RESUMO: O trabalho tem o escopo de atentar o leitor à violação do princípio da correlação no que tange à desclassificação para o crime de porte de drogas para consumo pessoal. O método de raciocínio utilizado é o lógico-dedutivo e a técnica de pesquisa é a documentação indireta. No decorrer do texto é abordado o princípio da correlação no ordenamento brasileiro, de um modo geral, além dos institutos da emendatio e mutatio libelli.Analisou-se, também, jurisprudências pertinentes ao tema, revelando-se alternativas sugeridas ao caso concreto. Concluiu-se que o juiz somente poderá julgar com base naquilo que foi trazido ao processo pelas partes. Com relação à sentença desclassificatória de tráfico de drogas para porte para consumo pessoal, observa-se que o aditamento é imprescindível, haja vista a existência, no tipo penal previsto no artigo 28, da Lei Federal sob n.º 11.343/06, do elemento subjetivo especial do injusto, qual seja ‘para consumo pessoal’. Por fim, o que se sugere, quando no caso concreto for de difícil percepção se a droga apreendida é destinada para o comércio ou para consumo pessoal, é que o Promotor ofereça a denúncia descrevendo que a substância entorpecente se destinava à traficância e ao consumo pessoal.
Palavras-chave: Princípio da correlação, vinculação temática do juiz, denúncia, sentença, mutatio libelli, emendatio libelli, tráfico, porte de drogas para consumo pessoal, elemento subjetivo especial do injusto.
ABSTRACT: The paper has the scope to call the reader's attention to the violation of the principle of correlation, especially in regard to disqualification for the offense of possession of drugs for personal consumption. The paper to approach principle of correlation in the Brazilian legal system, in general, besides the institutes of emendatio and mutatio libelli. Analyzed the case law pertinent to the subject, revealing itselves as suggested alternatives to the present case. It was concluded that the judge can only judge based on what was brought to the proceedings by the involved. Regarding the sentence disqualifying drug trafficking to possession for personal use, it is observed that its advance is essential, since the state, by the offense provided for in Article 28 of Federal Law under n. º 11.343/06, the element special subjective unjust, namely 'for personal use'. Finally, it is suggested that, when the case is too difficult to understand if the drugs seized is intended for commerce or for personal use, is that the prosecutor offers the complaint describing the narcotic substance was intended for personal consumption and trafficking.
Palavras-chave: Principle of correlation, thematic linking of the judge, the complaint, judgment mutatio libelli, emendatio libelli, trafficking, possession of drugs for personal use, special subjective element of unjust.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. 3. O PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO APLICÁVEL A SENTENÇA DESCLASSIFICATÓRIA DE TRÁFICO PARA USO. 3.1 Da absolvição pelo crime de tráfico ante a ausência de aditamento – violação ao princípio da correlação; 3.2 Da absolvição pelo crime de tráfico, tendo-se em vista que o pedido de desclassificação nas alegações finais não supre o aditamento da denúncia – violação ao princípio da correlação; 3.3 Da manutenção da sentença desclassificatória – violação ao princípio da correlação; 3.4 Da manutenção da sentença desclassificatória – ausência do elemento subjetivo especial do injusto; 3.5 Da manutenção da sentença desclassificatória, diz tratar-se de ementatio libelli – ausência do elemento subjetivo especial do injusto; 3.6 Alternativas sugeridas. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho tem como escopo o estudo do princípio (ou regra)[1] da correlação, também chamado de vinculação temática do juiz, aplicável à sentença desclassificatória de tráfico de substância entorpecente para porte de drogas para consumo pessoal.
O princípio da correlação entre a acusação e a sentença tornou-se uma das principais problemáticas trazidas pelo Direito Processual Penal brasileiro. É necessário saber até que ponto se exige, no Estado Democrático de Direito, a congruência entre a imputação e a sentença penal.
Salienta-se que o tema é contemporâneo, sobretudo quando está relacionado ao sistema acusatório, apregoado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Salienta-se que o presente trabalho, utilizando como método de raciocínio o lógico-dedutivo e a documentação indireta como técnica de pesquisa,visa analisar a regra da congruência no que tange, especificamente, a sentença desclassificatória do crime de tráfico para o de porte de drogas para consumo pessoal.
O tema aplicável é extremamente interessante, tendo-se em vista a política nacional antidrogas aplicável no país. (não é melhor deixar somente o parágrafo abaixo que diz “A importância do tema é envolvida, até mesmo, pelo âmbito da política criminal, haja vista o exíguo prazo...”?)
Empiricamente verifica-se, em diversos cantos do país, independente da situação econômica do criminoso, a dificuldade do operador do direito em diferenciar o traficante do usuário. Consequentemente, muitas vezes, uma denúncia oferecida por tráfico, dá ensejo a uma sentença desclassificatória para porte de drogas para consumo pessoal.
A importância do tema é envolvida, até mesmo, pelo âmbito da política criminal, haja vista o exíguo prazo de prescrição do crime previsto no artigo 28, da Lei Federal sob n.º 11.343/06, o que torna quase impossível a aplicação da persecução penal por parte do Estado-juiz.
A contemporaneidade do tema, ao que tudo indica, merece justificar o presente trabalho, que se arriscou em dar um novo aspecto a velhas problemáticas, baseando-se na Nova Lei de Drogas e na Constituição de 1988.
A expectativa do presente trabalho é provocar o interesse do leitor, para se atentar à violação do princípio da correlação, principalmente no que tange à desclassificação para o crime de porte de drogas para consumo pessoal, muitas vezes esquecido na prática.
O Código de Processo Penal brasileiro um tanto quanto lacônico ao dispor sobre a correlação entre a acusação e a sentença, disciplinou-a em somente dois artigos.
O princípio da correlação transformou-se em problemática: a prática revelou questões inimagináveis pelo legislativo.
O problema crucial consiste na mudança fática do objeto do processo. Entretanto, iniciar-se-á o estudo com a possibilidade do magistrado aplicar ao fato qualificação jurídica diversa.
A redação do artigo 383, do Código de Processo Penal, dada pela Lei Federal sob n.º 11.719/2008, substancialmente não modificou a antiga. Apenas pretendeu-se deixar claro que não haverá alteração da imputação fática ex officio. Neste sentido Gustavo Badaró:
Evidente que o juiz, em nenhuma hipótese pode, na sentença, mudar a descrição dos fatos da denúncia ou queixa. O que a nova redação do caput do art. 383 pretendeu sublinhar foi que, na sentença, o juiz poderá dar aos fatos imputados na denúncia ou queixa, uma definição jurídica diversa, somente se, comparando os fatos considerados na sentença e os fatos imputados na denúncia ou queixa, houver identidade ou correlação (BADARÓ, 2013, 141).
Ressalta-se, portanto, que não haverá violação ao princípio da correlação caso o juiz modifique a definição jurídica apontada na exordial acusatória, salvo alteração fática da imputação[2].
No âmbito processual penal, quando o juiz é invocado a julgar sobre um fato, deve fazê-lo como um todo, em todas as suas circunstâncias. Consequentemente, se a exordial acusatória deixou de imputar algum aspecto e, sendo necessário que o juiz julgue o fato em sua totalidade, é permitido a alteração do objeto do processo até a sentença, a fim de incluir na imputação os novos dados fáticos, encontrados após o oferecimento da peça inicial (BADARÓ, 2013).
Neste aspecto o Direito Processual Penal se diferencia do Direito Processual Civil, considerando-se a diferença que esses ramos do direito dão para o instituto da coisa julgada.
Para o processo penal, em razão do disposto no Pacto São José da Costa Rica (artigo 8º, 2, ‘j’) e o Código de Processo Penal (artigo 110, § 2º) ninguém poderá ser acusado duas vezes pelo mesmo fato, ainda que este tenha qualificações jurídicas diferentes nas peças acusatórias. Na seara criminal, o que importa é o contexto fático (CAPELA, 2008)[3].
Deste modo, sempre que existir alguma modificação no contexto fático, surge-se a possibilidade do Ministério Público (ou particular[4]) aditar a exordial acusatória, já que transitada em julgado a sentença, este não poderá ser julgado novamente (CAPELA, 2008).
Aditar, é palavra originária do latim additu, significa acrescentar, adicionar, juntar algo que falta a alguma coisa (RANGEL, 2013).
Após o aditamento o juiz deverá abrir vista para a defesa se manifestar, em prazo de cinco dias.
Na manifestação, a defesa poderá requerer novas provas que pretenda produzir, em relação ao elemento ou circunstância nova, e, especialmente, poderá arrolar testemunhas que oportunamente tenciona ouvir, caso o aditamento seja recebido pelo magistrado. Salienta-se ainda, que tal manifestação da defesa não é apenas um simples requerimento de provas. Poderá a defesa, no que couber, sustentar a absolvição sumária, prevista no artigo 396-A, do Código de Processo Penal (BADARÓ, 2013).
Depois da defesa se manifestar, será realizado o juízo de admissibilidade pelo juiz. O aditamento será rejeitado caso ocorra alguma das hipóteses de rejeição liminar da inicial, previstas no artigo 395, do Código de Processo Penal – aplicáveis por analogia ao aditamento (BADARÓ, 2013).
Vale lembrar que se o aditamento for rejeitado, o processo seguirá normalmente, sendo que o juiz deverá levar em consideração apenas a imputação originária, contida na exordial acusatória (BADARÓ, 2013).
De outra banda, sendo o aditamento recebido, o juiz analisará as provas requeridas pelas partes, e mesmo sem o requerimento, deverá designar nova data para continuação da audiência de instrução e julgamento. Importante advertir que o novo interrogatório do réu acontecerá mesmo que não tenha sido requerido pela acusação ou defesa, pois é imprescindível que tenha sido proporcionado a ele se manifestar a respeito dos novos fatos (BADARÓ, 2013).
Considerando-se que no caso concreto, haja aditamento da denúncia e ele tenha sido recebido pelo juiz, alterando-se o tipo penal para uma infração de menor potencial ofensivo os autos deverão ser remetidos ao Juizado Especial Criminal; ou, sendo a pena máxima cominada in abstrato superior a dois anos, cabível a suspensão condicional do processo, o juiz deverá abrir vista ao membro do Ministério Público, para que, ofereça o benefício, ou explique o motivo do não cabimento (BADARÓ, 2013).
Vale lembrar que mesmo que o processo esteja em fase bastante avançada, como quando concluída a instrução, ao réu deverá dar-se a oportunidade de aceitar os benefícios da Lei Federal sob n.º 9099/95. Neste sentido, Gustavo Henrique Badaró:
A transação penal e mesmo a suspensão condicional do processo, indiscutivelmente, são mais benéficos que a condenação penal. Por essa razão, sempre que não houver óbice à aplicação de tais institutos, será necessário buscar a solução consensual. Não se pode objetar com irracionalidade de se suspender o processo, após todo o seu transcorrer em primeiro grau, ou mesmo na fase recursal, bem como de se propor a transação penal, após o oferecimento de denúncia ou o transcorrer do processo. As repercussões e vantagens de tais institutos no plano material, principalmente em relação à não caracterização da reincidência, autorizam sua aplicação, em decorrência da mutatio libelli, mesmo que o processo se encontre em fase bastante desenvolvida (BADARÓ, 2013, p. 190).
Por fim, conclui-se que o réu não pode prejudicar-se com uma condenação criminal quando lhe são cabíveis os benefícios previstos na Lei Federal sob n.º 9.099/95.
No Brasil, a violação da correlação da acusação com a sentença, no processo penal, não está expressamente prevista como uma nulidade. Entretanto, percebe-se que se trata de uma nulidade absoluta.
A nulidade será absoluta, pois contraria norma constitucional (artigo 129, inciso I). Vejamos: “(...) sendo a norma constitucional-processual norma de garantia, estabelecida no interesse público, o ato processual inconstitucional, quando não juridicamente inexistente, será sempre absolutamente nulo, devendo a nulidade ser decretada de ofício (...)” (GRINOVER, 2011, p. 25).
Dar-se-á a violação ao artigo 129, inciso I, da Constituição Federal, pois o juiz ao decidir, com base em elementos ou circunstancias que não estão presentes na imputação, estará proferindo uma sentença extra ou ultra petita, podendo-se falar, inclusive, em ação penal ex officio (BADARÓ, 2013).
Salienta-se, todavia, sendo ela extra petita, a sentença em sua totalidade será nula. Do contrario, sendo ela ultra petita, será apenas parcialmente nula (BADARÓ, 2013).
Observa-se que o problema da congruência não é uma questão puramente teórica, mas é vivida no cotidiano forense.
Não há como criar uma regra para aplicação do princípio da correlação. Há necessidade sempre de se analisar o caso concreto, afinal de contas, a necessidade ou não do aditamento da exordial acusatória dependerá: do conteúdo do fato processual, descrito na denúncia, das provas que foram produzidas na instrução processual e da própria sentença.
Importante salientar que o entendimento dos Tribunais é divergente e o próprio Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado não é unânime, em suas decisões a respeito da matéria.
Oferecida a denúncia por tráfico de drogas, após a instrução probatória, caso o juiz entenda tratar-se, em verdade, do crime de porte de drogas para consumo pessoal, poderá proferir sentença desclassificatória sem o aditamento da exordial acusatória?
O acórdão proferido nos autos sob.º 814322-6, pela Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, absolveu o réu, haja vista a inobservância do princípio da correlação, na sentença proferida pelo Juízo a quo:
DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso e, de ofício, absolvem o apelado, nos termos do voto. EMENTA: Penal. Tráfico. Desclassificação para uso próprio. Incerteza quanto a finalidade de traficância. Reconhecimento de nova definição jurídica do fato. Impossibilidade de aplicação do artigo 384, cabeça, do Código de Processo Penal em segunda instância. Súmula 453, do STF .Mutatiolibelli . Ofensa ao princípio constitucional da ampla defesa. Recurso conhecido, porém, não provido, com a absolvição, de ofício, do ora apelado. 1. Quando à denúncia falta a especificação no tocante a descrição do especial fim de agir para consumo pessoal ou a destinação para uso próprio, mesmo sendo o caso de nova definição jurídica do fato mais favorável ao réu (uso ao invés de tráfico), não pode o Juiz decidir nessa linha sem prévio aditamento do Ministério Público. 2. O prazo para este aditamento é de cinco (5) dias. Logo, no momento previsto pelo artigo 402, ou seja, no final da audiência, o Ministério Público deverá requerer a abertura do prazo de 5 dias para oferecer o aditamento, sob pena de não mais poder fazê-lo (AURY Lopes Jr. Direito Processual Penal e sua conformidade Constitucional. volume II. Lumen Juris. 2009. Rio de Janeiro.) 3. (...) não havendo o aditamento (ou ainda, aplicado o art. 28, insiste o Ministério Público no não aditamento), e afastada a figura dolosa pelo contexto probatório, deverá o juiz absolver o réu, pois não está demonstrada a tese acusatória. Com certeza essa segunda posição irá gerar alguma perplexidade, mas é a única processualmente válida, pois condenar o imputado por crime culposo é proferir uma sentença incongruente, nula, portanto. Como já explicado anteriormente, a regra da correlação não pode ser violada apenas porque, aparentemente, é mais benigna para o réu. Ela está a serviço do contraditório e do sistema acusatório, não podendo o juiz alterar, de ofício, a pretensão acusatória, sem grave sacrifício das regras do devido processo penal."1 4. Não seria o caso, também, de se anular a sentença, tendo em conta que não houve pedido do Ministério Público neste sentido, o que importaria em ofensa a Súmula 160, do STF: é nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício. 5. Diante da inexistência de provas da destinação dos entorpecentes para o comércio, impõe-se a improcedência da acusação 6. O princípio da correlação entre a imputação e a sentença representa uma das mais relevantes garantias do direito de defesa que se encontra tutelado por via constitucional. Processo: 814322-6 (Acórdão). Segredo de Justiça: Não. Relator(a): Rogério Etzel. Órgão Julgador: 5ª Câmara Criminal. Comarca: Barbosa Ferraz. Data do Julgamento: 26/01/2012 20:00:00. Fonte/Data da Publicação: DJ: 804 15/02/2012.
Nos autos acima referidos, o juiz, atuante em primeiro grau de jurisdição, após a instrução probatória, desclassificou a conduta do réu, descrita na denúncia como tráfico de substância entorpecente, para o crime de porte de drogas para consumo pessoal. Inconformado com a sentença, o membro do Ministério Público apelou, pleiteando a condenação do sentenciado pelo crime de tráfico.
Em sede de recurso, o E. Tribunal de Justiça do Paraná decidiu reformar a sentença e absolver o réu ex officio.
A absolvição,decisão que certamente gerou perplexidade, se deu tendo-se em vista a vedação da utilização da mutatio libelli em segundo grau de jurisdição[5].
A sentença proferida pelo Juízo a quo certamente violou o principio da congruência, bem como o devido processo legal.
Importante salientar que a denúncia, inserida na íntegra do acórdão acima referido, dispunha:
"No dia 07 de julho de 2010, por volta das 20h00, na Rua Piauí, s/nº, Vila do Roque, nesta cidade e Comarca de Barbosa Ferraz, o denunciado FULANO DE TAL, com vontade e consciência livre, mantinha em depósito/guardava em sua residência 01 (uma) pedra de "crack" (auto de exibição e apreensão de fls. 11) e 02 (duas) pedras de "crack" (auto de exibição e apreensão de fls. 27), substância notoriamente capaz de causar dependência física ou psíquica (conforme laudo de constatação provisório de fls. 12/13 e 28/29), tudo sem autorização e desacordo com determinação legal e regulamentar (Portaria nº 322/98 da Secretaria de Vigilância Sanitária SVC, do Ministério da Saúde, complementado pela Resolução RDC nº 15/07 ANVISA/MS, de 01.03.2007).
As duas pedras menores foram encontradas com o denunciado em uma primeira abordagem policial, motivada por denúncias anônimas. A pedra maior foi encontrada oculta no cesto do banheiro, em uma segunda diligência da polícia no mesmo dia, após novas ligações telefônicas informarem que o denunciado mantinha na residência outra porção maior do tóxico de onde extraia material para as menores que vendia." (grifos nossos)
Segundo consta, o réu matinha em depósito/guardava, no interior da residência dele, três pedras de crack, substância esta capaz de causar dependência física ou psíquica, a teor do que dispõe a Portaria nº 322/98 da Secretaria de Vigilância Sanitária - SVS, do Ministério da Saúde, para traficância (o denunciado mantinha na residência outra porção maior do tóxico de onde extraia material para as menores que vendia).
Durante a instrução probatória, a defesa, assim como a própria acusação, voltavam-se veementemente para a imputação do crime de tráfico. As teses de defesa e de acusação eram baseadas nos fatos descritos na exordial acusatória, que, por consequência, descrevia o crime de tráfico de substância entorpecente.
Ocorre que, após a oitiva das testemunhas e apreciação das demais provas, notou-se que, em verdade, as três pedras de crack apreendidas eram destinadas ao consumo pessoal do agente.
Ora, é notável a mudança da realidade fática, a droga que sumariamente acreditava-se ser destinada ao tráfico, estava guardada para o consumo pessoal do réu. Imprescindível constar no fato da denúncia o elemento subjetivo especial do injusto, qual seja ‘para consumo pessoal’, bem como a exclusão da frase que se referia à venda do entorpecente (o denunciado mantinha na residência outra porção maior do tóxico de onde extraia material para as menores que vendia).
Com a modificação do fato e consequente mudança do objeto do processo, o Ministério Público deveria ter solicitado prazo para o aditamento próprio real da exordial acusatória. Contudo não o fez.
O juiz, considerando o pedido de condenação pelo crime de tráfico, efetuado pelo Ministério Público proferiu uma sentença teratológica: desclassificou o crime de tráfico para o de porte para consumo pessoal.
É teratológica, pois, como já exposto, violou diversos princípios do ordenamento jurídico, tais como contraditório, ampla defesa e, principalmente, o da vinculação temática do juiz.
A sentença desclassificatória sem o aditamento da exordial acusatória é extra petita e absolutamente nula.
Salienta-se que o sistema adotado atualmente no ordenamento jurídico brasileiro é o acusatório e dele decorrem vários princípios, tais como: inércia da jurisdição, devido processo legal e imparcialidade do julgador.
O juiz, ao preferir uma sentença extra petita, na seara penal, está agindo como acusador, quando na verdade a ele, cabe a inércia jurisdicional.
A acusação, como bem preceitua a Constituição Federal, cabe privativamente ao membro do Ministério Público.
A iniciativa acusatória do juiz fere a sua imparcialidade e torna o sistema inquisitivo. Ora, se o magistrado age como parte, quem irá julgar o processo?
Considerando-se que a sentença proferida não observou o princípio da correlação, ao E. Tribunal de Justiça não restou alternativa, a não ser absolver o réu, haja vista a impossibilidade da aplicação do instituto da mutatio libelli em segundo grau de jurisdição. Este é o entendimento da 1ª Turma Criminal da do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:
TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SUSPEIÇÃO DO JUIZ A QUO AFASTADA POR FALTA DE PREVISÃO LEGAL. PRETENDIDA MUTATIO LIBELLI EM SEDE DE APELAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Em que pese ser a Exceção de Suspeição ação autônoma, com rito próprio, é de se afastar tal pecha, em virtude de absoluta falta de previsão legal para o quadro delineado nos autos.
2. A inovação da situação fática noticiada na denúncia só é possível quando em observância aos ditames legais, não sendo admitida em sede recursal, para evitar-se ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
3. Ante a ausência de provas da imputação contida na denúncia, a absolvição é medida que se impõe.
4. Recurso desprovido. 1ª Turma Criminal. Apelação Criminal 20070111380873APR. MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. PAULO ANDRÉ ALVES CABRAL E OUTROS. Desembargador JOÃO TIMÓTEO. Desembargador GEORGE LOPES LEITE. 355.353
Nesta mesma acepção é o entendimento da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
PENAL - LEI 11.343/06 - FORNECIMENTO DE DROGAS PARA USO CONJUNTO - PRELIMINAR - ACUSADOS BRUNO E LUIZ ALBERTO - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DA PRETENSÃO PUNITIVA - PENA IN CONCRETO - EXAURIMENTO DO LAPSO PRESCRICIONAL ENTRE A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA E O PRESENTE JULGAMENTO - RÉUS MENORES DE VINTE E UM ANOS À ÉPOCA DOS FATOS - PRAZO PRESCRICIONAL REDUZIDO À METADE - EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE RECONHECIDA DE OFÍCIO. PRELIMINAR DE OFÍCIO - ACUSADO JÚLIO CÉSAR - DENÚNCIA PELO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS - CONDENAÇÃO PELO DELITO DE FORNECIMENTO DE DROGAS PARA USO CONJUNTO - CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR NÃO CONTIDA NA DENÚNCIA - MUTATIO LIBELLI - INOBSERVÂNCIA DO ART. 384 DO CPP - OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA - NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA. MÉRITO - TRÁFICO PRIVILEGIADO - ACUSADO RUAN - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - AMPLO CONJUNTO PROBATÓRIO - DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO OU FORNECIMENTO DE DROGAS PARA USO CONJUNTO - IMPOSSIBILIDADE - PROVA DA MERCANCIA - REPRIMENDA MANTIDA. V.V.P. (Apelação Criminal 1.0051.08.023323-5/001, Relator(a): Des.(a) Maria Celeste Porto , Relator(a) para o acórdão: Des.(a) Pedro Vergara , 5ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 09/02/2010, publicação da súmula em 01/03/2010)
E da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
TJRJ 0008120-29.2011.8.19.0006 - APELACAO DES. SERGIO DE SOUZA VERANI - Julgamento: 13/09/2012 - QUINTA CAMARA CRIMINAL
APELAÇÃO Nº 0008120-29.2011.8.19.0006 (2ª VARA DE BARRA DO PIRAI) APELANTE: RODRIGO EVANGELISTA GENEROSO APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO RELATORA: Des. DENISE VACCARI MACHADO PAES REVISOR: Des. SÉRGIO VERANI (designado para acórdão) ENTORPECENTES. TRÁFICO (ART. 33, LEI 11.343/06). PROVA INSUFICIENTE. TESTEMUNHO POLICIAL. IMPUTAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. PRESUNÇÃO DE DOLO INADMISSÍVEL. CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA. PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA. Duvidosa a prova para determinar que o entorpecente - 16,5g de maconha - destinava-se ao tráfico, impõe-se a absolvição. A droga foi encontrada com o apelante, que admitiu a posse para uso próprio, e o dinheiro seria proveniente de trabalhos, biscates como pedreiro e em atividades de descarga de caminhões. Sua residência foi invadida pelos policiais sem mandado judicial. Não foram apreendidas armas, balança de precisão ou quaisquer outros instrumentos do crime e os policiais foram uníssonos em afirmar que não havia ninguém na residência do apelante, local em que foi encontrada a droga, assim como não notaram qualquer movimentação estranha ou suspeita próxima a casa. O princípio da verdade real é incompatível com as certezas predeterminadas; e, para a condenação, exige-se que a imputação seja demonstrada de forma ampla, absoluta, induvidosa. Entender que o valor de R$ 400,00, aproximadamente, apreendido com o apelante seria a comprovação do uso da droga para tráfico, por ser valor elevado e por estar supostamente "trocado" é interpretar a prova fundada na própria situação econômico/social do réu: como tem "parcos recursos", só pode ser traficante. Criminaliza-se, assim, a condição da pobreza. Insuficiente a prova para demonstrar que o entorpecente apreendido - 16,5g de maconha destinava-se ao tráfico, inviável a desclassificação, para o tipo do art. 28, vez que incabível a mutatio libelli em segundo grau de jurisdição, sob pena de violação à correlação entre a imputação e a sentença, razão pela qual absolve-se. Recurso provido[6]
Na prática é corriqueiro encontrar alegações finais, oferecidas pelo Promotor de Justiça, pleiteando a desclassificação do crime de tráfico para o crime de porte para consumo pessoal.Todavia, tal ato não supre o aditamento da exordial acusatória.
A imputação, objeto do processo, deve permanecer imutável durante todo ínterim processual. Todavia, quando do surgimento de novas circunstâncias que modifiquem o fato processual, a mutatio libelli é medida que se insurge.
Sendo necessária a utilização do instituto da mutatio libelli, deverá haver o aditamento da denúncia, podendo, inclusive, as partes apresentarem novas provas que pretendem produzir.
Em sede de alegações finais isto não é possível. Assim, evidente é o prejuízo a defesa e a violação ao princípio do contraditório.
Este é o entendimento da Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
TJRJ 0120265-97.2009.8.19.0038 - APELACAO DES. SIRO DARLAN DE OLIVEIRA - Julgamento: 19/11/2013 - SETIMA CAMARA CRIMINAL
APELAÇÃO. TRAFICO DE SUBSTANCIA ENTORPECENTE E CORRUPCAO ATIVA. A SENTENÇA DE FLS. 160/162 JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA DENÚNCIA PARA CONDENAR A RE¿ COMO INCURSA NAS PENAS DO ARTIGO 333 DO CP A CUMPRIR PENA DE DOIS ANOS DE RECLUSÃO EM REGIME ABERTO E 24 DIAS-MULTA NA RAZÃO MÍNIMA LEGAL, QUE FOI CONVERTIDA EM PENA RESTRITIVA DE DIREITO, CONSISTENTE NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A COMUNIDADE PELO PRAZO DE 2(DOIS) ANOS AOS SÁBADOS, DOMINGOS E FERIADOS, OU EM DIA NORMAIS, DE FORMA A NÃO PREJUDICAR A SUA JORNADA DE TRABALHO. AS TAREFAS DEVERÃO SER ATRIBUÍDAS CONFORME AS APTIDÕES PESSOAIS DO CONDENADO, DE FORMA A SEREM CUMPRIDAS À RAZÃO DE 1(UMA) HORA DE TAREFA POR DIA DE CONDENAÇÃO, O QUE IMPLICARÁ NO CUMPRIMENTO DE NO MÁXIMO 7(SETE) HORAS POR SEMANA (ARTIGO 46 E §§S DO CÓDIGO PENAL). ADEMAIS FIXOU PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA NO VALOR DE R$ 1000,00, FICANDO DESDE JÁ PREVISTO O PARCELAMENTO DO VALOR EM CINCO PRESTAÇÕES DE R$ 200,00 A SEREM PAGOS A UM DOS LOCAIS CONVENIADOS AO JUÍZO. OUTROSSIM, JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO PARA CONDENAR A RÉ PELA PRATICA DA CONDUTA PREVISTA NO ART. 28 DA LEI 11343/06, JULGANDO EXTINTA A PENA NA FORMA DO ART. 82 CP. RECURSO DEFENSIVO. QUANTO `A PRELIMINAR. INCIALMENTE, AFIRMO QUE A PRELIMINAR SE CONFUNDE COM O MÉRITO E SERA¿ COM ESTE APRECIADA. QUANTO AO DELITO DA LEI 11343-06: A MATERIALIDADE DECORRE DO LAUDO DE EXAME EM ENTORPECENTE, DEPOIMENTOS COLHIDOS, ALÉM DA CERTEZA VISUAL DECORRENTE DO FLAGRANTE. A APELANTE FOI DENUNCIADA PELA PRATICA DO DELITO PREVISTO NO ART. 33 DA LEI 11343-06 E CONDENADA PELA PRATICA DO DELITO PREVISTO NO ART. 28 DA LEI 11343-08. EM ALEGACOES FINAIS, O MINISTERIO PUBLICO REQUEREU A PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO PARA QUE A CONDUTA INICIALMENTE IMPUTADA FOSSE DESCLASSIFICADA PARA A DO ARTIGO 28, CAPUT, DA LEI 11343/06, SEM, CONTUDO, PROMOVER O ADITAMENTO `A DENUNCIA. OBSERVA-SE QUE A PROVA SOMENTE FOI FIRME NO SENTIDO DE DEMONSTRAR QUE FOI ENCONTRADA DETERMINADA QUANTIDADE DE ENTORPECENTE, QUE A DESPEITO DA INICIAL NEGATIVA DE PROPRIEDADE PELA ACUSADA SERIA USADA PARA CONSUMO PRÓPRIO, O QUE JUSTIFICA, UNICAMENTE, QUE A SUA CONDUTA SE AMOLDA NA PRÁTICA DO INJUSTO PREVISTO NO ARTIGO 28 DA LEI DE TÓXICOS, QUE EM TESE, TERIA O CONDÃO DE OPERAR A DESCLASSIFICAÇÃO DO FEITO. DIANTE DE TAIS CIRCUNSTÂNCIAS, CONCLUI-SE QUE HÁ, NO MÍNIMO, INCERTEZA QUANTO À TIPIFICAÇÃO APONTADA NA DENÚNCIA. AS PROVAS INDICAM APENAS QUE A DROGA PODERIA SER UTILIZADA PARA USO PRÓPRIO, AUSENTE PROVA DE MERCANCIA. COMO CONSEQÜÊNCIA DESTE RACIOCÍNIO, IMPÕE-SE A ABSOLVIÇÃO DA APELANTE, EIS QUE A CONDUTA DE POSSE DE DROGA PARA USO PESSOAL NÃO ESTÁ CONTIDA NAQUELA IMPUTADA A ELA NA DENÚNCIA (TRÁFICO DE DROGAS), CONTRA A QUAL A ACUSADA EXERCEU AMPLA DEFESA. O CRIME DE POSSE DE DROGA PARA USO PESSOAL EXIGE UM ESPECIAL FIM DE AGIR QUE NÃO ESTÁ DESCRITO NA DENÚNCIA. IGUALMENTE NÃO É POSSÍVEL A CONDENAÇÃO PELO CRIME DE USO DE DROGAS, POIS O FATO DESCRITO NA DENÚNCIA NÃO SE ADEQUA AO TIPO PENAL DEFINIDO NO ARTIGO 28 DA LEI N° 11.343/06, NÃO SENDO ADMISSÍVEL A MUTATIO LIBELLI EM SEDE DE RECURSO, QUANDO MAIS SEM PEDIDO EXPRESSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NESTE SENTIDO. DE FATO, A DESCLASSIFICAÇÃO FOI REQUERIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS ALEGAÇÕES FINAIS, SEM, ENTRETANTO, ADEQUAR A DENÚNCIA, NA FORMA DO ARTIGO 384 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. VALE FRISAR QUE A HIPÓTESE NÃO SE TRATA DO INSTITUTO DA EMENDATIO LIBELI PREVISTO NO ARTIGO 383 DO REFERIDO DIPLOMA LEGAL, POSTO QUE A FINALIDADE DE ¿USO PRÓPRIO¿ DO ENTORPECENTE NÃO FOI DESCRITA NA DENÚNCIA. PORTANTO, IMPÕE-SE A ABSOLVIÇÃO DA APELANTE, NOS TERMOS DO ARTIGO 386, VII DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, QUANTO AO DELITO PREVISTO NO ART. 28 DA LEI 11343/08. QUANTO AO ARTIGO 333 CP. A MATERIALIDADE DECORRE DO AUTO DE APREENSÃO DA QUANTIA DE R$ 130,00, DO INTERROGATORIO DA APELANTE NO SENTIDO DE QUE PORTAVA O DINHEIRO E DEPOIMENTOS POLICIAIS. OUTROSSIM, A AUTORIA DECORRE DOS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS ENVOLVIDOS. PASSO A APRECIAR A DOSIMETRIA DA PENA. NA 1ª FASE DA DOSIMETRIA DA PENA, A PENA-BASE FOI ADEQUADAMENTE ARBITRADA EM SEU MÍNIMO LEGAL, QUAL SEJA 2 ANOS DE RECLUSÃO. NESTE ASPECTO, MERECE REPARO A PENA DE MULTA, CUJO MÍNIMO DEVE SER ARBITRADO EM 10 DIAS-MULTA. DIANTE DA AUSÊNCIA DE DEMAIS CAUSAS MODIFICADORAS, RESTA A PENA FIXADA EM 2 ANOS DE RECLUSÃO E 10 DIAS-MULTA. RECURSO CONHECIDO PARA APRECIAR A PRELIMINAR EM CONJUNTO AO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E, DE OFICIO, ABSOLVER A APELANTE, NOS TERMOS DO ARTIGO 386, VII DO CPP, QUANTO AO DELITO PREVISTO NO ART. 28 DA LEI 11343/08, E RETIFICAR A PENA DE MULTA REFERENTE AO DELITO DO ART. 333CP PARA 10 DIAS-MULTA. ALÉM DE RETIFICAR O PRAZO DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PARA O RESTANTE DA CONDENAÇÃO (grifos nossos)
Conclui-se, portanto, que a sentença desclassificatória proferida, por mais que esteja fundamentada no pedido de desclassificação feito pelo próprio membro do Ministério Público é, também, nula, pois viola o princípio da correlação.
Como já referido acima, as Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná não são unânimes a respeito do tema.
A Quarta Câmara Criminal, por unanimidade de votos, manteve a sentença desclassificatória proferida pelo Juízo a quo:
DECISÃO: ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso. EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES - DESCLASSIFICAÇÃO OPERADA NA R. SENTENÇA PARA O CRIME DO ART. 28 DA LEI 11.343/06 - RECURSO MINISTERIAL - IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DO RÉU NAS PENAS DO ART.28 DA LEI 6.368/76 - CORRETA TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA - PROVAS HÁBEIS A INDICAR A FINALIDADE EXCLUSIVA DE USO PRÓPRIO - CONTRADIÇÃO NAS DECLARAÇÕES DOS POLICIAIS - QUANTIDADE DE DROGA QUE APESAR DE NÃO SER PEQUENA, NÃO AUTORIZA POR SI SÓ A CONCLUSÃO PELA TRAFICÂNCIA - DÚVIDAS QUE MERECEM PREVALECER EM FAVOR DO APELADO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO - INTELIGÊNCIA DO ART. 28, § 2º, DA LEI 11.343/06 - SENTENÇA DESCLASSIFICATÓRIA MANTIDA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - PRESCRIÇÃO NA MODALIDADE RETROATIVA - INTELIGÊNCIA DO ART. 30 DA LEI ANTIDROGAS E ART.110, § 1º, DO CÓDIGO PENAL - RECONHECIMENTO - RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. Processo: 847461-9 (Acórdão). Segredo de Justiça: Não. Relator(a): Antônio Martelozzo. Órgão Julgador: 4ª Câmara Criminal. Comarca: Londrina. Data do Julgamento: 06/12/2012 17:19:00. Fonte/Data da Publicação: DJ: 1024 23/01/2013
Segundo consta, no processo 847461-9, as provas colhidas durante a instrução probatória não foram suficientes para sustentar uma condenação pelo crime de tráfico. Além disso, ao que parece, existiam nos autos prova hábil de que a substância entorpecente apreendida era para consumo pessoal.
Entretanto, conforme se percebe da denúncia oferecida pelo membro do Ministério Público, o aditamento próprio real da exordial acusatória era imprescindível:
"No dia 28 do mês de julho do ano de 2004, por volta das 16:30h, policiais militares faziam patrulhamento de rotina, quando, ao passarem pela Rua Mangaba, em frente ao nº 112, Jardim Interlagos, nesta cidade e Comarca, visualizaram o denunciado FULANO DE TAL, em companhia de outra pessoa, ambos em atitude suspeita, razão pela qual resolveram abordá-los, passando, em seguida, a revistá-los. Nesse momento, surpreenderam FULANO DE TALa trazer consigo, livre e conscientemente, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, 01 (um) tablete contendo 48g. (quarenta e oito gramas) da erva conhecida vulgarmente como `maconha', Cannabis Sativa Linneu (Auto de Exibição e Apreensão de fl. 07), cujos principais componentes o canabinol, o canabidiol e o tetrahidrocanabinol , são entorpecentes, posto que capazes de causar dependência física ou psíquica (Laudo Químico-Toxicológico de fl. 20), para o fim de ulterior venda, fornecimento ou entrega de qualquer forma, a consumo de terceiros, como aliás, reconhecida e habitualmente, vinha agindo nos últimos tempos, tanto que se verificou, logo após, que o denunciado acabara de sair do apartamento de Sicrano de Tal, localizado em frente ao local onde houve abordagem, para quem fornecera gratuitamente, momentos antes, pequena quantidade da mesma erva que fora apreendida em sua posse, tendo, aquele, a consumido de pronto (B.O. de fls. 08/10; e, Termos de Declaração de fls. 03/04)" (fls. 02/03)” (grifos nossos).
Como se pode notar, a denúncia, com todos os elementos e circunstanciais do fato, descreve o crime de tráfico de substância entorpecente.
Assim sendo, a sentença proferida só poderia ser desclassificatória, se o membro do Ministério Público tivesse oferecido aditamento a exordial acusatória, no sentido de: a) incluir o elemento subjetivo especial do injusto, “para consumo pessoal”; e b) excluir a expressão “para o fim de ulterior venda, fornecimento ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros”.
Conforme já disposto a sentença desclassificatória sem o devido aditamento é extra petita, fere o sistema acusatório, bem como viola o princípio da correlação entre a exordial acusatória e a sentença, sendo, portanto, inadmissível.
Após a prisão em flagrante ou noticia crime, elaborado e concluído o Inquérito Policial[7], é atribuição do membro do Ministério Público, em suma: a) promover o arquivamento do feito; b) solicitar a realização de demais diligências pela i. autoridade policial; ou c) oferecer a denúncia.
Sendo o caso de oferecimento de denúncia, o Promotor de Justiça com atribuições para tanto, deverá analisar os elementos trazidos pelo procedimento e realizar o enquadramento dos fatos no tipo penal que melhor lhe aprouver.
Não raras às vezes, o enquadramento é complexo. No caso em apreço, como já dito, dever-se-á observar o objeto material do delito, o desvalor da ação e o próprio agente do fato.
No entanto, a apreciação das provas, agora já na fase processual, podem levar o magistrado a discordar do disposto na exordial acusatória.
Ocorre que, em sede de desclassificação de tráfico para porte para consumo pessoal, o aditamento é imprescindível. Isto se deve principalmente, ao elemento subjetivo especial do injusto, previsto no artigo 28, da Lei Federal sob n.º 11.343/06, qual seja “para consumo pessoal”.
A Terceira Câmara Criminal do Estado do Paraná ao julgar os autos 960808-2, decidiu manter a sentença desclassificatória proferida pelo Juízo a quo:
DECISÃO: Acordam os Desembargadores integrantes da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade votos, em conhecer do recurso em sentido estrito como apelação crime e, no mérito, negar-lhe provimento. EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES - ART. 33, CAPUT DA LEI Nº 11.343/2006 - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE PORTE PREVISTO NO ARTIGO 28 DA LEI DE DROGAS, COM REMESSA DOS AUTOS PARA O JECRIM - INSURGÊNCIA MINISTERIAL QUE SE REFERE AO MÉRITO DA AÇÃO PENAL, NÃO SE CONFUNDINDO COM A INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO - RECEBIMENTO DO RECURSO COMO APELAÇÃO CRIMINAL - MÉRITO RECURSAL - FRAGILIDADE DAS ALEGAÇÕES - EFETIVO EXERCÍCIO DO TRÁFICO PELO RÉU NÃO DEMONSTRADO - PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO - APLICABILIDADE - CONDIÇÃO DE USUÁRIO QUE SE REVELOU NOS AUTOS - SENTENÇA ESCORREITA - RECURSO DESPROVIDO Processo: 960808-2 (Acórdão). Segredo de Justiça: Não. Relator(a): José Cichocki Neto. Órgão Julgador: 3ª Câmara Criminal. Comarca: Capanema. Data do Julgamento: 13/06/2013 17:00:00. Fonte/Data da Publicação: DJ: 1139 12/07/2013
Esta situação se difere das demais, pois na exordial acusatória, o Ministério Público apenas mencionou que o denunciado transportava ‘maconha’, sem mencionar a finalidade da substância entorpecente (se para venda, fins de traficância, etc.):
"No dia 03 de novembro de 2.011, por volta das 19h30min, na Avenida Rio Grande do Sul, nas proximidades do cemitério municipal, nesta cidade e comarca de Capanema, FULANO DE TAL, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, transportava em seu veículo Fiat 147, placa AEJ 9579, 725g (setecentos e vinte e cinco gramas) da substância entorpecente cannabis sativa linneu, vulgarmente denominada maconha, conforme auto de exibição e apreensão e auto de constatação provisória acostados, substância esta determinadora de dependência física e psíquica e de uso prescrito no país. Segundo consta, tal substância restou localizada no interior do mencionado veículo e encontrava-se assim disposta: 01 (um) embrulho em material plástico de cor marrom, contendo 700g (setecentos gramas), da substância, encontrado no assoalho do banco do passageiro; 01 (um) embrulho em material plástico, contendo 20g (vinte gramas), escondido no bolso da calça do denunciado Osvaldo; 01 (um) pequeno cigarro artesanal pesando 5g (cinco gramas)".
Importante salientar que tipo penal previsto no artigo 33, da Lei Federal sob n.º 11.343/06 não possui elemento subjetivo especial do injusto. Conclui-se, portanto, que a denúncia esta perfeitamente correta. A utilização da expressão “para venda”, “para fins de traficância” é dispensável.
Contudo, o crime de porte de drogas para consumo pessoal possui o elemento subjetivo do injusto, sendo a presença dele na descrição fática indispensável.
Assim sendo, torna-se necessário o aditamento da denúncia, desta vez apenas para a inclusão do especial fim de agir (para consumo pessoal).
Há quem diga que, na verdade, a desclassificação do crime de tráfico para porte para consumo pessoal é possível, haja vista tratar-se do instituto da emendatio libelli.
Para eles, isto se dá, pois o crime previsto pelo artigo 28, previsto na Lei Federal sob n.º 11.343/06 é mais benéfico e a ele se aplicam institutos despenalizadores. Este é o entendimento da Sexta Câmara Criminal de Minas Gerais:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - SENTENÇA QUE DESCLASSIFICOU A CONDUTA PARA O CRIME DE USO DE DROGAS - DESNECESSIDADE DE ADITAMENTO À DENÚNCIA - EMENDATIO LIBELLI - DELITO QUE COMPORTA A APLICAÇÃO DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES CONSTANTES DA LEI 9.099/95 - CASSAÇÃO PARCIAL DA SENTENÇA - VISTA DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA ANÁLISE ACERCA DO CABIMENTO DOS BENEFÍCIOS LEGAIS.
- É possível a desclassificação do crime do art.33 da Lei 11.343/06 para aquele tipificado no art.28 sem a necessidade de aditamento à denúncia, posto que a situação caracteriza emendatio libelli e não mutatio libelli. Caso em que não houve, na sentença condenatória, qualquer alteração dos fatos dos quais o increpado deveria se defender, mas mera adequação do evento naturalístico ao tipo, não consistindo em elemento surpresa que redundasse em prejuízo à defesa.
- Efetivada a desclassificação pela sentença da conduta imputada ao réu para crime de menor potencial ofensivo, os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 devem ser aplicados. (Apelação Criminal 1.0074.11.003943-0/001, Relator(a): Des.(a) Furtado de Mendonça , 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 19/02/2013, publicação da súmula em 27/02/2013)
Neste diapasão, também o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CRIME. RECURSO DEFENSIVO. TRÁFICO (ART. 33 DA LEI N.º 11.343/06). DESCLASSIFICAÇÃO PARA O USO (ART. 28 DA LEI N.º 11.343/06). PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. OFENSA INOCORRENTE. A desclassificação do delito de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n.º 11.343/06) para o delito de uso (art. 28 da Lei n.º 11.343/06) não fere o princípio da correlação entre a denúncia e a sentença, tampouco é extrapetita, uma vez que a conduta de "trazer consigo" a droga tipifica ambos os crimes. A finalidade da droga - para o consumo próprio - permite a desclassificação, ainda que o Ministério Público não tenha aventado a hipótese na denúncia, já que o próprio réu admitiu que trazia a droga consigo, para uso pessoal. Tese defensiva absolutória desacolhida. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. O delito do artigo 28 da Lei 11.343/06 é, em tese, da competência do JECRIM. Todavia, considerando o tempo em que o réu esteve preso preventivamente - por mais de um mês - em regime fechado, aplica-se o princípio da proporcionalidade para evitar excesso de punição, porquanto a pena imposta aos usuários de drogas é mais branda do que a prisão cautelar já cumprida. Deve, por isso, ser extinta a punibilidade do apelante, sem remessa ao JECRIM. Adoção do princípio da vedação da dupla punição e/ou duplo processo pelo mesmo fato com base na Convenção Americana dos Direitos Humanos e Estatuto de Roma (§ 2º do art. 5º da Carta Magna). Voto vencido. RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70049432883, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Catarina Rita Krieger Martins, Julgado em 09/08/2012).
Discorda-se deste entendimento, pois há mudança fática, portanto deve-se aplicar o instituto da mutatio libelli, por mais que o crime seja menos gravoso. O prejuízo para a defesa é notório.
Além disso, ausente na denúncia o elemento subjetivo especial do injusto, ‘para consumo pessoal’. Não há, portanto, o que se falar em emendatio libelli.
De todo o exposto, resta evidente que, faltando especificação no tocante à descrição do especial fim de agir “para consumo pessoal” ou “destinação para uso próprio” – em que pese a inovação da definição jurídica do fato narrado na denúncia ser mais favorável ao réu (uso ao invés de tráfico) -, não pode o Juiz decidir nessa linha sem aditamento regular pelo parquet. No momento previsto pelo artigo 402, ou seja, no final da audiência, o Ministério Público deverá requerer a abertura do prazo de 5 dias para oferecer o aditamento, sob pena de não mais poder fazê-lo (LOPES JÚNIOR, 2009).
O requerimento oral também é possível, segundo autoriza a parte final do caput do artigo 384 do Código de Processo Penal.
Outra possibilidade, em tese, seria o membro do Ministério Público fazer constar na peça acusatória “para fins de traficância e consumo pessoal” – claro, nada prejudica a inserção de expressões equivalentes. Eventual desclassificação de tráfico de substância entorpecente para a de porte de drogas para consumo pessoal, inexistiria irregularidade no julgado, uma vez que o dolo específico – para consumo pessoal – faria parte da imputação, significando dispensável o aditamento prévio pelo titular da ação penal.
O Juiz, verificando que a realidade dos fatos impõe a aplicação do caput do artigo 28, da Lei Federal sob n.° 11.343/2006, e havendo manifestação do membro do Ministério Público pela desclassificação exclusivamente em suas alegações finais, dever abrir prazo para regularização da exordial acusatória, em razão da manifesta contradição entre o pleito inicial e final. Caso o Ministério Público permaneça silente, deverá o juiz absolver o acusado da imputação que lhe fora feita, pois não está demonstrada a prática apontada na denúncia, evitando proferir sentença nula.
Diante do silêncio do Ministério Público, não havendo aditamento, a única alternativa que resta ao juiz, é, não entendendo tratar-se do crime previsto no artigo 33, da Lei Federal sob n.º 11.343/06, absolver o agente. Afinal, caso ele desclassifique, estará proferindo uma sentença extra petita, consequentemente nula.
Lembrando-se que, havendo aditamento e desclassificação do crime de tráfico para porte para consumo pessoal, o juiz deverá determinar a remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal ante a competência absoluta para processar e julgar crimes de menor potencial ofensivo.
Contudo, não pode o julgador singular, a contrário sensu, firmada sua convicção e já definido, no seu entender, a ocorrência de um determinado crime, remeter o processo para outro juízo para, tão somente, homologar o que foi por ele já decidido, subtraindo do Juizado Especial Criminal sua autonomia própria para o processamento e julgamento da ação, transformando-o em órgão de homologação. Procedimento nesse sentido ofende ao princípio da identidade física do juiz instrutor e da perpetuatio jurisdictionis[8].
Assim, encerra-se concluindo que o magistrado atuante nos Juizados Especiais Criminais não está adstrito à decisão proferida na Justiça Criminal Comum, podendo, inclusive, ao final da instrução (não sendo o caso de aplicar ao agente os benefícios previstos na Lei Federal sob n.º 9.099/95) absolver o réu.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 implantou ao Direito brasileiro o sistema acusatório, que em contraposto ao inquisitivo, prevê três figuras distintas: o acusador, o defensor e o julgador. O princípio da correlação, por óbvio, está intimamente ligado ao sistema acusatório, pois é a vinculação temática do juiz ao que está disposto na imputação, salvaguardando os personagens: acusador e juiz.
O presente trabalho tem como objetivo tratar especificamente a respeito do princípio da correlação, aplicável a sentença desclassificatória de tráfico de substância entorpecente para porte de drogas para consumo pessoal, analisado sob o enfoque objetivo (técnica processual propriamente dita).
O fim específico é fornecer, ao aplicador do direito, alternativas para que, no caso concreto, possa desclassificar o crime de tráfico para o de porte de drogas para consumo pessoal sem violar o princípio da congruência.
Para a elaboração do trabalho foi utilizado o método lógico dedutivo e a técnica de pesquisa é a documentação indireta, através da análise de doutrina e jurisprudências.
A maior dificuldade encontrada no decorrer do trabalho foi a escassez de material para o embasamento teórico, principalmente no que tange a sentença desclassificatória, em decorrência da atualidade do tema ora abordado.
Pois bem.
A correlação entre a imputação e a sentença se justifica, pois existem limites para a atuação do magistrado, que deve abster-se a julgar o disposto pelas partes no decorrer do processo, daí surge a inércia jurisdicional, a qual é mantenedora dos três sujeitos componentes do processo penal (acusador, defensor e juiz), e, em consequência, a vedação das sentenças chamadas extra, ultra e citra petita.
Isto posto, conclui-se que o juiz somente poderá julgar com base naquilo que foi trazido ao processo pelas partes, jamais condenando o agente por fato diverso daquele que foi disposto na imputação, contida na exordial acusatória, oferecida pelo membro do Ministério Público.
No que tange a sentença desclassificatória de tráfico de drogas para porte para consumo pessoal, observa-se que o aditamento é imprescindível, haja vista a existência, no tipo penal previsto no artigo 28, da Lei Federal sob n.º 11.343/06, do elemento subjetivo especial do injusto, qual seja ‘para consumo pessoal’.
Não havendo o especial fim de agir, cabe ao juiz absolver o agente pelo crime de tráfico.
Salienta-se que, diante da negativa do Promotor de Justiça em aditar a denúncia, o magistrado poderá, caso entender prudente, invocar o artigo 28, do Código de Processo Penal, remetendo a questão ao Procurador Geral de Justiça (analisando-se pelo que propôs o legislador).
O que se sugere, quando no caso concreto for de difícil percepção se a droga apreendida é destinada para o comércio ou para consumo pessoal, o membro do Ministério Público poderá oferecer a denúncia descrevendo que a substância entorpecente se destinava a traficância e ao consumo pessoal.
Assim, entendendo não tratar-se de tráfico, poderá o magistrado determinar a remessa ao Juizado, para o prosseguimento do feito. Relembrando que o juiz atuante no Juizados Especiais Criminais e o Promotor de Justiça com atribuições para tanto, não estão vinculados a decisão proferida na Justiça Criminal Comum, haja vista independência funcional destes agentes políticos.
Destarte, o presente trabalho mostra a necessidade da continuidade dos estudos teóricos sobre a matéria analisada, principalmente com a finalidade de firmar entendimento sobre o assunto, dando segurança jurídica sobre o tema.
BADARÓ, G. H. Correlação entre acusação e sentença. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
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BRASIL. Decreto-Lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm> Acesso em 30. mar. 2014.
BRASIL. Lei n.º 6.368, de 21 de outubro de 1976. Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6368.htmimpressao.htm> Acesso em 12 fev. 2014.
BRASIL. Lei n.º 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm> Acesso em 10 fev. 2014.
BRASIL. Lei n.º 9099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 05 abr. 2014.
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CAPELA, F. Correlação entre acusação e sentença. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2008.
LOPES JR. A. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. volume II. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009
RANGEL, P. Direito Processual Penal. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.
NOTAS:
[1]Não se entrará na discussão de se trata-se de princípio ou regra. O tema será referido, ora como princípio, ora como regra.
[2]Sendo a imputação atribuição de um fato definido como crime a alguém, traz ela em seu conteúdo tanto uma base fática quanto um dado jurídico. Há um fato concreto qualificado juridicamente. Há um acontecimento da vida enquadrado num tipo penal. O objeto do processo será o fato penalmente relevante que se atribui a alguém. O objeto do processo, portanto, envolve matéria fática e matéria jurídica.
Em nosso processo penal há expressa possibilidade de mudança da qualificação jurídica do fato. O juiz na sentença pode dar ao fato imputado um enquadramento legal diverso do constante na imputação. Portanto, a imutabilidade do objeto do processo não precisa ser total. Pelo contrário, é possível que haja mudança a tal objeto, sem que com isso se viole a regra da correlação entre a acusação e sentença. A mudança da definição jurídica do fato imputado é uma dessas hipóteses (BADARÓ, 2013, p. 141/142).
[3]“No processo civil o autor da ação pode modificar, através de ato unilateral, a causa de pedir e/ou o pedido até antes da citação do demandado (CPC, art. 294), pois, anterior a esta, o processo, não obstante existente, é angular. Após a citação, uma vez completada a relação triangular, o autor só poderá realizar qualquer daqueles aditamentos com o consentimento da outra parte (CPC, art. 264, caput), passando, portanto, de ato unilateral para negócio processual. Porém, a partir do saneamento, a relação estabiliza-se, sendo vedada a alteração seja do pedido ou da causa de pedir (CPC, art. 264, parágrafo único) (...).
(...) No civil um mesmo evento pode dar azo a duas ações diferentes, sendo ambas válidas. Hipoteticamente, se alguém causar prejuízos a outrem que importem, concomitantemente, em danos patrimoniais e morais, nada impede que se proponham ações em épocas diferentes, com a mesma causa de pedir, entretanto, a primeira pedindo o ressarcimento dos danos patrimoniais e a segunda a reparação dos danos morais, e mesmo assim não ocorreria a coisa julgada ou litispendência (CPC, art. 301, §§ 2º e 3º), pois os pedidos não seriam iguais (CAPELA, 2008, p. 102)”.
[4]No que tange à queixa, salienta-se que somente caberá o aditamento se ainda não houver decaído o prazo em relação a este novo aspecto. Considera-se como dies a quo a data em que o ofendido teve conhecimento deste novo fato (CAPELA, 2008).
[5]Vide item 3.2.5
[6]TJRJ 0017284-32.2011.8.19.0066 - APELACAO DES. MARIA ANGELICA GUEDES - Julgamento: 26/03/2013 - SETIMA CAMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA TIPIFICADA NO ART.28 DA LEI Nº11.343/06. INCONFORMISMO DO PARQUET. ALEGAÇÃO DE APTIDÃO DO ACERVO PROBATÓRIO COLIGIDO NOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. 1-In casu, a materialidade delitiva ficou comprovada pelo auto de prisão em flagrante, auto de apreensão, laudo definitivo de exame de entorpecente, no qual foram constados 3,0 (três gramas) de Cocaína, distribuídos e acondicionados em 3 (três) embalagens plásticas. Contudo, ao contrário do alegado pelo parquet, as provas angariadas ao longo a instrução não permitem afirmar categoricamente que a conduta praticada pelo ora apelado se amolda ao tipo penal do art.33, da Lei nº11.343/06. Atendo-se apenas aos depoimentos prestados pelos milicianos não restou demonstrada a autoria delitiva, pois o contexto fático relatado por ambos, ao que parece, evidencia no máximo o uso compartilhado da droga, já que o acusado foi visto junto a um grupo. Para se impor o decreto condenatório seria necessário que o órgão acusador trouxesse outros elementos probantes, suficientes e idôneos, a confirmar a prática da abjeta mercancia, restando tão somente de concreto a prova pericial adunada aos autos. 2- Noutro giro, a solução adotada pelo magistrado de piso ao proceder a desclassificação para o crime do art.28, da Lei nº11.343/06 não foi acertada. In casu, verifica-se que da inicial não consta a descrição da infração prevista no artigo 28, ou seja, não existe na peça vestibular a elementar ¿para consumo próprio¿. Por conseguinte, a condenação nesses termos somente poderia ocorrer acaso tivessem sido tomadas as providências processuais dispostas no artigo 384 do Código de Processo Penal, o que não aconteceu na espécie. Desta feita, como não é admissível operar a mutatio libelli sem prévio aditamento à denúncia, não resta outro caminho a não ser o de impor a absolvição, de ofício, até porque, com a ausência da elementar supramencionada, vem a falecer a correlação entre a peça acusatória e a sentença monocrática. 3- RECURSO MINISTERIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
[7]Na grande maioria das vezes, entretanto, vale lemrar que o Inquérito Policial é dispensável.
[8]TJSP Apelação Criminal 0002511-65.2011.8.26.0137, Relator(a): Des.(a) Newton Neves, 16ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL, julgamento em 13/08/2013.
Pós Graduação lato sensu pela Escola da Magistratura do Paraná, Graduada em Direito pela Universidade estadual de Ponta Grossa/PR.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, ANA PAULA PINTO DA. O princípio da correlação aplicável a sentença desclassificatória de tráfico para porte de drogas para consumo pessoal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 mar 2021, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56254/o-princpio-da-correlao-aplicvel-a-sentena-desclassificatria-de-trfico-para-porte-de-drogas-para-consumo-pessoal. Acesso em: 23 dez 2024.
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