FRANCISCA JULIANA CASTELO BRANCO EVARISTO DE PAIVA [1]
(orientadora)
RESUMO: A presente pesquisa tem por determinação analisar os aspectos do instituto da vacinação obrigatória em Crianças e Adolescentes onde sua ausência introduz uma responsabilidade civil no caso de vacinação não obrigatória. Partindo deste ponto, conforme a metodologia utilizada do tipo pesquisa qualitativa descritiva e bibliográfica foi desempenhado um estudo em conjunto entre doutrina, jurisprudência e legislação acerca do tema, onde foi possível verificar informações sobre as violações ao direito à saúde que é um direito social básico, que deve ser garantido pelo Estado, e a responsabilidade civil se dá exatamente com foco nas responsabilidades dos pais para com os filhos menores. Desse modo, por meio deste estudo, chegou-se à conclusão que existe um conflito entre a autonomia individual e a proteção à saúde coletiva na escolha da vacinação infantil. Os resultados deste estudo mostram que, embora os pais e responsáveis tenham várias formas de responsabilidade por negligência quando as crianças não são vacinadas, medidas cautelares ainda são necessárias para evitar que esse comportamento ilegal ocorra e, como resultado, danos.
Palavras-chave: vacinação obrigatória, crianças e adolescentes, responsabilidade civil.
Sumário: 1 Introdução. 2 Contexto Histórico da Vacina e suas Evoluções. 3 Aspectos Jurídicos sobre a Obrigatoriedade da Vacinação no Brasil: Direitos Fundamentais e Garantias Previstas na Constituição Federal De 1998. 4 Responsabilização Civil nos casos de não Vacinação Obrigatória dos Filhos. 5 Análise Jurisprudencial sobre a Obrigatoriedade da Vacinação em Crianças e Adolescentes. 6 Conclusão. 7 Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
O Estado é uma situação jurídica de um órgão constitucionalmente constituído com leis e organização própria, onde a lei estabelece sua organização política com deveres inerentes a cidadania e ao cidadão que nele habita, possui prerrogativas de criar atos e ações que torna público e traz para o seu domínio suas ações particulares e interventivas. Tem uma nação constituída de povos e costumes, cuja origem tem a sua soberania nacional.
Com isto, o Estado tem o poder através do direito constitucional instituído e peculiar aos regimes federativos, segundo o qual o governo central com o fim de manter a ordem política e social, assegurar a soberania nos casos constitucionais previstos, a saúde, educação e até intervir para o bem comum da sociedade.
Entre os seus direitos constituídos, o Estado tem o dever de cuidar e zelar pela saúde e preservar a integridade física e psicológica da sociedade, onde um dos itens a ser previsto no seu cuidado, é prevenir a sua população de doenças e moléstias que venham trazer prejuízo social.
A vacinação talvez seja uma das maiores prevenções do Estado no que diz respeito aos cuidados de saúde, e isto é benéfico tanto no que se refere a terceira idade, como nos casos previstos em crianças e adolescentes. Mesmo diante disso, o Estado como garantidor da sociedade muitas vezes precisa usar do poder que tem para intervir de forma legal em políticas públicas de saúde para que crianças e adolescentes venham a ser vacinadas.
Neste sentido, este artigo tem como problemática principal investigar como o Estado pode intervir diante da sociedade através das Políticas Públicas para a obrigatoriedade da vacinação em crianças e adolescentes.
O interesse da pesquisa se baseou no Direito de Família e na importância que o Estado tem de intervir através de Políticas Públicas, como forma de preservar a vida de crianças e adolescentes nas políticas de vacinações e sua obrigatoriedade em crianças e adolescentes conforme dispõe o artigo 14°, parágrafo 1° do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que afirma sobre a obrigatoriedade das vacinas recomendadas pelas autoridades nas crianças.
Os objetivos que foram trabalhados para a realização do presente estudo, tratou de abordar como geral, analisar o papel do Estado através de suas políticas públicas de intervir de forma legal e consciente nas políticas de prevenção da vacinação em crianças e adolescentes. Como objetivos específicos, avaliar a importância da vacinação como política de prevenção de saúde em crianças e adolescentes e discutir a importância da intervenção do Estado nas Políticas Públicas de saúde, que tem na vacinação a importância de prevenção entre crianças e adolescentes.
Além disso, os capítulos seguintes irão tratar inicialmente do contexto histórico da vacina e suas evoluções. Em seguida, será tratado sobre os aspectos jurídicos da obrigatoriedade da vacinação, onde será observado a constitucionalização de tal norma, adiante será visto uma análise jurisprudencial sobre a obrigatoriedade, por fim será visto a responsabilização civil dos pais casos estes não cumpras essas medidas.
2 CONTEXTO HISTÓRICO DA VACINA E SUAS EVOLUÇÕES
O homem em si ao longo de sua história viveu e vive de mudanças e transformações. Aponta-se que tais mudanças e transformações ocorreram principalmente na transição da Idade Média para a Idade Moderna. Contudo, os escritos da história político e social da humanidade, fora na Revolução Moderna, que iniciaram as transformações tecnológicas, a ciência buscou novas descobertas, principalmente no campo da saúde.
Em 14 de maio de 1796, cem anos antes de que o mundo soubesse o que são os vírus, o médico rural inglês Edward Jenner descobriu a primeira vacina, capaz de combater um dos piores deles. Foi usando o vírus de uma doença adquirida da vaca, que provocava lesões muito similares à varíola. Jenner conseguiu criar o medicamento capaz de combater essa doença (GONÇALVES, 2015).
A vacina sem sombra de dúvidas foi uma das maiores conquistas da época criada pelo homem na prevenção de males que antes não tinham cura, como a peste negra e a varíola. A vacina veio como prevenção. No entanto, a resistência social, até mesmo por uma questão cultural, provocou revoltas, sobretudo em virtude da população viver da fé. Acreditava-se que, a vacina vinha para destruir suas vidas, através de um genocídio provocado pelo Estado.
O início do século XX foi marcado por um alto grau de mortalidade infantil e relutância do hábito alimentar um pouco menos nutritivo, a população envelhecia mais rápido, cuja morte prematura se tornava um processo mais acelerado, e isto se explicava em dedução do pouco investimento na saúde, ou também em consequência de doenças incuráveis, em que a ciência ainda não tinha descoberto a cura (WELLE, 2018).
O mundo precisou vivenciar a morte de mais de 500 milhões de pessoas vítimas de varíola nas seis primeiras décadas do século XX para constatar a importância da imunização decorrente da vacinação. Esta medida de saúde pública, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), ocupa hoje um honroso posto de segundo lugar dentre os maiores avanços da história da humanidade, atrás apenas da ampliação da oferta de água potável (BALLALAI; BRAVO, 2018).
No entanto, em 1904 aconteceu no Rio de Janeiro, ainda capital do Brasil, a Revolta da Vacina, onde a população inconformada manifestou-se contra a Lei da Vacina Obrigatória. A anti-varíola foi a vacina, objeto dessa revolta (GONÇALVES, 2015). As reformas contra a vacina colocaram em cheque o poder do Estado como garantidor, um país que saiu do processo colonial, vindo a ser comandado por uma república que surgiu de cima para baixo, onde a população não participou desta ruptura, apenas em alguns estados houve aceitação e em outros repúdios no que se refere às novas mudanças (BARBIERI, 2018).
Em 1973, foi criado o Plano Nacional de Imunizações, o qual foi instituído pelo Ministério da Saúde, a partir da Lei n. 6.259/75 regulamentada pelo Decreto n. 78.231/78. O aludido Plano contemplava dezenove vacinas de oferta gratuita à população brasileira contra mais de vinte doenças distribuídas em trezentas milhões de doses. Tratava-se de um instrumento que previu ações coordenadas de planejamento, capacitação, infraestrutura e logística, a fim de propiciar à população vacinas, imunobiológicos e soros de qualidade, com todas as suas características e especificidades preservadas (BALLALAI; BRAVO, 2018).
A vacinação de crianças e de adolescentes começou a ser obrigatória desde 1975, com a Lei n. 6.259. A regulamentação desta Lei foi operada pelo Decreto n. 78.231/78, que estatui:
Art. 27. Serão obrigatórias, em todo o território nacional, as vacinações como tal definidas pelo Ministério da Saúde, contra as doenças controláveis por essa técnica de prevenção, consideradas relevantes no quadro nosológico nacional. Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo o Ministério Saúde elaborará relações dos tipos de vacina cuja aplicação será obrigatória em todo o território nacional e em determinadas regiões do País, de acordo com comportamento epidemiológico das doenças.
Art. 29. É dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória. Parágrafo único. Só será dispensada da vacinação obrigatória, a pessoa que apresentar Atestado Médico de contraindicação explícita da aplicação da vacina (MODELLI, 2018).
Desta forma, o Estado brasileiro foi crescendo desordenadamente, tanto no que se refere aos assuntos políticos, como no que diz respeito ao comportamento social, com isto surgiu de um lado uma sociedade omissa, de outro, uma sociedade que se revoltava com as novas políticas governamentais, além de uma sociedade que tinha na fé o seu ápice de controle emocional. O que menos importava nesse momento, era o significado do papel do Estado.
Gonçalves (2015) explica que as cidades brasileiras principalmente as do Sudeste passaram por um processo de evolução, mas ao mesmo tempo de involução mental, onde tudo era visto como castigo, que se transformava em pecado, era o papel da religião católica no comando das almas benditas de homens e mulheres que tinham no Deus Onipresente a cura de seus males, realidade do antes que ainda se convive no durante.
Aos poucos o Estado constitucional foi evoluindo suas leis como forma de manter o controle e com isto se fazer presente garantindo o bem estar social, individual e coletivo da população que se aglomeravam aos arredores das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo formando periferias e favelas (WELLE, 2018).
O Brasil por ser um país herdeiro de costumes e hábitos, de um processo cultural, que herdou também a cultura do medo, tendo na fé religiosa o seu apoio espiritual e corporal, cuja cura para os brasileiros da época não estava na ciência, mais sim no senso comum da fé, tornando-se algo natural o impulso provocado pelas famílias tradicionais os impactos contra a ciência e suas benesses, preferindo usar métodos tradicionais não comprovados pela ciência para vim a cura de males, que infelizmente não aconteceu.
Diante desse contexto, a lei entra, não tirando a autoridade dos pais, mas impondo normas que vinham salvar as vidas de seus filhos, como explicam Wolkers e seus colaboradores:
Os casais que não vacinaram os filhos estavam mais cientes das normas legais e suas possíveis consequências, ciência essa que foi expressa, sobretudo, com o sentimento de medo de denúncia da atitude “desviante” por terceiros, medo de perda da autoridade nos cuidados do filho por entidades públicas como Conselho Tutelar e medo de julgamento injusto (WOLKERS et al., 2016).
É um medo vivenciado nesse época pela população que só a história através de seus escritos trazem explícitos em dados que perpassaram o comportamento da humanidade, como explicitado acima, são heranças que se internalizaram no comportamento social que vem desde a Idade Média. Foi através dos imigrantes e seus males do corpo e da alma, como as doenças infectocontagiosas que contaminaram a população brasileira, onde muitas delas não resistia vindo a óbito, que começou-se a pensar em um método de cura e prevenção para muitas doenças, que era a vacina.
Ressalta-se que a vacina é um dever do Estado, pois este tem a obrigação de estruturar uma política nacional eficaz e robusta de imunização, que utilize todas as tecnologias de saúde disponíveis e necessárias para atingir os melhores resultados, e assim, manter a população sobre sua guarda para prevenir doenças.
A vacina contra varíola foi a grande descoberta da época, e mesmo assim, sofreu uma grande resistência por parte da população que não aceitava ser vacinada, acreditando que era uma forma encontrada pelo Estado para eliminar a população aplicando uma dose letal de medicamente para matá-los (WOLKERS et al., 2016).
Mesmo diante de toda a sagacidade de raciocínio e êxito no experimento da vacina, isso não foi o suficiente para convencer a população que se encontrava ainda temerosa quanto à eficácia das vacinas. Havia os que consideravam o processo um absurdo, no qual, eram divulgadas charges em jornais da época, que satirizavam a vacinação mostrando pessoas imunizadas se transformando em vacas.
É nesse momento que se dar início a uma intervenção do Estado para vacinar principalmente os mais vulneráveis, no caso crianças e adolescentes. Evidentemente que o idoso também é um personagem vulnerável no seio do Estado, só que naquele momento o interesse maior era vacinar a população que porventura se tornaria o futuro do país.
São acontecimentos que vale lembrar para se chegar hoje na obrigatoriedade da vacina de crianças e adolescentes, como sendo uma política interventiva do Estado na obrigação de vacinar crianças e adolescentes como forma de prevenção e controle de doenças que causam principalmente a morte prematura.
3 ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA VACINAÇÃO NO BRASIL: DIREITOS FUNDAMENTAIS E GARANTIAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1998
No Brasil, o Regulamento da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 / 1990) traz a vacinação da criança e do adolescente como obrigatória, mas não afeta a lei esparsa, e o descumprimento da lei acarretará em violação do direito básico à saúde. Um requisito Constitucional que deve ser considerado por todos.
A Constituição Federal de 1988 estipula certos direitos para todos os cidadãos para que possam garantir uma vida digna e fornecer à humanidade tudo o que é necessário para sua sobrevivência.
A Carta Magna visa a proteção do direito à vida, especialmente o direito à saúde. Além de outros meios de interesse individual e coletivo, também confere proteção especial à educação, segurança, liberdade e bem-estar. Esses direitos são direitos básicos bem conhecidos e são definidos no texto da seguinte forma: "Uma série de direitos e garantias institucionalizados cujo objetivo básico é proteger as pessoas da discrição do país e estabelecer condições mínimas de vida para respeitar o desenvolvimento de sua dignidade e personalidade”.
Conforme Heuseler (2020) o direito à saúde é assegurado a todos e constitui dever do Estado, sendo um direito fundamental social de segunda dimensão e que visa a redução do risco de doenças e de outros agravos, bem como prover acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, ex vi o artigo 196 da Constituição Federal do Brasil de 1988.
Ressalte-se que essa garantia é um dos principais componentes da vida, seja como hipótese de existência ou como suporte para a qualidade de vida. Além disso, dada a sua relevância, o direito à saúde tem proteção Constitucional no direito brasileiro, é um direito básico e integrante dos direitos sociais, e sua aplicação deve ser garantida pelo Estado.
A doutrina defende a noção de que os direitos sociais são o pré-requisito para a constituição dos direitos individuais, pois criam condições materiais adequadas para o alcance da igualdade substantiva, tornando-os mais compatíveis com o exercício da liberdade individual. Analisando seus aspectos sociais, o direito à saúde prioriza a igualdade, portanto, para manter a saúde de todos, ninguém pode impedir que os outros busquem a própria saúde ou adoeçam. Portanto, considerando que as pessoas que optarem por não se imunizar poderão contrair a doença e disseminá-la para todos ao seu redor, essa é a razão das regras legais para a vacinação obrigatória.
Destaca-se ainda que a proteção social envolve principalmente questões individuais de cunho social e, se essas questões não forem resolvidas, elas responderão corretamente aos demais indivíduos e até à sociedade.
O Estado tem a responsabilidade de proteger as pessoas, não apenas as pessoas isoladas, mas também as coletivas, porque o não cumprimento dos direitos básicos no nível individual irá restringir ou mesmo impedir a aplicação desses direitos na sociedade.
Além disso, o art. 933 do Código Civil brasileiro, traz que tal responsabilidade independe de culpa, bastando existir o dano e nexo de causalidade entre o prejuízo e a conduta do menor. Portanto, responde pelo ressarcimento do dano causado pelo filho, o pai que não educa bem ou não exerce vigilância sobre este. (HEUSELER, 2020)
A fronteira entre a autonomia imposta pelo Estado e a autonomia pessoal da família é a Constituição Federal. Segundo ela, a Constituição estipula que ninguém é obrigado a fazer ou não fazer nada a não ser o disposto na lei. A “Lei nº 8.069/90 “Regulamentação da Criança e do Adolescente” estipula que seus responsáveis legais são obrigados a proteger a saúde dessa população e que as crianças devem ser vacinadas quando recomendadas pelas autoridades sanitárias, levando em consideração a importância da proteção. Essencial porque a doença tem se mostrado segura e eficaz, portanto, é fundamental evitar que essa população adoeça.
Para Nunes (2020) o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) assegura o direito à vida e à saúde de crianças e adolescentes e impõe aos seus representantes legais o dever de proteger a saúde desta população, sob pena de responsabilidade. O parágrafo 1º do artigo 14, do ECA, dispõe que a vacinação das crianças é obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.
E a legislação assim determina porque a proteção das crianças e adolescentes é indispensável para evitar que essa população fique doente, em decorrência de doenças para as quais há vacinas comprovadamente seguras e eficazes e para impedir que essa mesma população não atue como agente propagador dessas doenças.
O Programa Nacional de Imunização (Ministério da Saúde) dispõe sobre a vacinação infantil e estabelece que as vacinas já comecem a ser aplicadas ainda na maternidade, logo após o nascimento do bebê. (NUNES, 2020).
A Constituição Federal em seu artigo 5, parágrafo II estipula que “ninguém é obrigado a fazer ou nada fazer exceto a lei”, e ainda o Artigo VIII garante que “ninguém será privado de direitos a menos que tenha convicções religiosas, filosóficas ou políticas, a menos que você as invoque isentá-lo de quaisquer obrigações legais impostas a você e recusar-se a cumprir as disposições alternativas da lei”. A partir da interpretação abrangente do acima, o limite da autonomia familiar relacionado à vacinação obrigatória parece ser a lei, ou seja, a ordem normativa se inserido no Estatuto da Criança e do Adolescente.
O §1º estipula que as vacinas devem ser utilizadas nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Portanto, o Programa Nacional de Imunizações (PNI/MS), que estabelece um calendário obrigatório de vacinação infantil, torna o ECA eficaz e deve ser considerado um verdadeiro instrumento de proteção à vida e à saúde de crianças e jovens.
Se a decisão do STF favorecer a liberdade individual da família e ferir os interesses coletivos, causará danos graves e irreversíveis à comunidade. Em primeiro lugar, a própria Constituição Federal é violada diretamente em alguns dispositivos, o que vai contra a posição do Supremo Tribunal Federal. Como guardiã da Suprema Corte, a Suprema Corte deve assumir a liderança na busca pela manutenção da integridade e inviolabilidade da Lei Básica.
Em segundo lugar, o próprio ECA foi criado por natureza para proteger a vida e a saúde de crianças e adolescentes. Além disso, a sociedade arcará injustamente com o risco de contaminação de doenças que podem ser evitadas. O risco dessas crianças e adolescentes que não estão mais imunizadas representará um peso para a sociedade, pois o sistema único de saúde deve atender a essa população e tratar as sequelas permanentes da doença.
Conforme Tiné (2020) criado em 13 de julho de 1990, pela Lei 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente defende a proteção integral à criança e ao adolescente com base na Constituição Federal. E, nesta data, certamente é importante reforçar a conscientização a respeito de todos os direitos no código previsto, principalmente em relação a vacina e todos os benefícios que ela proporciona por toda a vida.
O Estatuto estabelece os direitos e obrigações das crianças menores de 18 anos e protege crianças e jovens em todo o país, especialmente nas áreas de educação, saúde, trabalho e assistência social. O Estatuto trouxe muitos avanços, inclusive no Artigo 14, parágrafo 1º, que estabelece que as crianças devem ser vacinadas quando recomendado pelas autoridades sanitárias.
A Lei da Criança e do Adolescente (ECA) garante que a vacinação de crianças e adolescentes é um direito que deve ser realizado para proteger a saúde pública, porque a vacinação é uma intervenção básica de saúde pública destinada a evitar que crianças e adolescentes sejam imunizados.
A vacinação é uma conduta preventiva, e em assim, não será possível a disseminação de muitas doenças, e isso reforça mais ainda a garantia do direito à vida e à saúde garantido pela Constituição Federal. A vacinação é uma das mais importantes medidas de prevenção de doenças e a forma mais eficaz de proteger crianças e adolescentes. É muito mais fácil prevenir doenças do que tratá-las e este é o papel das vacinas.
O ECA considera criança quem tem até 12 anos incompletos. Já os quem tem entre 12 e 18 anos são adolescentes. O estatuto define que estas faixas etárias têm direito à vida, saúde, alimentação, educação, esporte, cultura e liberdade. Eles têm também direito ao atendimento prioritário em postos de saúde e hospitais e devem receber socorro em primeiro lugar no caso de acidente de trânsito, incêndio, enchente ou qualquer situação de emergência. (TINÉ, 2020).
Vale ressaltar que nenhuma criança ou adolescente pode sofrer abusos: descuido, preconceito, exploração ou violência. Os casos de suspeita ou confirmação de abusos devem sempre ser comunicados à Diretoria Tutelar, órgão vinculado à Prefeitura Municipal e composto por membros da comunidade.
4 RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL NOS CASOS DE NÃO VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA DO FILHOS
Os requisitos sobre a obrigatoriedade de vacinação listados no ECA estão relacionados às seguintes questões: Responsabilidade social e coletiva. A decisão dos pais de não vacinar seus filhos pode ser extremamente prejudiciais à saúde das crianças e de terceiros.
Independentemente do direito dos pais à liberdade, incluindo o direito de escolher, é a Constituição Federal que garante que todos os cidadãos tenham direito à saúde e à vida. Os pais podem escolher não deixar seus filhos correrem riscos mesmo por motivos religiosos, porem devem sempre seguir as recomendações do Ministério da Saúde. Este não é um direito dos pais de escolherem, mas sim um direito das crianças em receberem vacinação e este direito deve ser resguardado.
Conforme Farah (2018) excepcionalmente, se houver um motivo científico para não vacinar a criança, como alergia ou outro problema de saúde, os pais devem ter um laudo médico atualizado que explique essa situação. Não se trata de uma escolha, mas sim de uma impossibilidade justificada.
Desta forma, se a resistência dos pais persistir, eles estarão sujeitos às penalidades administrativas estipuladas pelo ECA e multadas de 3 a 20 salários mínimos. Em casos mais extremos, eles podem estar sujeitos a processo criminal por abuso infantil, porque a decisão dos pais faz com que a criança esteja em uma situação vulnerável põe em risco a sua saúde e a sua vida.
Conforme o Código Civil Brasileiro o artigo 932 traz que: são também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. (BRASIL, 2002)
As responsabilidades parentais dos filhos menores merecem menção especial. Isso ocorre porque o sujeito agiu ou deveria ter agido sem realizar a vacinação obrigatória de maneira adequada.
Para Perico (2019) quando o calendário de vacinações não é respeitado, as crianças e adolescentes ficam vulneráveis às doenças que seriam imunizáveis e, em consequência disso, ficam extremamente abertas a causar danos às outras pessoas que convivem ao seu redor. Nesse contexto, a responsabilidade civil entra em ação, exigindo uma reparação pelos prejuízos causados em razão desta conduta e são os pais, como responsáveis pelos filhos menores de idade, que detém o dever de ressarcir tais prejuízos.
As consequências da não vacinação são resguardadas pela Constituição Federal, Código Civil e ECA, essas leis são fortalecidas por outras leis complementares, para dar assistência e suporte, responsabilizando os responsáveis quando da negligência, do descuido e do abandono.
Para além disso a Constituição Federal afirma no o artigo 227 que os pais e responsáveis, juntamente com a sociedade e o Estado, devem garantir às crianças e adolescentes todos os meios necessários para a sua subsistência, seja no âmbito material ou afetivo, devendo ser assegurados os direitos e garantias a eles inerentes, inclusive propiciando saúde, educação, lazer, alimentação, vestuário e todas as demais necessidades para uma vida digna. (BRASIL, 1988).
É importante ainda reforçar o artigo 14 do Estatuto da Criança e Adolescente onde:
“Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos. § 1º É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.” (BRASIL, 1990).
Sendo assim, conforme todo o exposto, o descumprimento dos calendários de vacinação obrigatórios se dá na forma do Regulamento da Criança e do Adolescente (ECA) e de leis esparsas sobre planos de vacinação e medidas de vigilância, vacinar é extremante necessário e a não observação implicará na aplicação de todas as penalidades já mencionadas.
A discussão sobre a obrigatoriedade ou não é uma questão histórica que desde 1904 é objeto de debate, conforme é possível analisar:
A questão da obrigatoriedade de vacinação colocou em posições antagônicos o sanitarista Oswaldo Cruz e a Águia de Haia, Rui Barbosa no século passado.
Em 1904, uma lei tornava obrigatória a vacina contra a varíola. Dentre aqueles que não queriam colocar dentro do corpo o vírus da própria doença, estava Rui Barbosa. Para o estudioso, a vacina não era inofensiva. Pelo contrário, ele considerava "veneno" a introdução de um vírus no corpo "em cuja influência existem os mais bem fundados receios de que seja condutora da moléstia, ou da morte".
"A lei da vacina obrigatória é uma lei morta. (...) Contrário era e continuo a ser à obrigação legal da vacina. (...) Assim como o direito veda ao poder humano invadir-nos a consciência, assim lhe veda transpor-nos a epiderme." (MIGALHAS, 2020)
Desta forma, o direito dos pais à liberdade escolha sobre a não vacinação não pode anular os direitos coletivos da população em proteção da vacinação, muito menos a saúde das crianças.
5 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA VACINAÇÃO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Conforme a jurisprudência que se segue é possível perceber que trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, que julgou improcedente na condenação destes ficou estabelecido aos responsáveis providenciar a regularização da vacinação da criança O.Z.C., com pedido de tutela específica por meio de busca e apreensão da criança, configurando-se o caso a infração prevista no art. 249, do Estatuto da Criança e do Adolescente. De acordo com a decisão:
PODER FAMILIAR VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA AÇÃO PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA IMPOR AOS PAIS A OBRIGAÇÃO DE PROCEDER À VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA DE FILHO MENOR SENTENÇA QUE NÃO RECONHECE A OBRIGAÇÃO, SOB O FUNDAMENTO DA EXISTÊNCIA DE RISCO CONCRETO DA VACINAÇÃO, DA LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE ORGANIZAÇÃO FAMILIAR, BEM COMO DA INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO OBRIGAÇÃO DOS PAIS DE PROCEDER À VACINAÇÃO DE FILHOS MENORES QUE DECORRE DE NORMA DE ORDEM PÚBLICA INEXISTÊNCIA CONCRETA DE PROVAS A INDICAR O RISCO EM SE PROCEDER À VACINAÇÃO ORGANISMOS INTERNACIONAIS QUE RECONHECEM A INEXISTÊNCIA DE RISCO GRAVE E DE BENEFÍCIOS COM A VACINAÇÃO NORMATIZAÇÃO A INDICAR QUE A VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA INTEGRA CONJUNTO DE REGRAS DE ORDEM PÚBLICA, TUTELA NÃO SÓ A SAÚDE DA CRIANÇA, MAS TAMBÉM DA COLETIVIDADE NEGATIVA À VACINAÇÃO QUE CONSTITUI INFRAÇÃO SANITÁRIA CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS QUE DEVE SER DECIDIDO PELA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DA CRIANÇA E DE SUA SAÚDE, BEM COMO DA COLETIVIDADE LIBERDADE FILOSÓFICA E RELIGIOSA QUE NÃO TEM CARÁTER ABSOLUTO QUANDO ATINGEM TERCEIROS OBRIGAÇÃO DOS GENITORES DE REGULARIZAR A VACINAÇÃO POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO PODER FAMILIAR PARA A REGULARIZAÇÃO DA VACINAÇÃO DA CRIANÇA PELO CONSELHO TUTELAR RECUSA DOS PAIS EM CUMPRIR A DETERMINAÇÃO JUDICIAL QUE DEVE SER SUPRIDA POR MEIO DA BUSCA E APREENSÃO DA CRIANÇA E SEU ENCAMINHAMENTO A SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE PARA A REGULARIZAÇÃO VACINAL RECURSO PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2019).
Os responsáveis sustentavam que o menor de 3 anos de idade, não foi submetido a qualquer tipo de vacinação, o que acarreta ofensa a seu direito à proteção da vida e saúde dele, sobre às doenças infectocontagiosas; que a vacinação é obrigação imposta pela lei aos pais; que a omissão dos apelados traduz risco à saúde de outras crianças e da coletividade.
Os responsáveis argumentaram ainda que a liberdade filosófica e de crença dos apelados não se sobrepõe ao direito à vida, especialmente quanto a crianças e à coletividade, havendo exceção prevista no art. 5º, VIII, CF para o exercício de liberdade de crença e filosófica em relação a obrigações legais impostas a todas as pessoas. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2019).
Não há contraindicação médica para ter uma certa vacinação, caracterizando a possibilidade de responsabilidade aos pais para o direito à saúde que pertencem exclusivamente à criança. É necessário compreender que existem limites do poder familiar, isto é, as escolhas feitas pelos pais, em virtude de convicções especiais e individuais e que têm efeitos em crianças menores, não podem representar tais danos em relação ao maior interesse na Constituição Federal e no interesse da criança e do adolescente.
Neste caso específico o relator destacou que a recusa de se proceder à vacinação obrigatória, seja do sujeito em si, seja das crianças e adolescentes que estejam sob sua responsabilidade, não caracteriza o exercício legítimo de um direito perante o Estado, mas ato ilícito, por ofensa a normas específicas de tutela individual da saúde da criança e da incolumidade pública. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2019).
Segundo ele, a doutrina criminal classifica como um crime abstrato o comportamento do agente que dificulta a determinar o poder público para evitar a vacinação obrigatória.
O juiz também refuta o argumento de um possível conflito de direitos fundamentais, como a liberdade de condenação filosófica dos pais e o direito à solução interna de questões familiares. Segundo ele, o limite para o exercício desses direitos é baseado na ofensa para os padrões de políticas públicas. Nesses casos, ocorre a tutela de saúde pública, subindo, em casos extremos, para a suspensão ou demissão do poder familiar, incorporado em inadimplência com as obrigações derivadas do poder da família.
Outra Jurisprudência estudada acerca do tema foi a decisão ocorrida no Acre em 2019:
TRF. APELAÇÃO CIVEL AC50097420620154047205.
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA. CONTRAÇÃO DA DOENÇA.
Demonstrado o nexo causal entre a ação (vacinação obrigatória realizada pelo poder público) e o evento danoso (contração de poliomielite), é cabível indenização por danos moras, estéticos e materiais á criança e seus pais. 2. O julgamento em consonância com o artigo 942do CPC. Parcial provimento do recurso da parte autora. Parcial provimento do recurso da União. (BRASIL,2019).
Conforme foi possível analisar, é possível que o Estado também seja responsabilizado por a ausência de vacinação. Além disso, um caso ocorrido em São Paulo (SP) gerou grande repercussão e chegou a ir ao Supremo Tribunal Federal conforme se segue:
Direito constitucional. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Vacinação obrigatória de crianças e adolescentes. Ilegitimidade da recusa dos pais em vacinarem os filhos por motivo de convicção filosófica. 1. Recurso contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que determinou que pais veganos submetessem o filho menor às vacinações definidas como obrigatórias pelo Ministério da Saúde, a despeito de suas convicções filosóficas. 2. A luta contra epidemias é um capítulo antigo da história. Não obstante o Brasil e o mundo estejam vivendo neste momento a maior pandemia dos últimos cem anos, a da Covid-19, outras doenças altamente contagiosas já haviam desafiado a ciência e as autoridades públicas. Em inúmeros cenários, a vacinação revelou-se um método preventivo eficaz. E, em determinados casos, foi a responsável pela erradicação da moléstia (como a varíola e a poliomielite). As vacinas comprovaram ser uma grande invenção da medicina em prol da humanidade. 3. A liberdade de consciência é protegida constitucionalmente (art. 5º, VI e VIII) e se expressa no direito que toda pessoa tem de fazer suas escolhas existenciais e de viver o seu próprio ideal de vida boa. É senso comum, porém, que nenhum direito é absoluto, encontrando seus limites em outros direitos e valores constitucionais. No caso em exame, a liberdade de consciência precisa ser ponderada com a defesa da vida e da saúde de todos (arts. 5º e 196), bem como com a proteção prioritária da criança e do adolescente (art. 227). 4. De longa data, o Direito brasileiro prevê a obrigatoriedade da vacinação. Atualmente, ela está prevista em diversas leis vigentes, como, por exemplo, a Lei nº 6.259/1975 (Programa Nacional de Imunizações) e a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Tal previsão jamais foi reputada inconstitucional. Mais recentemente, a Lei nº 13.979/2020 (referente às medidas de enfrentamento da pandemia da Covid-19), de iniciativa do Poder Executivo, instituiu comando na mesma linha. 5. É legítimo impor o caráter compulsório de vacinas que tenha registro em órgão de vigilância sanitária e em relação à qual exista consenso médico-científico. Diversos fundamentos justificam a medida, entre os quais: a) o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas mesmo contra a sua vontade (dignidade como valor comunitário); b) a vacinação é importante para a proteção de toda a sociedade, não sendo legítimas escolhas individuais que afetem gravemente direitos de terceiros (necessidade de imunização coletiva); e c) o poder familiar não autoriza que os pais, invocando convicção filosófica, coloquem em risco a saúde dos filhos (CF/1988, arts. 196, 227 e 229) (melhor interesse da criança). 6. Desprovimento do recurso extraordinário, com a fixação da seguinte tese: “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”.
(STF - ARE: 1267879 SP 1003284-83.2017.8.26.0428, Relator: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 17/12/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 08/04/2021)
Conforme jurisprudência acima citada, o tema de vacinação obrigatória é um tema que ainda é discutido recentemente em 2021 em plena a pandemia global, na decisão fica evidente que o Brasil e o resto do mundo está passando por a maior pandemia já vista em 100 anos e a vacinação se mostrou como um grande aliado na preservação da vida das pessoas, além disso, o argumento da parte se fundava na liberdade de consciência, contudo, esta deve ser ponderada entre a defesa da vida e da saúde de todos conforme preceitua a Constituição Federal.
Por fim, vale observar a posição do Supremo Tribunal Federal acerca da obrigatoriedade da vacinação em crianças e adolescentes, a decisão é recente e gerou uma repercussão geral tendo como resultado final a sentença do Tribunal de Justiça mantida que em caso de descumprimento da decisão, a busca e apreensão da criança para a regularização das vacinas serão obrigatórias, conforme é possível analisar:
Ementa: Direito constitucional. Recurso extraordinário com agravo. Obrigatoriedade de vacinação de menores. Liberdade de consciência e de crença dos pais. Presença de Repercussão geral.
1. Constitui questão constitucional saber se os pais podem deixar de vacinar os seus filhos, tendo como fundamento convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais.
2. Repercussão geral reconhecida.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR):
1. Trata-se de recurso extraordinário com agravo interposto por A.C.P.C e A.Z.A, com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:
PODER FAMILIAR VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA AÇÃO PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA IMPOR AOS PAIS A OBRIGAÇÃO DE PROCEDER À VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA DE FILHO MENOR SENTENÇA QUE NÃO RECONHECE A OBRIGAÇÃO, SOB O FUNDAMENTO DA EXISTÊNCIA DE RISCO CONCRETO DA VACINAÇÃO, DA LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE ORGANIZAÇÃO FAMILIAR, BEM COMO DA INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO OBRIGAÇÃO DOS PAIS DE PROCEDER À VACINAÇÃO DE FILHOS MENORES QUE DECORRE DE NORMA DE ORDEM PÚBLICA INEXISTÊNCIA CONCRETA DE PROVAS A INDICAR O RISCO EM SE PROCEDER À VACINAÇÃO ORGANISMOS INTERNACIONAIS QUE RECONHECEM A INEXISTÊNCIA DE RISCO GRAVE E DE BENEFÍCIOS COM A VACINAÇÃO NORMATIZAÇÃO A INDICAR QUE A VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA INTEGRA CONJUNTO DE REGRAS DE ORDEM PÚBLICA, TUTELA NÃO SÓ A SAÚDE DA CRIANÇA, MAS TAMBÉM DA COLETIVIDADE NEGATIVA À VACINAÇÃO QUE CONSTITUI INFRAÇÃO SANITÁRIA CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS QUE DEVE SER DECIDIDO PELA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DA CRIANÇA E DE SUA SAÚDE, BEM COMO DA COLETIVIDADE LIBERDADE FILOSÓFICA E RELIGIOSA QUE NÃO TEM CARÁTER ABSOLUTO QUANDO ATINGEM TERCEIROS OBRIGAÇÃO DOS GENITORES DE REGULARIZAR A VACINAÇÃO POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO PODER FAMILIAR PARA A REGULARIZAÇÃO DA VACINAÇÃO DA CRIANÇA PELO CONSELHO TUTELAR RECUSA DOS PAIS EM CUMPRIR A DETERMINAÇÃO JUDICIAL QUE DEVE SER SUPRIDA POR MEIO DA BUSCA E APREENSÃO DA CRIANÇA E SEU ENCAMINHAMENTO A SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE PARA A REGULARIZAÇÃO VACINAL RECURSO PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO.
2. Na origem, o Ministério Público de São Paulo ajuizou ação civil pública em face de A.C.P.C e A.Z.A, pais do menor O.Z.C, nascido em 08.08.2015, com a finalidade de obrigá-los a regularizar a vacinação do seu filho. Segundo consta da inicial, os pais do menor são adeptos da filosofia vegana e contrários a intervenções medicinais invasivas, como é o caso da vacinação obrigatória. Por esse motivo, deixaram de cumprir o calendário de vacinação determinado pelas autoridades sanitárias.
3. Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente, tendo como fundamento a liberdade dos pais de guiarem a educação e preservarem a saúde dos seus filhos (arts. 227 e 229 da Constituição), o que incluiria evitar métodos por eles considerados como potencialmente perigosos à saúde do menor. Na sentença, também foi destacada a decisão consciente e informada dos pais contra a vacinação de crianças saudáveis, fundamentada em estudos acerca das reações e supostos riscos da vacinação infantil.
4. O Tribunal de Justiça, contudo, reformou a sentença, julgando a ação procedente e determinando, em caso de descumprimento da decisão, a busca e apreensão da criança para a regularização das vacinas obrigatórias. No acórdão, a Corte afirmou que não há base científica para os alegados riscos trazidos pela vacinação infantil. Argumentou, ainda, que os movimentos antivacina trazem grave risco à cobertura imunológica de doenças infecciosas na sociedade. Citou o art. 14, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente e demais normas infralegais, que determinam a vacinação de crianças nas hipóteses recomendadas pelas autoridades sanitárias. Por fim, a decisão ponderou a liberdade filosófica e religiosa dos pais com o direito à saúde pública, argumentando que as campanhas de vacinação contribuem decisivamente para a prevenção e propagação de doenças na sociedade.
5. No presente recurso extraordinário, os recorrentes alegam os seguintes argumentos: (i) embora não seja vacinado, o menor possui boas condições de saúde, é acompanhado por médicos e cuidado nos termos da filosofia vegana, o que impede a adoção de tratamentos médicos invasivos; (ii) a escolha pela não vacinação é ideológica e informada, não devendo ser considerada como negligência, mas sim excesso de zelo dos pais quanto aos supostos riscos envolvidos na vacinação infantil; e (iii) a obrigatoriedade da vacinação de crianças, inscrita no art. 14, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente e demais normas infralegais, deve ser sopesada com a liberdade de consciência, convicção filosófica e intimidade, garantida nos art. 5º, VI, VIII e X, da Constituição.
6. É o relatório. Passo à manifestação.
7. O presente recurso extraordinário discute os limites da liberdade dos pais na escolha. (...) Brasília, 06 de agosto de 2020. Ministro Luís Roberto Barroso. Relator. (STF, 2020).
6 CONCLUSÃO
Sob o impulso dos grupos antivacinação, a vacinação infantil passa por um grande movimento, que eliminarão as possíveis consequências da vacinação obrigatória para crianças e adolescentes, a esse respeito, o ordenamento jurídico brasileiro prevê a forma de responsabilidade civil dos pais e responsáveis pelo descumprimento do calendário vacinal infantil, o que está previsto no Regulamento da Infância e da Juventude conhecido como Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), na Constituição Federal e em legislação complementar.
O Estatuto prevê a disposição que considera as vacinas determinadas como obrigatórias pelas autoridades sanitárias, decidindo assim não vacinar é uma atividade ilegal. Com isso, os responsáveis podem ser multados, suspensos do trabalho ou até mesmo perder os direitos familiares. Além disso, se o esquema de vacinação não for cumprido, será violado o direito básico à saúde da criança e de toda a população que mora no mesmo espaço. Esses direitos são classificados como direitos sociais e devem ser garantidos pelo Estado por meio da implementação de políticas públicas.
Além disso, por um lado, esse comportamento cria uma contradição entre o direito da família ou dos pais de determinar a vida dos filhos; e por outro lado, existe o direito coletivo das pessoas à saúde. Porém, pelo processo desta pesquisa, percebeu-se que vale a pena a observância da proteção da saúde coletiva e em não havendo ela isso pode acarretar na violação dos direitos individuais, pois a vacinação não obrigatória pode colocar em risco todo o país e, se evitada, causará doenças facilmente evitáveis.
Além disso, foi analisado também diversas jurisprudências que tratam sobre a obrigatoriedade de vacinação e ainda um precedente do STF que se deu por meio de uma repercussão geral onde por unanimidade a vacinação da Criança e Adolescente foi obrigatória pois sua atuação é a prevenção de danos. O não cumprimento do esquema vacinal terá consequências irreversíveis, portanto, antes mesmo que ocorra o dano, deve-se evitar a negligência dos pais, ou seja, instituir a tutela inibitória. Por outro lado, se não houver satisfação espontânea com o direito à saúde, os direitos básicos das crianças e dos jovens ficarão comprometidos. Portanto, nascem os titulares que reivindicam os direitos e, portanto, podem utilizar os direitos do contencioso constitucional para obter a indenização pelo dano causado.
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[1] Orientadora professora do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA Teresina-PI. Mestre em Direito pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.E-mail: [email protected]
Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA – Teresina-PI. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, SIRLEIDE RODRIGUES. A intervenção do Estado quanto à obrigatoriedade da vacinação nas crianças e adolescentes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 maio 2021, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56443/a-interveno-do-estado-quanto-obrigatoriedade-da-vacinao-nas-crianas-e-adolescentes. Acesso em: 23 dez 2024.
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