RESUMO: O constitucionalismo que nada mais é do que um instrumento civilizatório que visa à limitação do poder através do reconhecimento dos direitos fundamentais, sendo um movimento político-jurídico, calcado em denso conteúdo histórico (“processo civilizador”), passou a ser a expressão e o resultado desse processo. A positivação dos direitos fundamentais é resultante deste processo, lhes conferindo plena normatividade e garantindo as bases democráticas para o estabelecimento de uma sociedade multicultural. Do ponto de vista do direito, a liberdade de expressão na internet pode resultar em consequências tanto positivas quanto negativas. A crescente “espetacularização da justiça”, a influência midiática tendenciosa via notícias falsas (“fake news”) e a pressão social online que afeta a imparcialidade dos magistrados são alguns dos diversos exemplos das influências virtuais que afetam negativamente o sistema vigente. Para a demonstração da influência e das consequências do uso da liberdade de expressão no meio virtual, adentraremos no polêmico caso tipificado como “estupro culposo”, da jovem brasileira Mariana Ferrer.
Palavras chave: liberdade, expressão, internet, Mariana Ferrer, direitos fundamentais, redes sociais.
SUMÁRIO: Introdução. Capítulo 1. Direitos Fundamentais e o processo de interpretação do texto normativo. 1.1 Da liberdade de expressão Capítulo 2 A tutela da liberdade de expressão pelo Marco Civil da Internet. Capítulo 3. Caso Mariana Ferrer- Estupro culposo não existe. 3.1. Influência da liberdade de expressão por meio das redes sociais no caso Mariana Ferrer 4. Conclusão. 5. Bibliografia Consultada
INTRODUÇÃO
Este artigo pretende analisar de que maneira o uso da liberdade de expressão e o poder de crítica, que é constitucionalmente garantida, influência nas decisões e sentenças deliberadas pelo Poder Judiciário. Muito da influência destas decisões ou de medidas decorrentes dela partem do meio virtual e do uso das redes sociais pela população, que, de alguma forma, se vê mobilizada a intervir e chamar atenção para o debate do caso.
O artigo também pretende especificar quais são os meios de regulamentação do uso da internet que vigoram hoje no país, como este controle é feito ? Com a difusão da tecnologia, grande parte dos atos da vida civil estavam ocorrendo no ambiente online, surgindo, assim, uma preocupação em regulamentar e assegurar a eficácia dos direitos fundamentais na internet. Clássicos são os problemas de violação dos direitos fundamentais em meios sociais, como também, a pretensão de resguardar o direito fundamental de sí ou de outrem por meio de ferramentas tão poderosas quanto as redes sociais. Assim, será parte do artigo a demonstração da regulamentação do uso da internet do Brasil, conhecido como Marco Civil da Internet- Lei 12.965/2014 e a tutela do ciberespaço no Brasil. Será mostrado por meio deste capítulo que a escolha do legislador quanto à reponsabilização, resulta numa proteção a liberdade de expressão, evitando casos de censura prévia pelas empresas provedoras, e incumbido as partes lesadas a provocaram o poder judiciário diante de supostos atos ilícitos cometidos no ambiente virtual.
Para corroborar com o artigo, analisaremos o processo do constitucionalismo que nada mais é do que um instrumento civilizatório que visa a limitação do poder através do reconhecimento dos direitos fundamentais, sendo um movimento político-jurídico, calcado em denso conteúdo histórico (“processo civilizador”). Assim, a Constituição passa a ser a expressão e resultado desse processo e, a positivação dos direitos fundamentais, é resultante deste processo, lhes conferindo plena normatividade e garantindo as bases democráticas para o estabelecimento de uma sociedade multicultural. No entanto, para que tal sociedade se mantenha, Georges Abboud defende que deve haver uma atuação conjunta tanto da sociedade civil, quanto dos agente políticos, sendo extremamente importante compreender o processo constitucional sob o paradigma da dimensão hermenêutica do pós-positivismo e com a necessidade de se eliminar o aspecto discricionário presente em decisões administrativas e judiciais
Para a demonstração da influência e das consequências do uso da liberdade de expressão no meio virtual, adentraremos no polêmico caso tipificado como “estupro culposo”, da jovem brasileira Mariana Ferrer. A frase “Não existe estupro culposo” repercutiu em todas as mídias sociais como forma de manifestação contrária a tipificação penal do juiz Rudson Marcos. Além de que, as manifestações chamaram a atenção para o debate após o vídeo com imagens da audiência do caso de estupro denunciado pela jovem catarinense Mariana Ferrer, de 23 anos, terem sido pelo site “The Intercept Brasil”, causando indignação e grande repercussão, no Brasil e no exterior. O crime ocorreu em uma festa no final do ano de 2018, na cidade de Florianópolis, no julgamento o empresário foi inocentado, pois, segundo os argumentos, o empresários “não tinha a intenção de estuprar”, tese esta que não encontra nenhum precedente na justiça brasileira. A tese inicial do Ministério Público é de estaríamos a diante de um crime de estupro de vulnerável, pois segundo os relatos, Mariana era virgem e havia sido drogada na festa
Resta saber quais foram as consequências da utilização das mídias sociais e da liberdade de expressão no caso de estupro da modelo Mariana Ferrer.
Capítulo 1. Direitos Fundamentais e o processo de interpretação do texto normativo.
Os direitos fundamentais são fruto de uma construção histórica, marcada por lutas que buscam da consolidação dos direitos até então conquistados[1] . Isso nos permite assegurar que direitos fundamentais assim o são, não porque foram positivados, mas principalmente, porque são frutos de uma conquista histórica ou, nas palavras de Norbert Elias, um “processo civilizador”.[2]
O constitucionalismo nada mais é do que um instrumento civilizatório que visa a limitação do poder através do reconhecimento dos direitos fundamentais, sendo um movimento político-jurídico, calcado em denso conteúdo histórico (“processo civilizador”). Assim, a Constituição passa a ser a expressão e resultado desse processo e, a positivação dos direitos fundamentais, é resultante deste processo, lhes conferindo plena normatividade e garantindo as bases democráticas para o estabelecimento de uma sociedade multicultural. No entanto, para que tal sociedade se mantenha, Georges Abboud defende que deve haver uma atuação conjunta tanto da sociedade civil, quanto dos agente políticos, sendo extremamente importante compreender o processo constitucional sob o paradigma da dimensão hermenêutica do pós-positivismo e com a necessidade de se eliminar o aspecto discricionário presente em decisões administrativas e judiciais. [3]
Por um tempo, o paradigma adotado pela ciência jurídica era o da vertente positivista, segundo a qual, o conhecimento era adquirido através da relação entre sujeito e objeto sendo que, todo o conteúdo pessoal adquirido pelo primeiro devido a experiências pessoais, afetava de certa forma, na maneira como o sujeito interpretava a realidade.
No entanto, a mudança de paradigma filosófico ocorrida com o giro-linguístico culminou com a visão pós-positivista, segundo a qual não é possível analisar determinado fenômeno jurídico de forma apartada da realidade. Aqui, “a questão do fundamento fica deslocada para uma estrutura constituidora de mundo: linguagem”[4] ou seja, a linguagem deixa de ser um mero instrumento de ligação entre sujeito-objeto e passa a ser a própria compreensão da realidade:
“Diante disso, as teorias do direito (de Kelsen a Hart) entraram nos trilhos desse giro linguístico operado pela filosofia. De alguma forma, toda a teoria do direito produzida no século XX parte o pressuposto inexorável de que a análise da linguagem – entendida como instância na qual se produzem os significados e o sentido – é o ponto decisivo para a compreensão do fenômeno jurídico. ”[5]
O intérprete, assim como o texto a ser interpretado, carregam consigo uma determinada carga de conteúdo produzida no passado e no presente, sendo a interpretação a produção – e não reprodução – de um novo significado, nas palavras de Lênio Streck, “O ato de interpretar implica uma produção de um novo texto, mediante a adição de sentido que o intérprete lhe dá. Essa adição de sentido ocorre da consciência histórica-efetual, na qual o intérprete está possuído. Isto porque há um caráter construtivista na história”.[6]
Importante ressaltar que o processo de concretização, no qual cada interpretação produz uma norma, não significa que tal ato pode ser feito de maneira discricionária por parte do intérprete. Aqui é que se manifesta a verdadeira importância da história e cultura do local, do caso e do intérprete. O intérprete nunca será um ser totalmente desprovido de qualquer conteúdo, assim também como o próprio texto a ser interpretado (texto normativo), não será vazio de qualquer valor histórico, sempre haverá uma certa tradição que constituirá o espaço e o limite de atuação que poderá ser explorado pelo intérprete.
1.1. Da Liberdade de Expressão
É mister a afirmativa de que a liberdade de expressão é proveniente da autonomia do indivíduo formada pela necessidade social de comunicação com os demais indivíduos. Conforme afirmado por Daniel Sarmento[7], a dimensão essencial da dignidade da pessoa humana é também formada pela possibilidade de cada um expor as suas ideias e concepções, fazendo, também divulgações de obras e etc.
Assim, podemos entender que o ato de privar o ser humano de qualquer destas faculdades inerentes da liberdade de expressão constitucionalmente garantida, restringe a capacidade de realização deste indivíduo, tolhendo sua autonomia individual.
Importante ressaltarmos que a liberdade de expressão não se restringe apenas na figura daquele que expõe seu pensamento, mas alcança e tem o propósito também de atingir a figura do ouvinte. Com essa junção de necessidade de expressão, somada a revolução digital que vivemos, a troca de informações na internet, por meio de sites, facebook, twitter, instagram e whatAspp, tornou-se o meio mais propício de emissão de opinião de diferentes maneiras.
A Liberdade de expressão não tem seu exercício puro inofensivo. Conforme afirmado por Daniel Sarmento[8], muitas são as vezes que as palavras e as ideias ferem e isto faz parte do jogo. Exemplos disso temos a imprensa quando publica alguma crítica totalmente desfavorável a uma obra literária, é muito provável que este ato cause grande tristeza ao seu autor – há casos até de suicídio –, e lhe traga também prejuízos materiais, pela diminuição das vendas do livro. Quando ela condena como antiéticos os atos de algum político, ela certamente abala a sua reputação e pode definir o seu fracasso numa eleição. Vale ressaltar que isso não justifica a proibição destes atos expressivos nem a penalização de quem os escreveu ou veiculou. Na verdade, a formação de um debate livre, robusto e aberto de ideias na sociedade é um dos objetivos fundamentais da liberdade de expressão, e neste debate alguns fatalmente saem arranhados. Este é um preço que vale a pena pagar para viver-se numa democracia.
Com isso, é claramente afirmado que a liberdade de expressão é usada tanto para defesa de uma causa e amplitude de um debate ou uma pauta, como, também, muitas vezes utilizado para denegrir algo ou fazer oposição à imagem de alguém.
É de conhecimento geral que a liberdade de expressão está disposta na constituição no artigo 5º, sendo que nos incisos V e X, temos a disposição de imagem e honra, ressaltando que tanto a imagem quanto a hora não podem ser violadas. Importante frisar que o artigo demonstra que o direito de se expressar não podem ser violados, não garantindo espaço para ofensas, violação dos direitos humanos ou propagação de discurso de ódio.
O direito à liberdade de expressão não pode se sobrepor ou infringir a dignidade da pessoa humana, caso venha ferir a dignidade da pessoa humana, existe a possibilidade de buscar a justiça para pedir a reparação. Logo, a justiça tem que se valer como meio de reparação nos casos que atentem contra a dignidade da pessoa humana.
O poder de crítica de que se valem os cidadãos no meio virtual é tão grande, mas tão grande que muitas das decisões judiciais repercutiram negativamente nas mídias sociais acarretando consequências e chamando a atenção da população para pautas relevantes como: racismo, violência contra a mulher, negligência do Poder Judiciário com relação às classes desfavorecidas.
Exemplos claros de repercussão nas mídias sociais foram os casos de “Miguel Otávio”, menino de 5 anos, que caiu do 9º andar no prédio em que a sua mãe Mirtes trabalhava como empregada doméstica. O caso repercutiu nas mídias sociais chamando atenção quando pessoas influentes nas mídias destacaram os acontecimentos sobre o caso, logo houve multiplicação de textos e os conhecidos “stories” do instagram em vários perfis de usuários da plataforma.
Além de chamar atenção para a pauta de classe social e o pouco caso por parte da patroa na figura de aquela que detém a responsabilidade por olhar a criança, Mirtes(mãe do menino), também foi alvo de ofensas nas redes sociais após solicitar indenização na justiça no valor de R$987 mil reais.
Outro caso que repercutiu nas redes sociais foi o caso da modelo Mariana Ferrer, que ocorreu em setembro de 2020 e o empresário André de Camargo Aranha foi inocentado pela justiça no caso, resultando revolta entre mulheres e ativistas, levando a hashtag #justiçapormariferrer aos trending topics do twitter, caso este que será abordado em outro capítulo.
Constata-se que não obstante a internet ter surgido, na modalidade comercial, na década de 90 e ter se tornado uma ferramenta onipresente no cotidiano de grande parte da população mundial, foi apenas em 2014 que a discussão jurídica extrapolou a seara penal e adentrou o âmbito da regulação de seu uso.
A preocupação original dos legisladores, dos operadores do direito e até mesmo da sociedade tinha como foco os crimes cometidos por intermédio de computadores, resultando em normas e na criação de tipos penais relacionados à condutas praticas no âmbito virtual (como exemplo, tem-se a Lei federal nº 12.737 de 2012, a qual trata dos crimes eletrônicos).
Contudo, percebeu-se que, com o desenvolvimento e difusão da tecnologia, grande parte dos atos da vida civil estavam ocorrendo no ambiente online, surgindo, assim, uma preocupação em regulamentar e assegurar a eficácia dos direitos fundamentais na internet.
Nesse contexto, foi promulgada a lei federal nº 12.956 de 2014, popularmente intitulada de “marco civil da internet”, a qual estabelece em seu texto os princípios, direitos, deveres e garantias que norteiam e delimitam o uso da internet no Brasil. Tal regulação abrange tanto relações jurídicas e sociais que ocorrem apenas no ambiente online (como exemplo, tem-se a questão da responsabilidade dos provedores) quanto situações não exclusivas do ciberespaço (como exemplos, verifica-se a privacidade, proteção de dados pessoais e a liberdade de expressão).
Quanto ao objeto e escopo normativo do Marco Civil da Internet, estes se encontram positivados em seu art. 1º, e consistem em fornecer garantias, direitos, deveres e diretrizes para o uso da internet no Brasil.
Uma interpretação literal do referido artigo resulta, no que tange a escolha de empregar o termo “uso da internet”, na constatação de que o legislador infraconstitucional estava preocupado, apenas, com a regulação dos atos do usuário de uma estrutura física e lógica.
Contudo, uma visão hermenêutica finalística, possibilita identificar que o âmbito de tutela normativa, na verdade, abrange um ambiente de inter-relacionamento apto à produção de atos e fatos que impactam diretamente o mundo jurídico; afetando, assim, não só usuários, mas a sociedade como um todo.
A tutela da liberdade de expressão no ambiente virtual é uma das principais preocupações do Marco Civil da Internet, o qual elenca em seu art. 2º[9]os fundamentos da Lei, incluindo a promoção dos direitos humanos e o exercício da cidadania.
Em consonância com tais fundamentos estão os princípios que regem a lei federal nº 12.956 de 2014, os quais tem natureza normativa e orientam o operador do direito na compreensão das regras jurídicas; estão dispostos no art. 3º[10].
Tais princípios e objetivos reproduzem, em muitos dos incisos, normas jurídicas instituídas pelo poder constituinte, logo, depreende-se uma preocupação em tutelar e assegurar a eficácia dos direitos fundamentais de outros dispositivos constitucionais no ciberespaço,
Capítulo 2. A tutela da liberdade de expressão pelo Marco Civil da Internet
A liberdade de expressão é um direito basilar do ordenamento jurídico pátrio, sendo essencial ao Estado Democrático de Direito (vedação à censura) e, simultaneamente, enquadra-se como direito fundamental.
Conforme já mencionado, a Lei Federal nº 12.965 de 2014 elencou a “liberdade de expressão” como um de seus fundamentos (art. 2º) e princípios norteadores (art. 3º), demonstrando a relevância da proteção de tal direito no ambiente virtual.
Dentre os mecanismos instituídos pelo Marco Civil da internet para instrumentalizar e operacionalizar o direito à liberdade de expressão na esfera digital, a distribuição da responsabilidade civil é um dos mais relevantes e eficientes.
O art. 18 da Lei estabelece que o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, logo, tais empresas não são responsáveis pelos atos praticados por terceiros que usam os canais de comunicação por elas fornecidas.
Constata-se que é uma regulamentação similar àquela utilizada em outros meios de conexões, como é o caso do setor de telefonia, na qual a responsabilidade também recai sobre o usuário e não sobre as provedoras.
Caso a responsabilidade civil incidisse sobre tais empresas, devido ao modelo de negócio que, primordialmente, objetiva o lucro, haveria uma atuação que promoveria uma restrição à liberdade de expressão dos usuários.
Isso porque as empresas provedoras, visando mitigar os riscos de uma eventual condenação ao pagamento de ressarcimento e indenizações, realizariam uma censura prévia dos conteúdos, para excluir aquelas que entendesse ser classificados como “atos ilícitos”. As provedoras de internet, tenderiam a decidir pela retirada de conteúdo e pelo banimento de usuários diante de o menor indício de eventual responsabilidade civil.
Portanto, a escolha do legislador quanto à reponsabilidade, resulta numa proteção a liberdade de expressão, evitando casos de censura prévia pelas empresas provedoras, e incumbido as partes lesadas a provocaram o poder judiciário diante de supostos atos ilícitos cometidos no ambiente virtual.
Capítulo 3. Caso Mariana Ferrer- “Estupro culposo não existe”
Em setembro de 2020, o empresário André de Camargo Aranha foi inocentado pela justiça no caso de estupro da promotora de eventos e modelo, Mariana Ferrer, o resultado gerou revolta entre mulheres e ativistas, levando a hashtag #justiçapormariferrer aos trending topics do twitter.
O crime ocorreu em uma festa no final do ano de 2018, na cidade de Florianópolis, no julgamento o empresário foi inocentado, pois, segundo os argumentos, o empresários “não tinha a intenção de estuprar”, tese esta que não encontra nenhum precedente na justiça brasileira. A tese inicial do Ministério Público é de estaríamos a diante de um crime de estupro de vulnerável, pois segundo os relatos, Mariana era virgem e havia sido drogada na festa.
Posteriormente, segundo o promotor responsável pelo caso, não havia como o empresário saber durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo por tanto, intenção de estuprar, alegando assim “erro de tipo”, logo, André foi absolvido,
No julgamento, o que chama atenção são as imagens e áudios do advogado Cláudio Gastão humilhando Mariana, falando frases como “peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você”, “Teu showzinho você vai lá dar no instagram depois, para ganhar mais seguidores”. Além de que, o advogado insiste em mostrar fotos sensuais da moça tiradas antes do acontecimento do caso. A vítima chora na audiência virtual, clamando por respeito. O que Cláudio Gastão fez foi menosprezar Mariana para que a atenção ao criminoso fique em segundo plano, colocando atenção em ênfase na vítima
Com as imagens da audiência, fica claro a violação da dignidade da pessoa humana e a inércia de atitude do juiz ao ver a vítima ser humilhada. Conforme dito em capítulos anteriores, o direito à liberdade de expressão, que aqui utilizaremos o do juiz, não pode se sobrepor ou infringir a dignidade da pessoa humana, caso venha ferir a dignidade da pessoa humana, existe a possibilidade de buscar a justiça para pedir a reparação. Logo, a justiça tem que se valer como meio de reparação nos casos que atentem contra a dignidade da pessoa humana.
Mister ressaltar que em um julgamento de crime de estupro, ferir a dignidade da vítima, desencoraja que as próximas vítimas procurem pelo Poder Judiciário como forma de resguardar seus direitos. Além de estimular comportamentos machistas e violentos contra quem precisa de atenção e suporte.
Nas mídias sociais tamanha foi a revolta com relação a absolvição, que a hashtag “estupro culposo não existe”, somadas as inúmeras cenas de humilhação no julgamento, foram amplamente divulgadas, bem como, houve a divulgação de todos os envolvidos no julgamento, sendo juiz, advogado, promotor e partes. No STF o caso também teve repercussão quando Gilmar Mendes , afirma que Mari foi vítima de tortura e humilhação.
3.1- Influência da liberdade de expressão por meio das redes sociais no caso Mariana
Com o advento da internet e sua torrencial difusão na sociedade globalizada, as chamadas “redes sociais” assumiram um papel de destaque na instrumentalização da liberdade de expressão, uma vez que permitem que usuários do mundo inteiro forneçam seus posicionamentos e interajam entre si, de modo quase que instantâneo.
Essa revolução tecnológica criou um novo espaço para o exercício das liberdades individuais, o qual conta com maior alcance e rapidez, influenciando a estrutura social, cultural, individual, política e até mesmo jurídica da estrutura atual.
Do ponto de vista do direito, a liberdade de expressão na internet pode resultar em consequências tanto positivas quanto negativas. A crescente “espetacularização da justiça”, a influência midiática tendenciosa via notícias falsas (“fake news”) e a pressão social online que afeta a imparcialidade dos magistrados são alguns dos diversos exemplos das influências virtuais que afetam negativamente o sistema vigente.
Não obstante, constata-se que a atuação da sociedade civil nas redes sociais pode culminar, positivamente, na fiscalização do cumprimento das leis pelo poder público. É o que aconteceu no já citado caso “Mariana Ferrer”, no qual a internet possibilitou um movimento de indignação e questionamento das teses jurídicas acatadas pelo Poder Judiciário.
Todo o movimento e as críticas tidas nas redes sociais, em prol da modelo Mariana Ferrer, culminou na apuração, por parte do CNJ-Conselho Nacional de Justiça, da conduta do juiz Rudson Marcos na audiência. Nela podemos analisar que Mariana foi amplamente criticada pelo advogado do empresário André e, mesmo com as críticas pesadas, não houve qualquer manifestação por parte do juiz. Mariana clamou por respeito na audiência, além de cair no choro, mas nada foi feito pelo juiz para respaldar e garantir a dignidade de Mariana na audiência.
Assim, podemos analisar que, por meio das inúmeras postagens e comentários midiáticos sobre o caso, o que foi possível verificarmos é que com o avanço da tecnologia muitas das decisões são comentadas e debatidas nos meios virtuais acarretando alguma consequência para aqueles que apuram, investigam, julgam ou estão em julgamento.
No caso específico de Mariana Ferrer, embora o que tenha sido repercutido com mais veemência na mídia e nas redes sociais seja a frase “estupro culposo não existe”, fazendo critica frente a absolvição e a sentença do juiz, o que na realidade foi ponto sensível e destaque no meio jurídico foi a conduta do juiz no caso, que nada fez para preservar a integridade de Mariana durante o julgamento. Assim, podemos notar que ponto as redes sociais também são instrumentos de busca pela justiça e dignidade.
Mister é notar que na hipótese de este caso não ter sido amplamente criticado nas redes sociais, bem possivelmente não haveria tanta atenção a conduta do juiz no caso, logo, possivelmente não teria sido aberto procedimento no CNJ- Conselho Nacional de Justiça para apuração de sua conduta, o que seria com certeza uma perda de eficiência do Poder Judiciário, pois condutas como estas devem ser apuradas. E aqui podemos também entrar no mérito de que caso este tipo de conduta não seja amplamente analisada e investigada, cada vez mais as pessoas perderam a confiança no Poder Judiciário.
Imagine como as próximas vítimas, ou supostas vítimas, de um caso como estupro, por exemplo, se sentiram ao imaginar que poderão passar por uma humilhação em audiência, sem menor respaldo e amparo do Poder Judiciário.
No caso de Mariana Ferrer, além da instauração para apuração de conduta no CNJ- Conselho Nacional de justiça, a corregedoria nacional de Justiça do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), já se pronunciou instaurando expediente para apuração da conduta do juiz Rudson Marcos.
Com isso foi aberta a reclamação disciplinar nº 0009128-73.2020.2.00.0000, em que a Corregedoria Nacional de Justiça requisitou informações sobre a existência de eventual apuração sobre o mesmo fato junto à Corregedoria-Geral do TJSC.
Outro detalhe que se pode analisar é que com base no amplo poder de crítica sobre o caso, a verificação sobre a conduta do magistrado em Santa Catarina também é acompanhada pela Comissão Permanente de Políticas de Prevenção às Vítimas de Violências, Testemunhas e de Vulneráveis do CNJ, composta pelas conselheiras Maria Cristiana Ziouva e Ivana Farina e pelo conselheiro Marcos Vinícius Jardim. O conselheiro Henrique Ávila também se manifestou pela imediata apuração dos fatos.[11]
Aqui observamos e damos o devido destaque ao poder de crítica no ambiente virtual que, muito embora neste caso tenha sido voltado a análise da questão da absolvição por meio da frase “estupro culposo não existe”, foi de suma importância para que as comissões de apuração de conduta “olhassem com outros olhos” para este caso e pudessem abrir reclamação contra conduta omissiva do juiz na audiência.
Capítulo 4. Conclusão.
A Liberdade de expressão não tem seu exercício puro inofensivo, muitas são as vezes que as palavras e as ideias ferem e isto faz parte do jogo. Exemplos disso temos a imprensa quando publica alguma crítica totalmente desfavorável a uma obra literária, é muito provável que este ato cause grande tristeza ao seu autor – há casos até de suicídio –, e lhe traga também prejuízos materiais, pela diminuição das vendas do livro. Quando ela condena como antiéticos os atos de algum político, ela certamente abala a sua reputação e pode definir o seu fracasso numa eleição. Vale ressaltar que isso não justifica a proibição destes atos expressivos nem a penalização de quem os escreveu ou veiculou. Na verdade, a formação de um debate livre, robusto e aberto de ideias na sociedade é um dos objetivos fundamentais da liberdade de expressão, e neste debate alguns fatalmente saem arranhados. Este é um preço que vale a pena pagar para viver-se numa democracia.
Mas ponto importante a se observar é que o direito à liberdade de expressão não pode se sobrepor ou infringir a dignidade da pessoa humana, caso venha ferir a dignidade da pessoa humana, existe a possibilidade de buscar a justiça para pedir a reparação. Logo, a justiça tem que se valer como meio de reparação nos casos que atentem contra a dignidade da pessoa humana.
Com a torrencial difusão do uso da internet na sociedade globalizada, as chamadas “redes sociais” assumiram um papel de destaque na instrumentalização da liberdade de expressão, uma vez que permitem que usuários do mundo inteiro forneçam seus posicionamentos e interajam entre si, de modo quase que instantâneo. Essa revolução tecnológica criou um novo espaço para o exercício das liberdades individuais, o qual conta com maior alcance e rapidez, influenciando a estrutura social, cultural, individual, política e até mesmo jurídica da estrutura atual.
Porém, quando entramos no quesito lei do Marco Civil da Internet, a escolha do legislador quanto à responsabilização resulta numa proteção a liberdade de expressão, evitando casos de censura prévia pelas empresas provedoras, e incumbido as partes lesadas a provocaram o poder judiciário diante de supostos atos ilícitos cometidos no ambiente virtual.
Quando adentramos especificamente no caso de Mariana Ferrer, suposto crime de estupro, que ocorreu em uma festa no final do ano de 2018, na cidade de Florianópolis e que no julgamento o empresário foi inocentado, pois, segundo os argumentos, o empresários “não tinha a intenção de estuprar”, tese esta que não encontra nenhum precedente na justiça brasileira. A tese inicial do Ministério Público é de estaríamos a diante de um crime de estupro de vulnerável, pois segundo os relatos, Mariana era virgem e havia sido drogada na festa, mas que posteriormente, segundo o promotor responsável pelo caso, não havia como o empresário saber durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo por tanto, intenção de estuprar, alegando assim “erro de tipo”, logo, André foi absolvido. Analisamos a importância da influência das mídias sociais para o que culminou na apuração de conduta no CNJ- Conselho Nacional de justiça e da corregedoria nacional de Justiça do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), para apuração da conduta do juiz Rudson Marcos. Com isso foi aberta a reclamação disciplinar nº 0009128-73.2020.2.00.0000, em que a Corregedoria Nacional de Justiça requisitou informações sobre a existência de eventual apuração sobre o mesmo fato junto à Corregedoria-Geral do TJSC. Outro detalhe importante é que com base no amplo poder de crítica sobre o caso, a verificação sobre a conduta do magistrado em Santa Catarina também é acompanhada pela Comissão Permanente de Políticas de Prevenção às Vítimas de Violências, Testemunhas e de Vulneráveis do CNJ, composta pelas conselheiras Maria Cristiana Ziouva e Ivana Farina e pelo conselheiro Marcos Vinícius Jardim. O conselheiro Henrique Ávila também se manifestou pela imediata apuração dos fatos.
Embora o que tenha sido repercutido com máxima veemência na mídia seja a questão da absolvição do empresário, o poder de crítica fez com que as comissões que apuram condutas dos juízes olhem para o caso e prestem atenção na conduta do magistrado no caso. O que é de suma importância, já que estamos diante de um caso de atentado a dignidade sexual, que merece máxima atenção e cautela. Logo, mesmo que critica seja contra outro ponto específico do caso, ela conseguiu adentrar no ponto mais sensível do caso, tudo pela difusão do poder e uso da internet.
Bibliografia Consultada.
https://www.cnj.jus.br/cnj-abre-procedimento-sobre-conduta-de-juiz-em-caso-de-mariana-ferrer/
ABBOUD, Georges. O Processo Constitucional Brasileiro. 1ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992.
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Aspectos Fundamentais do Marco Civil da Internet: Lei nº 12.965/2014. São Paulo: Edição do autor, 2016.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 8ª edição, revista e atualizada. Porto Alegre: Do Advogado, 2009.
SOUZA, Carlos Affonso; LEMOS, Ronaldo. Marco civil da internet: construção e aplicação, Juiz de Fora: Editar Editora Associada Ltda, 2016.MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Aspectos Fundamentais do Marco Civil da Internet: Lei nº 12.965/2014. São Paulo: Edição do autor, 2016.
[2] ABBOUD, Georges. O Processo Constitucional Brasileiro. 1ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016
[3] ABBOUD, Georges. O Processo Constitucional Brasileiro. 1ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016 (p 50)
[4] ABBOUD, Georges. O Processo Constitucional Brasileiro. 1ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016 (p 50)
[6] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 8ª edição, revista e atualizada. Porto Alegre: Do Advogado, 2009. (p. 215)
[7] SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “HATE SPEECH”
[9] Art. 2º. I - o reconhecimento da escala mundial da rede; II - os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; III - a pluralidade e a diversidade; IV - a abertura e a colaboração; V - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VI - a finalidade social da rede.
[10] Art. 3º. I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; II - proteção da privacidade; III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei; IV - preservação e garantia da neutralidade de rede; V - preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas; VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei; VII - preservação da natureza participativa da rede; VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.
[11] https://www.cnj.jus.br/cnj-abre-procedimento-sobre-conduta-de-juiz-em-caso-de-mariana-ferrer/
Mestranda em Direito Constitucional PUCSP. Bacharel em Direito pela PUC SP. Curso de extensão de RJ e falência PUCSP. Advogada do contencioso na empresa Itaú Unibanco SA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: QUEIROZ, Inaê Muniz Pires de. O poder de crítica no meio virtual: uso da liberdade de expressão em oposição às decisões do poder judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 fev 2021, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56180/o-poder-de-crtica-no-meio-virtual-uso-da-liberdade-de-expresso-em-oposio-s-decises-do-poder-judicirio. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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