RESUMO: O presente artigo analisa a magnitude do direito constitucional à creche para as mães solo no período da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, popularmente conhecida como Covid-19. Haja vista que atualmente 47,5% dos domicílios do país são chefiados por mulheres, este trabalho buscará analisar como adequar as demandas da maternidade solo sem a abertura das creches públicas e particulares durante a pandemia Covid-19. O trabalho possui relevância social, jurídica, tecnológica, biológica, psicológica, política e educacional. Apresentar como vão trabalhar, ainda que em home office, se não há onde deixar os filhos, o que a iniciativa privada pode fazer à respeito e, mais importante, o que o Estado pode fazer à respeito. Para a elaboração deste estudo é abordado o método dedutivo, com técnica de pesquisa bibliográfica, destacando princípios constitucionais fundamentais, legislações pertinentes e doutrinas.
PALAVRAS CHAVE: DIREITO À CRECHE, MATERNIDADE SOLO, DIREITO AO TRABALHO, PANDEMIA, COVID-19.
ABSTRACT: The present article analyses to point out the magnitude of the constitutional right to have childcare for solo mothers during the pandemic period caused by the SARS-CoV-2 virus, popularly known as Covid-19. Bearing in mind that currently 47.5% head of households in this country are women, this work will seek to analyze how to adapt the demands of solo motherhood without the opening of public and private childcare centers during the Covid-19 pandemic. The currrent work has social, legal, technological, biological, psychological, political and educational relevance.Show how those mothers will work, even if in home office, if there is nowhere to leave children, what the private sector can do about it and, more importantly, what the State can do about it. For the elaboration of this study the deductive method is approached, with the bibliographic research technique, highlighting fundamental constitutional principles, pertinent legislation and doctrines.
KEY WORDS: RIGHT TO CHILDCARES, SOLO MOTHERHOOD, RIGHT TO WORK, PANDEMY, COVID-19.
SUMÁRIO. INTRODUÇÃO. 1. O DIREITO À CRECHE COMO INSTRUMENTO DE MATERIALIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL DA MULHER AO TRABALHO. 2. A CRISE GENERALIZADA DO COVID-19. 2.1 DO FECHAMENTO DAS CRECHES. 3 É PRECISO UMA ALDEIA CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O termo “mãe solo” denomina não só a mulher que é mãe e está solteira, diferente do que muitos imaginam, ele abrange também a multiplicidade de funções de educar, manter financeiramente, prover afeto e criar a criança, sendo assim total e unicamente responsáveis pelos seus filhos. Claro que é apenas uma nomenclatura para um fato preexistente.
O presente artigo consiste em explorar o exercício do direito constitucional a creches no contexto de mães solo que trabalham, de modo que a maioria dessas mulheres não escolheu essa sobrecarga de funções. As divisões de responsabilidades relacionadas a esse processo de criação dos filhos deveriam ser feitas de acordo com a análise da possibilidade e da demanda de todas as partes envolvidas: pais, mães e filhos.
Ademais, com o impacto da pandemia que atingiu o mundo causada pela crise generalizada da saúde e economia causada pelo vírus Covid-19, tais mulheres que antes podiam contar com escolas e/ou creches para auxiliá-las nesse processo exaustivo de multitarefas, se viram desamparadas, mas ainda na necessidade de cumprir as mesmas funções, acrescidas de ficar com os filhos diariamente.
A maternidade é um dos pilares da sociedade, por isso é um tema relevante para qualquer ser humano, de maneira direta ou indireta, visto que até hoje é necessário que uma pessoa do sexo biológico feminino gere o embrião em seu útero para que o ser humano possa assim nascer.
A CR/88 em art. 7º, inciso XXV e a Lei nº 8.069/1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), protegem o direito à assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os cinco anos de idade em creches e pré-escolas. O presente estudo buscou trazer à tona a emergência do retorno e manutenção das creches, elucidando saídas e remédios constitucionais para essa lacuna deixada pela ausência do funcionamento das creches e pré-escolas no Brasil meio à pandemia.
Sendo assim, busca-se através do presente estudo contribuir com hipóteses para solucionar o problema a fim de auxiliar essas mães que encontram-se desamparadas.
Para tal, no próximo capítulo faz-se uma análise dos princípios constitucionais fundamentais, legislações pertinentes, doutrinas e julgados que tratam sobre o tema.
1 O DIREITO À CRECHE COMO INSTRUMENTO DE MATERIALIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL DA MULHER AO TRABALHO
O que fazer quando se é mulher, mãe de criança pequena e não possui nenhuma rede de apoio? Apesar do Decreto Lei nº 5.452/1943, que dispõe sobre a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o, há de se expor que no âmbito trabalhista ainda é dividido em gêneros com uma linha rígida e difícil de ser ultrapassada, composta por obstáculos sociais e de gênero, sendo que o Brasil é um país que é composto em sua maioria por mulheres segundo dados do IBGE.
Ainda assim, elas não ocupam sequer metade dos cargos políticos do país, o que acaba dificultando o exercício e defesa dos direitos de jovens meninas, mulheres e mães, colaborando para a perpetuação de uma sociedade historicamente machista sendo que, de acordo Conforme informação obtida junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE):
As mulheres compõem a maior parte do eleitorado brasileiro, mas ainda estão longe de conseguir se eleger na mesma proporção dos homens. Segundo dados do Cadastro Eleitoral, são mais de 77 milhões de eleitoras em todo o Brasil, o que representa 52,5% do total de 147,5 milhões de eleitores. Desse número, apenas 9.204 (31,6%) mulheres concorreram a um cargo eletivo nas Eleições Gerais de 2018. Destas, 290 foram eleitas, um aumento de 52,6% em relação a 2014. (BRASIL, 2019)
A disseminação da cultura patriarcal, fez com que se tornasse necessária a existência de arcabouços legais que protegessem os direitos das mulheres ao trabalho a fim de buscar uma igualdade de gêneros pautada na isonomia salarial, empregatícia e social, em termos trabalhistas, pois a luta se estende muito além dos parâmetros abordados no presente artigo. Nesse sentido:
As mulheres sempre trabalharam. Seu trabalho era da ordem do doméstico, da reprodução, não valorizado, não remunerado. As sociedades jamais poderiam ter vivido, ter-se reproduzido e desenvolvido sem o trabalho doméstico das mulheres, que é invisível.
Nem sempre as mulheres exerceram ofícios reconhecidos, que trouxessem remuneração. Não passavam de ajudantes de seus maridos, no artesanato, na feira ou na loja. Sua maneira de lidar com o dinheiro trazia problemas, ainda mais quando eram casadas. No entanto, elas sabiam contar, e o célebre quadro de Bassano que retrata os Portinari, mostra um casal de cambistas iguais em suas ações. (PERROT, 2017, p. 109)
Se as mulheres sempre trabalharam, elucida-se que o cerne do problema não se encontra no exercício de ofícios, mas no reconhecimento da mulher como ser social e capaz de produzir lucros, assim como os homens já praticam há centenas de anos.
A nova geração de mães deixa para o pretérito a roupagem da matriarca da “propaganda de margarina”, na qual a mulher possui apenas a função doméstica e de cuidar dos filhos abraçando assim uma versão da maternidade que é interdisciplinar e diversificada, na qual o padrão é não haver um molde. Mulher, engenheira, escritora, modelo, atriz e mãe, essa poderá se tornar uma definição comum das mães do futuro e já é algo emergente.
Há ainda, para as mães em regime regulamentado pela CLT, o artigo 400 que diz que “os locais destinados à guarda dos filhos das operárias durante o período da amamentação deverão possuir, no mínimo, um berçário, uma saleta de amamentação, uma cozinha dietética e uma instalação sanitária” (BRASIL, 1943).
Tão real é a discrepância entre homens e mulheres que se fez necessário todo um capítulo na CLT para gerar instrumentos normativos que corroborassem para a efetivação do Princípio da Proteção ao Trabalho da Mulher, mostrando que não é apenas uma questão de gênero, mas também social.
No artigo 7º, inciso XXX da CR/88, proibiu-se as diferenças salariais entre pessoas que exerçam a mesma função, buscando desta forma efetivar o Princípio da Isonomia (nos termos dos artigos 5º, inciso I e 226, §5º da CR/88.
A licença remunerada à maternidade é garantida constitucionalmente pelo art. 7º, inciso XVIII da CR/88, dando direito às mães de 120 dias. Há ainda a Lei de nº 11.770/08, que criou o Programa Empresa Cidadã, a fim de prorrogar a licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, alongando por 60 dias para as mães das empresas adeptas.
No intuito de proteger as mães trabalhadoras, a CLT, em seu art. 389, parágrafos 1º e 2º assim dispõe:
Art. 389. Toda empresa é obrigada: (Redação dada pelo Decreto Lei de nº 229, de 28 de fevereiro de 1967)
(...)
§1º - Os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência e assistência os seus filhos no período da amamentação. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28 de fevereiro de 1967)
§2º - A exigência do §1º poderá ser suprida por meio de creches distritais mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades públicas ou privadas, pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de entidades sindicais. (Incluído pelo Decreto-lei de nº 229, de 28 de fevereiro de 1967)
O benefício denominado Reembolso-creche ou auxílio creche surgiu através da necessidade de um substituto para a exigência da existência de creches em estabelecimentos em que trabalham mais de trinta mulheres nos termos do art. 389 da CLT, desde que cumpridos os pressupostos à diante através portaria do Ministério do Trabalho de nº 3.296 de 1986 que que foi alterada pela portaria MTb de nº 670 de 1997, conferindo:
I – o reembolso-creche deverá cobrir, integralmente, as despesas efetuadas com o pagamento da creche de livre escolha da empregada-mãe, ou outra modalidade de prestação de serviço desta natureza, pelo menos até os seis meses de idade da criança, nas condições, prazos e valores estipulados em acordo ou convenção coletiva, sem prejuízo do cumprimento dos demais preceitos de prestação à maternidade.
II- O benefício deverá ser concedido a toda empregada-mãe, independentemente do número de mulheres do estabelecimento, e sem prejuízo do cumprimento dos demais preceitos de proteção à maternidade.
III – As empresas e empregadores deverão dar ciência às empregadas da existência do sistema e dos procedimentos necessários para a utilização do benefício, com a fixação de avisos em locais visíveis e de fácil acesso para os empregados.
IV – O reembolso-creche deverá ser efetuado até o 3º (terceiro) dia útil da entrega do comprovante das despesas efetuadas, pela empregada-mãe, com a mensalidade da creche.
Conquanto, para que haja a possibilidade de implantação pelo empregador do sistema de Reembolso-Creche, é necessário que haja a estipulação prévia em acordo ou convenção coletiva, de modo que tal requisito não se aplica à órgãos públicos e instituições paraestatais, nos termos do art. 566 da CLT, caput.
Destarte, o auxílio-creche se adequar apenas às mulheres, inclusive segundo o entendimento majoritário do Tribunal Superior do Trabalho, tal instituto serve como efetivação do Princípio da Isonomia (art. 5º, I, da CF), haja vista que as mulheres historicamente trabalham em casa também, estendendo seus esforços. Leia-se o seguinte acórdão do TST neste sentido:
I- AGRAVO DE INSTRUMENTO DO SINDICATO . RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. AUXÍLIO-CRECHE. ACORDO COLETIVO. LIMITAÇÃO TEMPORAL. Confirmada a ordem de obstaculização do recurso de revista, na medida em que o apelo não logrou demonstrar a satisfação dos pressupostos de admissibilidade do art. 896 da CLT. Agravo de instrumento não provido. II- RECURSO DE REVISTA DA SANEPAR SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. AUXÍLIO-CRECHE. NORMA COLETIVA. EXTENSÃO AO EMPREGADO CASADO NÃO DETENTOR DE GUARDA EXCLUSIVA. REQUISITOS DO ARTIGO 896, § 1º-A, DA CLT ATENDIDOS. A jurisprudência desta Corte Superior apresenta-se no sentido de que não fere o princípio da isonomia a restrição prevista em norma coletiva, no sentido de restringir apenas às empregadas e aos empregados detentores da guarda exclusiva dos filhos o reembolso do auxílio - creche. Recurso de revista conhecido e provido. (BRASIL, 2020)
A Emenda Constitucional nº 53 de 2006, num retrocesso, diminuiu a idade do atendimento gratuito de seis para cinco anos e por mais que o Art. 7º, inciso XXV da CR/88, diga que deve haver a assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os cinco anos de idade em creches e pré-escolas, não há vagas suficientes para suprir a demanda de alunos.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio do Índice de Necessidade de Creches (INC) de 2018, quase 50% das crianças de 0 a 3 anos no país não possuem vaga disponível em creches, sendo que os estados em maior defasagem são: São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas e Amapá.
A ausência de vagas impossibilita que mães solo possam exercer seu direito fundamental ao trabalho, impedindo-as de gerar renda para a subsistência das mesmas e de seus filhos. Essa lacuna de investimento governamental em educação fere diretamente o Princípio da Isonomia que é o exercício da igualdade material associado à formal, considerando todas as desigualdades existentes em sua aplicação, quais sejam gênero, etnia, classe social e demais fatores diversificadores.
No mesmo sentido da proteção deste direito, o ECA em seu artigo 54, inciso IV, diz que “é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente atendimento em creche e pré-escola a crianças de zero à cinco anos” (BRASIL, 1990).
A Lei nº 9.394/1996 que dispõe sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) tornou a educação escolar pública responsabilidade do Estado, de forma que a ausência do suprimento da demanda das creches é um impedimento de que não só os pretensos alunos, mas suas famílias consigam exercer seus direitos constitucionais.
A legislação brasileira vigente assegura a inserção e a permanência das mulheres no mercado de trabalho como o art. 208 da CF/88 em seu inciso IV, que versa sobre o dever do Estado com a educação e sua efetivação através da educação infantil em creches e pré-escolas para crianças de até 5 anos.
Trata-se portanto de trazer à tona o Princípio Jurídico da Solidariedade, que “resulta da superação do individualismo jurídico, que por sua vez é a superação do modo de pensar e viver em sociedade a partir do predomínio dos interesses individuais, que marcou os primeiros séculos da modernidade, com reflexos até a atualidade” (LÔBO, 2007, p.145).
Deste modo, no capítulo seguinte, tratar-se-á sobre a crise sanitária que atingiu o mundo inteiro, causando apenas no Brasil o preocupante número de 307 mil mortes até março de 2021, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).
2 A CRISE GENERALIZADA DO COVID-19
O que há dez anos fazia parte apenas dos livros de história que tratavam de doenças como a peste bubônica (1347-1351), a varíola (1520) e a gripe espanhola (1918-1919), em 2020 tornou-se parte da realidade ao redor do globo.
Relata-se que o primeiro caso oficial de Covid-19 foi em um paciente na cidade de Wuhan, em dezembro de 2019, na China. O vírus foi transmitido através de morcegos para hospedeiros e destes intermediários para o homem.
Em questão de poucos meses a doença se alastrou pelo mundo, mesmo com constantes recomendações de higiene e isolamento social pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Apenas no Brasil contabilizam-se aproximadamente 12.404.014 pessoas contaminadas pelo coronavírus até 26/03/2021, de acordo com os dados fornecidos pelo CONASS.
O estado de calamidade chegou ao patamar no qual médicos são obrigados a escolher qual paciente será tratado na UTI. A crise gerada pelo vírus não é apenas sanitária, mas afetou a economia mundial, o psicológico das pessoas, a educação e as relações sociais.
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil caiu 4,1%, maior baixa da série histórica, aumentando-se a ansiedade e depressão da população, devido ao alto nível de estresse gerado por toda a situação de pânico.
Há mais de 11,5 milhões de mães solo segundo a Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM-BA) e no que chamam de “retrocesso histórico”, elas passaram a enfrentar não só dificuldades financeiras em consequência da pandemia, mas também a sobrecarga psicológica e física causada pelo fechamento das creches.
2.1 DO FECHAMENTO DAS CRECHES
O presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), apresentou documento à OMS à Organização das Nações Unidas (ONU) para alertar sobre a responsabilidade Estatal quanto ao colapso do sistema interno de saúde:
O Brasil registra mais de 10 milhões de casos e mais de 260 mil mortes por complicações da Covid-19 desde o início da pandemia. As medidas preconizadas pela Organização Mundial da Saúde para prevenir e diminuir a exposição ao vírus, não estão sendo incentivadas pela autoridade política do país. As vacinas, que poderiam dar uma resposta com maior celeridade para conter o vírus na população, também caminham a passos lentos. Diante desse cenário, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a Frente Pela Vida decidiram levar essas preocupações para instâncias internacionais nesta segunda-feira (8/3) . (CNS, 2021)
Meio à tal crise que perdura desde fevereiro de 2020, diversas medidas legais foram tomadas para enfrentar a pandemia e manter não só a saúde, mas a dignidade humana dos cidadãos brasileiros, como a Lei nº 13.982/20 que implementou o chamado Auxílio Emergencial e a Lei nº 13.979/20 que versou sobre o isolamento, a quarentena e demais medidas de erradicação da doença.
Em 22 de março de 2020 publicou-se a Medida Provisória de nº 927, que dispunha sobre as medidas trabalhistas para o estado de calamidade pública que se reconhecia pelo Decreto Legislativo de nº6/2020, porém encerrou-se sua vigência, mas não sem antes deixar seus lapsos no "novo normal" que o brasileiro teria de se adaptar.
Um dos primeiros setores a serem atingidos foi o da educação, pois à exemplo da capital mineira, com o Decreto nº 17.304, de 18 de março de 2020, as aulas nas redes de ensino públicas e particulares foram suspensas, o mesmo se repetiu nos demais municípios do país, sendo de forma híbrida ou remota, gerando uma defasagem na educação de milhares de crianças que ainda não se pode calcular.
A maioria das crianças está assistindo aula de maneira remota e sendo instruídas por seus pais, geralmente a mãe, que não possuí conhecimentos técnico-pedagógicos para transmitir os ensinamentos de maneira correta, além de sobrecarregá-las com tarefas além do que já possuíam como cuidar das tarefas domésticas, trabalhar em regime de teletrabalho, ter cuidados pessoais e às vezes estudar.
No estudo elaborado pela Fundação Lemann e comandado por André Portela, concluiu-se que o ensino remoto poderá atrasar o desenvolvimento educacional em até 4 anos, avançando as marcas da desigualdade de ensino.
Segundo pesquisa realizada em 2019 pela consultoria do Instituto de Dados (IDados), conforme números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), percebe-se que 47,5% dos domicílios do país são chefiados por mulheres, sendo que nos últimos 8 anos aumentou em 11 milhões o número de mulheres que comandam seus lares.
A responsável pela pesquisa, Ana Tereza Pires, utilizou como base o Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, a participação da população no mercado de trabalho diminuiu, de modo geral, desde o início da pandemia do Covid-19, porém, inversamente, cresceu o número de mulheres chefes de famílias, pois vários homens perderam seus cargos formais, levando as mulheres a terem que buscar uma renda para prover o sustento da família.
O exercício da maternidade desde os primórdios da vida social possuía uma roupagem paternalista e misógina já os moldes atuais caminham noutra direção, compreendendo que a maternidade não só precisa, mas deve sofrer alterações para suprir a demanda de uma nova geração de mulheres que se liberta aos poucos das amarras invisíveis do patriarcado, mas que pede socorro pela sobrecarga.
O mercado educacional e econômico ainda está despreparado para receptar e acolher essa nova demanda do “exército de uma mulher só” que são: mães, empresárias, alunas, donas de casa e mais outras incontáveis funções simultaneamente.
Abaixo, encontra-se um trecho do artigo denominado “Gerações produtivas e carreiras: O que as mulheres da geração Y querem?” que discorre sobre a participação de mães no mercado de trabalho:
A questão da maternidade também traz uma pressão adicional às mulheres trabalhadoras que precisam conciliar as demandas profissionais, em um ambiente de pressão crescente por resultados, com o desejo de serem mães. Essa pressão é ainda mais intensa em países de cultura machista, como o Brasil, pois o cuidado com os filhos ainda é visto como uma atribuição feminina (NETO, TANURE e ANDRADE, 2010). Por esse motivo, as mulheres que pretendem ter filhos vivenciam o dilema decorrente dessa sobreposição de papéis, pois os primeiros anos de ascensão na carreira coincidem com os anos mais apropriados biologicamente para a maternidade. [...] Conforme destacam Neto, Tanure e Andrade (2010), no Brasil, dada a disponibilidade de mão de obra feminina barata, as mulheres executivas buscam conciliar as demandas do trabalho com as da maternidade, recorrendo à ajuda de empregadas domésticas e babás, que assumem parte substancial do cuidado com seus filhos. O maior compromisso com a criação dos filhos também produz efeitos na mobilidade profissional da mulher, menos disponível para viajar constantemente a trabalho e raramente propensa a mudar de país, em função das demandas familiares. (LEMOS; MELO; GUIMARÃES, 2013, p. 137)
As mulheres estão tornando-se mães, mas atualmente esse papel não é o único exercido pelas mesmas, então é preciso que as implicações sobre esse fenômeno sejam estudadas, não só para viabilizar a inserção dessas pessoas noutros meios além do doméstico, mas também para a adequação da sociedade para essa nova demanda.
Essa incapacidade de conciliar as multitarefas, tem gerado um movimento de mulheres que acreditam que devem escolher entre construir uma família ou ter sucesso profissional, fazendo-as crer que nunca é possível conciliar os dois. O que historicamente não acontece da mesma forma com os homens.
Não há como deixar de mencionar os danos no psicológico não só das mães solo, mas de toda a população que se vê em quarentena há mais de um ano e o atraso psicopedagógico que isso causará nas crianças e adolescentes, principalmente, mas também nos adultos acadêmicos que precisaram reformular a forma como o aprendizado é absorvido.
O que parece descrição de tarefas que apenas um robô conseguiria fazer em 24 horas, tornou-se a realidade de muitas mulheres brasileiras: trabalhar, cuidar dos filhos, estudar, ter sanidade mental, cuidar da casa e cuidar de si, tudo isso, sem sair de casa – e essas são as que chamamos de “privilegiadas”, porque há ainda as que não podem sequer se dar ao luxo de trabalharem via teletrabalho, pois suas funções não possibilitam.
3 É PRECISO UMA ALDEIA
Há um provérbio africano no qual se diz: “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança” e dele extrai-se o que por fim, à título de considerações finais discutiu-se em outras palavras, para que a maternidade possa ser exercida de maneira digna, é necessário que haja uma rede de apoio, porém há mulheres que não contam com esse privilégio.
É inconstitucional a vivência que as mães solo estão experimentando diante desse período de pandemia sem o auxílio das creches. Para a porcentagem brasileira que é casada ou possui um parceiro para compartilhar a criação dos filhos, é necessário que se busque a quebra dos estigmas patriarcais e machistas que ainda estão incrustados no exercício da família, mas para isso, é fundamental que o parceiro efetue uma cessão de seus privilégios, compreendendo sua responsabilidade não apenas financeira, mas também intelectual, sentimental, psicológica e social na formação dos filhos.
É necessário que se crie uma rede de apoio para as mães solo, ainda que através de políticas públicas, fornecendo vacinação prioritária, cestas básicas, isentando periodicamente o pagamento de contas de energia e água e, posteriormente, criando formas de pagamento flexíveis e auxiliando financeiramente para que possam ter uma vida minimamente digna, ainda que em sobrecarga.
Resta esperar maiores ações governamentais no sentido de erradicar a doença do país com políticas de conscientização da seriedade da doença e suas consequências, e investimento em soluções na área da saúde como o aumento de leitos, políticas de prevenção, providenciamento imediato de vacinas para a população inteira se prevenir e investimento em pesquisa para encontrar talvez uma cura, pois esta pode ser apenas a primeira de muitas pandemias que essa geração irá enfrentar e precisamos estar preparados para o “novo mundo” para que não sejamos pegos de surpresa novamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destarte o exposto conclui-se que apesar do direito à creche ser protegido por institutos legais, como o Princípio da Isonomia, Princípio da Solidariedade e os direitos referentes ao exercício do trabalho da mulher, ainda é preciso que o Estado intervenha em prol das mães solo para que estas possam pelo menos prover sua subsistência meio à essa pandemia que não possui data para acabar.
O foco para a solução de todos os problemas apontados é a busca da cura para a doença do Covid-19 e a sua distribuição em massa para a população, para que assim a população possa se recuperar dos danos sociais, econômicos e psicológicos causados pela pandemia.
REFERÊNCIAS
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Graduanda em Direito pelo Centro Universitário UNA e simultaneamente graduando no curso de Administração na Universidade Estácio de Sá.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VAZ, Franciele Cristine Avelina. A Maternidade Solo e o Direito à Creche Durante a Pandemia Covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 abr 2021, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56399/a-maternidade-solo-e-o-direito-creche-durante-a-pandemia-covid-19. Acesso em: 23 dez 2024.
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