PRISCILA DOS SANTOS RODRIGUES[1]
(coautora)
RESUMO: O artigo se propõe a apresentar a experiência de construção da 6° Jornada da Moradia, intitulada “Mulheres em Luta pelo Direito à Moradia e à Cidade”, especialmente no que se refere às inovações por ela introduzidas, o que se analisa pelo ineditismo do trabalho em conjunto do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública com os grupos historicamente empenhados na execução da Jornada da Moradia. A sexta edição do evento, concluída em 2018, foi pioneira ao voltar sua atenção para a articulação entre as categorias de gênero e de moradia, assumidas pela primeira vez como centrais e estruturantes no debate em torno do direito à moradia, pautando tanto suas dimensões jurídica e social como a relevância de as instituições incorporarem métodos e conceitos com um olhar mais integrado para o modo como estas questões repercutem nas políticas habitacionais e nos instrumentos de acesso à justiça. O estudo de caso usou como fonte de dados a revisão documental de atas, documentos produzidos ao longo do evento, sistematização de relatos e depoimentos na forma escrita e audiovisual. Buscou-se, assim, responder à pergunta: em que medida a inclusão do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres contribuiu para o desenvolvimento de novos desafios teóricos e o aprendizado de novas práticas metodológicas?
Palavras-chave: direito à moradia; gênero; interseccionalidade; raça; transdisciplinaridade.
Sumário: 1. Introdução – 2. Jornada da Moradia: um local de construção de solidariedades, disputas e desafios – 3. A experiência da construção da 6º Jornada e a emergência de outros olhares e saberes – 4. Mulheres em Luta pelo Direito à Moradia, sob o viés da transdisciplinaridade e da interseccionalidade – 5. Considerações finais – 6. Referências.
ABSTRACT: The article proposes to present the construction experience of the 6th Housing Journey, entitled: “Women in Struggle for the Right to Housing and the City”, especially with regard to the innovations introduced by it, which is analyzed by the novelty of the joint work by the Center for the Promotion and Defense of Women’s Rights in the Public Defender's Office with groups historically committed to implementing the Housing Journey. The event's sixth edition, concluded in 2018, was a pioneer in turning its attention to the articulation between the categories of gender and housing, assumed for the first time as central and structuring in the debate around the right to housing, guiding both its legal and social dimensions as the relevance of institutions incorporating methods and concepts with a more integrated look at the way these issues impact on housing policies and instruments for access to justice. The case study used as a data source the document review of documents produced during the event, systematization of reports and testimonies in written and audiovisual form. Thus, we sought to answer the question: to what extent did the inclusion of the Center for the Promotion and Defense of Women's Rights contribute to the development of new theoretical challenges and the learning of new methodological practices?
Keywords: right to housing; gender; intersectionality; race; transdisciplinarity.
1.INTRODUÇÃO
No Brasil, o processo de urbanização funcionou como um dos principais fatores para o deslocamento da população da área rural em direção às cidades, gerando, sobretudo nos grandes centros urbanos, o processo de segregação e ocupação de áreas impróprias ou distantes dos espaços com melhor infraestrutura. Segundo Eunice Durham (1986, p.86), a segregação, tanto espacial como social, concentrou-se nos grupos com menores rendas que não dispunham de poder aquisitivo para residir nas áreas centrais, restando a alternativa de ocupar os bairros mais afastados, isto é, as periferias. Os grupos com maior poder aquisitivo, por sua vez, no intuito de criar condições mais favoráveis para o seu deslocamento, ficaram segregados nos bairros mais ricos, os quais contam com os menores índices de mortalidade e violência, temperaturas mais amenas devido à sua arborização, melhor infraestrutura de transporte e ainda concentrando os empregos, aparelhos estatais e serviços. Esse deslocamento espacial afastou os mais pobres, que não têm poder de compra para residir nos bairros mais privilegiados e com melhor inserção na estrutura urbana (VILLAÇA, 1998, p. 313). Ademais, é preciso considerar que o tecido urbano é heterogêneo, significando que há diferentes periferias que se distribuem espacialmente de forma complexa. A segregação não estaria relacionada apenas às condições econômicas. Em uma cidade como São Paulo, por exemplo, os grupos estão distantes entre si e uns dos outros, ocorrendo, por causa disso, um acesso diferenciado em relação às oportunidades e aos equipamentos públicos. (MARQUES; TORRES, 2005, p.35).
Foi vivenciando esta realidade, marcada pela complexidade da situação habitacional no atendimento às demandas da população de baixa renda e das desigualdades no uso do espaço à cidade, que um grupo composto por entidades da sociedade civil, movimentos de moradia, organizações não governamentais e órgãos públicos assumiu o desafio de criar um espaço de formação, intercâmbio e mobilização com o objetivo de apontar diretrizes para enfrentar os graves problemas relacionados ao direito à moradia na cidade de São Paulo. A realização da Jornada em Defesa da Moradia Digna é, portanto, este espaço construído coletivamente, no qual é possível compartilhar experiências, fomentar debates e sensibilizar a sociedade para a situação de exclusão e desigualdade que tem acompanhado a construção das cidades brasileiras.
Tais princípios orientaram a realização da primeira edição do evento, cuja data de fundação remonta a agosto de 2006, quando foi dado o pontapé inicial para a proposta da 1ª Jornada na cidade de São Paulo, intitulada “Em Defesa da Moradia Digna”[2]. Os anos seguintes testemunharam a manutenção do espírito da Jornada. De 2007 a 2018, ocorreram seis edições, as quais elegeram como temas: “Moradia Digna” (2007); “Meio Ambiente” (2009); “Megaprojetos” (2011); “Conflitos Urbanos e Resistência Popular” (2013); “Sistema de Justiça” (2015) e “Mulheres em Luta pelo Direito à Moradia e à Cidade” (2018)[3] .
O Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo participou das seis edições realizadas, beneficiando-se e contribuindo com os aspectos dinâmicos e pedagógicos da Jornada. O trabalho de articulação permanente com organizações externas em todas as etapas de construção da Jornada, de forma horizontal e dialogada, não só permitiu ao Núcleo experienciar, para além dos seus “muros”, a realidade das comunidades postulantes de seus serviços, nos âmbitos individual e coletivo, como também atender a demandas da sociedade civil por práticas metodológicas mais condizentes com a realidade que lhe desafia. Nas palavras do Defensor Público Carlos Henrique Loureiro, então Coordenador no Núcleo de Habitação à época da primeira edição, a Jornada da Moradia ampliou o entendimento de que o “[...] saber jurídico de pouco adiantaria se não pudéssemos ouvir as comunidades, e ajudá-las a se fazer ouvir”.[4]
Um breve panorama do histórico da Jornada da Moradia revela que, desde a sua origem, o modelo do evento apoiou-se na premissa de que a pauta habitacional, expressa de forma visível na realidade das favelas, dos loteamentos irregulares, dos bairros populares, dos conjuntos habitacionais e dos cortiços, não deve ficar restrita à discussão da segurança da posse ou da propriedade. Deve ir muito além dos meios necessários para a aquisição de uma habitação, alertando para o fato de que a conquista de uma moradia digna é fenômeno multifacetado marcado por múltiplas opressões, sendo, desse modo, indissociável da luta por direitos e pelo pleno exercício da cidadania.
Consequentemente, a cooperação e a troca de conhecimentos entre diversos segmentos sociais tornaram-se uma marca da Jornada que, ao longo da sua trajetória, incorporou as pautas dos direitos dos idosos, dos trabalhadores informais, da população em situação de rua, do movimento negro, dos movimentos das mulheres, de pessoas com deficiência, de movimentos em defesa da cultura, do meio ambiente e da defesa das vítimas de violência policial como elementos estratégicos à discussão do direito social à moradia e à cidade[5].
Porém, somente na 6ª Jornada, denominada “Mulheres pelo Direito à Moradia e à Cidade”, o evento direcionou sua atenção aos enquadramentos dinâmicos entre dois ou mais eixos de subordinação como categoriais centrais e estruturantes do debate em todas as etapas de organização do evento. Não se trata de ignorar o histórico da prática da incorporação de marcadores sociais e do intercâmbio entre diferentes áreas do conhecimento nas edições anteriores; ao contrário, foi graças ao acúmulo dessas experiências e à avaliação dos seus resultados que a edição encerrada em 2018 pôde avançar no tratamento dos marcadores como elementos que se combinam e se entrelaçam na constituição da própria metodologia do evento.
Do ponto de vista do desenho institucional da Defensoria Pública, a inclusão do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública num espaço reconhecidamente ocupado pelo Núcleo Especializado de Habitação, Urbanismo e Conflitos Agrários foi um passo estratégico para enfatizar a fundamentação epistemo-metodológica que caracteriza a interseccionalidade e a transdisciplinaridade no debate sobre a desigualdade entre homens e mulheres no acesso à cidade e aos instrumentos de luta por moradia. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é apresentar a experiência de construção da 6º Jornada da Moradia, apontando as inovações por ela introduzidas. Este estudo de caso teve como fonte de dados a revisão documental de atas, notícias, documentos produzidos pela organização do evento e a análise e sistematização de relatos e depoimentos na forma escrita e audiovisual[6].
Já o artigo, está dividido em três seções, a par desta introdução. A primeira resgata o processo histórico de constituição da organização da Jornada, com ênfase para a atuação da Defensoria Pública Paulista por meio do seu Núcleo Especializado de Habitação, Urbanismo e Conflitos Agrários, presente em todas as edições. A segunda parte centra sua atenção na experiência de construção do tema da 6º Jornada: “Mulheres em Luta pelo Direito à Moradia e à Cidade”. A proposta é demonstrar como a metodologia de trabalho dos anos anteriores passava a ser alvo constante de críticas a eventuais limitações e à presença dos mesmos movimentos e entidades sociais, criando, assim, condições para as mudanças que estavam por vir. A seção seguinte é dedicada ao levantamento das discussões realizadas na 6ª Jornada com o intuito de verificar em que medida o entrelaçamento das temáticas de gênero e moradia permitiu à Jornada da Moradia reconhecer que há diversos obstáculos ao acesso à moradia que também permeiam todo o tecido social. Ao final, são expostas as considerações deste artigo, refletindo sobre o pressuposto de que os Núcleos Especializados da Defensoria Pública têm potencial para promover um olhar mais integrado, dinâmico e relacional das questões que afetam o seu público na hora de elaborar e executar suas políticas públicas, especialmente quando há interlocução com novos grupos, interna e externamente.
2 JORNADA DA MORADIA: UM LOCAL DE CONSTRUÇÃO DE SOLIDARIEDADES, DISPUTAS E DESAFIOS
A Jornada pela Moradia Digna foi um momento muito rico para a Defensoria Pública, pois nós passamos a tentar entender problemas com os quais jamais tínhamos lidado, que desconhecíamos, e, assim, que não dávamos a devida importância [...]. Nossa aposta, junto com todas as demais entidades parceiras foi: diálogo, troca de informações, tomada de consciência e ação conjunta. Nosso não saber, nossas limitações quanto as possíveis respostas prontas a respeito de uma infinidade de problemas complexos nos deu uma grande humildade. A humildade de saber que a nosso saber jurídico de pouco adiantaria se não pudéssemos ouvir as comunidades e ajudá-las a se fazer ouvir [...].[7]
Em 2006, representantes da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, do Centro de Apoio a Iniciativas Comunitárias (Caicó), da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do Escritório Modelo “Dom Paulo Evaristo Arns” - PUC/SP, do Grupo de Articulação para Moradia do Idoso da Capital (GARMIC), do Instituto Pólis, da Pastoral da Moradia – Região Episcopal do Ipiranga, do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da Universidade de São Paulo (SAJU), da União dos Movimentos de Moradia da Grande São Paulo e Interior (UMM/SP) e da Uninove deram o pontapé para a construção da 1ªJornada da Moradia Digna[8]. Desde sua primeira formação até os dias atuais, a metodologia da Jornada sofreu algumas mudanças para se adequar ao objetivo geral de atender e orientar a população nas questões referentes à moradia nos campos jurídico, da arquitetura, da engenharia, da saúde, da sociologia e do serviço social. A despeito das particularidades da organização de cada evento, relacionadas ao seu momento histórico e aos objetivos específicos pretendidos, a construção coletiva da Jornada compreende, basicamente, quatro etapas distintas, porém complementares. São elas: as reuniões de organização, as visitas de mobilização, as atividades conhecidas como Pré-Jornadas, e a Jornada da Moradia propriamente dita.
Nas reuniões de organização, que podem durar de um ano a seis meses, representantes de movimentos, instituições e entidades discutem as principais demandas habitacionais até se chegar ao tema, ao método de trabalho escolhido, aos locais em que as atividades ocorrerão e ao público atendido. Geralmente, são escolhidos locais em que os participantes da etapa de organização atuam ou vivenciam problemas relacionados ao tema proposto. Em seguida, com o intuito de conhecer as comunidades, aproximar-se das lideranças locais e convidar os moradores, são feitas visitas aos locais previamente escolhidos. Já na etapa das pré-jornadas, os envolvidos compartilham informações (principalmente jurídicas), realizam atividades diversas e mobilizam os moradores para o grande evento da Jornada, que acontece entre dois ou três meses depois dessa imersão local. Finalmente, num fim de semana, são realizadas palestras e oficinas ministradas por lideranças de movimentos sociais, professores, pesquisadores, representantes de órgãos políticos ou jurídicos e profissionais que trabalham temas correlatos. Ao longo de todo o ciclo, a partir da análise dos temas propostos, busca-se a associação do direito à moradia com outros elementos que o constituem, ou com questões que estão diretamente ligadas a este ou ao direito à cidade, conforme o contexto histórico em que ocorre a atividade.
Esta intensa articulação com entidades, organizações, movimentos sociais e órgãos públicos fez da Jornada da Moradia um local privilegiado de construção de solidariedades, disputas e desafios, que surgem como reflexo da contribuição de diferentes práticas e campos “outros” de produção de conhecimentos e discursos sobre o direito ao acesso à moradia digna. Esta questão está presente desde a primeira Jornada, como bem relatado na fala do Defensor Público Carlos Loureiro, então coordenador do Núcleo de Habitação e Urbanismo na mesa de abertura da segunda edição do evento.
Com relação à participação dos Núcleos Especializados da Defensoria Pública, elemento chave para testar a hipótese deste artigo, um olhar mais atento para o grupo das entidades públicas envolvidas revela que o Núcleo Especializado de Habitação, Urbanismo e Conflitos Agrários da Defensoria Pública do Estado de São Paulo marcou presença em todas as edições. Mas, antes de dar sequência, convém apresentar os Núcleos Especializados da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Após a instauração do regime democrático em 1988, as Defensorias Públicas tornaram-se essenciais na prestação de assistência jurídica integral e gratuita às pessoas que não têm condições de arcar com os custos de um advogado[9]. No Estado de São Paulo, a Defensoria Pública do Estado saiu do papel apenas no dia 14 de dezembro de 2005, data em que a Assembleia Legislativa aprovou o Projeto de Lei Complementar n° 18/2005. Uma vez organizada, a Defensoria Paulista passou a oferecer assistência judicial e extrajudicial, integral e gratuita, de modo individual e coletivo, ao público que comprovasse a insuficiência de recursos[10]. Ao passo que o direito de acesso à justiça envolve uma série de mecanismos, uma das inovações introduzidas pelo modelo de Defensorias foi a constituição dos Núcleos Especializados com foco na atuação estratégica em demandas de interesse coletivo e, conforme será visto mais adiante, com mais espaço para o trabalho em colaboração entre os defensores, e entre estes e atores externos, tais como organizações da sociedade civil e movimentos sociais[11] (SOUZA, 2019, p.86).
Nesse sentido, a Lei Complementar Estadual n. 988/2006, em seu art. 52, determinou que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo contasse com Núcleos Especializados, de natureza permanente, para atuar prestando suporte e auxílio no desempenho da atividade funcional dos membros da instituição, de acordo com os seguintes temas: “Interesses Difusos e Coletivos”; “Cidadania e Direitos Humanos”; “Infância e Juventude”; “Consumidor e Meio Ambiente”; “Habitação e Urbanismo”; “Situação Carcerária” e “Segunda Instância e Tribunais Superiores”. Além disso, esta mesma lei, no artigo seguinte, inciso IV, prevê que os Núcleos devem realizar e estimular o intercâmbio com entidades públicas e privadas.
Dois anos mais tarde, a Lei Complementar n. 132/2009 trouxe contornos que reforçaram a prática de uma atuação preventiva e voltada para a promoção dos direitos humanos, estabelecendo como funções institucionais do órgão, por exemplo, o exercício da defesa dos interesses individuais e coletivos da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado (VIEIRA & RADOMYSLER, 2015). Atualmente nove núcleos especializados estão em atividade: 1) Infância e Juventude, 2) Habitação, Urbanismo e Conflitos Agrários, 3) Cidadania, Direitos Humanos e Meio Ambiente, 4) Defesa do Consumidor, 5) Situação Carcerária, 6) Segunda Instância e Tribunais Superiores, 7) Direitos da Mulher, 8) Diversidade e Igualdade Racial e 9) Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência - os três últimos criados em resposta às demandas dos participantes externos do I Ciclo de Conferências da Defensoria Pública[12].
Se, nesse novo desenho institucional, os Núcleos Especializados representaram um outro dimensionamento à atuação do órgão, ao ampliarem “[...] a possibilidade de que as diferenças dos grupos sociais estigmatizados sejam explicitadas e reconhecidas no âmbito da instituição (VIEIRA & RADOMYSLER, 2015, p.46)”, também merece destaque o fato de que demandas apresentadas pelo público externo num dos espaços de participação social existentes na instituição, os Ciclos de Conferências, corroborou para estreitar o compromisso da Defensoria Pública Paulista com o tema da moradia digna e, notadamente, com a preparação da Jornada da Moradia.
Em 2009, data de realização do primeiro Ciclo de Conferências, duas propostas foram aprovadas no eixo Habitação, Urbanismo e Conflitos Agrários e, posteriormente, incorporadas ao Plano de Atuação da instituição, quais sejam, “promover, em parceria com os movimentos sociais, a continuação dos eventos da Jornada em Defesa da Moradia Digna” e “fazer jornadas temáticas (ex.: Jornada da Moradia), em parceria com os movimentos sociais, para que os Defensores conheçam as lideranças e estas conheçam os Defensores[13]. Desde então, o Núcleo Especializado de Habitação, Urbanismo e Conflitos Agrários não só vem se debruçando sobre a temática, como também incorporou as reuniões de organização na sua agenda institucional, assunto este que será melhor detalhado no próximo tópico.
3. A EXPERIÊNCIA DA CONSTRUÇÃO DA 6º JORNADA E A EMERGÊNCIA DE OUTROS OLHARES E SABERES
Precisamos unir vozes de oposição à violência contra a mulher, à discriminação e ao machismo predominante em nossa sociedade, e ao mesmo tempo, resistir à precarização das políticas públicas e perda de direitos sociais duramente conquistados. É fundamental partilhar experiências que permitam o reconhecimento de que a conquista e manutenção dos direitos só é possível na luta social e com envolvimento solidário entre mulheres e homens[14].
De 2007 a 2015, a Jornada da Moradia abordou temas relacionados à moradia digna, ao meio ambiente, aos impactos urbanos dos megaprojetos, à questão da resistência popular nos conflitos urbanos e ao papel do sistema de justiça nos conflitos agrários. Todas as edições representaram uma etapa importante de articulação entre entidades, órgãos públicos e movimentos sociais comprometidos com a concretização do direito à moradia digna e à cidade. Contudo, em 2015, em duas reuniões organizadas para avaliar criticamente o desempenho da 5º Jornada da Moradia, havia um forte entusiasmo por mudanças no formato do evento Aspectos ligados à metodologia (leia-se: ao modelo tradicional de palestras e oficinas), ao enfoque muito técnico na interlocução entre os saberes (característico do direito e das instituições do sistema de justiça) e até mesmo à necessidade de uma participação mais ativa das lideranças dos movimentos de moradia e das comunidades visitadas passaram a ocupar o centro das reflexões.
Oficialmente, a primeira reunião de organização da 6° Jornada da Moradia teve início em julho de 2016, ocasião em que os presentes manifestaram apoio à realização de um novo evento, desde que este tivesse como atores principais os movimentos sociais e os moradores das comunidades, lógica que aparentemente havia se perdido. Também houve consenso em torno da necessidade de se buscar um novo modelo de Jornada que permitisse uma maior interação com [e entre] as lideranças locais, bem como considerasse seu engajamento em todas as fases do evento: planejamento, organização e execução[15].
Nas reuniões posteriores, teve início a discussão sobre possíveis temas para a 6ª Jornada. Devido ao potencial de mobilização e de apelo frente ao cenário político, foram lembrados conteúdos relativos ao papel da mulher no histórico de lutas pelo direito à moradia, à criminalização dos movimentos sociais, das periferias e da pobreza, aos conflitos com a polícia e violências sofridas pela população pobre. Em novembro de 2016, após os participantes dos movimentos de moradia conversarem com suas bases, “Mulheres em luta pelo direito à moradia e à cidade” foi escolhido como o tema da 6° Jornada. Também foi assumido o compromisso de convidar comunidades lideradas por mulheres, envolvendo-as em todas as etapas de construção do evento.
A opção pela discussão do entrelaçamento das temáticas de gênero e moradia e as questões sociais e culturais envolvidas ocorreu num momento em que a Lei 11.340/2006[16], denominada Lei Maria da Penha, conferia visibilidade à violência contra a mulher ao trazê-la para o espaço público como um fenômeno de violação dos direitos humanos produzido historicamente e passível de ser enfrentado com instauração de medidas mais rigorosas em relação aos agressores. Não à toa, as violações aos direitos das mulheres passaram a ser alvo de pesquisas de grande porte divulgadas pelos veículos de comunicação que, finalmente, reconheciam o problema. O Mapa da Violência de 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil[17], apontava que, entre 2003 e 2013, o número de vítimas do sexo feminino passou de 3.937 para 4.762, incremento de 21,0% na década. O relatório também revelava que, com poucas exceções geográficas, a população negra é a vítima prioritária dos homicídios, evidenciando o peso do racismo na violência letal. De forma semelhante, a intelectual brasileira Sueli Carneiro (2003) pontuava a necessidade de políticas específicas para as mulheres negras para a equalização das oportunidades sociais, além do reconhecimento da dimensão racial e da feminização da pobreza no Brasil.
Uma vez eleito o tema, o próximo passo foi alinhar a metodologia e definir os grupos incumbidos da tarefa de esboçar propostas de atividades para as Pré-Jornadas e a Jornada. Relativamente à metodologia, foi realizado um encontro formativo para aprofundar a temática, que contou com a mediação de uma pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP) e de uma militante do Movimento dos Trabalhadores Sem-teto (MTST). O encontro foi marcado pela diversidade das práticas vivenciadas pelas entidades, organizações e movimentos de moradia. O grupo era formado pelos seguintes componentes: Movimento de Moradia da Região do Centro, Núcleo de Defesa e Proteção dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública, Comunidade Capadócia, União Brasileira de Mulheres, Federação das Associações Comunitárias do Estado de São Paulo, Instituto de Lutas Sociais, Associação Africana do Brasil, Movimento Nacional de População de Rua de São Paulo, Comunidade Pantanal-Zona Sul, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Movimento Moradia Para Todos e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Em conjunto, chegou-se ao entendimento de que era necessário criar metodologias próprias para abordar o assunto, além de outras atividades formativas, com a possibilidade de rodas de discussões separadas, uma para homens e outra para mulheres.
Foram, ainda, definidos os desafios que deveriam nortear a 6ª Jornada: I) não abordar o tema da participação das mulheres nos movimentos de moradia e as desigualdades de gênero como um tema tangencial às questões de moradia; II) reconhecer que a segregação das pessoas nas periferias e as desocupações forçadas decorrem de três desigualdades estruturantes: classe, raça e gênero; III) refletir sobre quais são os papéis e atribuições das mulheres nos movimentos de moradia e ocupações; IV) compreender como a participação das mulheres nos movimentos de moradia é mediada e limitada pelas obrigações domésticas e de cuidados com a família; V) reconhecer que as mulheres são as responsáveis, na maior parte das vezes, por compilar as provas necessárias para juntar nas defesas dos processos de ocupação e VI) problematizar sobre o objetivo dos movimentos de moradia, que não se reduz à conquista de uma casa, mas a uma melhor qualidade de vida, o que envolve uma vida sem violência doméstica, uma vida onde homens e mulheres dividam e compartilhem as obrigações domésticas e sejam igualmente respeitados[18].
Em resumo, falar em moradia digna implica em mais do que a simples etapa de entrega de casas para atender o direito à moradia; neste sentido, a confecção e a implementação de projetos habitacionais deveriam observar que:
A participação de organizações e grupos de mulheres deve ser assegurada em todas as etapas do desenvolvimento de políticas, programas e projetos habitacionais, assim como na elaboração de novas leis, a fim de que suas necessidades específicas sejam levadas em conta. É importante, também, que sejam desenvolvidas ações voltadas a ampliar o acesso das mulheres à Justiça na luta por seu direito à moradia, como a realização de ações educativas e a disponibilização de serviços de assistência jurídica gratuita ou, ao menos, com custos acessíveis para elas. (ROLNIK, 2011, pág. 24)
Uma vez que a temática proposta inovava ao direcionar a atenção da Jornada para o reconhecimento de que a questão de gênero intensifica os obstáculos ao acesso à moradia, adotou-se como estratégia convidar o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública para compor, junto ao Núcleo de Habitação, Urbanismo e Conflitos Agrários, ao Escritório Modelo da PUC e ao Instituto Pólis, o grupo de trabalho de metodologia, de modo a garantir, na prática, a articulação entre as categorias gênero e moradia em todas as etapas de organização do evento[19]. A colaboração entre os referidos Núcleos permitiu agregar novos olhares à Jornada da Moradia. A participação do Núcleo de Defesa dos Direitos das Mulheres, o protagonismo das lideranças femininas e a inclusão de rede de entidades que já dialogavam e desenvolviam atividades com o Núcleo da Mulher em outros espaços, possibilitaram a inserção de outras práticas, haja vista a incorporação de coletivos que tinham um modo diferente de atuar e dialogar com suas bases. Grupos como Slam das Minas, Piratas do Tietê, Baque SP, Makita, dentre outros que serão mencionados mais adiante, trouxeram linguagens diversas das utilizadas até então pelos grupos historicamente empenhados na execução da Jornada.
Por esse ângulo, ao longo da 6º Jornada, inúmeras abordagens foram pensadas pela comissão de metodologia visando atender aos desafios elencados. O quadro abaixo resgata e sintetiza os principais pontos.
Etapa |
Propostas do Grupo de Trabalho de Metodologia |
Pré-Jornadas (duas visitas) |
Levantamento de uma bibliografia básica para estudo das questões de gênero;
Formação de uma comissão de organização local, com pessoas da comunidade, para auxiliar na organização, mobilização e divulgação do evento;
Aplicação de rodas de conversa e dinâmicas, como o “jogo dos privilégios”, direcionando questões relacionadas à inserção da mulher nos movimentos de moradia e suas limitações;
Organizar espaços de discussão separados, um formado pelos homens, para poderem desconstruir seus preconceitos, e outros formado pelas mulheres, para poderem refletir sobre as violências que sofreram;
Quando da divisão de gênero dos grupos, deixar um homem como o facilitador da atividade reservado aos homens, de modo a não gerar constrangimentos ou outros problemas na condução dos trabalhos;
Encaminhar atividades que apontem para um subtema prioritário para cada comunidade (aprofundados na segunda etapa);
Capacitação de todos os integrantes das entidades organizadoras sobre questões de gênero;
Visita a uma comunidade indicada pelo GT Mobilização para testar a metodologia. |
Jornada |
Contatar coletivos e grupos para condução de oficinas temáticas e/ou intervenções artísticas e culturais;
Os grupos foram organizados de acordo com os quatro subtemas escolhidos pelas comunidades visitadas nas Pré-Jornadas: violência doméstica; educação das crianças em direito à cidade e direito das mulheres; drogadição e juventude; e participação da juventude nos movimentos sociais e na construção dos direitos à cidade;
Sobre a separação de grupos por gênero, foi acordado que a oficina sobre “violência doméstica” seria destinada às mulheres e a oficina “masculinidades” aos homens (ou àqueles que se identificarem como “não-mulheres”). |
Reflexões Pós Jornada
|
Discutiu-se a dificuldade em abordar o tema gênero e dar conta de sua complexidade em apenas duas visitas;
As Pré-Jornadas devem ser em locais que garantam que serão as mulheres a receber o grupo e a participar;
Dar continuidade às atividades de capacitação e/ou aprofundamento das questões de gênero na comunidade, como a realização de cursos e contato com a rede local, possibilitando a realização de outros eventos e, ainda, informações sobre encaminhamentos e atendimentos individuais nos Núcleos e entidades jurídicas parceiras;
A Jornada se mostrou até então como um processo cíclico (começo, meio e fim), porém, é importante começar a ver a Jornada como uma ação contínua. Assim, não há mais como retirar das Jornadas futuras a discussão da mulher na luta por moradia. |
Tabela 1: síntese das propostas apresentadas pelo Grupo de Trabalho de Metodologia da 6º Jornada da Moradia Digna (2018). Fonte: elaboração das autoras, a partir das atas de reuniões consultadas.
As atividades acima são um indicativo do quão potente pode ser o trabalho ancorado numa visão de abertura, parceria e integração, neste estudo de caso, pela introdução do Núcleo da Mulher num terreno historicamente ocupado pelo Núcleo de Habitação e Urbanismo. Isso porque a junção dos trabalhos dos Núcleos impôs finalmente o desafio de abordar os conceitos de moradia e de gênero como fenômenos complexos, interligados e dinâmicos, superando a compartimentalização e a fragmentação do conhecimento. Somaram-se outros saberes ao conhecimento sociojurídico das organizações que tradicionalmente organizavam a Jornada. Esta colaboração ocorreu especialmente com a elaboração de oficinas por coletivos de música, dança e poesia, com a participação de um profissional da psicologia social para trabalhar com o tema da masculinidade (que percorreu as duas etapas finais), a partir da apresentação de grupos de mulheres que trabalham com a temática de gênero, raça, imigração, por meio da poesia, dança, do canto e de outras manifestações artísticas e musicais.
Exemplos disso foram o jogo dos privilégios e as oficinas ligadas aos temas da masculinidade e das violências praticadas contra as mulheres. Ao contrário do modelo de palestras, predominante nos anos anteriores, este formato propiciou momentos mais formativos, participativos e de maior aproximação, estimulando a cooperação, a reflexão e a busca por solução de problemas. O jogo dos privilégios[20], partindo de perguntas que revelavam situações hipotéticas em que algumas pessoas têm vantagens em relação a outras, em razão da raça, do gênero ou da classe social, permitiu iniciar a reflexão sobre diferenças e privilégios. E isso funcionou como gatilho para, depois, em grupos separados, as mulheres exporem momentos violentos que já vivenciaram em casa; e os homens dialogarem com outros homens sobre os papéis sociais que têm legitimado as diferenciações, por meio de conversas e de responsabilização a respeito das possíveis violências praticadas contra mulheres. [21]
Enquanto os desafios lúdicos da dinâmica permitiram o contato dos participantes com situações de desigualdades estruturais que perpassam o cotidiano - mas que muitas vezes permanecem mascaradas -, as atividades que dividiam os grupos por gênero foram fundamentais para deixar as pessoas à vontade para partilhar suas vivências, classificar e identificar os diversos tipos de violências a que estão expostas, na condição de vítimas ou agentes, bem como verificar o quanto estas situações impactam negativamente no exercício de seu direito à moradia. A partir das rodas de conversa, foram levantados os possíveis temas para a atividade final da Jornada e convidados grupos que atuavam nas próprias comunidades em que ocorreram as Pré-Jornadas, para trocarem conhecimento com os demais participantes, assim como coletivos de mulheres e de jovens para apresentarem obras artísticas ligadas às temáticas.
A 6ª Jornada iniciou com a projeção do filme “Mulheres da Esperança”, que contou um pouco da história de vida e de luta das mulheres da Ocupação Esperança, em Osasco. Conforme exposto no documentário, de aproximadamente 15 minutos, são as mulheres que resolvem os problemas da comunidade, como a fome e a violência doméstica; que se reúnem semanalmente para trabalharem juntas, se fortalecerem e conversarem sobre essas violências a que estão submetidas diariamente, bem como para se organizarem e resolvê-las coletivamente. Isso porque, nas palavras de uma das moradoras da região, “toda mulher que entrar numa luta, são guerreira (sic), são nota 10; doa a quem doer; (...) não deixa ninguém botar seu nome no chão (sic)”.[22]
Em seguida, Irene Maestro Sarrion Dos Santos Guimarães, militante do movimento Luta Popular e organizadora do grupo Mulheres da Esperança e Antônia Lindinalva Ferreira do Nascimento, ativista social no MSTRU (Movimento Sem-Teto e Reforma Urbana) e uma das coordenadoras da FLM (Frente de Luta por Moradia), falaram um pouco sobre o movimento de que participam, da luta e do protagonismo das mulheres e da importância do trabalho coletivo para que mudanças ocorram.
Ao final do primeiro dia, houve também a apresentação cultural Baque Mulher São Paulo, do Campo Limpo; grupo formado só por mulheres e que, tocando e dançando Maracatu, homenageou personalidades femininas como Marielle Franco e Maria da Penha. No dia seguinte, após a mesa de abertura, ocorreram cinco oficinas temáticas, cujos temas foram sugeridos pelos próprios participantes das pré-jornadas. Em cada uma delas, foram desenvolvidas atividades e, ao final, levantadas resoluções, a partir das questões discutidas nos grupos. Além disso, para as crianças, foi reservado um espaço lúdico e pedagógico que ficou sob a responsabilidade de homens da organização, de modo que as mães pudessem participar tranquilamente das demais atividades.[23]
A oficina “Violência contra a mulher, mulheres empoderadas em luta pelo direito à moradia”, organizada pelo “Slam das Minas”[24] foi desenvolvida a partir de batalhas de poetas, exclusiva para mulheres, como um espaço de voz e acolhimento. Nessa, elas puderam expor sobre fatos que vivenciaram, com pessoas de todas as idades, discutiram o papel da mulher, as violências a que são submetidas na cidade e a necessidade constante de busca por formação. Já para os homens, houve a oficina “Masculinidades: homens e machismo”, com o psicólogo Flávio Urra e alguns defensores. Exclusiva para o público masculino, teve como finalidade incentivar os homens a conversarem ora sobre as vantagens de ser mulher na nossa sociedade, ora sobre as vantagens de ser homem. A partir das discussões travadas, concluíram o quão desvantajoso é ser mulher e que é necessário aos homens assumirem tarefas e enfrentamentos historicamente exclusivos de mulheres, com o fim de reduzir as desigualdades[25].
Além desta, ocorreram outras três oficinas, com foco na educação de crianças e jovens. “Criança empoderada conhece seus direitos”, coordenada pelo “Grupo VOPO” (Vozes Poéticas), desenvolveu conversas a partir de poesias e outras linguagens utilizadas por jovens engajados na luta por direitos e moradia digna. Discutiu-se, por exemplo, como usar tais linguagens no combate ao uso abusivo de drogas, questão recorrente trazida pelos participantes. Na atividade “Literatura ostentação: o papel da arte na formação de jovens que movem a estrutura”, com o grupo “Poetas Do Tietê”, foi proporcionado um espaço bem participativo, em que as pessoas puderam expressar suas opiniões, após presenciar um sarau de poesias. A ideia era apresentar como a poesia, a música, os esportes, o teatro e a utilização de outras linguagens para se comunicar com os jovens ajudam na formação dos mesmos.
Em “Juventude e direito à cidade”, com a “Coletiva Maria Sem Vergonha”, a oficina partiu da apresentação de trechos de um documentário sobre a ocupação das escolas por adolescentes (Lute como uma menina!) e, em seguida, foi desenvolvida uma dinâmica em que cada grupo deveria colocar em um cartaz imagens sobre o que considerava necessário para uma cidade[26]. Com base nisso, elaboraram as proposições que foram apresentadas aos participantes das demais oficinas. [27]
Após o almoço, foi exposto um vídeo do “Coletivo Comboio” com trabalhos desenvolvidos para crianças, em escolas e ocupações; logo depois, houve uma apresentação cultural do Coletivo São João, com música e dança composta por pessoas do movimento de moradia e poesias recitadas por Antônia Lindinalva Ferreira do Nascimento, em que contou como é a vida da mulher no movimento e os sonhos de uma criança, sua filha. Abaixo, seguem os poemas apresentados que revelam aspectos da vida de uma mulher e da de uma criança da ocupação:
Mulher?
Mulher é movimento;/Mulher é alegria;/Mulher é acordar cedo;/É resistir ao dia a dia.
Mulher é luta;/Mulher é brilho;/Mulher é dormir tarde,/ é resistir aos desafios.
Mulher é vida e sabedoria;/Mulher é junção de luta e movimento;/Mulher é força e coragem,/é espalhar o seu talento.
Quarto de Beatriz
Beatriz tem oito anos;/A caçula dos filhos meus;/Sou feliz por ter meus filhos;/Presentes que Deus me deu.
A menina tem um sonho;/E quer muito realizar;/O que posso eu fazer?/É preciso ter lugar.
Lugar para ocupar;/ Lugar para resistir;/Lugar para se viver;/Lugar para construir.
A menina tem um sonho;/E quer muito realizar;/O que posso eu fazer?/É preciso ter lugar.
Seu sonho é ter um quarto;/Onde possa colecionar/seus brinquedos favoritos,/ que não tem onde guardar.
Quarto?/ Quarto que tem quarto;/ Quarto que tem cozinha;/ Quarto que tem banheiro e sala;/ Parece até uma casinha.
Esse quarto já existe;/ Não é difícil chegar lá;/ É só uns lances de escada;/ Não é difícil chegar lá.[28]
Ao final, integrantes das oficinas contaram o que ocorreu em cada uma delas aos que participaram das demais atividades e leram os principais pontos discutidos nos grupos[29]. Ainda, houve uma mesa de encerramento com as mulheres da organização e, por último, a apresentação cultural das “Lakitas Sinchi Warmis”, um grupo de mulheres imigrantes andinas que visa resgatar, estimular e visibilizar a manifestação desses mundos culturais por meio da formação e valorização de expressões de música de referência tradicional.
Portanto, ao dirigir seus esforços para evitar repetir abordagens centradas na simples transmissão de informações, a 6º edição do evento direcionou sua atenção para atividades voltadas a desconstruir conhecimentos pré-concebidos e a repensar comportamentos tidos como naturais, mas que reforçam desigualdades de oportunidades e de acesso a direitos. A implementação desta nova metodologia, acompanhada da inclusão de novos participantes ligados à pauta da luta contra a violência de gênero na organização e na condução dos trabalhos, provou ser estratégica para aprofundar os debates existentes sobre os obstáculos ao direito à moradia, também como um tipo de violação dos direitos humanos das mulheres, dando um passo além, ao mudar a perspectiva do olhar sobre o mesmo objeto, incluindo-se aí um sujeito.
Em alguma medida, as Jornadas anteriores já sinalizavam com a preocupação de incorporar outros marcadores sociais ao debate da moradia, hava vista a participação de lideranças de movimentos de defesa de pessoas idosas - como o Grupo de Articulação para Moradia do Idoso da Capital (GARMIC) - ou da população em situação de rua - como o Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR). Todavia, os diversos marcadores não representavam a discussão estruturante do evento; da definição das estratégias aos combinados finais, enquanto na 6ª Jornada, a questão de gênero foi discutida como elemento central e essencial para a garantia do direito à moradia.
Essa guinada epistemológica e metodológica pode ser observada também na fala de lideranças e moradoras que, convidadas a participar, problematizaram como essas situações se refletem em situações do cotidiano, passando desde a distribuição desigual das tarefas nas comunidades, com as mulheres responsáveis sobretudo pelas tarefas do âmbito doméstico, até a participação política no interior dos movimentos de luta por moradia.
4.MULHERES EM LUTA PELO DIREITO À MORADIA, SOB O VIÉS DA TRANSDISCIPLINARIDADE E DA INTERSECCIONALIDADE
[...] a gente viu uma polêmica que foi sobre equilibrar os direitos para ambos lutarem igualmente pela moradia e pelo direito à cidade na nossa conversa no grupo das mulheres; nós vimos que muitas vezes as lutas pelo direito à moradia as mulheres são impedidas de usufruir seu direito à cidade porque muitas vezes elas ficam sobrecarregadas pelas tarefas domésticas. [...][30].
Neste bloco, para explorar a relevância de as instituições incorporarem métodos e conceitos com um olhar mais integrado para o modo como a questão de gênero repercute nas políticas habitacionais e nos instrumentos de acesso à justiça, optou-se pela sistematização e análise de depoimentos, entrevistas e exposição das estratégias que embasaram a preparação de oficinas temáticas, palestras e do evento como um todo, relacionando-os com alguns marcos teóricos, notadamente os conceitos de transdisciplinaridade e interseccionalidade, os quais subsidiaram as interlocuções feitas durante o processo de construção da 6º Jornada. O conceito da transdisciplinaridade é aqui mobilizado para apresentar a maneira pela qual diferentes esferas do conhecimento (jurídica, urbanística, geográfica, ambiental, cultural, social, pedagógica, artística etc) interligaram-se, coordenaram-se e cooperaram entre si, para a produção de um novo conhecimento que resultou nas diversas etapas da 6ª Jornada da Moradia Digna. A transdisciplinaridade refere-se ao reconhecimento da existência de diferentes níveis de realidade regidos por lógicas diferentes, de forma que, da confrontação das disciplinas, emergem dados novos que as articulam entre si; é a abertura de todas as disciplinas àquilo que as atravessa e as ultrapassa, conforme disposto na Carta da Transdisciplinaridade (FREITAS; MORIN & NICOLESCU, 2018).
Outrossim, a articulação entre diversos saberes pode contribuir para o entendimento dessa complexidade da realidade com a qual se deparam as mulheres na luta por direito à moradia. Edgar Morin, ao propor uma reforma do pensamento, em que os diversos saberes devem se articular, afirma que:
A reforma necessária do pensamento é aquela que gera um pensamento do contexto e do complexo. O pensamento contextual busca sempre a relação de inseparabilidade e inter-retroações entre todo o fenômeno e seu contexto e de todo contexto com o contexto planetário. O complexo requer um pensamento que capte as relações, interrelações e implicações mútuas, os fenômenos multidimensionais, as realidades que são simultaneamente solidárias e conflitivas (...), que respeite a diversidade, ao mesmo tempo que a unidade, um pensamento organizador que conceba a relação recíproca de todas as partes (MORIN, 2000, p.14).
Cumpre ressaltar que a Defensoria Pública Paulista, desde o seu nascimento, já prevê a existência de profissionais de outras áreas do conhecimento, tais como psicologia, serviço social, sociologia, arquitetura, administração, engenharia e tecnologia da informação, sendo que esta composição é denominada por ela de multidisciplinar. No tocante aos Núcleos Especializados retratados neste estudo, a presença de uma arquiteta, duas assistentes sociais, dois psicólogos e dois sociólogos oportunizou constatar lacunas e fazer “pontes” com outros saberes, para além do jurídico.
Não obstante a importância da valorização enquanto meta do trabalho multidisciplinar (ou pluridisciplinar)[31] numa instituição do porte e com os objetivos da Defensoria Pública, merece destaque o alcance limitado deste conceito, ao não promover uma integração de fato entre as disciplinas em torno do mesmo objeto, pois embora o termo remeta “ao estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo (...), sua finalidade continua inscrita na estrutura da pesquisa disciplinar” (BASARAB, 1999, p.52). Ainda, quando ocorre uma atuação interdisciplinar, a qual “(...) diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina para outra” (Idem, 1999, p.52), há de se levar em conta que seu objetivo ao menos transcende aquele almejado pela pluridisciplinaridade, porquanto ocorre uma troca maior entre os saberes.
Essa visão multi (ou pluri) ou interdisciplinar pode ser identificada na 1ª Jornada, conforme demonstrado na fala do Defensor que coordenava o Núcleo de Habitação à época, quando reconheceu a importância do saber de quem vive a realidade da luta pela moradia digna e campos “outros” de produção de saberes e discursos sobre o direito ao acesso à justiça provenientes tanto dos movimentos sociais quanto das entidades parceiras.
Todavia, em que pese o sucesso alcançado até então, foi somente na 6º edição, com a inclusão do Núcleo de Promoção e de Defesa dos Direitos das Mulheres no grupo de trabalho de metodologia e com a participação da nova rede de entidades parceiras, as quais trouxeram novas linguagens, que a Jornada se aproximou de uma abordagem transdisciplinar. O olhar deixou de ser tão somente à situação de ausência de moradia daquelas pessoas e coletivos (objeto, por excelência, do Núcleo de Habitação e Urbanismo), passando também a enfatizar os sujeitos desta relação estabelecida na luta por moradia, no caso, as mulheres.
A transdisciplinaridade corresponde, assim, à radicalização de todos os conceitos citados anteriormente, dada a possibilidade de articulação de um amplo conjunto de disciplinas em torno de um campo teórico e operacional particular, envolvendo um sistema de disciplinas articuladas em diferentes níveis, reconhecendo o valor e transitando por todos os saberes. O intercâmbio com outros grupos, sob este novo viés, refletiu em outros modos de pensar a atividade, outras metodologias possíveis. Buscou-se, durante as atividades nas comunidades e a realização das oficinas, partilhar experiências que permitissem o reconhecimento de que a conquista e manutenção dos direitos só é possível na luta social e com envolvimento solidário e compartilhado entre mulheres e homens, todos os dias.
Vale frisar que, além de se caracterizarem como objeto de estudos de acadêmicos das mais variadas formações (e não apenas de profissionais do sistema de justiça como frequentemente é difundido), o direito à moradia e o direito das mulheres, enquanto campo de atuação de promoção e defesa de direitos humanos, são igualmente disputados por organizações, entidades, associações e movimentos sociais. E estes, engajados no processo de discussão, elaboração e execução das leis, produzem ferramentas, instrumentos e conhecimentos sobre os mais diversos assuntos. Nessa perspectiva, não surpreende que as mulheres dos movimentos de moradia e das ocupações venham assumindo um protagonismo cada vez maior de algo que antes ficava restrito às mãos de especialistas, permitindo a emergência de novos saberes e articulando conceitos outrora tratados como estanques, porque distantes dessa realidade.
Os três relatos abaixo ilustram estes desafios. Os dois primeiros foram ditos por mulheres que estão na linha de frente de grupos que lutam por moradia digna (Movimento Luta Popular e Frente de Luta por Moradia); enquanto o terceiro foi extraído da fala de uma moradora da Vila Nova Esperança, durante os encaminhamentos de uma atividade da 6° Jornada.
Pra gente a questão das mulheres é algo muito fundamental para o jeito que a gente enxerga a luta pela moradia e a luta pelo direito à cidade. [...] Então, as mulheres nos movimentos de moradia têm um peso muito grande; uma presença muito ativa. Nas ocupações, normalmente, as mulheres sempre assumem as tarefas da cozinha coletiva, dos trabalhos de limpeza, do cuidado com as crianças [...] enquanto os homens cuidam da infraestrutura, da segurança. As mulheres também são muito responsáveis por manter as ocupações e organizar as ocupações quando os homens saem pra trabalhar. Mas o trabalho e o papel que as mulheres têm dentro da ocupação não é visto com a mesma importância muitas vezes do que aquilo que os homens fazem na ocupação. Isso é muito difícil de quebrar, de mudar porque é o jeito que a sociedade funciona [...]. Não é só na luta por moradia que as mulheres são linha de frente, mas em tudo aquilo que cerca a nossa casa as mulheres são maioria. Se a gente vê as mulheres protagonizando a luta por creche; toda a luta por saúde num bairro tem as mulheres na linha de frente; nas associações de mães e familiares de presos e presas as mulheres são a maioria; na luta pelo direito à justiça e a enterrar seus mortos são as mulheres que tão na frente [...]. É fundamental a gente enxergar a nossa luta a partir do olhar das mulheres. Porque se a gente não enxerga a nossa luta a partir do olho daquele que tá sendo mais oprimido e mais explorado a gente não é capaz de enxergar todo o desafio que a gente tem pela frente. Então é do olho das mulheres, sobretudo do olhar das mulheres pretas, que a gente tem que enxergar qual é nosso desafio nessa luta pela moradia e pela cidade [...].[32]
[...] E a necessidade de entrar no movimento foi uma necessidade pessoal. Porque eu pagava aluguel, morava num cortiço com dois filhos [...] E quando a gente vem de fora para São Paulo a gente primeiro fica no Centro porque a gente não tem muito dinheiro para pagar a passagem, para vir do bairro para o Centro todos os dias procurar emprego. A gente fica um pouco aqui, se matando pagando aluguel caro até arrumar trabalho e aí a gente vai para a periferia. [...] E uma amiga minha me apresentou o movimento. [...] Eu já tinha essa percepção de busca de direito; eu já tinha a percepção de gênero. Uma companheira disse aqui que a gente não quer ser melhor que o homem, mas a gente quer ser igual e que ele olhe pra gente como igual em direitos - e deveres também. Eu comecei a participar. Já entrei como coordenação porque eu tinha vontade de fazer diferença. Eu dizia não vim só para esse mundo para ser mãe e esposa, eu vim também pra fazer diferença. [...] Porque nunca foi fácil, principalmente para a mulher, que sempre foi a maior vítima de tudo né? Da violência doméstica, do desemprego; porque ela sempre foi a menos escolhida dentro de um processo de seleção; o homem era preferencial de tudo, né? E aí, eu fui para o movimento de moradia e, naquela época, tinha muito homem na coordenação, nos anos 80. [...] E aí, daí eu vi que eu tinha direito à educação, à saúde, meus filhos também, meu bairro tinha direito a uma infraestrutura. [...] Porque depois que eu consegui a minha moradia, que foi mutirão e autogestão, a gente criou um Conselho Gestor para trazer equipamentos públicos para aquela região para atender a população, que é direito, não é favor nenhum [...].[33]
[...] os direitos ainda não são iguais e não são iguais mesmo, hoje em dia é totalmente diferente né? Homem é criado pela família de uma maneira diferente. O homem não pode lavar uma louça, o homem não pode varrer uma casa. O homem tem que trabalhar, trazer a comida pra dentro de casa e pronto; não tem direito de fazer nada; e isso fica, tudo, sobra pra mulher: é filho, é casa, é tudo, e hoje em dia a mulher está fazendo como o homem pode hoje em dia fazer, tudo igual: a mulher hoje trabalha, a mulher cuida de casa, a mulher cuida de filho, a mulher vai resolver problema, a mulher vai em reunião, a mulher dirige, a mulher faz isso, a mulher faz aquilo, o homem também pode fazer as coisas de dentro de casa, ele pode fazer uma comida, ele pode dar um banho no filho, ele pode lavar uma louça [...].[34]
Os trechos dos depoimentos transcritos acima exemplificam como, para as mulheres, a não realização do direito à moradia ou a sua violação geram consequências específicas que não se verificam da mesma forma para os homens. Isto porque além de fatores econômicos, há questões sociais e culturais envolvidas que intensificam os obstáculos ao direito à moradia. Os dois primeiros depoimentos feitos por lideranças de ocupações pontuam a necessidade de políticas habitacionais específicas feitas por e para as mulheres, visando a equalização das oportunidades sociais, além da feminização da pobreza no Brasil e o reconhecimento da dimensão racial, na fala da Irene. As duas militantes observaram que muitas foram as conquistas a partir da resistência delas e das demais mulheres, e da presença de todas na vida pública, seja na linha de frente das ocupações, na execução dos trabalhos, nos movimentos de moradia e nos espaços institucionais de participação.
A partir da sua história, Antônia conseguiu apontar como a vida das mulheres é atravessada por históricos de violência, discriminação, machismo e precarização das políticas públicas. Não à toa, nas atividades das Pré-Jornadas, foram trazidos temas como drogadição, vaga em creche, acesso a equipamentos públicos, violência policial e ausência de espaços de lazer nas periferias. A terceira fala, feita por uma moradora, expõe o processo de desnaturalização da noção de que as tarefas do âmbito doméstico competem única e exclusivamente às mulheres, recaindo sobre a mulher o peso de cuidar da casa e das crianças, num momento em que ela também está no mercado de trabalho e tem atuação política na comunidade. Em linhas gerais, os três depoimentos sintetizam a necessidade de compreender que a garantia do direito à moradia adequada às mulheres é fundamental para a realização de suas atividades cotidianas e, até mesmo, para a promoção da autonomia em todas as áreas de sua vida e a efetivação de outros direitos.
Ou seja, posicionar a categoria “mulheres” no centro da análise pode ser estratégico, quando considerado o lugar que elas ocupam na estrutura social; situação em que outras dimensões de violência são ressaltadas, inclusive nos movimentos de moradia. O documento Regras de Brasília sobre acesso à justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade[35], de 2008, elaborado para atender às especificidades de grupos vulneráveis em consonância com normas internacionais de direitos humanos, ao buscar integrar os múltiplos fatores envolvidos na efetividade do direito ao acesso à justiça, recomenda aos órgãos públicos e prestadores de serviços no sistema judicial que deem prioridade a atuações destinadas a facilitar o acesso à justiça daquelas pessoas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade, quer seja pela concorrência de várias causas ou pela grande incidência de uma delas. O documento é taxativo ao dizer que “a discriminação que a mulher sofre em determinados âmbitos pressupõe um obstáculo no acesso à justiça, que se vê agravado naqueles casos nos quais concorra alguma outra causa de vulnerabilidade”.
Logo, todo o debate que envolve a formulação, implementação e execução de políticas públicas de habitação com foco nas opressões vividas pelas mulheres deve observar o caráter multifacetado do fenômeno, tal como explicitado no Plano Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher[36]:
Nesse sentido falar em gênero requer do Estado e dos demais agentes uma abordagem intersetorial e multidimensional na qual as dimensões acima mencionadas sejam reconhecidas e enfrentadas. Além do mais, uma política na área de violência contra as mulheres exige uma atuação conjunta para o enfrentamento do problema, que envolva diversos setores, tais como: a saúde, a educação, a assistência social, a segurança pública, a cultura, a justiça, entre outros; no sentido de dar conta da complexidade da violência contra as mulheres e de garantir a integralidade do atendimento àquelas que vivenciam tal situação.
A problemática assume uma complexidade ainda maior quando se considera que as mulheres negras estão expostas à dupla discriminação, por sexo e raça, e ocupam a dianteira na distribuição de acesso a direitos e serviços que deveriam ser garantidos de maneira igualitária ao conjunto da população[37]. Outro conceito importante para analisar as falas em destaque é aquele que considera a interseção das várias desigualdades na vida dessas mulheres. Um olhar interseccional parece estratégico para colocar em evidência como (e porque) a categoria gênero tem relevância na discussão da garantia do direito à moradia adequada às mulheres pois, conforme apontado, é fundamental tanto para a realização das atividades cotidianas como para a promoção da autonomia em todas as áreas da vida e para a efetivação de outros direitos.
A esse respeito, A Carta das Mulheres Negras[38], de 2015, documento síntese das reivindicações de mais de 50 mil mulheres negras que marcharam contra o racismo, a violência, o machismo, e outras formas de discriminação, assinala como pontos inegociáveis, no processo de construção coletiva de uma outra dinâmica política, o direito à vida, à humanidade, ao reconhecimento das diferenças, enfim, o direito a ter direitos, além da necessidade de que sejam criados instrumentos que assegurem inclusive o direito à moradia e à cidade “[...] priorizando a segurança da posse e impedindo os despejos forçados, remoções e o monopólio sobre a terra [...]”.
Utilizada inicialmente por Kimberle Crenshaw (2002), a metáfora da intersecção utilizada como eixos de poder que se entrelaçam tais como avenidas que transcorrem de forma independente, mas com várias intersecções entre si, deu forma a uma ferramenta analítica que ambiciona capturar as consequências estruturais e dinâmicas entre dois ou mais eixos de subordinação (raça, etnia, gênero, classe social, entre outros), os quais potencializam as vulnerabilidades dos grupos atravessados por diferentes tipos de violências e discriminação (CRENSHAW, 2002, p. 177). Foi com essa categoria que a autora, no âmbito do direito, se propôs a analisar a situação dos grupos marcados por múltiplas opressões, como é o caso das mulheres racializadas. Kimberle Crenshaw assevera que a ampliação da proteção dos direitos humanos
[...] exige que se dê atenção às várias formas pelas quais o gênero intersecta-se com uma gama de outras identidades e ao modo pelo qual essas intersecções contribuem para a vulnerabilidade particular de diferentes grupos de mulheres. Como as experiências específicas de mulheres de grupos étnicos ou raciais definidos são muitas vezes obscurecidas dentro de categorias mais amplas de raça e gênero, a extensão total da sua vulnerabilidade interseccional ainda permanece desconhecida e precisa, em última análise, ser construída a partir do zero (CRENSHAW, 2002, p. 174).
Ao colocar em xeque discursos que focalizam apenas uma vertente de diferenciação social, o repertório interseccional traz consigo a possibilidade de descortinar as estruturas em que gênero e moradia atuam enquanto fatores simultâneos de opressão, podendo ser um caminho para produzir subsídios teóricos que evitem que as vozes das mulheres não sejam silenciadas nas suas tentativas de lutar pelo direito à moradia. Tomando de empréstimo as reflexões da intelectual norte-americana Patricia Hill Collins, abordar as interseccionalidades é tratar dos diferentes resultados da articulação desses marcadores sociais e compreendê-los como construções mútuas de um sistema de poder (COLLINS, 2019).
No livro O que é Interseccionalidade? Carla Akotirene (2018) ensina como as categorias fixas frequentemente utilizadas pelo feminismo, movimento antirracista e ativistas dos direitos humanos deve se ao fato destas instâncias encontrarem dificuldades metodológicas e práticas na condução das identidades interseccionais. É nesse sentido que a abordagem interseccional pode contribuir para evitar reducionismos, investigando contextos de “colisões e fluxos entre estruturas, frequência e tipos de discriminações interseccionais” (AKOTIRENE, 2018, p.54), a exemplo do que ocorre com as mulheres aqui retratadas que, muitas também chefes de família, percebem com bastante intensidade a precarização dos serviços públicos como educação, transporte, segurança pública, iluminação e saúde. Ou ainda, quando esses serviços são oferecidos, não consideram as necessidades das mulheres trabalhadoras, impossibilitadas de viver a cidade plenamente.
Em estudo sobre políticas públicas de mobilidade social e a relação destas com as perspectivas de gênero e raça, Silva e Nunes (2019), concluem que há ausência destes recortes, seja no momento da elaboração dos documentos ou no fato de as análises referentes às desigualdades socioterritoriais enfrentadas - por mulheres e pessoas negras e, mais especificamente, por mulheres negras - não serem levadas em conta na produção desses instrumentos ou, ainda, pelo fato de considerar a população a partir de uma ideia universal, o que invisibiliza essas pessoas, assim como as suas particularidades.
Atenta a esses desafios, a “Carta das Resoluções da 6ª Jornada de Moradia Digna”[39], apresentada ao final do evento, esforçou-se para ampliar o olhar sobre outras políticas (educação, saúde, cultura, transporte, trabalho, infraestrutura, segurança, limpeza, natureza, de combate à discriminação, ao machismo e à criminalização) e para outros públicos (mulheres, homens, idosos, jovens, pessoas LGBTs, mães jovens em situação de vulnerabilidade etc). Registrou-se, ainda, a preocupação de alcançar outros locais de formação (escolas, favelas, ocupações, associações, movimentos de moradias e outros), para além daqueles onde tradicionalmente se exerce o direito à moradia.
A inserção do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres num espaço historicamente ocupado pelo Núcleo de Habitação e Urbanismo trouxe elementos, portanto, que sustentam a tese de que a junção de outros olhares, na organização e nas atividades realizadas em parceria com entidades, movimentos de moradia e comunidades, de modo transdisciplinar e com a utilização de linguagens diversas, assim como a reflexão sobre diferentes marcadores sociais que se sobrepõem, alterou significativamente o formato e conferiu um novo capítulo para a Jornada da Moradia.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como restou demonstrado nas falas de lideranças acima transcritas, as mulheres são as mais constantes protagonistas das lutas por melhores condições de vida, mesmo nos cenários de repressão ou desesperança: as mulheres insistem, persistem e não se acomodam. Nesse sentido, a 6ª Edição da Jornada da Moradia Digna destacou o papel da mulher na luta pelo direito à moradia e à cidade e buscou (re)formular uma agenda comum de luta para a promoção e defesa dos direitos das mulheres e a efetivação da igualdade de gênero. Isso porque abordou os obstáculos ao direito à moradia como um fenômeno complexo, multifacetado e marcado por múltiplas opressões.
A troca de saberes e a atuação conjunta dos Núcleos Especializados da Defensoria Pública Paulista (Habitação, Urbanismo e Conflitos Agrários e Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres), no processo de construção da 6ª Jornada, alertaram para o fato de que, para as mulheres, a violação do direito à moradia gera consequências específicas que precisam ser observadas pelas pessoas envolvidas com a formulação, implementação e execução de políticas públicas de habitação, o que só foi possível mediante a adoção de novas abordagens, aptas a produzir modelos de conhecimento mais compatíveis com as peculiaridades dos grupos sociais que lhes desafiam. A par das vantagens, também há dificuldades para incluir as questões da interseccionalidade e da transdisciplinaridade no debate sobre moradia, quais sejam, a ausência destas mulheres na elaboração das políticas públicas voltadas à cidade, as dificuldades para as mulheres se desvincularem de papéis historicamente atribuídos a elas, assim como a existência das desigualdades estruturais.
Apesar dessas, o evento contribuiu por ter sido um espaço efetivo de formação e reflexão, em todas as suas etapas, com viés transdisciplinar e interseccional. A participação de profissionais de outras áreas do conhecimento e a utilização de linguagens diversas possibilitou identificar lacunas e fazer pontes com outros saberes (muito além do jurídico) e, consequentemente, avançar na interlocução para o exame de pontos estratégicos. Por fim, o diálogo estabelecido com as comunidades sob outra perspectiva ajudou a ampliar ainda mais os saberes envolvidos, dando voz a grupos e pessoas que antes silenciavam, sobretudo as mulheres, que ao partilharem suas experiências permitiram o reconhecimento de que a conquista e manutenção dos direitos só é possível na luta social e com envolvimento solidário e compartilhado entre mulheres e homens.
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[1] Agente da Defensoria/Socióloga lotada na Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Aluna do curso de pós-graduação em Ciências Humanas e Sociais da UFABC
[2] O grupo reunido era formado basicamente por advogados, assistentes sociais, arquitetos, ativistas, defensores públicos paulistas, engenheiros, estudantes, lideranças comunitárias, professores, profissionais de saúde, sociólogos e urbanistas. Para mais informações, consultar publicação disponível no link: https://www.polis.org.br/uploads/1502/1502.pdf . Acesso em 10/01/2020.
[3] Sobre as quatro primeiras Jornadas, é possível obter mais informações no link disponível em http://gaspargarcia.org.br/noticias/centro-gaspar-garcia-segue-participando-da-articulacao-da-jornada-em-defesa-da-moradia-digna/, e sobre a quinta, em https://apadep.org.br/2015/04/15/5a-jornada-da-moradia-digna-acontece-em-julho/, ambos acessados em 19/01/2020. ? Materiais relativos à edição de 2017-2018 podem ser obtidos na íntegra em vídeos disponibilizados pela Escola da Defensoria Pública, disponíveis em https://www.youtube.com/watch?v=Vy1Bd0KpvZ4&list=PLCITLRQjmWsw4IsGIqztmqwaTA-yz10-2&index=4. Acesso em 29/04/2020.
[4] Fala completa disponível em: https://sp.unmp.org.br/1o-jornada-em-defesa-da-moradia-digna-fala-do-carlos-henrique-a-loureiro/. Acesso em 07/01/2020.
[5] Ver programação da 5° Jornada da Moradia: https://jornadadamoradiadigna.files.wordpress.com/2015/07/programacaoi.jpg. Acesso em 10/03/2020.
[6] Este artigo é fruto de inquietações nascidas a partir da participação das autoras no Grupo de Trabalho de Mobilização das duas últimas edições da Jornada.
[7] As reflexões que iniciam esse bloco foram feitas pelo Defensor Público Carlos Henrique A. Loureiro na mesa de palestra de abertura da 2ª Jornada da Moradia, realizada em 2008. Disponível no link: https://sp.unmp.org.br/1o-jornada-em-defesa-da-moradia-digna-fala-do-carlos-henrique-a-loureiro/ Acesso em 07/01/2020.
[8] A Jornada da Moradia nasce como um dos encaminhamentos do Fórum de Estudos sobre Atuações em Cortiços. Para mais informações sobre o Fórum e registros detalhados das questões abordadas durante o processo da elaboração e realização da 1° Jornada, consultar a publicação disponível no link: https://www.polis.org.br/uploads/1502/1502.pdf. Acesso em 07/01/2020.
[9] O artigo 134 da Constituição conceituou que a Defensoria Pública como um dos aparatos do direito do acesso à justiça. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm Acesso em: 21/11/2019.
[10] A Deliberação 89/08 estabelece a hipótese de atendimento ao indivíduo que não conte com renda familiar mensal superior a três salários mínimos, não seja proprietário, titular de aquisição, herdeiro, legatário ou usufrutuário de bens móveis, imóveis ou direitos cujos valores ultrapassem a quantia equivalente a 5 mil Ufesp e não possua recursos financeiros em aplicações ou investimentos em valor superior a 12 salários mínimos federais.
[11] Quanto às percepções sobre as diferenças entre os defensores que atuam nas “pontas”, isto é, nas unidades de atendimento, e aqueles que atuam em Núcleos Especializados, consultar a dissertação de mestrado de Clarissa Christianne Rodrigues Souza.
[12] Convocados a cada dois anos pelo Conselho Superior, os Ciclos de Conferências são espaços de participação social nos quais os usuários dos serviços podem eleger as propostas que devem entrar Plano de Atuação, ou seja, devem nortear o trabalho de defensores, servidores e estagiários. Assim que o Plano de Atuação é aprovado, cabe aos Órgãos da Defensoria Pública cuidarem para que as diretrizes propostas nele sejam implementadas. A realização dos Ciclos de Conferências promovidos pela Defensoria Pública está prevista no artigo 6º, inciso III da LCE 988/2006.
[13] As propostas aprovadas nas sete edições do Ciclo estão disponíveis na página da Defensoria Pública: https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=6246. Acesso em 15/01/2020.
[14] Trecho do Manifesto da 6º Jornada em Defesa da Moradia Digna, o qual se encontra disponível em procedimento administrativo que pode ser obtido junto à Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública ou ao Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública de São Paulo.
[15] Participaram da construção da sexta edição da Jornada: Central de Movimentos Populares, Centro de Apoio a Iniciativas Comunitárias, Centro Gaspar Garcia, Escritório Modelo Puc-SP, Defensoria Pública de São Paulo (Escola da Defensoria, Núcleo de Habitação, Urbanismo e Conflitos Agrários, Núcleo de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher e Ouvidoria-Geral), Grupo de Articulação de Moradia do Idoso da Capital, Instituto Pólis, Núcleo de Direito à Cidade da USP, Pastoral da Moradia Região Episcopal Ipiranga, Rede Rua e a União dos Movimentos de Moradia - Grande São Paulo e Interior.
[16] Lei Maria da Penha disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em 17/01/2020.
[17] O Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil foi elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), com o apoio do escritório no Brasil da ONU Mulheres, da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Disponível em http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2015_mulheres.php Acesso em 17/01/2020.
[18] Trechos extraídos das atas das reuniões, as quais se encontram disponível em procedimento administrativo que pode ser obtido junto ao Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública de São Paulo.
[19] Além do Grupo de Trabalho sobre Metodologia, foram montados outros três: Comunicação (Ouvidoria-Geral e Rede Rua), Logística (CAICÓ, Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Pastoral da Moradia e PUC Ipiranga) e Mobilização (Ouvidoria-Geral).
[20] Como as organizadas pelo psicólogo Flávio Urra, responsável por desenvolver o “Programa E Agora José” com grupos socioeducativos que trabalham com homens autores de violência contra mulheres, em parceria com Prefeituras e órgãos do Sistema de Justiça. Mais informações em https://flaviourra.wordpress.com/masculinidade/programa-e-agora-jose/ . Acesso em 17/01/2020.
[21] Mais informações sobre como funciona esta atividade estão disponíveis em https://www.geledes.org.br/jogo-do-privilegio/, vídeo que apresenta a mesma dinâmica, mas com foco nas questões raciais. Acesso em 31/03/2020.
[22] Trecho da fala de Josefa, moradora da ocupação Esperança pode ser conferido no vídeo “Mulheres da Esperança”, material produzido por elas, reproduzido pela Rede Rua e disponibilizado pela Escola da Defensoria Pública EDEPE, em https://www.youtube.com/watch?v=DEplnVKIgfQ&list=PLCITLRQjmWsw4IsGIqztmqwaTA-yz10-2&index=1. Acesso em 01/04/2020.
[23] Esta apresentação pode ser obtida na íntegra no vídeo disponibilizado pela Escola da Defensoria Pública, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Vy1Bd0KpvZ4&list=PLCITLRQjmWsw4IsGIqztmqwaTA-yz10-2&index=4. Acesso em 29/03/2020.
[24] Mais informações sobre o coletivo podem ser obtidos em https://slamdasminassp.wixsite.com/slamdasminassp Acesso em 29/03/2020.
[25] Fala disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=KNkXUsDSSbM&list=PLCITLRQjmWsw4IsGIqztmqwaTA-yz10-2&index=6 Acesso em 25/03/2020.
[26] Trata-se de um grupo de mulheres da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo que desenvolve ações feministas dentro e fora da Universidade.
[27] O documentário pode ser assistido integralmente em https://www.youtube.com/watch?time_continue=491&v=8OCUMGHm2oA&feature=emb_logo. Acesso em 01/04/2020.
[28] Poemas recitados por Antônia Lindinalva e que podem ser ouvidos no vídeo produzido pela Escola da Defensoria, aos 7ms, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=KNkXUsDSSbM&list=PLCITLRQjmWsw4IsGIqztmqwaTA-yz10-2&index=6 .
[29] As falas podem ser assistidas na íntegra nos vídeos disponibilizados pela Escola da Defensoria Pública, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Vy1Bd0KpvZ4&list=PLCITLRQjmWsw4IsGIqztmqwaTA-yz10-2&index=4. Acesso em 29/04/2020.
[30] Depoimento da Defensora Pública Estadual Jordana de Matos durante a Pré-Jornada realizada na comunidade Vila Nova Esperança no dia 21/01/2018. Disponível no link: https://www.facebook.com/jornadadamoradiadigna/Acesso em 18/12/2019.
[31] Multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade são aqui tratados como sinônimos, adotando-se como parâmetro o trabalho de Edgar Morin (2000, pág. 35).
[32] A fala na íntegra de Irene Maestro dos Santos Guimarães, militante do Movimento Luta Popular e organizadora do grupo Mulheres da Esperança (Ocupação Esperança), na mesa de palestra de abertura da 6ª Jornada da Moradia pode ser conferida no link: https://www.facebook.com/jornadadamoradiadigna/. Acesso em 10/12/2019.
[33] A fala na íntegra de Antônia Lindinalva Ferreira do Nascimento, ativista social no Movimento de Moradia MSTRU e uma das coordenadoras da FLM (Frente de Luta por Moradia) na mesa de palestra de abertura da 6ª Jornada da Moradia pode ser conferida no link: https://www.facebook.com/jornadadamoradiadigna/. Acesso em 10/12/2019.
[34] Fala de uma moradora da Vila Nova Esperança (sem identificação) durante atividade da Pré-Jornada realizada no dia 21/01/2018. Disponível na página do Facebook da 6º Jornada da Moradia: https://www.facebook.com/jornadadamoradiadigna/ Acesso em 10/12/2019.
[35] Documento aprovado na XIV Cúpula Judicial Iberoamericana, realizada em Brasília, em 2008. Texto completo na página: https://www.anadep.org.br/wtksite/100-Regras-de-Brasilia-versao-reduzida.pdf Acesso em 20/04/2019.
[36] Disponível na página: https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/politica-nacional-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres Acesso em 15/01/2020.
[37] Consultar Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Disponível em: https://www.mdh.gov.br/biblioteca/igualdade-racial/dossie-mulheres-negras-retrato-das-condicoes-de-vida-das-mulheres-negras-no-brasil Acesso em: 21/10/2019.
[38] Texto completo disponível na página: http://fopir.org.br/wp-content/uploads/2017/01/Carta-das-Mulheres-Negras-2015.pdf Acesso em 20/10/2019.
[39] Disponível na página do Facebook da 6º Jornada da Moradia: https://www.facebook.com/jornadadamoradiadigna/ Acesso em 10/12/2019
"Trata-se de texto já publicado na REVISTA DA DEFENSORIA PÚBLICA
Formada em direito, com ênfase em direitos difusos e coletivos, tem interesse nos aspectos sociais, políticos, econômicos e históricos da vida, do direito e da cultura. Possui experiência na área jurídica, social, educacional e artística. Atuou em defesa de direitos coletivos e individuais, nas várias áreas do direito e do conhecimento, bem como com educação. Prestou serviços na Fundação São Paulo (mantenedora da PUC/SP), a associações de defesa de direitos (moradia, criança e adolescente, à cultura e regularização fundiária) a trabalhadores, servidores públicos e consumidores. Estagiou em órgãos públicos , trabalhou em instituições de ensino, participou de grupos de pesquisa e fez parte da Equipe da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Atualmente cursa mestrado na PUC/SP, no Núcleo de Filosofia do Direito, pesquisando sobre interdisciplinaridade e Defensoria Pública.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAVEIRA, Rachel de Miranda. A atuação do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública na 6º Jornada da Moradia Digna (2017-2018): desafios e possibilidades Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 maio 2021, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56427/a-atuao-do-ncleo-de-promoo-e-defesa-dos-direitos-das-mulheres-da-defensoria-pblica-na-6-jornada-da-moradia-digna-2017-2018-desafios-e-possibilidades. Acesso em: 23 dez 2024.
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