiparentalidade (BRASIL, 2016).
De acordo com Picinini (2020), a partir dos novos modelos de família e de filiação, a socioafetividade vem sendo apontada como formadora do vínculo de paternidade e maternidade. De tal modo, que o instituto da multiparentalidade passou a ser objeto de discussão pela doutrina e jurisprudência brasileira, tendo, como consequência, o seu reconhecimento pela Suprema Corte.
Nesse norte, o relator do RE nº 898.060/SC apresentou no seu posicionamento que a pluriparentalidade ocasiona efeitos na relação jurídica. Dispôs, ainda, em sede decisória que a regulação estatal, diante às lacunas deixadas pelo legislador, não pode se desobrigar a realizar a proteção das circunstâncias de multiparentalidade (BRASIL, 2016).
Assim, os parentes multiparentais fazem jus à tutela jurisdicional concomitante, para todos os fins de direito, tanto os arranjos familiares de origem biológica como afetiva, observando-se aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, disposto no art.1˚, III, da isonomia entre todas as espécies de filiação, previsto no art. 227, §6˚ e da paternidade responsável, em seu art. 226, §7˚ (BRASIL, 1988).
Segundo Gesse (2019), não existe hierarquia entre pais socioafetivos e pais biológicos, pois a paternidade socioafetiva não exclui de responsabilidade os pais biológicos. O seu posicionamento é o de defender o fim do confronto entre os vínculos socioafetivos e biológicos, como o que ficou apontado pela Corte Suprema, sinalizando para a coexistência entre ambas as paternidades.
Do mesmo modo, corrobora-se com a decisão supracitada do STF, em que paternidades biológicas e socioafetivas podem sim coexistirem, não havendo prevalência entre essas formas de vínculos parentais e nem devendo existir hierarquia entre elas.
Na esteira do entendimento de Paiano (2017), com o julgamento do Recurso Extraordinário supramencionado, houve um grande avanço quanto a possibilidade do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva, onde assevera que a filiação socioafetiva e a biológica podem coexistir e não se excluírem, não podendo serem hierarquizadas. Portanto, o reconhecimento da tese da multiparentalidade pelo STF veio contribuir para solucionar situações jurídicas concretas, retratando o duplo vínculo de filiação, proporcionando um modo mais justo de solucionar conflitos concretos dessa natureza.
Nesse segmento, para Camacho (2020), deve-se considerar a importância da busca pela felicidade, onde fica realçado a prevalência do interesse do indivíduo como protagonista do eixo-familiar. Devendo, também, ser considerado como objeto de fundamentação o respeito ao interesse do filho. Tal concepção está corroborada no julgado que o STF também priorizou o direito pela busca da felicidade.
Isso posto, a multiparentalidade trata-se de uma questão de imensuráveis controvérsias, e, isso não é diferente no que versa acerca do direito a sucessão. Logo, inexistindo normas concretas no tocante ao tema, deve-se ser observado as especificidades das relações que envolvem cada situação de filiação, a fim de realizar a busca da verdade real e evitar desigualdades no julgamento aos aspectos inerentes a pluriparentalidade, seja concernente ao direito sucessório ou demais direitos correlacionados.
4 DO INSTITUTO DA INDIGNIDADE
Como já demonstrado, a família multiparental tem sido objeto de diversas discussões. Não se pode negar a relevância desse instituto, considerando que a sua incidência se mostra cada vez mais evidente, algo que, por exemplo, ficou atestado por meio do RE n° 898.060/SC (BRASIL, 2016). Diante disto, seus reflexos no campo jurídico têm sido alvo de inúmeros debates, levando em consideração os efeitos provenientes da multiparentalidade alcançando, inclusive, o direito sucessório.
Desta maneira, o posicionamento adotado pelo STF através do RE n° 898.060/SC, além de declarar que a pluriparentalidade gera efeitos nas relações jurídicas, assevera, também, que haja a necessidade de regulação estatal, no sentido de compelir a realização de medidas protetivas quanto às circunstâncias de multiparentalidade. Esta tutela é direcionada a todas as finalidades que envolvem o direito, o que, consequentemente, inclui os arranjos familiares biológicos e afetivos, tendo por base o princípio da dignidade da pessoa humana (BRASIL, 2016).
Segundo Farias e Rosenvald (2014), a multihereditariedade decorre do reconhecimento da multiparentalidade, o que demonstra a possibilidade de acesso a herança no âmbito do direito sucessório, firmado no entendimento da coexistência de filiações não só nos aspectos de vínculo de parentesco registral ou alimentar, mas também o vínculo oriundo da filiação socioafetiva.
Nesse sentido, o legislador civilista não imaginou que fosse possível, posteriormente ao CC, a existência de mais de um pai e/ou mais de uma mãe na certidão de nascimento, com todos os atributos jurídicos que desta relação cabe, e de forma igualitária entre os envolvidos (PÓVOAS, 2017).
Ante essa conjuntura, pode-se dizer que o direito sucessório diz respeito a um conjunto de normas que têm como finalidade disciplinar a transferência do patrimônio de alguém depois de sua morte aos seus herdeiros, seja em virtude de lei ou de testamento (FARIAS; ROSENVALD, 2017).
Nesse segmento, o CC assegura que podem coexistir herdeiros legítimos e testamentários que podem herdar a título universal ou singular, denominados legatários, através da disposição de última vontade do de cujus, expressa via testamento (BRASIL, 2002).
Quanto aos herdeiros legítimos, o CC considera parentes aqueles até o quarto grau, sendo que existe uma ordem de preferência, dentre a qual a existência dos mais próximos excluem os mais remotos. A ordem, portanto, a ser considerada é a seguinte: os filhos (que podem concorrer com o cônjuge do de cujus, dependendo, do regime de bens do casamento), os ascendentes juntamente com o cônjuge/companheiro, o cônjuge/companheiro, os parentes de 2º, de 3º grau (havendo preferência para os sobrinhos em detrimento dos tios), e por último os parentes de 4º grau (BRASIL, 2002).
Isso posto, estão legitimados a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas até o momento da abertura da sucessão, conforme dispõe o CC em seu art. 1.798. Assim, assevera o CC no art. 1.784 que, com a abertura da sucessão há, de pronto, a transferência da herança aos herdeiros legítimos e testamentários, aplicando-se o princípio da Saisine (BRASIL, 2002).
No entanto, no momento da abertura da sucessão se faz necessário observar a capacidade de herdar dos herdeiros supramencionados, uma vez que é possível que o Ministério Público ou algum outro herdeiro ingresse com uma Ação de Indignidade, e se esta for julgada procedente, o herdeiro deixa de preencher as condições necessárias para suceder, sendo excluído do rol de sucessores. A interposição da referida ação pelo Ministério Público foi conferida pela Lei n.º 13.523 (BRASIL, 2017). Portanto, atualmente, é legislado algo que a jurisprudência já decidia: o Ministério Público pode ajuizar Ação de Indignidade contra pessoas autoras, coautoras ou que participaram de homicídio doloso ou sua tentativa, contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente, conforme disposto no CC, art. 1.815, §2˚ (BRASIL, 2002).
Nesse norte, mais do que nunca, se faz necessário a pena civil em relação a indignidade, pois quando se possui uma família são gerados direitos e deveres mútuos entre seus componentes, especialmente, o de cumplicidade, de afeto e de solidariedade, e, quem trai a família não pode ser merecedor de bens oriundos dela.
Outrossim, Tartuce (2019, p. 161) revela que a pena civil da indignidade se justifica, na atualidade, “pois o Direito deve trazer mecanismos de coerção contra a maldade, a traição, a deslealdade, a falta de respeito, a quebra de confiança e outras agressões praticadas em clara lesão à dignidade humana”.
O legislador civilista apresentou no artigo 1.814 do CC, um rol taxativo de três situações tidas como reprováveis que levassem um herdeiro legítimo ou testamentário à exclusão da herança: todo aquele que tiver participado de homicídio doloso ou mesmo tentativa contra o autor da herança, seu cônjuge ou companheiro, seu ascendente ou descendente, seja como autor, coautor ou partícipe; que tiver acusado caluniosamente ou tiverem incorrido em crime contra a honra do autor da herança, seu cônjuge ou companheiro, e, por último, o que tiver impedido o autor da herança de dispor livremente de seus bens em testamento, por violência ou outro meio fraudulento (BRASIL, 2002).
Desse modo, a indignidade é um instituto de amplo alcance, que tem a finalidade de afastar da relação sucessória aquele que tenha cometido ato grave, socialmente reprovável, em detrimento da integridade física, psicológica, ou moral, ou, até mesmo, contra a própria vida do autor da herança, sendo assim, de natureza essencialmente punitiva (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017). Nesse contexto, o sucessor não usufruiria do benefício econômico proveniente do patrimônio deixado pela pessoa que agrediu.
Contudo, deve-se reforçar que a exclusão por indignidade não ocorre automaticamente com o trânsito em julgado do processo penal que julgou procedente a denúncia do Ministério Público que acusou um filho de ter sido autor do assassinato do pai, por exemplo.
Logo, enquanto não houver o trânsito em julgado da sentença civil de indignidade ou de deserdação, o sucessor fará jus a todos os direitos naturais de qualquer herdeiro ou legatário. Dito isso, reiteram Farias e Rosevald (2017, p. 151):
Dessa maneira, mesmo que a conduta caracterizadora da indignidade ou da deserdação esteja reconhecida por sentença penal condenatória, proferida pelo juiz penal, em processo válido, com trânsito em julgado, não há uma exclusão automática do recebimento da herança. Exempli gratia: se um filho assassinou o pai e veio a ser condenado criminalmente, com trânsito em julgado, não perde automaticamente o direito ao recebimento da herança, sendo necessária uma decisão civil, em ação própria de indignidade ou de deserdação. É a independência das instâncias, exigindo uma cognição específica para a exclusão da sucessão.
Assim, atribui-se a independência das instâncias, exigindo um conhecimento específico para a exclusão da sucessão, cuja legitimidade para propor tal ação, como já foi mencionado, é de qualquer outro herdeiro ou do Ministério Público, uma vez que este atua em questões de relevante interesse público, defendendo a ordem jurídica e os interesses sociais, conforme art. 1.815, § 2º, CC (BRASIL, 2002).
Nesse compasso, a condenação criminal não faz com que o herdeiro julgado culpado seja excluído dos direitos sucessórios, pois se faz necessária uma decisão civil condenatória, em ação própria de indignidade, que possui prazo decadencial de quatro anos, disposto no art. 1.815, § 1º, CC, contados da abertura da sucessão (BRASIL, 2002).
Aqui, no entanto, surge uma questão, se o prazo para propositura da ação de indignidade é decadencial de quatro anos, qual é o prazo para Ação declaratória de reconhecimento do estado de filho post mortem? As ações que têm como natureza meramente declaratórias são ações que não prescrevem, no entanto, a Ação de petição de herança que possui natureza patrimonial prescreve em dez anos, cuja legitimidade é do herdeiro não reconhecido. Desta forma, no caso da Ação de reconhecimento de filho socioafetivo não tiver sido proposta no prazo de quatro anos da abertura da sucessão, a Ação de indignidade deverá ser proposta pelos interessados e coerdeiros, neste prazo, sempre que houver indícios de que a filiação socioafetiva pode ser declarada, o que leva a crer, que o magistrado tenha a referida Ação de Indignidade como reconhecimento pelos herdeiros do estado de filho.
Ademais, de acordo com o CC, art. 1816, os efeitos da exclusão são pessoais, não prejudicando os herdeiros do excluído pela sentença de indignidade. Vale ressaltar que ao excluído da sucessão não competirá à administração, bem como ao usufruto dos bens de seus descendentes que couberem na herança e nem à sucessão eventual de tais bens. Contudo, aduz o CC no art. 1.818 que, poderá o indigno ser reabilitado ao seu direito de sucessão, caso o autor da herança realize o perdão em um ato solene, expresso em um testamento ou outro documento autêntico (BRASIL, 2002).
Portanto, a indignidade constitui pena civil que priva o herdeiro, bem como os legatários, do direito a herança. Entende-se que, atos praticados com o intuito de manipular o autor da herança, o que inclui atos reprováveis e delituosos, implica na quebra de afeição, de confiança, de respeito, de solidariedade entre a pessoa autora da herança e seus familiares, o que torna o herdeiro responsável por essa conduta indigno de recolher os bens hereditários.
Nesse cenário, Almeida (2019) compartilha do pensamento de que a indignidade deriva do rompimento da presunção da existência de afeto, fraternidade, respeito e solidariedade entre membros de uma mesma entidade familiar, justificando a exclusão da sucessão aquele que demonstra desapreço, cultiva o ódio, menospreza, não possui sentimento de afeto e vem a praticar atos delituosos ou reprováveis contra o autor da herança.
Diante disso, o vínculo socioafetivo incorpora-se a ideia de herdeiro necessário, equiparando-se na sucessão com os demais, acarretando todos os efeitos jurídicos no que tange o direito sucessório diante as famílias multiparentais nos casos em que há a indignidade.
Destarte, considerando que os laços familiares estabelecidos mediante a socioafetividade são igualmente equiparados aos biológicos, a entidade familiar multiparental não está isenta da ação de indignidade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa teve como temática a análise dos reflexos sucessórios na exclusão por indignidade quando há multiparentalidade. Conforme o que foi caracterizado neste estudo, os novos arranjos familiares surgiram a partir das transformações dos modelos de famílias que foram passando de um modelo tradicional, hierárquico, patriarcal para abranger arranjos que primam pela observância da dignidade da pessoa humana e afetividade nas relações familiares.
Novos vínculos foram surgindo da relação entre membros de diferentes tipos de famílias, não necessariamente biológicos, mas onde o amor, o cuidado e o afeto se estabelecem como o elo primordial, fazendo nascer uma relação de parentalidade socioafetiva. Nessa nova realidade, os filhos devem ter tratamento isonômico também, perante a lei, inclusive, a que legisla sobre os direitos sucessórios, extraindo-se que os filhos frutos da relação ou não de casamento, ou da adoção, terão os mesmos direitos no que diz respeito a designações relativas à filiação, na pluralidade das relações familiares.
De acordo com o que foi descrito no decorrer do artigo, apesar da omissão de previsão legal, o reconhecimento judicial da multiparentalidade, mesmo quando não anotados no registro de nascimento nomes duplos de pai ou mãe, que não são biológicos, mas possuem afeto tanto quanto, tem se tornado cada vez mais pacificado no que concerne às decisões judiciais. Com o seu reconhecimento, não há necessidade de ser excluído da relação familiar nenhum pai ou mãe, seja afetivo ou biológico, de tal forma que os dois podem assumir o papel de pais do mesmo filho, como de fato são. Para garantir tais fenômenos, contou-se com os princípios da dignidade da pessoa humana, do planejamento familiar e da paternidade responsável, da igualdade da filiação, do pluralismo familiar e da afetividade.
Demonstrou-se, no estudo, que acolher a existência da multiparentalidade na seara do Direito de Família, há uma consequência no Direito Sucessório e, portanto, os efeitos da exclusão por indignidade surtem reflexos aplicados ao direito a herança dos herdeiros biológicos e afetivos. Reportou-se que a indignidade é uma sanção na esfera civil e faz com que seja excluído da sucessão hereditária o ofensor que foi considerado indigno. Demonstra-se ser uma questão ética e moral, na qual quem pratica atos lesivos, delituosos ou reprováveis contra o autor da herança perde a capacidade para suceder, seja esse ofensor possuidor de vínculo afetivo ou biológico.
Salientou-se que o instituto da multiparentalidade ainda não possui previsão legal, o que enseja diversas lacunas no ordenamento jurídico em se tratando da matéria. Assim, não se pode negar a necessidade de dispositivos legais que acompanhem esse fenômeno no âmbito familiar, incluindo no que diz respeito ao direito sucessório, visando garantir uma partilha justa para as partes envolvidas e apenando civilmente, por indignidade, quem fazendo parte da família socioafetiva, a traiu e a desonrou, na forma das situações taxativas de tal pena.
Concluiu-se que há lacunas a serem supridas pelo legislador em relação a multiparentalidade, que o vínculo socioafetivo está conexo à ideia de herdeiro necessário, igualando-se na sucessão com os demais, alcançando todos os reflexos jurídicos no que compete ao direito sucessório em face às famílias multiparentais, que as causas de indignidade são para todos os que são considerados herdeiros legítimos e testamentários, e, por conseguinte, a referida pena civil também atinge os considerados parentes socioafetivos.
Finalmente, vale ressaltar que a questão de o prazo para propositura da ação de indignidade ser menor do que o prazo para propositura da Ação de petição de herança, também, é tema que deve ser considerado em outras pesquisas, bem como pelo legislador civilista.
REFERÊNCIAS
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[1] Aluna do 9º período do Curso de Direito do Centro Universitário UNINOVAFAPI, Teresina-PI.
[2] Doutora em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário UNICEUB, Mestre em Direito Constitucional. Professora da UESPI e do Centro Universitário UNINOVAFAPI, Teresina-PI.
[3] Artigo de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora do Centro Universitário UNINOVAFAPI como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, em Teresina-PI, dezembro de 2020.
Bacharelanda do Curso de Direito do Centro Universitário UNINOVAFAPI, Teresina-PI
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, FERNANDA MARIA COELHO SARAIVA. A multiparentalidade: a exclusão por indignidade nos direitos sucessórios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 fev 2021, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56162/a-multiparentalidade-a-excluso-por-indignidade-nos-direitos-sucessrios. Acesso em: 23 dez 2024.
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