RESUMO: A pesquisa objetiva analisar a alienação da herança, cessão de direito hereditárias, buscando fazer uma análise sobre os artigos que compõem o referido instituto. A pesquisa tem como metodologia, a pesquisa bibliográfica, onde permite que selecionemos artigos e livros para fazer o debate sobre o tema. O tema enfocado neste trabalho tem grande relevância social, eis que muitas famílias brasileiras são prejudicadas pelo desconhecimento do instituto. Já a relevância jurídica está diretamente relacionada com a mudança de rumo que a legislação vem assumindo, com um papel fundamental no que tange à importância social que o assunto traduz. Dividiu-se a pesquisa em três itens, quais sejam, a evolução do instituto em matéria legislativa e sua aplicabilidade, frente à inexistência de normas especificas; a análise dos artigos 1.793 e seus parágrafos, 1.794 e 1.795 do Código Civil brasileiro; por fim, os efeitos que decorrem da cessão de direitos hereditários, a responsabilidade do cedente e os direitos do cessionário.
PALAVRAS-CHAVE: Herança; Cessão; Direitos Hereditários.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. O INSTITUTO DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS NO BRASIL - 2.1 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO EM MATÉRIA LEGISLATIVA - 2.2 APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS - 3. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE - 4. EFEITOS DECORRENTES DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS, RESPONSABILIDADE DO CEDENTE E DIREITOS DO CESSIONÁRIO - 4.1 EFEITOS DECORRENTES DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS - 4.2 RESPONSABILIDADE DO CEDENTE - 4.3 DIREITOS DO CESSIONÁRIO - 5. CONCLUSÃO - 6. REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
O tema enfocado neste trabalho tem grande relevância social, eis que muitas famílias brasileiras são prejudicadas pelo desconhecimento do instituto.
Já a relevância jurídica está diretamente relacionada com a mudança de rumo que a legislação vem assumindo, com um papel fundamental no que tange à importância social que o assunto traduz.
Por fim, o tema apresenta grande relevância prática, na medida em que o instituto da cessão de direitos hereditários é uma realidade que cada vez mais se impõe em nossa sociedade, e a responsabilidade pela sua divulgação e conhecimento, bem como a solução dos problemas que advirão, é de todos, Legisladores, Juristas, Advogados, Promotores, Juizes, estudiosos e famílias.
O instituto da cessão de direitos hereditários, no Código Civil de 1916, não possuía normas especificas, porém era de uso corrente no direito brasileiro, sendo regulado através de normas analogicamente aplicadas, ensejando discussões quanto à aplicabilidade dessas normas reguladoras
Com o advento da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil brasileiro vigente, houve a regulamentação do instituto da cessão de direitos hereditários, também conhecido como transmissão, alienação ou cessão da herança, sendo assim eliminadas muitas dúvidas que persistiam acerca do tema.
A importância de estudar e analisar o tema, que está inserido no direito sucessório, tal qual está regulado no atual Código Civil, é enriquecer sobremaneira o nosso conhecimento jurídico.
O presente artigo tem como finalidade estudar e analisar os pontos principais do instituto da cessão de direitos hereditários, que se encontra regulado no direito brasileiro, abordando, no primeiro item, a evolução do instituto em matéria legislativa e sua aplicabilidade, frente à inexistência de normas especificas.
No segundo item, trataremos da análise dos artigos 1.793 e seus parágrafos, 1.794 e 1.795 do Código Civil brasileiro.
Por fim, enfrentaremos, no terceiro e último capítulo, os efeitos que decorrem da cessão de direitos hereditários, a responsabilidade do cedente e os direitos do cessionário.
Não temos qualquer pretensão em esgotar o tema aqui proposto, mesmo porque em direito jamais se esgotará o assunto debatido.
Procuramos realizar a pesquisa, com a doutrina mais atualizada possível acerca da aplicabilidade das normas que regem a cessão de direitos hereditários no Código Civil brasileiro.
2. O INSTITUTO DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS NO BRASIL
2.1 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO EM MATÉRIA LEGISLATIVA
Com o advento da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil brasileiro em vigência, o legislador supriu uma lacuna, trazendo inovações no direito civil e regulamentando o instituto da cessão de direitos hereditários na área de direito sucessório, o que não era contemplado no Código Civil de 1916, sendo utilizado de forma indireta através do artigo 1.078 , aplicando-se os princípios gerais dos contratos de compra e venda, de doação e cessão de crédito, de forma analógica (GAMA, 2007).
Os doutrinadores Orlando Gomes e Caio Mario da Silva Pereira, com relação ao direito de preferência por parte dos co-herdeiros, defendiam o direito de preferência, baseando seus entendimentos na aplicação analógica das regras referentes ao condomínio, conforme o artigo 1.139 do Código Civil de 1916, diferenciando muito pouco ao Código Civil de 2002, especificamente para a cessão de direitos hereditários. Já outros doutrinadores, como Washington de Barros Monteiro, defendiam posição contrária, ou seja, a não existência do direito de preferência, fundamentando-se em argumentos como o de que a herança não constituía bem indivisível, mas apenas era indivisa provisoriamente.
Orlando Gomes (2019) defendia a existência do direito de preferência:
A cessão tem como objeto um quinhão hereditário. Um dos herdeiros aliena sua parte na herança a outro, ou a estranho. Se pretende cedê-la a terceiro, tem de comunicar o propósito aos demais co-herdeiros para que exerçam o direito de preferência, uma vez que a herança é coisa indivisa, a todos pertencendo em comum. O direito dos co-herdeiros rege-se, no particular, pelas disposições concernentes aos condomínios.
Em posição contrária, encontramos Washington de Barros Monteiro, dizendo que “a disposição do artigo 1.139 não se aplica à cessão de direitos hereditários por parte do co-herdeiro” (MONTEIRO, 2015).
A necessidade de uma regulamentação das disposições que atualmente se encontram no Código Civil brasileiro foi alvo de grandes debates, chegando-se a um amadurecimento doutrinário e legislativo no que se refere ao direito civil sucessório, em se tratando diretamente da aplicabilidade desse negócio jurídico.
2.2 APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS
Para melhor compreender esse instituto, citamos Itabaiana de Oliveira, que ensina que “a cessão tem como objeto uma universalidade de direito, isto é, um conjunto de bens que formam uma só massa e não uma série de bens individualmente determinados”.5 Somente a partir dessa premissa, deve-se interpretar as normas jurídicas a respeito da cessão de direitos hereditários.
Aberta a sucessão, os bens da herança transmitem-se em bloco aos sucessores legítimos ou testamentários. A herança é considerada um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Enquanto não efetuada a partilha, os co-herdeiros exercem a posse e a propriedade dos bens como condôminos, uma vez que a herança é considerada um bem indivisível.
Por tais razões e considerando-se que a sucessão aberta é tida, por ficção legal, como espécie de bem imóvel (ainda que seja constituída de bens móveis por sua substância), efetua-se a cessão do direito hereditário mediante a forma solene de escritura pública. É como previsto no Código Civil, pela referência exclusiva à escritura pública, o que impediria utilização de instrumento particular, resolvendo-se, com isso, antiga pendência doutrinária sobre a forma daquele ato transmissivo de bens.
O objeto da cessão pode ser o direito à sucessão aberta ou o quinhão de que disponha o herdeiro. Pode conceituar-se como cessão de direitos o negócio jurídico ato inter vivos, celebrado depois da abertura da sucessão, entre o herdeiro (cedente) e outro herdeiro ou terceiro (cessionário), pelo qual o cedente transfere ao cessionário, a título oneroso ou gratuito, parcial ou integralmente, a parte que lhe cabe na herança (OLIVEIRA, 1987).
Todos os herdeiros são co-proprietários dos bens da herança, condôminos, e por isso podem dispor dos seus direitos hereditários, embora ainda sem a individualização dos bens (exceto no legado, por ser coisa certa e determinada pelo testador). Embora com previsão especifica para cessão de direitos hereditários, também se aplicam as mesmas disposições legais, por interpretação extensiva, à cessão de direitos de meação pelo cônjuge ou pelo companheiro sobrevivente.
Nota-se que a cessão é típico ato post mortem. Não pode ser feita antes de aberta a sucessão, por configurar pacta corvina, ou seja, contrato versando sobre herança de pessoa viva, sobre o que incide expressa vedação no artigo 426 do Código Civil.
Difere, a cessão, da renúncia da herança, pois esta tem natureza abdicativa, pela não aceitação da herança, enquanto a primeira é de cunho translativo dos direitos hereditários, pressupondo aceitação e transmissão do direito sucessório, mas se a cessão for gratuita e em favor de todos os herdeiros, iguala-se, em seus efeitos, à renuncia abdicativa.
Havendo disposição testamentária com cláusula de inalienabilidade, estará determinada a indisponibilidade dos bens transmitidos por herança, o que significa óbice ao direito de cessão.
Haverá necessidade de outorga conjugal para a cessão de direito de herança pelo herdeiro casado, uma vez que se cuida de alienação de bem considerado de natureza imóvel, mas o Código Civil estabelece exceções para os casos de união conjugal sob o regime da separação convencional de bens ou, se houver previsão no pacto, também no regime da participação final nos aquestos.
E na união estável? Não há determinação legal de consentimento do companheiro para que o outro aliene bens, mas será recomendável, conforme orienta Giselda Hironaka, sua presença no ato, para expressar anuência, ou, se for o caso, declaração de que o alienante não vive em união estável, para que se evitem futuros litígios por parte do companheiro que se sinta prejudicado com o ato de cessão de direitos em que tivesse interesse patrimonial (HIRONAKA, 2020).
Houve-se bem, o legislador, em esclarecer que a cessão se limita aos direitos declarados no ato de transmissão, não abrangendo eventuais outros direitos conferidos ao herdeiro cedente em consequência de substituição ou de direito de acrescer
A lei considera ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente. Ou seja, a cessão faz a título universal, abrangendo toda a herança ou parte ideal dela. Não é possível individualizar bens a serem transmitidos enquanto não celebrada a partilha. Claro está que, depois da partilha, cessando o estado de indivisão, o herdeiro assume a titularidade do bem recebido, ou da fração que lhe caiba, com liberdade para atos de alienação que se caracterizam, então, como típica compra e venda.
A disposição de ineficácia da cessão de coisa singular, ou de qualquer bem componente do acervo hereditário, enquanto pendente a indivisibilidade, tem aplicação aos demais herdeiros, pressuposto, como é óbvio, que não se trate de herdeiro único, mas se a hipótese for esta – de uma só pessoa com direito a herança –, parece claro que não prevalecerá a vedação legal, permitindo-se ao interessado ceder o seu direito sobre toda a herança ou sobre bem por ele determinado.
Veja-se que, mesmo em outras situações de interesses de diversos sucessores, abre-se a possibilidade da cessão de direitos sobre coisa certa da herança mediante autorização do juiz do processo. Assim sendo, se houver interesse e concordância de todos, nada obstará a que o juiz autorize a cessão de um bem singularizado, expedindo alvará para que se passe a escritura nesses termos.
É assegurado o direito de preferência dos co-herdeiros, na cessão feita por um dos herdeiros à pessoa estranha à sucessão. O procedimento é análogo ao que se dá entre condôminos. Faz-se necessário dar ciência da cessão aos demais herdeiros, para recebimento da quota hereditária sob cessão, nas mesmas condições de preço e forma de pagamento oferecidas a outrem. Na falta de conhecimento da cessão, o co-herdeiro preterido poderá, depositando o preço, haver para si a quota cedida ao estranho, se a requerer no prazo de cento e oitenta dias após a transmissão. Havendo vários herdeiros interessados, terão direito a ficar com o bem na proporção das respectivas quotas hereditárias.
No aspecto fiscal, cabe apontar que a cessão de direitos hereditários, por ser ato transmissivo de bem imóvel, está sujeita ao correspondente imposto de transmissão, ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis), se a cessão for onerosa, ou ITCD (Imposto de Transmissão de Doação Causa Morte), se gratuita, equivalendo à doação.
3. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE
O caput do artigo 1.793 do Código Civil preceitua que “o direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública”.
O artigo ora comentado é um dos que regram a cessão de direitos hereditários, e por se tratar de direito sucessório, encontra-se no Livro V, Titulo I – Da sucessão em geral do Capítulo II – Da herança e sua administração, no Código Civil brasileiro. Logo, pode ser objeto de cessão tanto a herança toda quanto apenas um quinhão hereditário. A regra jurídica exige que a forma do ato seja por escritura pública.
Ao analisarmos o artigo em pauta, encontramos conceitos de alguns doutrinadores como Mario Roberto Carvalho de Faria (2018), que define “[...] a cessão de direitos hereditários como o ato gratuito ou oneroso através do qual o herdeiro transfere a outrem seus direitos hereditários”.
Ney de Mello Almada (2006) diz que “é o negócio translativo, geralmente oneroso, que um herdeiro legítimo ou testamentário, realiza com uma pessoa, tendo por objeto a totalidade ou uma quota da herança para o qual foi vocacionado”.
Silvio de Salvo Venosa (2016) entende que:
[...] o herdeiro legitimo ou testamentário pode ceder gratuita ou onerosamente, seus direitos hereditários, transferindo-os, a outrem, herdeiro, legatário ou pessoa estranha à herança. É o que se denomina cessão da herança (ou cessão de direitos hereditários, como é preferido na pratica jurídica).
Roberto Senise Lisboa (2002), entretanto, apresenta uma definição por outra ótica: “Cessão de direitos hereditários é o negócio jurídico bilateral por meio do qual o coherdeiro transmite a sua quota parte da herança a outra pessoa”.
Destaca-se que o instituto trata de negócio jurídico inter vivos, já que a transação se dá entre cedente e cessionário e tem como objeto apenas direitos que o cedente recebeu em decorrência de sucessão.
O instituto da cessão de direitos hereditários classifica-se em consensual, formal, translativo, gratuito ou oneroso, bilateral e aleatório.
Almada ensina que “dissemo-la consensual, e não real, porque a entrega do bem negociado é diferida para a partilha. O negócio jurídico se aperfeiçoa só com o consenso bilateral, com o acordo das partes” (ALMADA, 2006).
O artigo 1.793 do Código Civil brasileiro exige que o contrato seja formal, ou seja, sempre deverá ser feito por escritura pública lavrada perante um ofício de notas, com a presença do cedente e do cessionário.
A onerosidade ou gratuidade do contrato faz com que o mesmo seja equiparado a outros negócios jurídicos. Se gratuita, a cessão equipara-se à doação. Se onerosa, equipara-se à compra e venda, se o cessionário realizar o pagamento de um preço certo, ou à permuta, se existir uma troca de outra coisa ou outro direito cedido.
Até a partilha não se sabe, concretamente, os direitos que foram cedidos, e a parte que corresponde a cada herdeiro; portanto, diz-se que a cessão é aleatória Rizzardo, ao tratar dos contratos aleatórios, escreve: “O próprio sentido da palavra, conduz à incerteza, porquanto proveniente de álea, que significa sorte, perigo, azar, decorrendo a incerteza para uma ou ambas as partes na reciprocidade de prestações e contraprestações” (RIZZARDO, 2021).
O cedente e o cessionário são as partes que integram o negócio jurídico da cessão de direitos hereditários. O cedente é aquele que cede seus direitos hereditários para outro que os recebe. O cessionário pode ser um co-herdeiro ou pessoa estranha à sucessão, ao passo que o cedente deve ser um herdeiro legitimo, testamentário ou um legatário.
Não é garantido que o cedente disporá de bens de herança, já que poderá não tê-los, devido a eventuais dívidas existentes do espólio, podendo assim não restar em bens a serem distribuídos entre os co-herdeiros ou legatários.
Ao tratar do tema, Orlando Gomes escreve:
A cessão de herança é negócio jurídico translativo sujeito aos pressupostos e requisitos necessários à validade e eficácia dos contratos. [...] requer, assim, que as partes contratantes sejam capazes, tenham legitimação para estipular o contrato, consintam livremente e observem a forma prescrita na lei (GOMES, 2019).
Giselda Hironaka escreveu sobre a capacidade do cedente:
O ato de cessão somente poderá ser realizado por quem tenha capacidade civil plena, ou seja, aquele que pode alienar, por si, os bens de seu acervo patrimonial. Na hipótese de se tratar de incapaz, necessária autorização do juiz competente para decidir dos atos relativos à incapacidade. Em qualquer das hipóteses torna-se necessário faça o cedente prova de sua condição de herdeiro (HIRONAKA, 2020).
O herdeiro tem que estar legitimado para poder ser cedente, só poderá ceder direito hereditário quem de fato o detenha como herdeiro ou legatário, caso o herdeiro não seja legítimo e efetue a cessão, ficará com a obrigação de restituir o preço recebido ou indenizar o cessionário por perdas e danos.
Sobre esse assunto, Orlando Gomes (2019) assevera que:
[...] a garantia a que o cedente está adstrito resolve-se na obrigação de restituir o preço recebido e reembolsar despesas se a sua qualidade sucessória for excluída por sentença proferida na ação de petição de herança, que a reconheça no respectivo autor.
Caso não restem bens a serem adjudicados ao cessionário, após saldarem-se as dívidas do espólio, entende Giselda Hironaka que “o cedente não poderá ser responsabilizado, exceto quando do instrumento de cessão constar previsão no sentido de que o herdeiro cede direito hereditário de valor determinado” (HIRONAKA, 2020).
O cessionário, sendo equiparado ao herdeiro cedente, cuja titularidade de direito que lhe é cedida, fica responsável pelo pagamento de dividas no limite do quinhão que recebeu, garante ao mesmo a legitimidade para requerer inclusive a abertura de inventário, conforme o que preconiza o artigo 988 inciso V do Código de Processo Civil.
Tudo o que o herdeiro poderia praticar, para defender, conservar, modificar ou extinguir o seu direito, pode ser praticado pelo cessionário, no limite dos direitos que lhe forem cedidos (RODRIGUES, 2007).
A sucessão aberta é considerada um bem imóvel, por força de lei, conforme o artigo 80, II, do Código Civil, como uma universalidade que mantém o caráter de indivisibilidade da herança até o momento da partilha, momento pelo qual é regida pelas regras atinentes ao condomínio, conforme o caput do artigo 1.791 do Código Civil e seu parágrafo único:
Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.
A cessão pode englobar, além de direitos, também obrigações e encargos, podendo ser, a herança cedida, negativa. Vejamos o que afirma Orlando Gomes: Transfere-se pela cessão direitos e obrigações, por força de assumir o cessionário, na esfera patrimonial, a posição jurídica do cedente. O adquirente da herança, ou de quinhão hereditário, sucede o transmitente nos respectivos encargos (GOMES, 2019).
O entendimento no sentido de não poder transferir-se a qualidade de herdeiro fica claro nos transcritos que seguem: “Embora o cessionário se sub-rogue nos direitos do cedente, não é a qualidade de herdeiro que se transmite, por ser pessoal e intransmissível, mas apenas a titularidade do quinhão ou legado, na mesma situação jurídica do cedente” (CAHALI; HIRONAKA, 2002).
O artigo 1.793, caput, do Código Civil, trata das situações. Um cedente que é herdeiro único, numa determinada sucessão, ou um co-herdeiro, o que indica não ser tal cedente o único herdeiro, havendo no mínimo dois herdeiros conjuntamente numa mesma sucessão, sendo que os dois podem ceder a totalidade dos direitos que lhes cabem, ou apenas parte deles.
Ressalte-se que jamais a cessão de direitos hereditários poderá existir anteriormente à abertura da sucessão, porque a legislação vigente proíbe a disposição de herança de pessoa viva, preconizada pelo artigo 426 do Código Civil brasileiro.
Nessa seara, Arnaldo Rizzardo (2019) escreve: “O fundamento da proibição está no princípio de que ninguém pode dispor de bens que não estejam ainda em seu patrimônio, de nada valendo o assentimento que o de cujus porventura tenha dado”.
Dispõe o parágrafo primeiro do artigo 1.793 do Código Civil: “Os direitos conferidos ao herdeiro em consequência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente”.
Em nosso Código Civil, no Capítulo VIII, dentro do Título III, que trata “Da Sucessão Testamentária”, está o direito de acrescer, inscrito nos artigos 1.941 a 1.946.
Com relação a esse instituto, Oliveira Leite (2009) manifesta-se: “Com efeito, o direito de acrescer ocorre também na sucessão legitima e, não sendo instituto de exclusiva incidência na Sucessão testamentária, nada impedirá que fosse incluído no Título I da Sucessão em geral”.
No que diz respeito à sucessão testamentária, encontramos duas formas de direito de acrescer, a primeira é entre co-herdeiros, que ocorre de o testador ter instituído como herdeiro dois ou mais sujeitos, aos quais destinou, em uma mesma disposição testamentária, quinhões não determinados. como ensina Venosa (2016): “As disposições do código são unicamente supletivos da vontade do testador”.
O próprio artigo 1.793 do Código Civil em seu parágrafo primeiro nos dá a resposta. “Os direitos, conferidos ao herdeiro em consequência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente”. O que acontece é uma presunção de que os direitos recebidos, posteriormente, em decorrência da substituição ou direito de acrescer, não estão incluídos entre os direitos cedidos.
Consoante disciplina o artigo 1.793 do Código Civil, em seu parágrafo segundo, “é ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente”.
Nota-se que o código refere-se à cessão feita pelo co-herdeiro, uma vez que o direito hereditário originário da sucessão será atribuído somente a ele, e que já o pertence desde o momento da abertura da sucessão, portanto não lhe poderia impor vedação, já que é único herdeiro.
O artigo 1.793 do Código Civil, em seu parágrafo terceiro, estatui: “Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade”.
Em muitas hipóteses, a venda de um bem do espólio pode ser autorizada para pagamento de dívidas da herança, de custas, de imposto de transmissão mortis causa ou outros encargos, para a necessidade urgente dos herdeiros, por estar algum imóvel deteriorando, sendo conveniente a sua alienação. Dispõe o Código de Processo Civil em seu artigo 992, no inciso primeiro, que incumbe ao inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do juiz, alienar bens de qualquer espécie.
O Código Civil brasileiro, em seu artigo 1.794, disciplina: “O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto”.
O artigo 1.794 expressa a existência de direito de preferência por parte dos co-herdeiros quando houver cessão de direitos hereditários, feita por um deles.
Havendo expressa exigência de preferência aos co-herdeiros em se tratando de cessão de direitos hereditários a outrem estranho à sucessão, não é mais necessário a alusão antes feita ao direito aplicável ao condomínio.
No artigo 1.794 está expresso a existência do direito de preferência dos co-herdeiros quando existir a cessão de direitos hereditários feita por um deles a uma pessoa estranha à sucessão, entendendo-se que quando a cessão for feita a outro herdeiro, não há de se falar em direito de preferência.
Eduardo de Oliveira Leite, nesse sentido, manifesta-se: “[...] se aqueles negócios forem celebrados com co-herdeiros, já, por interpretação a contrario sensu, não há lugar ao direito de preferência” (LEITE, 2009).
Estatui o mencionado artigo: “Art. 1795. O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositando o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão”
O artigo acima transcrito trata da preferência por parte do herdeiro que tenha sido preterido no seu direito. O herdeiro preterido deve obedecer a exigências, para haver para si a quota que já tenha sido cedido a estranho, e as exigências são as de depositar o preço dentro de cento e oitenta dias.
Levando-se em consideração que o depósito pode ser efetuado antes mesmo da abertura do inventário, far-se-á, através de depósito em conta bancária, notificando o co-herdeiro cedente e cessionário.
Da mesma maneira, entende-se que a escritura pública também é necessária. No caso do terceiro estranho à sucessão resistir, o co-herdeiro preferente deverá interpor ação de natureza reivindicatória
4. EFEITOS DECORRENTES DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS, RESPONSABILIDADE DO CEDENTE E DIREITOS DO CESSIONÁRIO
4.1 EFEITOS DECORRENTES DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS
Ressalta evidente que a cessão determina a transferência de tudo o que pertence ao herdeiro, relativamente à herança, ou à parte que compreende à cessão.
A título universal é quando um ou mais de um dos co-herdeiros cede ou cedem, no todo ou em parte, seu quinhão hereditário, devendo a cessão incidir sobre a totalidade da herança ou do quinhão, atentando para o que preceitua o artigo 1.795 do Código Civil brasileiro, direito de preferência dos outros co-herdeiros.
Silvio Rodrigues (2007) orienta: “O condômino pode alienar a terceiro sua parte indivisa, ou seja, a fração ideal de que é titular; pode mesmo alienar uma parte ou alíquota de seu quinhão [...]”.
Segundo César Fiúza (2021): “Cessão de herança é a alienação gratuita ou onerosa da herança a terceiro, estranho ou não ao inventário”, e ainda, “a cessão pode ser total ou parcial quando envolver todo o quinhão do cedente ou parte dele”.
O cessionário, neste caso, receberá a herança assim como se encontra, ou seja, em estado de indivisibilidade.
A grande questão que se arvora diz respeito à cessão, por co-herdeiro, de bem da herança considerado singular, ou seja, sobre bem certo e determinado da herança, quando a sub-rogação do cessionário relaciona-se tão somente ao particularmente negociado. O Código sanciona com a ineficácia da mesma em dois casos: sem prévia autorização do juiz da sucessão, pendente a indivisibilidade; e quando feita por co-herdeiro sobre bem da herança considerado singularmente.
Parece-nos que a cessão de direitos, a título singular, sobre bem certo e determinado, antes de ajuizada a ação de inventário ou arrolamento, não possa ser feita pelo co-herdeiro isoladamente. Entretanto, se feita pelo conjunto de todos os herdeiros com direito àquela herança, parece-nos que não será afetada pela ineficácia, pois esta terá que ser alegada pela parte prejudicada. Tendo todos os herdeiros participado do ato da cessão, não haveria interessado legítimo para insurgir-se contra o ato. Poderiam, ainda, os demais co-herdeiros participarem do ato para expressar sua concordância, mesmo que não transfiram seus quinhões. Nesse caso, a parte cedida, matematicamente, será abatida da quota do herdeiro cedente, quando da partilha respectiva.
Eduardo de Oliveira Leite (2009), em seus comentários ao Código Civil, ao pontualizar a questão, diz que o co-herdeiro fica impedido de “dispor do bem sem o assentimento dos demais”.
4.2 RESPONSABILIDADE DO CEDENTE
Silvio Rodrigues (2007) em sua obra escreve:
No direito romano, a responsabilidade do herdeiro pelas dívidas do de cujus era limitada e absoluta, não havendo meio de o sucessor livrar-se do dever de resgatar citados débitos, pois o herdeiro entrava no lugar do falecido e, da mesma forma que receba o ativo, assuma, também, o passivo por ele deixado. O patrimônio do herdeiro se confundia com o patrimônio do finado, de modo que os credores deste passavam a ser credores daquele. A situação era ainda mais dramática no caso dos herdeiros necessários, porque, enquanto os herdeiros voluntários podiam repudiar a sucessão, os necessários não poderiam fazê-lo.
Com o decorrer dos tempos, entretanto, abrandou-se esse rigor, permitida sempre a renúncia, para escapar aos efeitos da responsabilidade pelo passivo do de cujus.
Sendo a herança coisa indivisa, a todos pertencendo, o cedente deve, antes de efetuar a cessão, comunicar aos co-herdeiros, concedendo um prazo para expressarem o interesse ou não em adquirir. O co-herdeiro não pode ceder a sua cota a pessoa estranha à sucessão se outro herdeiro a quiser nas mesmas condições e preço. Sem essa providência, o co-herdeiro preterido, depositando o preço e no prazo de cento e oitenta dias após a transmissão, adjudicará para si o quinhão cedido, conforme o que regra o artigo 1.795 do Código Civil.
A cessão não serve como recurso de o herdeiro se subtrair à responsabilidade as obrigações, dívidas. A venda não retira do herdeiro a responsabilidade na proporção do quantum a que corresponde o quinhão.
4.3 DIREITOS DO CESSIONÁRIO
O cessionário, que pode ser outro herdeiro ou estranho, ao receber a cessão, toma o lugar, ocupa a posição jurídica do cedente. Fica sub-rogado em todos os direitos e obrigações, como se fosse o próprio herdeiro. Há, em outros termos, uma atribuição real dos bens componentes da quota de outra pessoa. Entram, nesta quota, os bens móveis, imóveis, direitos e obrigações. Tudo o que poderia praticar o herdeiro, para defender, conservar, modificar ou extinguir o seu direito, pode ser praticado pelo cessionário, que receberá, na partilha, o que o herdeiro cedente haveria de receber.
Com relação à cessão de direitos hereditários anteriormente à propositura da ação de inventário ou arrolamento, destaca-se a possibilidade do cessionário, subsidiariamente, proceder à abertura da mesma, conforme a dicção do inciso V, do artigo 988 do Código de Processo Civil (legitimidade concorrente). O cessionário somente poderá iniciar a ação de inventário, portando o respectivo instrumento de cessão, habilitando-se na forma processual cabível.,
Por meio da cessão de direitos hereditários, o cessionário torna-se legitimado para requerer a partilha dos bens.
Em vista de encontrar-se no lugar de um herdeiro, justifica-se, inclusive, que ocupe a posição na ordem da vocação, antes ocupada pelo cedente, o que muitos não aceitam, diante da omissão de seu nome pelo Código, é o que preconiza Arnaldo Rizzardo (2019).
Constitui questão controvertida a de saber se o cessionário do herdeiro pode mover qualquer ação. O cessionário pode acionar aqueles que detêm a herança, o que nos parece mais correto, já que o mesmo assume o lugar do cedente. O direito de reclamá-la não é personalíssimo, e, por isso, ao cessionário assiste a faculdade de judicialmente exigi-la.
Há situações jurídicas, porém, que, salvo deliberação expressa das partes, não estão compreendidas na cessão, que não beneficiam o cessionário. Se o herdeiro adquiriu direitos em consequência de substituição (CC, art. 1.947) ou de direito de acrescer (CC, art. 1.941), esses direitos presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente (CC, art. 1.793, § 1.º).
5. CONCLUSÃO
Sem olvidar o fato de que toda pesquisa implica em seleções arbitrárias e fragmentadas de informações, e que, por isso, impõem limites a qualquer anotação conclusiva, foram aqui desenroladas algumas notas que se nos revelaram importantes e que visam salientar certos posicionamentos
Especialmente nos parágrafos segundo e terceiro do artigo 1.793, constata-se que o legislador contemplou o pensamento doutrinário jurisprudencial predominante que vigorava sobre o assunto. Os parágrafos mencionados devem ser visualizados no plano da ineficiência, uma vez que se tratam de institutos completamente diversos.
Algumas peculiaridades na cessão de direitos hereditários devem ser citadas, como, por exemplo, com relação ao exercício do direito de preferência do coherdeiro, contrariando a regra que rege tal direito nas relações de condomínio, o quinhão sobre o qual se exerce a preferência será distribuído entre os co-herdeiros interessados na proporção de suas respectivas quotas hereditárias. Parece ser justo o critério da proporcionalidade que o Código Civil seguiu, respeitando, assim, à vontade do autor da herança, no sentido de manter a mesma proporcionalidade entre os herdeiros.
Vários outros questionamentos surgirão e deverão ser solucionados ao longo dos anos. É bem verdade que o legislador não tem como esgotar as possibilidades, que a realidade lhe apresenta, em disposições legais, prevendo todas as hipóteses em casos particulares. Cumpre ao jurista ofertar soluções ou sugestões que contemplem as omissões legislativas.
6. REFERÊNCIAS
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CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso Avançado de Direito Civil: Direito das Sucessões. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 78. v. 6
FARIA, Mario Roberto Carvalho de. Direito das Sucessões: teoria e Prática. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 73.
FIÚZA, César. Direito Civil: curso completo. Belo Horizonte: Editora D´Placido, 2021, p. 856.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: Sucessões. São Paulo: Atlas, 2007, p. 56.
GOMES, Orlando. Sucessões. 17. ed. rev., atual. e aum. de acordo com o Código Civil de 2019.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os desafios do direito das sucessões na nova década. 2020. Disponível em: https://direitocivilbrasileiro.jusbrasil.com.br/artigos/1133533469/os-desafios-do-direito-das-sucessoes-na-nova-decada. Acesso em: 15 de abril de 2021.
LEITE, Eduardo de Oliveira. Do Direito das Sucessões. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Comentários ao Novo Código Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. XXI.
LISBOA, Roberto Senise. Manual Elementar de Direito Civil: Direito de Família e das Sucessões. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 228. v. 5.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito das obrigações, 1ª parte. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 98.
OLIVEIRA, Itabaiana. Tratado do Direito das Sucessões. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 1987, p. 100. v. I.
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 187.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Sucessões. 26. ed. Belo Horizonte: Saraiva, 2007, p. 27. v. 7.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 27. v. 7.
Bacharelanda no curso de Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, BEATRIZ KELLY FERREIRA DE. A alienação da herança e cessão de direitos hereditários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2021, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56521/a-alienao-da-herana-e-cesso-de-direitos-hereditrios. Acesso em: 23 dez 2024.
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