Como se sabe, a Fazenda Pública, em razão das particularidades decorrentes de sua natureza de pessoa jurídica de direito público, dispõe de algumas prerrogativas processuais não extensíveis aos particulares, como prazo diferenciado para prática de atos processuais, comunicação pessoal dos atos processuais e procedimento especial para cumprimento das condenações judiciais que lhe são impostas.
As prerrogativas conferidas à Fazenda Pública no espectro das relações processuais não constituem privilégios, como à primeira vista possa parecer, mas refletem o reconhecimento das particularidades e necessidades da Administração Pública.
Nesta perspectiva, o estudo acerca do cumprimento de obrigações decorrente de decisões judicial impostas à Administração Pública, especialmente quando há geração de despesas, deve tomar como ponto de partida a compreensão de que o Poder Público tem seus gastos pautados no orçamento público, onde impera a necessidade de previsão das receitas e a obrigação de fixação das despesas.
Então, a premissa inafastável para entender o procedimento executório em face da Fazenda Pública parte da compreensão de que as despesas públicas devem ser previamente programas na legislação orçamentária. O Estado pauta suas receitas e despesas pela lei orçamentária, de modo que, o cumprimento imediato e sem planejamento de obrigações decorrentes condenações judiciais pode trazer sérias consequências na execução orçamentária, comprometendo, inclusive, o adimplemento das obrigações ordinárias e a prestação dos serviços públicos.
Não obstante, em contrapasso do sistema tradicional previsto para implementação de decisões judiciais em face da Fazenda Pública, há o rito sumaríssimo previsto para os Juizados Especiais, onde imperam os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.
Sabe-se que, inicialmente, os Juizados Especiais foram idealizados apenas para as causas privadas de menor complexidade. Todavia, com a instituição do procedimento sumaríssimo dos Juizados Federais e posteriormente da Fazenda Pública, instituídos respectivamente pelas Leis 10.529/91 e 12.153/2009, as pessoas jurídicas de direito público passaram a se submeter ao rito especial e simplificado dos Juizados Especiais Cíveis.
De todo modo, não obstante tenha havido a inserção da Fazenda Pública no rito processual dos Juizados, o procedimento estabelecido para os particulares precisou de algumas adaptações para atender às particularidades do Poder Público. Os Juizados Especiais da Fazenda Pública, como órgãos da justiça comum e integrantes do Sistema dos Juizados Especiais, passaram a dispor de competência processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos.
Então, no bojo dessa inovação, tem vindo à tona a delicada questão relacionada ao momento do cumprimento das condenações impostas ao Poder Público, ou seja, o entrave jurídico volta-se para a necessidade ou não de imediato cumprimento da condenação constante em sentença recorrível no âmbito dos Juizados Especiais.
É certo que a Lei 9.099/95, aplicável subsidiariamente ao Juizado da Fazenda Pública no que for compatível, prescreve, em seu artigo 43, que recurso da sentença terá somente efeito devolutivo, podendo, todavia, o Juiz dar-lhe efeito suspensivo, para evitar dano irreparável para a parte.
Então, em princípio, é possível afirmar que, como regra, os recursos no âmbito dos Juizados Especiais, são dotadas apenas do efeito devolutivo. Não obstante, antes de mais nada, para compreensão do procedimento de cumprimento das sentenças, nos Juizados Especiais comuns e da Fazenda Pública, é preciso atentar para sistemática criada pela Lei 9.099/95, nos termos seguintes:
Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
I - as sentenças serão necessariamente líquidas, contendo a conversão em Bônus do Tesouro Nacional - BTN ou índice equivalente;
II - os cálculos de conversão de índices, de honorários, de juros e de outras parcelas serão efetuados por servidor judicial;
III - a intimação da sentença será feita, sempre que possível, na própria audiência em que for proferida. Nessa intimação, o vencido será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito em julgado, e advertido dos efeitos do seu descumprimento (inciso V);
IV - não cumprida voluntariamente a sentença transitada em julgado, e tendo havido solicitação do interessado, que poderá ser verbal, proceder-se-á desde logo à execução, dispensada nova citação;
V - nos casos de obrigação de entregar, de fazer, ou de não fazer, o Juiz, na sentença ou na fase de execução, cominará multa diária, arbitrada de acordo com as condições econômicas do devedor, para a hipótese de inadimplemento. Não cumprida a obrigação, o credor poderá requerer a elevação da multa ou a transformação da condenação em perdas e danos, que o Juiz de imediato arbitrará, seguindo-se a execução por quantia certa, incluída a multa vencida de obrigação de dar, quando evidenciada a malícia do devedor na execução do julgado;
VI - na obrigação de fazer, o Juiz pode determinar o cumprimento por outrem, fixado o valor que o devedor deve depositar para as despesas, sob pena de multa diária;
VII - na alienação forçada dos bens, o Juiz poderá autorizar o devedor, o credor ou terceira pessoa idônea a tratar da alienação do bem penhorado, a qual se aperfeiçoará em juízo até a data fixada para a praça ou leilão. Sendo o preço inferior ao da avaliação, as partes serão ouvidas. Se o pagamento não for à vista, será oferecida caução idônea, nos casos de alienação de bem móvel, ou hipotecado o imóvel;
Assim, ao que se percebe do texto legal, lavrada a sentença condenatória, o vencido será instado a cumpri-la tão logo ocorra seu trânsito em julgado. Então, percebe-se que há duas possibilidades bem delimitadas: 1- transitada em julgado a condenação, o vencido deverá proceder seu imediato cumprimento, sob pena de execução; 2- havendo recurso, dotado de efeito meramente devolutivo, poderá o autor requerer o cumprimento da decisão, todavia, esse cumprimento, ao que parece, deve se dar em caráter provisório, aplicando-se subsidiariamente as regras do Código de Processo Civil.
Então, resta evidente que o Juiz não pode de ofício determinar o cumprimento provisório da sentença, até porque, se o fizesse, estaria impondo ao autor/exequente o risco da execução provisória sem o seu consentimento. Ressalte-se que toda execução provisória tem seu risco, em função da possibilidade de reforma do título exequendo, e que esse risco precisa ser aceito pela parte beneficiária da decisão.
Anote-se, outrossim, que essa sistemática é aplicável tanto no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis comuns quanto nos Juizados da Fazenda Púbica, de modo que, em ambas as situações, o cumprimento da sentença não transitada em julgado deve se dar por iniciativa da parte beneficiada, salvo, evidentemente, no caso de deferimento de antecipação dos efeitos da tutela.
No âmbito dos Juizados da Fazenda Pública, a Lei 12.153/2009 prescreve o seguinte:
Art. 11. Nas causas de que trata esta Lei, não haverá reexame necessário.
Art. 12. O cumprimento do acordo ou da sentença, com trânsito em julgado, que imponham obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa, será efetuado mediante ofício do juiz à autoridade citada para a causa, com cópia da sentença ou do acordo.
Art. 13. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado:
I – no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da entrega da requisição do juiz à autoridade citada para a causa, independentemente de precatório, na hipótese do § 3o do art. 100 da Constituição Federal; ou
II – mediante precatório, caso o montante da condenação exceda o valor definido como obrigação de pequeno valor.
Então, no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, lavrada a sentença condenatória em desfavor do ente público demandado e havendo recurso, a princípio não há obrigação de cumprimento imediato da obrigação imposta, seja ela de fazer, não fazer entregar ou pagar.
Não obstante, com exceção da obrigação de pagar, onde não se pode dispensar o trânsito em julgado, há a possibilidade de cumprimento provisório da condenação imposta quando se tratar de obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa, bem como nas hipóteses de deferimento de antecipação dos efeitos da tutela, ressalvando-se, em ambos os casos, as hipóteses de liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores, onde o trânsito em julgado também é exigido por força do artigo 2º-B,da Lei 9.494/1997, que assim dispõe:
Art. 2o-B. A sentença que tenha por objeto a liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações, somente poderá ser executada após seu trânsito em julgado
Já quando a condenação for de pagar não há a possibilidade de execução provisória, já que o trânsito em julgado é condição inafastável para seu processamento, tanto por força do artigo 13 da Lei 12.153/2009 como em função do próprio artigo 100 da Constituição Federal.
Nestes termos, com base na legislação aplicável e em função do que acima se expôs, é possível concluir que o cumprimento das sentenças condenatórias lavradas em desfavor da Fazenda Pública no âmbito Juizados Especiais, a priori, deve ser efetivado após o trânsito em julgado da condenação, admitindo-se, todavia, a execução provisória da sentença, por iniciativa da parte e nunca de ofício pelo juiz, quando não se tratar de obrigação de pagar, ou nas hipóteses de liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores, quando o trânsito em julgado constitui exigência legal.
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Procurador do Estado de Alagoas, ex-Procurador do Estado de Pernambuco, ex-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Cataria, Pós-Graduado em Direito Administrativo e Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDROSA, Danilo França Falcão. O cumprimento imediato das sentenças nos Juizados Especiais da Fazenda Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 maio 2021, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56431/o-cumprimento-imediato-das-sentenas-nos-juizados-especiais-da-fazenda-pblica. Acesso em: 23 dez 2024.
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