RENÊ FRANCISO HELLMAN
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho visa o estudo dos efeitos processuais da tutela antecipada nas ações de medicamentos. Iniciou-se então, com a conceituação dos direitos fundamentais, passando ao estudo do direito à saúde enquanto fornecimento de medicamentos pelo Estado e análise da atuação do poder judiciário nas ações judiciais que deferem o fornecimento de medicamentos pelo Estado. Nesse sentido, analisou-se os posicionamentos adotados pelos Tribunais Superiores e pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Por fim, conceituou-se as tutelas de urgência, com destaque à tutela de urgência antecipada, e concluindo o trabalho com a análise dos seus efeitos e análise dos processos existentes nos Juizados Especiais da Fazenda Pública da Comarca de Ponta Grossa/PR. Utilizou-se, para tanto, a técnica de pesquisa da documentação indireta e o método de abordagem empregado é o lógico-dedutivo. Os principais resultados encontrados foram: a relevância do direito dentro da sociedade e a importância da sua regulamentação na Carta Constitucional, bem como o fato da sua efetivação estar atrelada a todos os efeitos dela recorrentes, sejam materiais e processuais às partes envolvidas; a necessidade de maior conscientização do poder judiciário nas ações de medicamentos, a fim de não inviabilizar as políticas públicas e a própria estrutura nacional de saúde.
PALAVRAS-CHAVES: Direito à saúde. Ações de Fornecimento de Medicamentos pelo Estado. Tutelas de Urgência Antecipadas.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Direito Fundamental à Saúde. 2.1. Conceito e recortes históricos dos direitos fundamentais. 2.2.1. Direito à Saúde. 2.2.2. O direito à saúde como direito exigível. 3.A atuação do Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde. 3.1. Limites Legítimos e Críticas. 3.2. Posicionamentos adotados pelos Tribunais Superiores. 3.2.1. Posicionamentos adotados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. 4. As Tutelas de Urgência de acordo com o Código de Processo Civil de 2015. 4.1. As diferenças entre a tutela de urgência antecipada e a tutela de urgência cautelar e suas características. 4.2. Os requisitos para concessão da tutela de urgência. 4.3. A irreversibilidade da tutela antecipada e seus efeitos. 4.4.Estabilização da tutela contra a Fazenda Pública. 4..5.Análises das decisões liminares nas ações de medicamentos propostas nos Juizados Especiais de Ponta Grossa/PR, referentes ao segundo semestre de 2018.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho de conclusão de curso tem como temática enfrentada a análise dos efeitos das tutelas de urgência antecipadas dentro das ações de fornecimento de medicamentos pelo Estado, bem como a análise dos entendimentos firmados pelos Tribunais Superiores e pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, bem como dos Juizados Especiais da Fazenda Pública da Comarca de Ponta Grossa/PR. Deste modo, analisar-se-ão o conceito dos direitos fundamentais, com maior enfoque no direito à saúde, com base na Constituição Federal, bem como o estudo da atuação do poder judiciário na promoção do direito fundamental à saúde no que tange o acesso aos medicamentos. Nesse sentido, analisou-se o posicionamento dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, com destaque aos Juizados Especiais da Fazenda Pública da Comarca de Ponta Grossa/PR, com a finalidade de verificar os precedentes fixados e os efeitos processuais que as decisões acerca das tutelas de urgência antecipadas possuem dentro dos processos que pleiteiam medicamentos em face do Estado.
2. Direito Fundamental à Saúde.
2.2. Conceito e recortes históricos dos direitos fundamentais.
O renomado constitucionalista José Afonso da Silva (2005, p. 175-6) ao tratar dos direitos fundamentais utiliza a expressão “Direitos fundamentais do homem”, pois a entende como a expressão mais adequada. Afirma que se referem aos princípios que resumem a concepção do mundo e a ideologia política de cada ordenamento jurídico, além de designar, dentro do direito positivo, as prerrogativas e instituições que ele prevê como garantias de convivência digna, livre e iguais a todos.
Explica que a qualificação “fundamentais” é essencial nas situações jurídicas vivenciadas pela pessoa humana, sem a qual essas não se realizariam; e que a qualificação do “homem” no sentido de pessoa humana, assim, “direitos fundamentais do homem” como direitos fundamentais da pessoa humana, título II da Constituição Federal de 1988 (SILVA, J., 2005, p. 177).
Tais direitos fundamentais estão positivados como normas, as quais possuem natureza constitucional na medida em que estão inseridas no texto de uma constituição ou apenas constem de simples declaração solene realizada pelo poder constituinte, ou seja, direitos nascidos e baseados no princípio da soberania popular (SILVA, J., 2005, p. 177).
Já em relação a sua eficácia e aplicabilidade, José Afonso da Silva (2005, p. 180) expõe que estes fatores dependem muito do seu enunciado, uma vez que está submetido ao direito positivo, como é o caso dos direitos sociais. Tais direitos estão enquadrados dentro dos direitos fundamentais, mas dependem de normas ulteriores para garantir sua eficácia e aplicabilidade, exemplo disso são as normas regulamentadoras do direito à saúde. Nesse sentido, afirma que apesar de a Constituição enquadrar os direitos fundamentais democráticos e individuais como direitos de aplicação imediata, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto os direitos econômicos e sociais são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta) (SILVA, J., 2005, p. 183-184).
A admissão de outros direitos e garantias fundamentais não enumeradas na Carta Constitucional é possível graças à previsão de seu §2º do art. 5º, “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (BRASIL, 1988)” (SILVA, J., 2005, p. 183-184).
Esses direitos fundamentais, no ordenamento jurídico brasileiro, são classificados com base no critério de conteúdo, referente à natureza do bem protegido e o objeto de tutela. São classificados em cinco grupos: “direitos individuais (art. 5º), direitos à nacionalidade (art. 12), direitos políticos (art. 14 a 17), direitos sociais (arts. 6ª e 193 e ss.), direitos coletivos (art. 5º), direitos solidários (arts. 3º e 225)” (SILVA, J., 2005, p. 183-4).
Tal classificação de direitos reflete a trajetória evolutiva dos direitos fundamentais do Estado Liberal ao Estado Constitucional Socioambiental, analisada por meio de gerações dos direitos fundamentais. Contudo, ressalta-se que essa evolução não ocorreu de forma linear, vez que muitas vezes os direitos de segunda geração estavam presentes com os direitos de primeira geração, mas que foram divididos para fins didáticos (SARLET, 2017, p. 501).
De acordo com Paulo Bonavides (2004, p. 563), os direitos de primeira geração são aqueles que garantem a liberdade, os primeiros a serem salvaguardados pelos instrumentos normativos constitucionais, como os direitos civis e políticos, característicos da fase inaugural do constitucionalismo ocidental. Se atualmente esses direitos estão pacificados nas codificações políticas, na realidade se moveram em um processo dinâmico e ascendente, com eventuais recuos, de acordo com os modelos das sociedades, sendo possível observar o mero reconhecimento formal desses direitos até a máxima concretização dentro dos quadros consensuais da efetivação democrática do poder.
Tais direitos têm por titular o indivíduo, sendo oponíveis ao Estado, evidenciando a faculdade e a possibilidade de resistência ou de oposição em relação ao Estado, ou seja, possuem uma característica de direitos negativos, exigindo uma conduta de abstenção do poder. Já os direitos de segunda geração, tomaram conta do século XX, são os direitos sociais, culturais e econômicos, ou seja, os direitos das coletividades, diretamente relacionados com o princípio da igualdade, germinando da reflexão antiliberal do século XX, introduzidos dentro das diversas formas de Estado Social (BONAVIDES, 2004, p. 564).
No entanto, os direitos de segunda geração passaram por um “ciclo de baixa normatividade” ante a sua eficácia duvidosa, integrando uma esfera programática, devido ao fato de não possuírem mecanismos processuais de garantia como aqueles existentes nos direitos de liberdade. Tal crise de credibilidade teve fim desde que novas Constituições, como a do Brasil, introduziram o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. Esses direitos além de garantir os direitos dos indivíduos e da sociedade como um todo, visavam salvaguardar também as instituições, destacando-se as garantias institucionais. Determinadas instituições obtiveram uma proteção especial, a fim de protegê-las da intervenção do legislador ordinário, exemplo de tais garantias são aquelas que permeiam o funcionalismo público, o magistério, a autonomia funcional dos magistrados, a proibição dos tribunais de exceção, entre outras (BONAVIDES, 2004, p. 565-6).
Outrossim, é de extrema importância ressaltar o nascimento de um novo conceito de direitos fundamentais, enquadrando o Estado como um agente de grande relevância na concretização dos direitos fundamentais de segunda geração (BONAVIDES, 2004, p. 567). Posteriormente, em meio a um mundo dividido entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, com a precária garantia dos direitos fundamentais, verifica-se a busca por outra dimensão de direitos fundamentais, que visam o “gênero humano”, decorrente da reflexão acerca do desenvolvimento, do meio ambiente, do patrimônio comum da humanidade e da paz (BONAVIDES, 2004, p. 569).
Já os direitos de quarta geração são os reflexos da “globalização política”, que correspondem a fase de institucionalização do Estado social, sendo estes o direito “à democracia, o direito à informação e ao pluralismo” (BONAVIDES, 2004, p. 571). No tocante às demais gerações de direito em relação aos direitos de quarta geração, o autor salienta (BONAVIDES, 2004, p. 572),
Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem – sem todavia, removê-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos da primeira geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que ficam opulentados em sua dimensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se com a mais subida eficácia normativa a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico.
Nesse sentido, o doutrinador conclui que os direitos de quarta
geração evidenciam o futuro da sociedade civil, vez que apenas com a legitimação destes é possível legitimar a globalização política (BONAVIDES, 2004, p. 572).
Quanto ao direito à saúde, este está incluído na segunda geração de direitos, ou seja, na atuação positiva do Estado na realização de políticas públicas para garantia e efetivação de tal direito. Assim, o presente trabalho buscará conceituar o que seria tal direito fundamental, bem como a forma como está positivado no ordenamento jurídico brasileiro.
2.2.1 Direito à saúde
O direito à saúde está previsto no art. 196 e 197 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988):
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
De acordo com José Afonso da Silva (2005, p. 308-9), inicialmente o direito à saúde tinha mais relação com a “proteção da saúde” no sentido de organização administrativa no combate de endemias e epidemias e não como um direito do homem, o que veio ocorrer com a Constituição Federal de 1988. Consoante a isso, elucidou que o direito à saúde possui “duas vertentes”, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (1984 apud SILVA, 2005, p.309), “uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenha de qualquer acto que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa das doenças e o tratamento delas”.
Logo, no que tange à atuação do Estado na efetivação de tal direito, os arts. 198 a 200, exigem uma atuação positiva do Estado, impondo aos entes
públicos a realizações de políticas públicas, os quais são exigíveis por meio da ação de inconstitucionalidade por omissão (arts. 102, I, a, e 103, §2º), bem como a impetração do mandado de injunção ante a ausência de regulamentação (art. 5º, LXXI), apesar do STF entender que tal instrumento constitucional não tem função concreta na regulamentação desse direito (SILVA, 2005, p. 310).
Nesse sentido, a promoção do direito à saúde está diretamente relacionada com a realização de políticas sociais e econômicas, que deve ser promovidas pelo Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), consoante à
previsão do art. 23, II, da Constituição Federal de 19882. Cumpre ressaltar que além da necessidade de se distribuir recursos para concretização do direito à saúde, que é escassa considerando os critérios distributivos, a evolução da medicina acaba por impor um caráter programático ao direito à saúde, pois a cada nova descoberta sempre surgirá novas necessidades (exames, procedimentos), uma nova doença a ser erradicada (MENDES; BRANCO, 2012, p. 903).
Essas políticas públicas visam reduzir os riscos de doenças e suas consequências, de forma a desenvolver um caráter preventivo, de acordo com o art. 198, II, da Constituição Federal de 19883. Assim, o constituinte estabeleceu um sistema universal de acesso aos serviços públicos de saúde, reforçando a responsabilidade solidária dos entes da federação, garantindo a igualdade da assistência à saúde (art. 7º, IV, da Lei n. 8.080/904), como foi o caso da quebra de patente de medicamentos para o tratamento da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) e do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis (MENDES; BRANCO, 2012, p. 903).
No entanto, Gilmar Mendes e Paulo Branco (2012, p. 904) defendem que a realidade do direito à saúde no Brasil não trata apenas de problemas de eficácia social desse direito fundamental e questões de implementação e manutenção de políticas públicas, mas também problemas orçamentários dos entes federados. Dessa forma, o direito à saúde irá se efetivar mediante ações específicas, em dimensões individuais e mediante amplas políticas públicas que busquem a redução do risco de doenças e outros agravos (dimensões coletivas).
A efetividade do direito à saúde enfrenta, também, um impasse normativo, pois o art. 196 da Constituição não precisou de forma rigorosa todas as posições jurídicas que podem ser extraídas do direito em si. Desse modo, uma primeira solução caberia ao legislador infraconstitucional determinar concretamente
os conteúdos aos quais o Estado ficaria vinculado e o seu campo de atuação. Contudo, a falta da especificidade legislativa não significa que o direito encontra-se à livre disposição do legislador, nesse sentido, observa Jorge Reis Novais (2004 apud PIVETTA, 2014, p. 50):
um direito na disponibilidade e dependente da decisão do legislador ordinário, um direito não constitucional em sentido formal ou, pelo menos, um direito não diretamente aplicável logo a partir de sua consagração constitucional, não seria, por definição, um direito fundamental.
Logo, a importância da atividade legiferante ordinária não retira o conteúdo jusfundamental e a aplicabilidade imediata do direito à saúde, pois o próprio teor do direito em si induz a essa abertura, haja vista que a existência de inúmeros fatores a serem considerados para o delineamento de seu conteúdo definitivo (PIVETTA, 2014, p. 58).
2.2.2. O direito à saúde como direito exigível.
Como já mencionado anteriormente, as possibilidades e os limites da exigibilidade do direito à saúde na condição de direito subjetivo, exigível pelo indivíduo em relação ao Estado e aos particulares como um direito de prestações materiais, é um tema atual e relevante no cenário brasileiro.
Um dos primeiros pontos desse assunto que dá margem a esse grande campo de discussões, é o próprio conteúdo aberto do direito à saúde em nosso texto legal (art. 6º e 196 da Constituição Federal) que não define o objeto protegido pela tutela jusfundamental, deixando ao intérprete a tarefa de integração prática da norma constitucional. Nesse sentido, é importante destacar que há diferenças entre o direito originário e o derivado, aquele direcionado à proteção jusfundamental voltado para norma constitucional e este mediado pela prática legislativa e por um sistema de políticas públicas já implementado, a fim de proporcionar o igual acesso às prestações já disponibilizadas (CANOTILHO et al. 2013, p. 1934).
Além disso, já resta consolidado na doutrina e jurisprudência nacional a função de direito de defesa do direito à saúde, enquanto coibidor de interferências indevidas na saúde da população (individual e coletivamente), bem como uma função de proteção por impor um dever geral de respeito à saúde, pelo Estado e particulares (CANOTILHO et al. 2013, p. 1934-5).
Contudo, o direito à saúde visto na condição de direito às prestações materiais, gera maiores controvérsias, como é o caso da aplicação do princípio da reserva do possível, que analisa a limitação de recursos, seja: a disponibilização dos recursos públicos e a capacidade de dispor de tais recursos com base nas competências constitucionais e nos princípios de proporcionalidade, subsidiariedade, eficiência e, principalmente, nos princípios da federação e autonomia municipal (adotados no Brasil) (CANOTILHO et al. 2013, p. 1935).
O princípio da reserva do possível regula a possibilidade e a extensão da atuação do Estado no que tange a concretização de determinados direitos sociais e fundamentais, como é o caso do direito à saúde, sujeitando o Estado a agir de acordo com a disponibilidade dos recursos públicos (SILVA, L., 2011, p. 26-7).
A condição orçamentária é vista, em muitos casos, como um limite às ações do Estado para promoção dos direitos sociais. No entanto, tal ideia é equivocada, pois a previsão orçamentária para promoção das despesas públicas é regra direcionada ao administrador e não ao juiz, o qual tem a possibilidade de não observar o preceito para tornar efetiva uma norma constitucional, por meio da simples ponderação de valores. A Carta Constitucional de 1988, por sua vez, impede a realização de programas ou projetos que não estejam incluídos na lei orçamentária anual (art. 167, I), à geração de despesas que excedam os créditos orçamentários (art. 167, II) e o remanejamento ou transferência de recursos de um órgão para o outro, sem que haja prévia previsão legal (art. 167, VI) (SILVA, L., 2011, p. 26-28).
Com base no exposto, verifica-se que o legislador constituinte se preocupou em planejar todas as despesas do Poder Público, o que não impede o Poder Judiciário de ordenara a atuação do Poder Público na realização de determinadas ações para salvaguardar determinado direito constitucional, uma vez que as previsões orçamentárias e os direitos fundamentais estão no mesmo plano hierárquico, cabendo ao juiz priorizar o direito fundamental à regra orçamentária, dentro de certos limites, os quais serão abordados no decorrer deste trabalho (SILVA, L., 2011, p. 28).
Em contrapartida, a garantia de um direito fundamental está diretamente ligada ao mínimo existencial, ou seja, ao se tutelar um direito fundamental as razões vinculadas à reserva do possível não podem sobrepor àquelas que garantem o mínimo existencial e por si só afastar o dever de promoção do direito e a exigibilidade do cumprimento de deveres (ALEXY, 1994 apud SARLET; FIGUEIREDO, 2008).
A reserva do possível mais do que questões orçamentárias, envolve o respeito à estrutura e regulamentação do próprio sistema, como é verificado nas ações de medicamentos, por exemplo, nas quais se deve valer do trabalho de profissionais especializados em seus pareceres nas prestações e saúde específicas, e os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas do SUS (SARLET; FIGUEIREDO, 2008). No entanto, com a evolução da jurisprudência, a reserva do possível quando alegada, deve vir acompanhada de suas respectivas provas, ou seja, não basta mais sua simples alegação.
Ademais, a efetivação do direito à saúde enquanto direito a prestações materiais necessita de uma definição pormenorizada de seu conteúdo, uma vez que não há previsão constitucional taxativa das prestações positivas do Estado. Tal situação acaba por refletir nas ações judicias que buscam essas prestações, realidade que favorece àqueles que possuem meios de acesso ao judiciário, o que demonstra a importância da dimensão organizatória e procedimental dos direitos fundamentais, especialmente, do direito à saúde (CANOTILHO et al. 2013, p. 1935).
Em relação ao acesso à justiça, há aqueles que defendem a propositura das ações de caráter coletivo em face das ações individuais, sob o argumento de que essas contribuiriam para a real prestação do direito à saúde, considerando as políticas públicas existentes para esse fim. No entanto, é necessário ressaltar que, apesar do direito à saúde possuir um viés coletivo e difuso, o mesmo está diretamente ligado ao direito de cada pessoa, de forma individual, ao seu direito à vida, à sua integridade física (CANOTILHO et al. 2013, p. 1934).
Dessa forma, o direito às prestações individuais por meio da via judicial jamais poderá ser refutado, pois se trata de uma garantia constitucional do indivíduo, o que revela mais uma vez a necessidade de uma análise das dimensões organizatórias e procedimentais do direito à saúde (CANOTILHO et al. 2013, p. 1935).
Nesse sentido, a doutrina e jurisprudência nacional têm reconhecimento com frequência as posições subjetivas decorrentes do direito às prestações materiais, sejam nas hipóteses de iminente risco de vida e nos casos de garantia do mínimo existencial:
E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.
- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.
- O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa consequência5 constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.
- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES.
- O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.
(RE 271286 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12/09/2000, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJ 24-11-2000 PP- 00101 EMENT VOL-02013-07 PP-01409)
Contudo, essas prestações realizadas pelo Estado, com o fim de atender as demandas inerentes da promoção dos direitos sociais, principalmente quanto ao direito à saúde, encontra restrições/reservas em sua aplicabilidade, sejam elas: “reserva imanente de ponderação”, “reserva do politicamente adequado ou oportuno” e “reserva do financeiramente possível” (PIVETTA, 2014, p. 68).
Tais restrições existem, devido à necessidade de concretização infraconstitucional dos comandos normativos e à consequente falta de caráter inequívoco de mandos, decorrente da natureza essencialmente principiológica dos direitos sociais.
Segundo Jorge Reis Novais (2010 apud PIVETTA, 2014, p. 71), todos os direitos fundamentais estão sujeitos a uma reserva geral imanente de ponderação, que autoriza, em certos casos, a sua restrição, com base em determinadas situações, como é o caso da atuação do Estado na restrição do uso de determinados medicamentos não autorizados pela Anvisa. Cumpre salientar que tal reserva não incidirá nos casos em que a Constituição já sedimentou em caráter definitivo, ou seja, quando o comando já estiver consagrado por meio de uma regra.
A “reserva do politicamente adequado ou oportuno” está ligada com a atuação política de análise da realidade concreta e definição dos meio necessários à proteção e promoção do direito. No caso do direito à saúde, a Administração Pública dentro do exercício de sua competência normativa, elabora vários atos para promoção e proteção desse direito, um exemplo é a Portaria n. 344/1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde que regula as substâncias e medicamentos sujeitos à controle especial (PIVETTA, 2014, p. 72-3).
Já a “reserva do financeiramente possível” ou “reserva do possível” é a que se observa na atuação positiva do Estado na promoção de prestações fáticas voltadas à concretização do direito à saúde com a utilização de recursos significativos, o que não retira o caráter jusfundamental do direito à saúde. Essa reserva é vista como uma forma de alocação de recursos para o cumprimento das finalidades do Estado (PIVETTA, 2014, p. 77-8).
Tais reservas acima expostas pode, em alguns casos, afetar negativamente o direito na medida em que possui natureza principiológica e conteúdo parcialmente indeterminado, como é o caso do direito à saúde. Assim, a fim de determinar o nível de incidência dessas reservas em relação aos direitos sociais, se estabeleceu uma estratégia teórico-jurídica do mínimo existencial (PIVETTA, 2014, p. 78).
A necessidade de atribuir força jurídica aos direitos sociais decorre
especialmente, no ordenamento brasileiro, da previsão do art. 5º, §1º, da Constituição Federal de 1988, que acaba por assegurar a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. Dessa forma, nos contextos em que inexiste o reconhecimento expresso da fundamentalidade dos direitos sociais, existe a limitação de um mínimo de eficácia jurídica de tais direitos com base em outros princípios ou dispositivos, um exemplo é a dignidade da pessoa humana (PIVETTA, 2014, p. 79).
Ana Paula Barcellos (2010 apud PIVETTA, 2014, p. 81) ressalta que as disposições constitucionais que permitem delimitar o núcleo material mínimo da dignidade da pessoa humana. Esse núcleo acaba por variar de acordo com as condições fáticas e jurídicas da sociedade, mas que acabam sendo divididos em quatro grupos: educação básica, saúde básica, assistência aos desamparados e acesso à saúde; elementos que constituem o mínimo existencial, indispensável para constituição de uma vida digna.
Essa garantia do mínimo existencial vai além da mera sobrevivência física, uma vez que a vida humana não é apenas a existência, mas sim uma vida em que seja possível usufruir dos direitos fundamentais e desenvolver a personalidade. Assim, busca-se garantir a vida digna à população, correspondente às exigências do princípio da dignidade da pessoa humana, por meio do reconhecimento definitivo do caráter constitucional a garantia do mínimo existencial pelo Estado (SARLET; FIGUEIREDO, 2008).
De acordo com Ricardo Lobo Torres (p. 35),
O mínimo existencial é direito protegido negativamente contra a intervenção do Estado e, ao mesmo tempo, garantido positivamente pelas prestações estatais. Diz-se, pois, que é direito de status negativus e de status positivus, sendo certo que não rato se convertem uma na outra ou se co-implicam mutuamente a proteção constitucional positiva e negativa.
Ou seja, o mínimo existencial é a parte mínima que cada pessoa necessita para sobreviver, o qual é dever do Estado garantir por meio de ações positivas e negativas.
Nesse sentido também defende Sarlet (2017, p. 621), o qual concorda com o entendimento de Torres, mas complementa alertando que não se pode quantificar de uma forma única e definitiva o mínimo existencial, pois este varia conforme o lugar, situação socioeconômica, período, expectativas e necessidades.
No caso do direito à saúde, a delimitação de um conteúdo mínimo é ainda mais difícil, pois há inúmeras situações em que a proteção do direito à saúde não permite flexibilidade, casos em que há chance de redução da vida do indivíduo. De tal modo, o mínimo existencial em relação à saúde, está relacionado com as prestações que podem ser disponibilizadas a todas as pessoas, denominadas de “saúde básica”, para demais prestações é necessária à atuação do legislador ordinário (BARCELLOS, 2010 apud PIVETTA, 2014, p. 80-1).
Essa falta de definição do direito à saúde acaba por dificultar o estabelecimento de políticas públicas capazes de atender de forma eficaz à demanda da população. Apesar da criação da Lei 8.080/1990 que estabelece às diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), falta um texto legal capaz de estabelecer de diretrizes da saúde nacional, como é o caso da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1966).
3. A atuação do Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde.
O Poder Judiciário possui um relevante papel dentro de um Estado Constitucional Democrático, seja o de interpretar a Constituição Federal e as leis, protegendo os direitos e o próprio ordenamento jurídico. Além dessas atribuições, caberá aos magistrados e parquets dar sentido a certas normas jurídicas, quando houver a aplicação de normas e princípios jurídicos com conceitos indeterminados ou muito amplos. Essa atuação do judiciário deve realizada com base na ponderação dos direitos e princípios previstos na Constituição Federal (BARROSO, p. 21).
A maior atuação do Judiciário teve início com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que passou atribuir ao Estado um dever prestacional amplo, a ser cumprido pela execução de políticas públicas, formuladas com base nas diretrizes do SUS (FOGAÇA, 2014, p. 88). Assim, é com fundamento nesse novo cenário que surgiu o processo de judicialização, criado a partir de ações que pretendiam o fornecimento de medicamentos antirretrovirais para HIV/AIDS, tendo o Judiciário como um dos únicos meios para obtê-los, uma vez que não fornecidos pelo Estado (PEPE et al., 2010 apud FOGAÇA, 2014, p. 88).
Esse fenômeno de judicialização, de forma breve, segundo Luis Roberto Barroso (2012 apud FOGAÇA, 2014, p. 89), seria a alteração do nível de decisão a certos assuntos, os quais deixariam de ser objeto de deliberação dos entes originalmente competentes e passariam a ser objeto de discussão do Poder Judiciário.
No que diz respeito à atuação judicial no campo de fornecimento de medicamentos, se reflete justamente essa transferência decisória, a qual seria da Administração Pública, mas que por omissão e falhas acaba chegando ao Poder Judiciário.
A atuação judicial nos casos de fornecimento medicamentos deve ser realizada com fundamento nas normas jurídicas existentes, nos princípios morais e conhecimentos técnicos (pareceres de profissionais da área da saúde, por exemplo) para que seja formulado um juízo em relação às ações/omissões dos entes públicos (BARROSO, 2007, p. 21).
Contudo, como o direito à saúde está diretamente relacionado com a dignidade da pessoa humana e a vida e suas previsões legais são de conteúdo aberto, dá-se margem a diversas interpretações e formas de efetivação dos direitos, as quais podem vir a colidir entre si. Dessa forma, é necessário verificar quais são os deveres jurídicos do Estado previstos nas normas para atuação do Poder Judiciário na regulamentação das atividades públicas, principalmente naquelas omissas ou que atentem contra a Constituição Federal (BARROSO, 2007, p. 21-2).
Nesse sentido destaca Luis Roberto Barroso (2007, p. 22):
a atividade judicial deve guardar parcimônia e, sobretudo, deve procurar respeitar o conjunto de opções legislativas e administrativas formuladas acerca da matéria pelos órgãos institucionais competentes. Em suma: onde não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir. Havendo lei e atos administrativos, e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais igualmente intervir. Porém, havendo lei e atos administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados, eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção.
A atividade judicial no fornecimento de medicamentos tem como fundamento o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal (1988), “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, sendo legítima a intervenção judicial para impedir a lesão ou ameaça ao direito à saúde, contudo, nota-se um desvirtuamento na utilização dos instrumentos processuais previstos na lei, principalmente nas ações de natureza prestacional, como é o caso do fornecimento de medicamentos (SILVA, L., 2011, p. 39).
Essa alteração da real utilidade dos instrumentos processuais está
ligada a falta de informações por parte dos operadores do direito, em relação às políticas públicas de saúde, principalmente, no que diz respeito às prescrições medicamentosas. Há casos em que a adulteração é originária da má-fé dos profissionais da área da saúde e indústria farmacêutica, o que revela a necessidade em observar determinados critérios para viabilizar a atuação judicial na efetivação da assistência farmacêutica pelo Estado (SILVA, L., 2011, p. 39).
Outro ponto que merece destaque é a utilização do processo judicial para geração de lucros para as indústrias farmacêuticas, médicos, advogados e laboratórios, a chamada “indústria da ação judicial”. De tal modo, é necessário que o juiz, ao analisar as ações e medicamentos, averigue: a) se o fármaco solicitado corresponde ao diagnóstico dado à doença que acomete o paciente; b) se há medicamentos correspondentes fornecidos pelo SUS, se sim, qual o motivo da não utilização; c) os tratamentos já realizados por este e os motivos da ineficácia e a consequente solicitação de novo fármaco; d) a habilitação do médico que prescreveu os medicamentos. Nesse sentido, é possível solicitar pareceres de profissionais habilitados e especialistas para decidir de acordo com a real necessidade do requerente (SILVA, L., p. 44).
Destarte o que foi dito, afere-se que é legítima a propositura de ações para obtenção de medicamentos não fornecidos pelo sistema público de saúde, bem como a atuação do Poder Judiciário na proteção e promoção do direito à saúde nas ações que buscam o fornecimento de medicamento. No entanto, há certos pontos que devem ser observados pelos operadores direito ao analisar e agir em tais ações, a fim de não causar prejuízos à Administração Pública e ao próprio SUS.
3.1. Limites Legítimos e Críticas
Apesar de a atuação judicial ser legítima no que se refere à proteção dos direitos, essa intervenção não está isenta de diversas objeções, principalmente no que se refere às ações que interferem na competência e atribuições de outros Poderes. Nesse sentido, há diversas críticas à atuação do Poder Judiciário, mas poucas são relevantes, das quais algumas serão expostas de forma breve, a fim de proporcionar visão maior sobre tal ponto.
A atuação do Poder Judiciário no setor de fornecimento de medicamentos acaba por interferir nas políticas de saúde formuladas pelo Poder Executivo, uma vez que as decisões originalmente políticas e de competência dos administradores públicos da saúde, acabam sendo tomadas no judiciário. A interferência do Poder Judiciário no campo político é denominada judicialização, como anteriormente exposto, característico das democracias contemporâneas (BORGES; UGÁ, 2008, p. 15).
Ocorre que, as decisões judiciais nas ações individuais para fornecimento de medicamento caracterizam um novo tipo de judicialização, no qual o Poder Judiciário se substitui ao Executivo na escolha em prover determinados medicamentos, com fundamento na efetivação do direito à saúde. Apesar de o Brasil adotar um sistema público de saúde e universal, nem todos os serviços, tratamentos e medicamentos são fornecidos à população, pois não há recursos suficientes para tal, o legislador, característica do texto constitucional amplo elaborado. Assim, ficou a cargo do legislador ordinário a elaboração de dispositivos legais que definam de forma mais específica as prestações de saúde. No entanto, muitas dessas regulamentações são normas técnicas feitas pelo Poder Executivo (infraconstitucionais) como é o caso da assistência farmacêutica (BORGES; UGÁ, 2008, p. 15).
Essa intervenção judicial não está relacionada apenas com as políticas de saúde, mas também com as “decisões técnicas relativas à incorporação de tecnologia”, o que é um problema, pois o Poder Judiciário não possui esse conhecimento técnico necessário. Logo, deve ser tomado um maior cuidado por parte do judiciário ao analisar essas ações judiciais referentes aos medicamentos, pois o objeto das ações não é apenas a medicamento pretendido, mas também a padronização do produto pelo Ministério da Saúde e a adequação do fármaco à situação do paciente. Assim, considerando a atuação do judiciário nas ações de saúde, em especial as ações de medicamentos, é necessária a existência de limites às ações do Poder Judiciário (BORGES; UGÁ, 2008, p. 16).
A atividade do magistrado entre os séculos XVIII e XIX era apenas de aplicador das leis, sem margem para maiores interpretações a não ser o que já estava previsto. Com o crescimento do Poder Judiciário no século XX, a atuação dos juízes se transformou, passando a ter discricionariedade em seus atos. Dessa forma, considerando que os magistrados são mais que meros aplicadores da lei, e que ao aplicar a lei no caso concreto, acaba por exercer um poder normativo, em muitos casos (BORGES; UGÁ, 2008, p. 23).
Ocorre que, as ações judicias que envolvem conflitos de bens com recurso do Estado possuem certos limites. Tais ações devem ser consideradas com fundamento nos princípios da justiça distributiva, ou seja, como tais ações envolvem a distribuição de bens públicos, não podem ser analisadas iguais aos conflitos bilaterais onde uma parte ganha e outra perde. Segundo a análise feita por José Reinaldo de Lima Lopes, haveria seis limites para essa atuação judicial, descritos a seguir (BORGES; UGÁ, 2008, p. 25).
O primeiro limite seria em relação aos efeitos que essas decisões judiciais produzem aos bens públicos, especialmente nas ações de saúde. Ao deferir um pedido de uma ação ajuizada contra o Estado exigindo a realização do tratamento para transplante de fígado, fará com que esse indivíduo passe à frente de uma fila de outras pessoas que também se encontram nessa mesma situação. Ou seja, decisões desse caráter não afetam apenas os indivíduos envolvidos, mas toda uma coletividade que possui as mesmas necessidades. Tal situação aplica-se da mesma forma às ações de medicamentos de custo elevado, os quais não são fornecidos pelo Estado, pois acabará por privar certa coletividade de outros tratamentos de saúde (BORGES; UGÁ, 2008, p. 25).
Portanto, ao decidir sobre esses casos, o Poder Judiciário não pode entender como uma solução de conflitos entre duas partes apenas, mas sim entender a dimensão dos reflexos que isso pode causar a uma coletividade, uma vez que envolve bens comuns da sociedade (BORGES; UGÁ, 2008, p. 26). Nesse sentido, expõe José Reinaldo de Lima Lopes (2006 apud BORGES; UGÁ, 2008, p. 26), “Muitos são os problemas que não se resolvem individualmente. Por exemplo, a questão da moradia ou da saúde pública. Então o valor de determinadas decisões não pode ultrapassar determinadas pessoas, ou determinadas regiões”.
O Segundo ponto seria a repercussão das decisões na alocação dos recursos públicos, que é de competência do Poder Executivo e não do Judiciário. Assim, há uma linha tênue entre o dever do Poder Judiciário em zelar pelos direitos do cidadão e a alteração das políticas públicas que fica no campo de atuação do Poder Executivo. Em consonância como exposto, defende José Reinaldo de Lima Lopes (2006 apud BORGES; UGÁ, 2008, p. 26):
os tribunais não têm poderes institucionais para alocar livremente recursos orçamentários e, em caso de necessidade não têm poder de criar novas formas de financiamento público, constrangendo sua atuação em programas de reformas propriamente ditos.
O terceiro ponto seria a forma de resolução dos conflitos, como já exposto acima, a respeito da justiça distributiva. Já o quarto limite seria a inércia institucional do Poder Judiciário, devendo ser provocada a sua atuação. Nas ações cujo objeto é o bem comum, a iniciativa de uns pode representar a perda para outros, como é o das ações que pleiteiam medicamentos de alto custo ou um transplante. Tais casos representam a aproximação da população do Poder Judiciário, seja para ter acesso à insumos e serviços anteriormente negados pelo Estado, e consequentemente provocar a alteração das políticas públicas em seu benefício (BORGES; UGÁ, 2008, p. 27-8).
Assim, conforme aponta Borges e Ugá (2008, p. 28), as ações individuais que deveriam ser tratadas de forma coletiva, acabam por “realizar justiça para o caso concreto (microjustiça), desprezando os aspectos coletivos de distribuição de recursos para a coletividade (macrojustiça)”.
O penúltimo limite para atuação do Poder Judiciário seria o embasamento das decisões judiciais proferidas, pois o julgamento realizado é feito com parâmetros em leis e jurisprudências já consolidadas. Ocorre que, como essas demandas prestacionais envolvem questões distributivas de bens comuns, é necessário que, ao decidir, voltem-se os olhos para o futuro, ou seja, análise as políticas públicas que preveem a distribuição e remessa de recursos públicos. Com base nisso, defende José Reinaldo de Lima Lopes (2006 apud BORGES; UGÁ, 2008, p. 28):
o julgador precisa nessas circunstâncias mais do que um instinto para o precedente. Ele não apenas ordena, precisa também fiscalizar e administrar. E, depois de ordenar, por ver-se diante do problema da falta de dinheiro para cumprir sua ordem.
O último limite para as ações poder Judiciário seria a insuficiência técnica de sua assessoria, principalmente, no que tange às questões de saúde, as quais envolve a consulta de órgãos especializados, dados estatísticos, econômico- financeiros, políticos e de gestão. Assim, ressalta Mauro Cappelletti (1999 apud BORGES; UGÁ, 2008, p. 29):
Efetivamente, para a criação do direito fazem-se necessários instrumentos que não estão à disposição dos tribunais e “em muito ultrapassam o simples conhecimento do direito existente e como este se realiza”. Os juízes, segundo esse entendimento, não têm possibilidade de desenvolver pessoalmente o tipo de investigações requeridas para uma obra criativa, que não podem se limitar às leis e aos precedentes, e envolvem problemas complexos e dados sociais, econômicos e políticos; não dispõem sequer dos recursos, inclusive financeiros, mediante os quais parlamentos, comissões legislativas e ministérios estão em condições de encarregar terceiros para efetuar pesquisas que, frequentemente, nem os legisladores e administradores saberiam desenvolver por si mesmos.
Portanto, é necessário o maior desenvolvimento tanto do Poder Judiciário, quanto de seus recursos para que suas decisões de fato supram a necessidade da população de maneira efetiva, fazendo com que o benefício de alguém não gere a perda do outro.
3.2. Posicionamentos adotados pelos Tribunais Superiores.
O Superior Tribunal de Justiça, em 05 de abril de 2018, ao julgar o Recurso Especial de n. 1.657.156-RJ, entendeu que o poder público detém a obrigação em fornecer todos os medicamentos, até aqueles não incorporados em atos normativos do Sistema Único de Saúde (SUS), desde que cumpridos três requisitos:
A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: 1) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; 2) Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e 3) Existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). (STJ. 1ª Seção. REsp 1657156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo)).
Posteriormente, em 12 de setembro de 2018, o Superior Tribunal de Justiça entendeu por retificar o terceiro requisito da tese anteriormente fixada e modular os efeitos dessa decisão, asseverando:
A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: a) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; b) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; c) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. (STJ. 1ª Seção. EDcl no REsp 1657156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 12/09/2018 (recurso repetitivo)
Essa alteração fez com que o registro do medicamento junto à ANVISA afastasse a possibilidade do fornecimento de medicamentos fora da indicação prevista na bula (off label), salvo se autorizado pela ANVISA.
Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de embargos de declaração no Recurso Especial n. 1657156-RJ, alterou a data do início da produção dos efeitos de tal decisão, a qual passou a surtir efeitos a partir de 04 de maio de 2018. Assim, quanto ao os processos anteriormente autuados, exigia-se apenas a demonstração da imprescindibilidade do medicamento.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, por maioria dos votos, fixou a seguinte tese para aplicação da repercussão geral:
1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.
2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União (RE 657718, 22.05.2019).
A partir desse julgado, o Supremo Tribunal Federal retirou do Estado e do Município a obrigação de fornecer medicamentos sem regulamentação pela ANVISA, os quais devem ser tutelados apenas em face da União.
No que tange aos medicamentos de alto custo, o julgamento dessa repercussão geral encontra-se suspenso esperando julgamento, o qual foi designado para o dia 23/10/2019, conforme calendário de julgamento publicado no site do tribunal, nesse sentido a repercussão geral foi reconhecida pelo Ministro Marco Aurélio,
REPERCUSSÃO GERAL - COMPETÊNCIA DO PLENÁRIO - ADMISSIBILIDADE - ASSISTÊNCIA À SAÚDE - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO - EXTRAORDINÁRIO DO ESTADO.
1. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte desproveu apelação assentando a obrigatoriedade de o Estado fornecer medicamento de alto custo. Este tema tem-se repetido em inúmeros processos. Diz respeito à assistência do Estado no tocante à saúde, inegavelmente de conteúdo coletivo. Em outras palavras, faz-se em jogo, ante limites orçamentários, ante a necessidade de muitos considerada relação de medicamentos, a própria eficácia da atuação estatal. Em síntese, questiona- se, no extraordinário, se situação individual pode, sob o ângulo do custo, colocar em risco o grande todo, a assistência global a tantos quantos dependem de determinado medicamento, de uso costumeiro, para prover a saúde ou minimizar sofrimento decorrente de certa doença. Aponta-se a transgressão dos artigos 2º, 5º, 6º, 196 e 198, § 1º e § 2º, da Carta Federal. Impõe-se o pronunciamento do Supremo, revelando-se o alcance do texto constitucional.
2. Admito a repercussão geral articulada em capítulo próprio no extraordinário. Submeto aos integrantes do Tribunal a matéria para deliberação a respeito (grifo nosso).
Quanto à responsabilidade dos entes federativos em fornecer medicamentos à população, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento da responsabilidade solidária entre estes, em sede de repercussão geral, reafirmando a jurisprudência,
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855.178 RG/SE, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, data de publicação: 16/03/2015).
Posteriormente, houve a fixação da tese de repercussão geral, Tema 793, por maioria dos votos,
Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
Atualmente, o presente processo encontra-se concluso com o Relator aguardando julgamento.
Outro tema que merece destaque é a possibilidade de imposição de astreintes ao ente público, a fim de obriga-lo a fornecer os medicamentos determinados em decisões judiciais. Sobre esse assunto já decidiu em sede de Recurso Repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça,
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC/1973. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA O TRATAMENTO DE MOLÉSTIA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA (ASTREINTES) COMO MEIO DE COMPELIR O DEVEDOR A ADIMPLIR A OBRIGAÇÃO. FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO CONTEÚDO NORMATIVO INSERTO NO § 5º DO ART. 461 DO
CPC/1973. DIREITO À SAÚDE E À VIDA. 1. Para os fins de aplicação do art. 543-C do CPC/1973, é mister delimitar o âmbito da tese a ser sufragada neste recurso especial representativo de controvérsia: possibilidade de imposição de multa diária (astreintes) a ente público, para compeli-lo a fornecer medicamento à pessoa desprovida de recursos financeiros. 2. A função das astreintes é justamente no sentido de superar a recalcitrância do devedor em cumprir a obrigação de fazer ou de não fazer que lhe foi imposta, incidindo esse ônus a partir da ciência do obrigado e da sua negativa de adimplir a obrigação voluntariamente. 3. A particularidade de impor obrigação de fazer ou de não fazer à Fazenda Pública não ostenta a propriedade de mitigar, em caso de descumprimento, a sanção de pagar multa diária, conforme prescreve o § 5º do art. 461 do CPC/1973. E, em se tratando do direito à saúde, com maior razão deve ser aplicado, em desfavor do ente público devedor, o preceito cominatório, sob pena de ser subvertida garantia fundamental. Em outras palavras, é o direito-meio que assegura o bem maior: a vida. Precedentes: AgRg no AREsp 283.130/MS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 8/4/2014; REsp 1.062.564/RS, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 23/10/2008; REsp 1.062.564/RS, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 23/10/2008; REsp 1.063.902/SC, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 1/9/2008; e AgRg no REsp 963.416/RS, Relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 11/6/2008. 4. À luz do § 5º do art. 461 do CPC/1973, a recalcitrância do devedor permite ao juiz que, diante do caso concreto, adote qualquer medida que se revele necessária à satisfação do bem da vida almejado pelo jurisdicionado. Trata-se do "poder geral de efetivação", concedido ao juiz para dotar de efetividade as suas decisões. 5. A eventual exorbitância na fixação do valor das astreintes aciona mecanismo de proteção ao devedor: como a cominação de multa para o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer tão somente constitui método de coerção, obviamente não faz coisa julgada material, e pode, a requerimento da parte ou ex officio pelo magistrado, ser reduzida ou até mesmo suprimida, nesta última hipótese, caso a sua imposição não se mostrar mais necessária. Precedentes: AgRg no AgRg no AREsp 596.562/RJ, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 24/8/2015; e AgRg no REsp 1.491.088/SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 12/5/2015. 6. No caso em foco, autora, ora recorrente, requer a condenação do Estado do Rio Grande do Sul na obrigação de fornecer (fazer) o medicamentoLumigan, 0,03%, de uso contínuo, para o tratamento de glaucoma primário de ângulo aberto (C.I.D. H 40.1). Logo, é mister acolher a pretensão recursal, a fim de restabelecer a multa imposta pelo Juízo de primeiro grau (fls. 51-53). 7. Recurso especial conhecido e provido, para declarar a possibilidade de imposição de multa diária à Fazenda Pública. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973 e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008 (REsp 1474665/RS, Relator(a): Min. BENEDITO
GONÇALVES, Primeira Seção, julgado em 26/04/2017, DJe 22/06/2017) (grifo nosso).
3.2.1. Posicionamentos adotados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná já firmou entendimento quanto aos medicamentos, conforme é possível verificar nos enunciados de n. 16, 28, 29 e 30,
ENUNCIADO 16: As medidas judiciais visando a obtenção de medicamentos e afins podem ser propostas em face de qualquer ente federado diante da responsabilidade solidária entre a União, Estados e Municípios na prestação de serviços de saúde à população.
ENUNCIADO 28: O Ministério Público tem legitimidade para, como substituto processual, postular o fornecimento de medicamentos (e afins) a paciente sem condições econômicas para adquiri-lo, independentemente da via judicial eleita.
ENUNCIADO 29: A teoria da reserva do possível não prevalece em relação ao direito à vida, à dignidade da pessoa humana e ao mínimo existencial, não constituindo óbice para que o Poder Judiciário determine ao ente político o fornecimento gratuito de medicamentos.
ENUNCIADO 30: Para fins de fornecimento gratuito de medicamentos por ente federado mostra-se irrelevante o fato de o relatório médico não ter sido elaborado por profissional integrante do SUS (Sistema Único de Saúde).
É possível depreender que o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná entende pela responsabilidade solidária dos entes federativos no fornecimento de medicamentos, bem como parte legítima para configurar nos processos que visam garantir o direito à saúde à população.
Quanto à reserva do possível, entende pela não supremacia desse princípio em relação à promoção do direito à saúde pelo Estado. No mais, acompanha os entendimento já firmados pelos Tribunais Superiores.
4. As Tutelas de Urgência de acordo com o Código de Processo Civil de 2015.
Na prestação jurisdicional, não deve o juiz, em regra, determinar medidas que alterem a situação jurídica patrimonial das partes do processo, antes de proferida a sentença, tornando o interesse tutelado “firme ou definitivo. Contudo, há casos em que a espera pelo provimento final, torna a lide inútil, já que o bem tutelado terá “desaparecido ou a pessoa a que era destinado já não mais terá condições de ser beneficiada pelo ato judicial” ou é a própria natureza do direito tutelado que reclama a usufruição imediata do direito tutelado judicialmente (THEODORO, 2015, p. 163).
No direito brasileiro, a tutela provisória desdobrou-se em três espécies distintas, a) tutela cautelar que visa salvaguardar a utilidade e a eficiência do futuro e eventual provimento, possuindo uma característica conservativa dos “elementos do processo”; b) tutela satisfativa que permite aos litigantes usufruir de forma provisória o direito perseguido, antes do julgamento definitivo da lide; c) tutela de evidência, a qual prescinde de um conjunto probatório maior para que seja deferida e permita a fruição dos efeitos futuros da sentença de mérito a ser proferida nos autos (THEODORO, 2015, p. 163).
Contudo, para valer-se das medidas cautelares e satisfativas é necessária a configuração de alguns requisitos, os quais estão previstos no art. 300, do Código de Processo Civil de 2015, vejamos. A “aparência de direito (fumus boni iuris)”, perigo decorrente da demora da prestação jurisdicional (periculum in mora), vem como a verossimilhança das alegações do requerente. No tocante à tutela de evidência, não há necessidade de se comprovar o periculum in mora, vez que a sua concessão está condicionada a demonstração, de forma convincente, do direito material perseguido (THEODORO, 2015, p. 164).
4.1. As diferenças entre a tutela de urgência antecipada e a tutela de urgência cautelar e suas características.
De forma sintética, a distinção entre a tutela cautelar e a tutela antecipada é possível evidenciar-se a partir da redação do art. 301, do Código de Processo Civil:
Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.
Verifica-se que a tutela cautelar tem como fim assegurar a efetivação da tutela satisfativa do direito material pretendido, ou seja, busca assegurar o resultado útil do processo, sendo exigida desde logo ou dependendo de certa circunstância, poderá ser exigida (MARINONI, 2017, p. 35).
Cumpre-se ressaltar que a tutela cautelar não satisfaz o direito por antecipação, mas sim assegura o direito ou a tutela efetiva do direito material, o contrário da tutela antecipada, a qual permite a realização do direito material e não a sua segurança, mediante cognição sumária, “A tutela antecipada é a tutela final, antecipada com base em cognição sumária” (MARINONI, 2017, p. 36).
A tutela antecipada, por sua vez, “satisfaz” a pretensão pretendida pelo autor na ação proposta, ou seja, o autor não tem interesse em outra tutela a não ser aquela a ser obtida em tutela antecipada. Ao contrário da tutela cautelar, a tutela antecipada não indica uma situação substancial diferente da tutelada, mas sim a uma situação tutelável ou a outra tutela do direito material (MARINONI, 2017, p. 36).
Ademais, outra diferença importante entre as tutelas é que, enquanto a medida cautelar sempre depende do procedimento, o qual deverá compor o litígio em si, a tutela antecipada poderá, por convenção das partes, estabilizar-se, sendo desnecessário o prosseguimento da ação a fim de ser proferida uma sentença de mérito e formação da coisa julgada (THEODORO, 2015, p. 619).
4.2. Os requisitos para concessão da tutela de urgência.
Conforme disposto pelo doutrinador Humberto Theodoro Junior, as tutelas de urgência, sejam as cautelares e satisfativas, tem como requisitos comuns entre elas o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”. Ou seja, um “dano potencial”, a possibilidade de dano ao processo, em razão do “periculum in mora”, o qual deverá ser “objetivamente apurável” no caso em análise. Outro requisito a ser verificado é a “probabilidade do direito substancial” requerido pela parte, o “fumus boni iuris”.
Pois bem, na tutela de urgência, não há a necessidade da demonstração real da existência do direito material tutelado, o qual está em risco, vez que sua comprovação ocorrerá na fase instrutória e será declarada em sede de sentença de mérito. Já a tutela cautelar, busca-se analisar a existência do direito em risco por meio do interesse que justifica o direito ao processo de mérito, vez que busca assegurar o seu resultado útil. Assim, o juízo realizado em ambas as tutelas não é exaurido nessa fase, pois busca apenas a verossimilhança das alegações apresentadas, com uma verificação sumária e provisória.
Quanto ao “periculum in mora”, deverá a parte interessada demonstrar o risco de “perecimento, destruição, desvio, deterioração, ou de qualquer mutação das pessoas, bens ou provas necessários para a perfeita e eficaz atuação do provimento final do processo”. Logo, o “periculum in mora” é evidenciado perante as provas e dados concretos carreados nos autos, capazes de alterarem a situação de fato existente no período do estabelecimento da lide, anterior ao processo, buscando impedir que a consumação comprometa a tutela jurisdicional proposta.
No que tange à reversibilidade, dispõe o art. 300, §3º, do Código de Processo Civil de 2015, “a tutela de urgência, de natureza antecipada, não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”. Ou seja, é essencial a aferição da reversibilidade da tutela dentro dos limites do processo, para restaurar o status quo sem o ajuizamento de nova demanda, o periculum in mora adversum, pois o autor não tem o direito de impor ao réu o perigo que ele diz ameaçar o seu direito (THEODORO, 2015, p. 622).
Nesse sentido, o Código de Processo Civil de 2015 possui regra expressa sobre esse tema, o qual prevê o indeferimento da medida cautelar pelo tribunal, em seu art. 368, “quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”. Assim, a observância da inexistência do periculum reverso, é um requisito a ser verificado em todas as tutelas de urgência, pois a falta desse critério poderá comprometer “o bom nome e até a seriedade da justiça” (THEODORO, 2015, p. 623).
Outrossim, o Código prevê que a decisão judiciar que conceder ou não a tutela provisória deverá ser fundamentada de forma precisa e clara, conforme dispõe o art. 298, caput. Tal exigência caracteriza a ausência da mera discricionariedade do magistrado na decisão acerca da tutela provisória requerida, devendo fundamenta-la, com base nos elementos produzidos em instrução sumária.
4.3. A irreversibilidade da tutela antecipada e seus efeitos.
No tocante a irreversibilidade da tutela antecipada e seus efeitos, conforme já disposto anteriormente, o art. 300, §3º do Código de Processo Civil de 2015, prevê a impossibilidade da concessão da tutela de urgência antecipada nos casos em que houver perigo de irreversibilidade da decisão proferida. Ou seja, a tutela é provisória, pois o juiz, ao concedê-la, não afirma o direito requerido, logo, não pode prejudicar a decisão sobre o direito de forma exauriente (MARINONI, 2017, p. 59).
A decisão que concede a tutela de urgência antecipada não poderá produzir efeitos que impeçam outro juízo de realizar uma cognição mais profunda do caso, que possa, eventualmente, entender de forma diversa o direito substancial tutelado (MARINONI, 2017, p. 59).
No tocante aos casos de tutela antecipada que tutelem direitos fundamentais sociais, as quais exijam disponibilidade de recursos por parte do ente demandado, há que se verificar o caso concreto para que fato de indeferir uma tutela com base na irreversibilidade não viole direitos fundamentais (LIEBL, GARCIA, 2016, p.91) .
Um exemplo dado é o de um requerimento para realização de uma cirurgia cardíaca, com fundamento no direito fundamental à vida e à saúde, onde os efeitos da decisão serão irreversíveis, contudo, com base no juízo da ponderação, poderá o juiz relativizar a irreversibilidade, a fim de salvaguardar o direito do autor, vez que o seu indeferimento causaria danos irreparáveis (LIEBL, GARCIA, 2016, p.91).
No que se refere ao juízo de proporcionalidade utilizado para afastar a irreversibilidade da tutela antecipada, já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:
[...] Com efeito, no caso em discussão a necessidade do medicamento Afinitor (Everolimo) 10 mg, a fim de impedir o progresso da doença, restou comprovada pelo receituário médico (evento 1.3) e relatório fornecido pelo médico que o atende (evento 1.15). De outro norte, a recusa no fornecimento do fármaco restou caracterizada pelo documento de evento 1.8, expedido pela 8ª Regional de Saúde do Estado do Paraná. O art. 196 da Constituição Federal dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. É certo que tal preceptivo não obriga o Poder Público a prover indistintamente os reclames referentes à saúde, principalmente em face de sua natureza programática. Porém, fato é que a prestação aqui pleiteada não se mostra exacerbada ou desproporcional. Ademais, não se pode permitir que simples questão administrativa se sobreponha a direito público subjetivo fundamental, ligado à dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III, CF/88), que deve prevalecer sobre eventuais políticas públicas de saúde. Assim, há de concluir pela existência de uma situação subjetiva ativa da parte autora em relação ao Estado, no sentido de poder exigir do poder público fornecimento do medicamento Afinitor (Everolimo) 10 mg. Além de existirem elementos a convencerem da verossimilhança das alegações da parte em relação à necessidade do fármaco, notadamente o relatório médico da paciente apresentado no evento 1.5, no caso em tela vê-se o perigo de dano irreparável, visto que a demora no fornecimento do fármaco acarretará em prejuízos clínicos ao paciente. Em relação à irreversibilidade da medida, entendo essa ser dispensável no presente caso, ante um juízo de proporcionalidade e razoabilidade, devendo prevalecer o direito à saúde e à vida em detrimento do interesse secundário da Administração Pública. Ademais, quanto à possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela em face da Fazenda Pública, bem como a sua concessão sem a sua oitiva prévia, importante frisar que o art. 1º da Lei n. 9.494/1997 (que veda a antecipação de tutela contra Fazenda Pública) não tem abrangência de proibir toda e qualquer medida antecipatória, uma vez que "a Lei n. 9.494/97 (artigo 1º) deve ser interpretada de forma restritiva, não cabendo sua aplicação em hipótese especialíssima, na qual resta caracterizado o estado de necessidade e a exigência de preservação da vida humana, sendo de se impor a antecipação da tutela, no caso, para garantir ao apelado o tratamento necessário à sua sobrevivência" (STJ - REsp: 275649 SP, Relator: Ministro Garcia Vieira, Primeira Turma, DJ 17/09/2001) (TJ-PR - AI: 0043235-69.2018.8.16.0000, Relatora: Desembargadora Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes, Data de Julgamento e Publicação: 10/07/2019, Quarta Câmara de Direito Civil).
Dito isso, verifica-se a exceção da irreversibilidade da tutela antecipada quando se busca salvaguardar os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e no princípio da proporcionalidade, criando certa maleabilidade na irreversibilidade da tutela antecipada, de acordo com o caso concreto.
4.4. Estabilização da tutela contra a Fazenda Pública.
De acordo com o disposto no art. 341, I, do CPC/2015, as alegações feitas pela parte interessada, ainda que não impugnadas pelo ente público, não serão presumidas como verdadeiras quando não for admissível a confissão. Logo, a não apresentação de contestação pelo advogado da Fazenda Pública não torna os fatos incontroversos (MARINONI, 2017, p. 127).
Quanto à estabilização da tutela antecipada em relação à Fazenda Pública, é necessária a verificação de que a não interposição do agravo de instrumento tenha impedido o juiz de investigar as alegações de fato, para então torna-la imutável após decorrido o prazo para sua revisão (MARINONI, 2017, p. 127).
Nesse sentido dispõe Luiz Guilherme Marinoni (2017, p. 128),
[...] o regime que subordina a modificação ou invalidação dos efeitos concretos e processuais da tutela antecipada a uma ação de revisão proponível no prazo de dois anos deve ser aplicado de forma diferenciada em relação à Fazenda Pública. Só a tutela antecipada que supõe probabilidade de direito a partir da análise de questão de direito que não requer investigação de alegação de fato está integralmente subordinada ao regime da estabilização da tutela. Nesse caso, a não propositura de ação de revisão pela Fazenda Pública torna a tutela estabilizada insuscetível de rediscussão e mutação. Contudo, na hipótese em que a probabilidade do direito resulta da suposição de que as alegações de fato são prováveis, o regime da estabilização da tutela não é integralmente aplicável. A não interposição de agravo pela Fazenda Pública, qualquer que seja o caso, conduz à extinção do processo e a perdurabilidade dos efeitos da tutela antecipada até que seja proposta ação de revisão, mas a tutela antecipada baseada em fatos que não foram plenamente investigados – embora se torne estável diante da não interposição do agravo de instrumento – nunca se torna imutável em face da Fazenda Pública (grifo nosso).
Dessa forma, conclui-se que a tutela antecipada concedida inaudita altera parte, antecedente ou não, quando não impugnada por meio de agravo de instrumento, haverá a conservação dos efeitos após a extinção do feito. Contudo, se a tutela antecipada se fundamentar em fatos não investigados de forma exauriente, não se torna imutável, não sendo aplicável à Fazenda Pública o prazo de dois anos para revisão processual (art. 304, §4º, CPC/2015).
4.5. Análises das decisões liminares nas ações de medicamentos propostas nos Juizados Especiais de Ponta Grossa/PR, referentes ao segundo semestre de 2018.
Em consulta às Secretarias dos Juizados Especiais da Fazenda Pública da Comarca de Ponta Grossa/PR, foi realizado o levantamento das ações propostas em face das entidades federativas, seja o Estado do Paraná e Município de Ponta Grossa/PR, no período do segundo semestre do ano de 2018.
Compulsando os processos que tramitaram junto ao 1º Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Ponta Grossa, foi possível verificar que, dos 15 (quinze) ajuizados no segundo semestre de 2018,
· Apenas 02 (dois) foram propostos pela parte interessada, sem advogado ou representação do Ministério Público;
· Todas obtiveram a tutela antecipada pretendida, as quais foram devidamente cumpridas pelos entes federados;
· Apenas 02 (dois) processos foram propostos em face do Estado do Paraná e do Município de Ponta Grossa/PR, sendo os demais apenas em face do Estado do Paraná;
· O Estado do Paraná apresentou contestação apenas nos casos em que foi requerida a realização de exames, a serem custeados por este. Já nos casos em que houve o requerimento de medicamentos, deixava de apresentar contestação com base na política institucional amparada pelos princípios da economicidade e eficiência administrativa.
· Quanto às sentenças, verificou-se que o titular do presente Juizado, entendeu pela suspensão dos processos em que o Ministério Público atuava como representante da parte interessada, com fundamento na decisão monocrática nos recursos especiais n. 1.681.690/SP, proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, até ulterior pronunciamento.
Já a Juíza Substituta, julgava procedentes os processos, confirmando a tutela já concedida, ou homologava a desistência da parte ante a satisfação do seu interesse, ou declarava extinto, com fundamento no art. 485, VI, do CPC/2015.
Quanto aos processos que tramitam perante o 2º Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Ponta Grossa/PR, houve a propositura de 12 (doze) processos no segundo semestre de 2018, dos quais,
· Apenas 02 (dois) foram propostos pela parte interessada, sem advogado ou representação do Ministério Público;
· Todas obtiveram a tutela antecipada pretendida, as quais foram devidamente cumpridas pelos entes federados;
· Apenas 01 (um) processo foi proposto em face do Estado do Paraná e do Município de Ponta Grossa/PR, sendo os demais apenas em face do Estado do Paraná;
· Houve o indeferimento de uma tutela antecipada de um dos processos propostos em face do Estado do Paraná, com fundamento no entendimento firmado no Recurso Especial Repetitivo n.º 1657156/RJ a respeito do dever do Estado em fornecer medicamentos de alto custo aos pacientes sem condições financeiras,
A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos f o r n e c i d o s p e l o S U S ; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
· O Estado do Paraná apresentou contestação apenas nos casos em que foi requerida a concessão de medicamentos não previstos na lista de fornecimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), nos casos de medicamentos excepcionais, houve a suspensão dos processos.
· Já nos demais casos em que houve o requerimento de medicamentos, deixava de apresentar contestação com base na política institucional amparada pelos princípios da economicidade e eficiência administrativa.
· Quanto às sentenças, verificou-se que o titular do presente Juizado, entendeu pela suspensão dos processos referentes à decisão exarada pelo STJ no REsp n.º 1.657.156/RJ, que afetou a questão ao rito de julgamento dos recursos repetitivos e determinou a suspensão de todos os processos que tenham como objeto a discussão acerca da “obrigatoriedade de fornecimento, pelo Estado, de medicamentos não contemplados na Portaria n. 2.982/2009 do Ministério da Saúde (Programa de Medicamentos Excepcionais)”.
No mais, houve a confirmação da tutela antecipada deferida. Contudo, houve o indeferimento do processo que pretendia o cumprimento provisório das astreintes, vez que o cumprimento provisório será incompatível com o sistema de pagamento aplicado à Fazenda Pública, devendo a parte autora, aguardar a conclusão do processo do conhecimento e, somente após o trânsito em julgado da eventual sentença favorável à parte, proceder a execução das astreintes.
Já os processos em trâmite perante o 3º Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Ponta Grossa/PR, foram ajuizadas 18 (dezoito) ações no segundo semestre de 2018,
· Apenas 04 (quatro) foram propostas pela parte interessada, sem advogado ou representação do Ministério Público;
· Todas obtiveram a tutela antecipada pretendida, as quais foram devidamente cumpridas pelos entes federados;
· Apenas 03 (três) processos foram propostos em face do Estado do Paraná e do Município de Ponta Grossa/PR, sendo os demais apenas em face do Estado do Paraná;
· O Estado do Paraná apresentou contestação apenas nos casos em que foi requerida a concessão de medicamentos não previstos na lista de fornecimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou que havia medicamentos alternativos.
Já nos demais casos em que houve o requerimento de medicamentos, deixava de apresentar contestação com base na política institucional amparada pelos princípios da economicidade e eficiência administrativa.
· As sentenças confirmaram as tutelas antecipadas anteriormente concedidas.
Diante do exposto, é possível verificar a estabilização das tutelas antecipadas deferidas em tais processos, ante a não apresentação do agravo de instrumento pelo Estado do Paraná e a verificação que tal fato não impediu a análise do caso concreto pelo magistrado.
Além disso, foi possível observar a suspensão dos processos ante a discussão da legitimidade de representação do Ministério Público nas ações de medicamentos (REsp nº. 1.681.690/SP), e a suspensão dos processos em que há a solicitação de medicamentos excepcionais (REsp n.º 1.657.156/RJ).
No mais, verifica-se que há um entendimento firmado pelo Estado do Paraná quanto aos casos em que é necessária a apresentação de contestação, seja nos casos de medicamentos excepcionais ou quando há alternativas ofertadas pelo SUS.
Já em relação ao entendimento firmado nos Juizados Especiais da Fazenda Pública da Comarca de Ponta Grossa/PR, estes acompanham os entendimentos firmados pelos Tribunais Superiores e pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Conforme o estudo e o trabalho realizados, buscou-se esmiuçar algumas das peculiaridades envolvendo os direitos fundamentais e o direito fundamental à saúde, restringindo-se ao fornecimento de medicamentos pelo Estado com base no disposto na Constituição Federal de 1988. A partir disso, analisou-se a atuação do poder judiciário na promoção do direito à saúde, permitindo a reflexão quanto os parâmetros utilizados nas decisões que buscam salvaguardar tal direito, ressaltando os principais pontos. Nesse sentido, buscou-se analisar os precedentes firmados pelos Tribunais Superiores, bem como o Tribunal de Justiça do Paraná, analisando, por fim os processos que tramitam junto aos Juizados Especiais da Fazenda Pública da Comarca de Ponta Grossa/PR. A partir de tal análise, foi possível concluir pela característica garantista da atuação do Poder Judiciário, o qual aplica de forma contundente as previsões constitucionais, responsabilizando de maneira solidária os entes quanto ao fornecimento de medicamentos. No mais, ainda há teses a serem pacificadas em sede dos Tribunais, como o caso das ações de medicamentos que buscam o fornecimento de medicamentos de alto custo, a legitimidade ativa do Ministério Público em tais ações, entre outras. Ademais, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná acompanha o entendimento fixado em sede dos Tribunais Superiores, bem como os Juizados Especiais da Fazenda Pública da Comarca de Ponta Grossa/PR, com algumas diferenças entre juízos. Por fim, quanto à tutela de urgência antecipada nas ações de medicamentos, é possível a necessidade de se preencher os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil de 2015, para concessão desta. Contudo, verifica-se a relativização da exigência da irreversibilidade da tutela em face da proteção do direito à saúde, bem como a resignação do Estado ou demais entes federativos em relação tais ações, interpondo recursos, seja o agravo de instrumento, raramente, o que faz com que haja estabilidade de tais decisões, influenciando assim na sentença final. Ademais, cumpre ressaltar que o presente trabalho não tem o intuito de esgotar o presente tema.
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Advogada, graduada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Cursando a Pós-graduação em Direito Constitucional na Academia Brasileira de Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OTANI, isadora satiko gomes. Os efeitos processuais da tutela de urgência antecipada nas ações de medicamentos - Análise dos processos junto aos Juizados Especiais da Fazenda Pública da Comarca de Ponta Grossa/PR Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 mar 2021, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56213/os-efeitos-processuais-da-tutela-de-urgncia-antecipada-nas-aes-de-medicamentos-anlise-dos-processos-junto-aos-juizados-especiais-da-fazenda-pblica-da-comarca-de-ponta-grossa-pr. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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