RESUMO: O presente trabalho irá analisar a conceituação da cláusula de reserva de plenário, a sua previsão legal e a sua origem no ordenamento jurídico brasileiro. Após, serão estudadas as exceções a essa previsão constitucional. Em seguida, será abordado o incidente de arguição de inconstitucionalidade, previsto no Código de Processo Civil. Encerar-se-á o trabalho com análise da aplicação da cláusula no controle de convencionalidade. O estudo será feito com base em trabalhos científicos e julgados dos tribunais superiores.
Palavras-chaves: Cláusula de reserva de plenário. Controle de constitucionalidade. Controle de convencionalidade.
Sumário: 1. Introdução. 2. Cláusula de reserva de plenário.3 Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade. 4. Reserva de plenário no controle de convencionalidade. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A cláusula de reserva de plenário decorre do controle de constitucionalidade difuso de origem americana, o qual é adotado no Brasil. Essa regra exige procedimento diferenciado para a declaração da inconstitucionalidade da norma ou ato, haja vista a presunção relativa de constitucionalidade que as normas dispõem, só devendo ser “retiradas” do ordenamento em situações excepcionais. Para tanto, exige-se procedimento diferenciado para essa análise: a reserva de plenário.
Inicialmente, o trabalho buscará conceituar a cláusula de reserva de plenário, trazendo a sua previsão no ordenamento jurídico brasileiro, bem como destacando a sua origem e a sua introdução no Brasil. Após, serão analisadas as exceções a referida regra, apontando os motivos dessa excepcionalidade, bem como a sua aceitação pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Em seguida, será feito um breve estudo do Diploma Processualista no tocante à previsão do procedimento para a declaração de inconstitucionalidade nos tribunais e suas especificidades. Por fim, apontar-se-á o entendimento mais recente do Superior Tribunal de Justiça sobre a aplicação dessa cláusula ao controle de convencionalidade.
O presente trabalho objetiva, assim, por meio da doutrina, lei e julgados das Cortes Superiores, realizar um estudo aprofundado da cláusula de reserva de plenário no contexto do ordenamento jurídico brasileiro.
2. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO
A cláusula de reserva plenário também é conhecida como full bench, full court ou em banc, consiste na impossibilidade de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo quando o processo estiver sendo desenvolvido no bojo do Tribunal, seja competência originária ou recursal. De acordo com essa cláusula, apenas o Pleno ou Órgão Especial podem declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. Ela está prevista no art. 97 da Constituição Federal:
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Importante ressaltar que, mesmo que o magistrado não declare a inconstitucionalidade da norma expressamente, porém afaste a sua aplicação, será necessária a aplicação da cláusula full bench. Nesse sentido, é o enunciado de súmula vinculante de nº 10:
Súmula Vinculante nº 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.
A previsão da cláusula de reserva de plenário ocorreu no Brasil apenas com a Constituição de 1934, consoante LENZA (2017). A Constituição de 1891 já adotava a matriz de controle de constitucionalidade americana, prevendo, assim, o controle difuso, o qual ocorre pela via incidental. No entanto, a full bench apenas foi introduzida na Constituição seguinte. Esse instituto dispõe de diversas exceções no ordenamento jurídico brasileiro, as quais serão abordadas a seguir.
2.1. EXCEÇÕES À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO
2.1.1. Declaração de inconstitucionalidade por Turma Recursal do Juizado Especial:
A regra da full court não se aplica as Turmas Recursais, uma vez que, mesmo sendo um órgão recursal, não são considerados tribunal propriamente dito. Dessa forma, haja vista que o art. 97 da Constituição Federal menciona expressamente “tribunais”, não ocorre a aplicação dessa cláusula. Veja-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE AgR nº 453.744:
“A regra da chamada reserva de plenário para a declaração de inconstitucionalidade (art. 97 da CF) não se aplica às turmas recursais do Juizado Especial.(...)”
2.1.2. Declaração de inconstitucionalidade pelas Turmas do STF:
De acordo com o Regimento Interno do STF, a disposição do julgamento en banc não se aplica as Turma da Corte, pois não são “tribunais”, nos termos do disposto na Constituição, bem como pelo fato de ser função precípua da Corte julgar a inconstitucionalidade das normas. Nesse sentido:
DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. LEI COMPLEMENTAR 56/87. LISTA DE SERVIÇOS ANEXA. CARÁTER TAXATIVO. SERVIÇOS EXECUTADOS POR INSTITUIÇÕES AUTORIZADAS A FUNCIONAR PELO BANCO CENTRAL. EXCLUSÃO. HIPÓTESE DE NÃO-INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SUPRIMENTO DE OMISSÃO. INEXISTÊNCIA DE EFEITO MODIFICATIVO. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PARA IMPUGNAÇÃO. NÃO-VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. ENCAMINHAMENTO AO PLENÁRIO. COMPETÊNCIA DA TURMA. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO DO STF. VIOLAÇÃO À RESERVA DE PLENÁRIO. AUSÊNCIA. (...) 3. O encaminhamento de recurso extraordinário ao Plenário do STF é procedimento que depende da apreciação, pela Turma, da existência das hipóteses regimentais previstas e não, simplesmente, de requerimento da parte. 4. O STF exerce, por excelência, o controle difuso de constitucionalidade quando do julgamento do recurso extraordinário, tendo os seus colegiados fracionários competência regimental para fazê-lo sem ofensa ao art. 97 da Constituição Federal. 5. Embargos de declaração rejeitados. (RE 361829 ED, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 02/03/2010, DJe-050 DIVULG 18-03-2010 PUBLIC 19-03-2010 EMENT VOL-02394-02 PP-00491 RTJ VOL-00214- PP-00510 LEXSTF v. 32, n. 376,
2010, p. 166-172; )
2.1.3. Medida cautelar pelo STF:
Em tal situação, não há a declaração de inconstitucionalidade ou o afastamento da incidência da norma, consoante entendimento da Corte Suprema:
AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE INDEFERE MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE À SÚMULA VINCULANTE N. 10 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO
AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Indeferimento de medida cautelar não afasta a incidência ou declara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. 2. Decisão proferida em sede cautelar: desnecessidade de aplicação da cláusula de reserva de plenário estabelecida no art. 97 da Constituição da República. (Rcl 10864 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 24/03/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-070 DIVULG 12-04-2011 PUBLIC 13-04-2011)
2.1.4. Não recepção de norma pré-constitucional:
Quando vai ser feita a análise se uma norma anterior a Constituição vigente é com ela compatível, não é realizado controle de constitucionalidade, e sim de recepção ou não da norma. Nesse caso, não há, assim, a necessidade da aplicação da cláusula de reserva de plenário, exatamente, por não se tratar de controle de constitucionalidade nos moldes preconizados pela Constituição Federal.
2.1.5. Declaração de inconstitucionalidade pelo juiz singular:
Nessa situação, caso fosse exigida a regra, não seria possível o exercício do controle de constitucionalidade difuso pelo juiz de 1º grau. Ademais, a previsão do art. 97 da Constituição Federal é apenas de aplicação aos tribunais, aos órgãos colegiados.
2.1.6. Utilização da técnica de interpretação conforme a Constituição:
Segundo o Supremo Tribunal Federal, nessa hipótese não há uma declaração da inconstitucionalidade, e sim a aplicação de uma técnica de interpretação. Veja-se:
I. Controle incidente de inconstitucionalidade: reserva de plenário (CF, art. 97). “Interpretação que restringe a aplicação de uma norma a alguns casos, mantendo-a com relação a outros, não se identifica com a declaração de inconstitucionalidade da norma que é a que se refere o art. 97 da Constituição” (cf. RE 184.093, Moreira Alves, DJ 05.09.97).
Importante destacar que há crítica doutrinária sobre o afastamento da cláusula nessa hipótese, pois não deixa de ocorrer uma declaração de inconstitucionalidade (no caso, das normas que não forem compatíveis com a interpretação estabelecida pelo Tribunal). Assim, parte da doutrina, entende que há um afastamento indevido da regra.
2.1.7. Declaração de constitucionalidade da norma ou ato:
Essa interpretação decorre da disposição da própria regra, tendo em vista que ela menciona expressamente a necessidade da aplicação do julgamento en banc, quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade. Assim, com a manutenção da norma no ordenamento jurídico, não há motivo que justifique a aplicação da cláusula de reserva de plenário.
3. INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
O Código de Processo Civil de 2015 disciplinou como dever ocorrer a declaração de inconstitucionalidade no caso do controle difuso no âmbito dos tribunais. Conforme já mencionado, não é possível a turma ou desembargador declarar monocraticamente a inconstitucionalidade da norma ou ato, em razão da cláusula de reserva de plenário, a qual é aplicável aos tribunais. Dessa forma, a competência para declarar a inconstitucionalidade da norma ou ato será do órgão especial ou plenário, sendo essa competência funcional, portanto absoluta.
Nesse sentido, o CPC dispõe, nos artigos 948 a 950, que o relator deverá ouvir o Ministério Público e as partes, após o pedido de análise da inconstitucionalidade, submetendo ao órgão que tiver atribuição para conhecer do processo. Caso a arguição seja acolhida, passa-se ao julgamento pelo Plenário ou órgão especial da questão da inconstitucionalidade ou não, havendo a cisão funcional da competência.
Importante destacar que é possível a manifestação das pessoas jurídicas de direito público responsável pela edição do ato no incidente. Além disso, as partes legitimadas para a Ação Direta de Constitucionalidade ou Inconstitucionalidade também poderão manifestar-se. Após o julgamento da inconstitucionalidade, o processo retorna à turma ou à câmara competente para o restante do julgamento.
4. RESERVA DE PLENÁRIO NO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE
O controle de convencionalidade é aquele realizado pelos órgãos jurisdicionais tendo como parâmetro Tratado de Direito Internacional, podendo, também, ser difuso ou concentrado. Dessa forma, analisa-se se a norma objeto de impugnação é compatível com o Tratado de Direito Internacional, se há ou não ofensa ao diploma internacional.
Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a possível inconvencionalidade do crime de desacato previsto no Código Penal Brasileiro, consignou que a declaração de inconvencionalidade não precisa observar a cláusula de reserva de plenário. Nesse sentido, HEEMANN e PAIVA (2017):
“ (...) Finalmente, ainda chamamos a atenção para um ponto interessante do voto do Min. Ribeiro Dantas: diferente do controle difuso de constitucionalidade, que exige a cláusula de reserva de plenário e, no caso do STJ, ensejaria a remessa do processo para a Corte Especial, o controle de convencionalidade pode ser exercido por meio das Turmas (...)”.
Destaque-se, após esse julgado, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entenderam pela constitucionalidade do crime de desacato, superando o entendimento adotado pelo STJ inicialmente. No entanto, o importante a ser ressaltado é a não aplicação da cláusula de reserva de plenário no caso de controle de convencionalidade, tendo em vista que a regra só se aplica quando é declarada a inconstitucionalidade da norma.
CONCLUSÃO
A cláusula de reserva de plenário é importante instrumento aplicado no âmbito do controle de constitucionalidade brasileiro, tendo a sua previsão origem remota no ordenamento jurídico. Consoante mencionado, é por meio dela que se garante maior estabilidade ao sistema, haja vista que a declaração da inconstitucionalidade exige, assim, procedimento mais rigoroso.
Apesar disso, referida regra dispõe de diversas exceções que decorrem da interpretação do seu enunciado pela doutrina e pela jurisprudência. Tais exceções, de qualquer forma, não diminuem a importância no âmbito do controle de constitucionalidade. Observou-se, também, que o Código de Processo Civil, buscando regulamentar o procedimento relativo à matéria nos tribunais, passou a prever o incidente de arguição de inconstitucionalidade.
De qualquer forma, ainda que não se possa olvidar a importância da previsão do full court, a interpretação dessa regra deve ser feita de forma restritiva, a fim de não obstar o exercício regular do controle da constitucionalidade. Por essa razão, o Superior Tribunal de Justiça afastou a aplicação da referida cláusula no caso de controle de convencionalidade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 05/03/2021.
BRASIL. Código de Processo Civil. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 05/03/2021.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 05/03/2021.
HEEMANN, Thimotie Aragon; PAIVA, Caio. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 2ª ed. Minas Gerais: CEI, 2017, pp 238-239).
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
NEVES, Daniel Assumpção Amorim. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Editora Juspodivm, 2016.
formada em Direito na UFC, pós-graduada em Direito Constitucional e Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELOS, Brenda Aguiar. A aplicação da cláusula de reserva de plenário no controle de convencionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 mar 2021, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56256/a-aplicao-da-clusula-de-reserva-de-plenrio-no-controle-de-convencionalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
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Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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