RESUMO: A pesquisa objetiva analisar a inconstitucionalidade da investigação criminal realizada pelo Ministério Público. Como metodologia, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, reunindo-se autores com suas respetivas obras relacionadas com a temática. A pesquisa é justificadamente relevante tanto para os operadores do Direito quanto para sociedade, pois visa debater de forma incisiva a questão de investigação criminal por parte do Ministério Público, debatendo-se diretamente sobre esta constitucionalidade. Dividiu-se o estudo em 04 itens, quais sejam evolução histórica das instituições e da investigação criminal; argumentos favoráveis ao MP; argumentos contrários; e, resumo e sistematização das fundamentações.
Palavras-chave: Ministério Público; Investigação; Constitucionalidade.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS INSTITUIÇÕES E DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL - 2.1 MINISTÉRIO PÚBLICO - 3. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO MP - 4. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS - 5. RESUMO E SISTEMATIZAÇÃO DAS FUNDAMENTAÇÕES - 6. CONCLUSÃO - 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
O fenômeno da criminalidade, seja ela organizada ou não, deixa a população apreensiva, desafia o poder do Estado e cria, para o Direito Penal e Processual Penal, questões novas e de difícil solução
Violência, inteligência e sofisticação utilizadas pelas organizações criminosas e pelos criminosos em suas ações requerem a adoção de respostas estatais firmes para repressão, ao mesmo tempo em que exigem objetividade e coerência do legislador, incumbido de evitar que as garantias individuais sejam atingidas.
Neste contexto, a investigação criminal, consistente em atos realizados pelos órgãos do Estado-Investigação para a apuração das infrações penais, é uma etapa importante na obtenção da verdade processual, e adquire relevância ainda maior quando a questão envolve as formas de realização desta Investigação e a postura dos órgãos encarregados com a finalidade própria da aplicação do Direito Penal pelo Estado, através do Processo Penal, num momento de singular conquistas, respeito e fidelidade aos Direitos Fundamentais.
O Estado atual, garantidor dos direitos de seus cidadãos e defensor de seus valores, fins e possibilidades, inclusive de sua segurança jurídica e segurança pública, avança na extensão e aplicação dos conceitos e fundamentos atuais informadores do Processo Penal e do Direito Penal. Com isto, busca uma coexistência pacífica e profícua entre seus cidadãos, garantindo-lhes que, na hipótese de transgressão de alguma norma de direito, sua apuração, processamento e julgamento, serão regidos por regras anteriormente editadas e inteiramente adaptadas ao pensamento jurídico contemporâneo de respeito aos outrora chamados Direitos do Homem, proibindo que ilegalidades – como a prática de torturas, provas ilícitas, regras de exceção, dentre outras – sejam cometidas pelos seus Poderes e Instituições criadas com a finalidade de conhecerem destes atos anti-jurídicos, apurá-los e reestabelecer a situação de normalidade.
Assim, o presente estudo se ampara no enfoque contemporâneo da investigação criminal para abordar, inicialmente, algumas particularidades da evolução histórica das instituições que, no Brasil atual, disputam esta atividade estatal, verificando, também, de modo bem perfunctório, como outros países do mundo tratam da questão, trazendo, por fim, qual a legislação brasileira vigente aplicável ao assunto.
Posteriormente, busca esquematizar os argumentos – se bem que alguns são tão fracos que não poderiam ser chamados assim – que são favoráveis a que a instituição Ministério Público proceda, diretamente, por seus membros, investigações criminais tendentes à apuração de infrações penais.
Depois, buscando fazer o contraponto, apresenta o que seriam os argumentos utilizados para rechaçar esta pretensão do Ministério Público.
Por fim, trata de particularidades por vezes esquecidas pelos doutrinadores, comentaristas e palpiteiros que tratam do assunto, por vezes desvinculados da ordem jurídica vigente, com defesas e ataques tão contundentes quanto aqueles que defendem a imediata adoção da pena de morte, da prisão perpétua, de trabalhos forçados, etc.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS INSTITUIÇÕES E DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
A função policial em si tem as mais altas e longínquas origens. Segundo José Geraldo, encontramo-la descrita pelos povos considerados como os que alcançaram o maior grau de civilização da fase primaveril da história da humanidade: os egípcios e os hebreus, passando pelos helenos e romanos (SILVA, 2002).
Se examinarmos o Direito Romano, nas páginas aquém do término da história antiga, encontraremos também a influência da organização policial no equilíbrio dos círculos sociais desse poderoso centro administrativo do mundo, nessa fase provecta da humanidade. A princípio, a polícia popular era exercida por qualquer um dos elementos do povo, sem formalidade alguma. Sentiu-se, logo a seguir, que isso não beneficiava a coletividade, não premunia a sociedade romana dos perigos que dia a dia mais se salientavam. Antes comprometiam a ordem pública. Conforme diz Hermes, a polícia romana só se organizou dentro de princípios mais sólidos e mais satisfatórios no reinado de Augusto César. Augusto criou, em substituição aos triúnviros, Proefectus vigilum, cujas funções eram a de chefe de polícia preventiva e repressiva dos incêndios, escravos fugitivos, furtos, roubos, vadiagem, ladrões habituais ou reincidentes, em suma, das classes perigosas (VIEIRA, 2010).
A prática policial, assim, é tão velha quanto a prática judiciária. Polícia é, em essência, e por extensão, Justiça.
A França foi o primeiro país a introduzir na contextura de sua linguagem jurídica a palavra “polícia”, no século XIV. José Geraldo relembra que, em 1789, na França, ocorreu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Dois anos mais tarde, em 1791, a Assembléia Nacional Francesa assim definia a missão da polícia: “Considerada em suas relações com a segurança pública, a polícia deve preceder a ação da justiça; a vigilância deve ser o seu principal caráter; e a sociedade, considerada em massa, o objetivo essencial da solicitude”. Em 1794, ocorreu a subdivisão da polícia, em administrativa e judiciária. Os arts. 19 e 20 do Código de Brumário, do ano IV, preceituavam então: “A polícia administrativa tem por objeto a manutenção habitual da ordem pública, em cada lugar e em cada divisão da administração geral. Seu fim principal é o de prevenir os delitos, fazer executar as leis, ordens e regulamentos de ordem pública vigentes. À polícia judiciária cabe a investigação dos crimes, delitos e contravenções que a polícia administrativa não pode impedir fossem cometidos, colige as provas e entrega seus autores aos tribunais incumbidos de puni-los” (grifei) (SILVA, 2002).
Os administrativistas possuem várias definições para o vocábulo polícia, algumas vezes os utilizando em sentido amplo, com seu significado etimológico; outras com o sentido de poder de polícia do Estado; outras ainda para designar o conjunto de instituições estatais que levam este nome.
Costumam, ainda, seguindo a tradição francesa, dividi-las de polícia administrativa e polícia judiciária. Esta última é que nos interessa neste trabalho.
A CF de 1988 alçou ao campo constitucional as instituições policiais e suas atribuições, especificando, em seus parágrafos 1º e 4º, as funções das polícias federal e civil, constituindo-as “polícias judiciárias”. Esta é a transcrição do citado parágrafo 4ºdo Art. 144 da CF: “Às policiais civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
As constituições de todos os Estados-membros repetiram a CF, algumas ainda descrevendo mais detalhadamente suas funções e garantias de seus dirigentes.
Mas, embora apenas em 1988 ganhando escopo constitucional, a polícia judiciária e seus dirigentes, que recebem o nomem juris “autoridades policiais”, já existem, como vimos alhures, há muito tempo. Já em sessão de 24.7.1871 o Ministro da Justiça à época, Sayão Lobato, citado por Mondin (2007), dizia:
As autoridades policiais, no que toca ao processo da formulação da culpa nos crimes comuns, são competentes, e é seu ofício de polícia judiciária, ou polícia auxiliar da justiça, proceder a todas as diligências para investigar e esclarecer os fatos e suas circunstancias, isto é, para a formação do corpo de delito e para descobrir as testemunhas mais idôneas, e logo proceder ao inquérito policial.
Para o exercício de seu mister constitucional a polícia judiciária possui um instrumento também centenário, o inquérito policial.
O inquérito policial não foi contemplado pelas Ordenações Filipinas, nas quais não há distinção entre a polícia judiciária e a preventiva. Nem o Código Penal do Império falava em inquérito, embora mencionasse os inspetores de quarteirão. Estes não tinham atribuição de elaborar investigatório policial. Assim, não havia inquérito ou qualquer coisa semelhante a esse nomen juris (AQUINO, 2016).
Ele surgiu com a Lei n. 2.033, de 1887, que o conceituava como redução a instrumento de diligências necessárias à elucidação do fato infracional e de sua autoria e cumplicidade. Conforme o contido no art. 42 do Decreto n. 4.824, de 1871, “o inquérito policial compreende todas as diligências necessárias para a verificação da existência do crime, com todas as suas circunstâncias, e para descobrimento de seus autores e cúmplices” (SIQUEIRA, 2005).
Verifica-se, ainda, que a evolução histórica da polícia judiciária e da investigação criminal praticamente se confundem, sendo aquela o verdadeiro titular desta, adaptando o instrumento disponível e legal para sua formulação às exigências atuais da cultura jurídica do país. Firma-se: é o órgão regular e constitucionalmente garantido do Estado-Investigação e desenvolve sua atividade segundo um instrumento legalmente existente (muito embora discutido), o inquérito policial.
2.1 MINISTÉRIO PÚBLICO
Importante nesta obra é estudar a evolução histórica das funções do Ministério Público na fase preliminar. Entretanto, constata-se que é muito difícil afirmar com convicção a verdadeira origem histórica do próprio Promotor de Justiça. O que se pode afirmar é que após a Revolução Francesa e em consequência dela criou-se, no “Code d’Instrución Criminelle” o que foi a figura do “Procureur de la Republique” com as características que permanecem até os dias de hoje. Portanto, foi na França que se desenvolveu verdadeiramente a figura e as funções do Ministério Público, e os outros Países se limitaram a copiar a sua estrutura.
Esmein, citado por Mendroni (2013), fez referência, no século XII, da figura de um “Magistrat de Sûrete”, encarregado de uma fase pré-processual, que servia de preparação para a instrução, essa a cargo do “Juge d’instruccion”. Esse “Magistrat de Sûrete”, além de realizar as investigações preliminares, tinha poderes de argumentação sobre o que havia produzido. Tinha poderes que mesclavam os tipicamente de polícia e os de um juiz – realizavam-no efetivamente, como por exemplo podiam realizar visitas a um domicílio e efetivar uma apreensão. Deveriam então remeter as suas atuações que importavam em uma constrição a um direito ou liberdade individual ao Tribunal, para a devida ratificação. Em seguida, com uma nova proposta de redação legal, transferiu-se as funções do “Magistrat du Sûrete” para os “Procureurs Impérieux”, trazendo-se assim a idéia da existência de uma parte pública.
Mendroni, citando ainda Esmein, segue dizendo que na Itália não apareceu um Ministério Público da forma ampla como ocorreu na França, mas uma figura algo semelhante apareceu somente em Nápoles e Milão. Esse “Promotor’, entretanto, não tinha os mesmos poderes contemplados na concepção francesa, como por exemplo, o de investigar.
Mendroni (2013) e Mazzili (2014) concordam que o importante é compreender o por que se criou o Ministério Público e concluem que esta instituição, como se compreende hoje, confunde-se com a evolução do próprio sistema acusatório e tem um dupla justificativa:
a) A pretensão de garantir a efetividade da persecutio criminis, ou seja, para impor o dever de investigar e perseguir todos os fatos com aparência delitiva (aplicação do Princípio da Legalidade), e b) Buscar a imparcialidade do Juiz, inexistente no Sistema Inquisitivo
Desta forma, os citados autores concluem que disso decorre que quando se analisa a evolução do Sistema Acusatório, percebe-se que a intenção de outorgar a um órgão estatal com características judiciais (e um órgão público) o controle sobre a persecução penal, a partir do momento em que se percebe que o controle da criminalidade reveste-se numa questão de ordem pública. Surge também, com isso, a necessidade de ajustes entre a estrutura processual originariamente encaminhada a preservar interesses privados e a atual consideração aos interesses públicos
endo em conta a evolução do Sistema Acusatório para a necessária adaptação à defesa do interesse público de combate à criminalidade, entrega-se a um órgão público, diverso do Poder Judiciário – para gerar a necessária imparcialidade – o poder da persecução penal; e, portanto, para que esta se leve a cabo dentro do mesmo sistema, considera-se necessária a determinação de uma primeira fase do processo, com todos os poderes inerentes à necessária investigação e direcionada a determinar a existência da ação penal.
O caso brasileiro é bem significativo. O Ministério Público, de pouca expressão constitucional, começou a alcançar seu atual status com a Lei Complementar n°40, de 14 de dezembro de 1981 (tanto que esta data passou a ser o Dia do Ministério Público), que estatuiu a Lei Orgânica da Instituição. Pela primeira vez se vedou o exercício das funções do Ministério Público a pessoas a ele estranhas, terminando com o “Promotor Ad Hoc” (LIMA, 1983).
Mas, é com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que o Ministério Público brasileiro vem galgar lugar de destaque no cenário nacional, não pelo fato de muitos dos Constituintes terem origem em seu seio, mas pela reconhecida necessidade de assim o ser.
3. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO MP
Os eminentes professores gaúchos Lenio Streck e Luciano Feldens, em obra recente, de extrema elegância e profundidade no trato do tema, não apenas pontual mas, principalmente, em sua fundamentação teórico-dogmática, buscam legitimar a função investigatória do Ministério Público, fazendo-o através de exegese constitucional e legal (STRECK, 2003).
Para tanto, distinguem “condução de inquérito policial” e “realização de diligências investigatórias”. E buscam conceituar um novo modelo de objeto jurídico, visto este agora sob a ótica constitucional, além de incitar o leito a abandonar as velhas tradições e experimentar o novo. Defendem que apurações paralelas não são prejudiciais e que a regra deve ser a solução de espécie¸ ou seja, não uma regra geral, mas confortada no plano da necessidade circunstancial. Com isso, os eminentes autores descartam a ideia de um procurador/promotor “investigador por excelência”, mas quando a espécie o requerer. E isto não sem estabelecer um efetivo controle sobre as diligências criminais pelo Parquet. Numa palavra: não admitem que um só órgão de Estado concentre a atividade investigatória
O Procurador de Justiça do Rio de Janeiro Marcellus Polastri Lima, analisando o resultado do julgamento do HC 81.326-7, pela 2ª Turma do STF busca demonstrar-nos, também, a autorização constitucional e legal para o atuar investigatório do Parquet. Também combate o fundamento do voto do Ministro relator do citado Habeas Corpus, Nelson Jobim, que utilizou o método histórico e precedentes legislativos e jurisprudenciais anteriores à Constituição de 1988, aduzindo que a melhor hermenêutica jurídica indica a utilização do método teleológico como melhor instrumento para evitar-se equívocos interpretativos.
Seu fundamento básico inicial é a dispensabilidade do inquérito policial, conforme se vê dos artigos 12, 27, 28, 39, 5° e 40 do Código de Processo Penal brasileiro. Daí, sendo dispensável, e não prevendo o texto constitucional que a apuração de infrações penais é atividade exclusiva das polícias civis, claro está que pode outro órgão apurar infração penal e formalizar seu próprio caderno instrutório. Cita o ilustre mestre Tourinho Filho para justificar a dispensabilidade do inquérito quando o MP disponha de suficientes peças de informação, mas olvida – e só pode ser de propósito, pois conhece a obra – que o próprio Tourinho Filho afirma que 95% (noventa e cinco porcento) das denúncias que ofertou como promotor de justiça foram fundadas em inquérito policial. 36 Realmente, é apenas uma mera peça!
Continua Marcellus sua complicada defesa de tese. Aliás, complicada não apenas quando defendida por ele, mas por todos que precisam buscar critérios de interpretação, cruzamento de leis, analogias não autorizadas, etc. e etc. para tentar dizer aquilo que simplesmente a Lei não diz. Melhor, diz o contrário!
O elogiável Professor René Ariel Dotti é um dos doutrinadores de peso a defender a tese ministerial (DOTTI, 2014). Preocupado com a possibilidade de investigação paralela ou concorrência de apuração, que é fonte material de insegurança e injustiça, afirma de a investigação criminal é exercício do poder estatal e como tal deve coordená-la o órgão que promove a ação de natureza pública
Mas, o ilustre jurista não afrontaria a lei brasileira. Concorda com a tese, mas esposa que, na atual estrutura legislativa, tal procedimento não encontra guarida. Esclarece que seria necessária “uma reordenação constitucional e legal para estabelecer o concurso de funções e superar o conflito de atribuições entre o MP e a Polícia Judiciária”.
4. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS
Chamados por alguns de “inquéritos caixa 2”, mas defendido por setores da sociedade que afirmam que a exclusão do MP de apurações acarretará graves prejuízos à sociedade, mesmo assim Fernanda Martins destaca que “quem apura não acusa e quem acusa não apura e não pode julgar”. Ela avalia que se a promotoria fizer investigação as provas ficariam viciadas, porque o MP é parte, titular da ação penal. Ressalta que o IDDD aplaude as ações dos promotores quando agem conjuntamente com a polícia, porque este procedimento é extremamente favorável à democracia e à sociedade
A presidente do Instituto de Defesa observa ainda que a Constituição conferiu ao Ministério Público poderes para requisitar abertura de inquérito policial, além de acompanhar o trabalho da polícia. “Mas a promotoria não tem e não pode ter a exclusividade da investigação”, alerta. “Então, se eles podem apurar e acusar, podem também condenar?”. Anota que “eles (os promotores) não têm o poder que alegam ter”. Para ela, o Supremo Tribunal Federal não vai julgar se retira ou não poderes do MP, mas apenas vai decidir que é constitucional os promotores realizarem investigações.
O criminalista José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça e conselheiro do Instituto, disse que não é contra o papel do MP de exercer o controle externo da atividade policial, mas condenou enfaticamente os “inquéritos caixa 2”, numa alusão aos procedimentos criminais dos promotores. “O MP pode fiscalizar e até participar da investigação policial, mas o MP não pode ficar tomando depoimentos a portas fechadas”, salienta o ilustre advogado (DIAS, 2008).
Conjugando da mesma tese, a Associação Internacional de Direito Penal – AIDP, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, o Instituto Carioca de Criminologia – ICC, o próprio Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD, além dos Instituto de Criminologia e Política Criminal – ICPC, Instituto Manoel Pedro Pimentel – IMPP e do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais – ITEC, ofereçam MEMORIAL 59 ao Supremo Tribunal Federal para ser juntado aos autos do Inquérito n° 1968-DF, onde questão constitucional de alta relevância está sendo apreciada: no ordenamento vigente, o Ministério Público tem poderes investigatórios na esfera processual penal?.
Tal memorial foi oferecido para fazer oposição a peça ofertada pela Associação Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça, que defendem, claro, a ampliação dos poderes de suas instituições. Este elucidativo memorial servirá de base para nosso capítulo que resumirá as argumentações contrárias e a favor. E é de importância ímpar por se tratar de instituições que suplantam eventual disputa de poder em favor desta ou daquela instituição, cingindo-se à obediência e preservação da ordem constitucional e à manutenção do equilíbrio nela estabelecido entre os órgãos integrados na persecução penal.
André Boiani, lembrando que a paridade de armas é um dos tripés de garantias que expressam ontologicamente a cláusula do devido processo legal, no magistério de Rogério Lauria Tucci, tece críticas muito bem argumentadas em seu estudo.
Afirmando que os inconfessáveis interesses institucionais-corporativos envolvidos na discussão faz com que muitos de seus defensores, cinicamente, os omitam, prega que “a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmos poderes da acusação. Ora, partindo do pressuposto da paridade de armas, corretíssimo. Expressa, magistralmente, que “retirar do inquérito policial o imperativo de subsunção à isenta verdade, proclamando sua vinculação teleológica com os interesses exclusivos da parte processual acusatória, é subtrair-lhe, como consequência, o matiz equitativo e veritativo para, então, transformar a autoridade policial e seus agentes em cegos perseguidores da culpa do investigado, com amplas espaldas para as razões e direitos deste.”
O festejado e brilhante constitucionalista, Prof. José Afonso da Silva, já emitiu pareceres a respeito do assunto. Um quando era Secretário de Estado dos Negócios da Segurança Pública, no estado de São Paulo, ocasião em que atacou o Ato 98/96 do Procurador-Geral de Justiça daquele Estado, a pedido da Delegacia-Geral de Polícia do Estado de São Paulo 61 ; outro, especialmente relativo à temática ora em exame, pois foi instado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais a responder a seguinte consulta: “Em face da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público pode realizar e/ou presidir investigação criminal, diretamente?” (SILVA, 2004)
5. RESUMO E SISTEMATIZAÇÃO DAS FUNDAMENTAÇÕES
Aduz-se que o texto constitucional assegurou ao Ministério Público poderes de investigação em matéria penal, porque são inerentes às atribuições elencadas no art. 129: a titularidade da ação penal pública, em caráter exclusivo; o controle externo da atividade policial; o poder para expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência e de requisitar informações e documentos para sua instrução; o poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade.
A leitura do texto constitucional em foco permite constatar, de plano, que não foi previsto o poder de investigar infrações penais, entre as atribuições ministeriais. Extraí-lo do rol enumerado pelo art. 129 em questão seria legislar sobre aspecto que o constituinte deliberadamente não o fez, não por descuido, mas por opção. Além da interpretação histórica, bem detalhada no início deste trabalho, seria incompreensível que o legislador constituinte cuidasse de indicar expressamente o poder do Ministério Público de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, deixando de constar o poder do órgão ministerial de investigar diretamente as infrações penais. Saliente-se ainda que a Constituição distinguiu perfeitamente a atuação ministerial em procedimentos administrativos de sua competência, v.g. o inquérito civil, daquela referente à investigação criminal, limitando, no último caso, a atividade do Ministério Público à requisição de inquérito policial e de diligências investigatórias.
este respeito, manifestaram-se os eminentes professores Miguel Reale Jr. e Eduardo Reale Ferrari, em parecer elaborado para o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, nos seguintes termos:
O inciso VI do artigo 129 da Constituição Federal de 1988 se refere expressamente a procedimentos administrativos conduzidos pelo Ministério Público, como o inquérito civil. Nessa hipótese, caso um Promotor de Justiça necessite de elementos de prova para instruir uma ação civil pública deverá fazer uso de seus poderes a fim de lograr obter informações e documentos. Diverso constitui o papel do Ministério Público nos casos de investigação por meio de inquérito policial. A lei, de fato, não contém palavras inúteis. Se assim não fosse, não teriam sido diferenciados os poderes dos órgãos Ministeriais em incisos diferentes para situações diferentes. O inciso VIII do artigo 129 da Constituição Federal trata especificamente da atuação do Ministério Público no inquérito policial e, mais ainda, a limita à requisição de diligências investigatórias e instauração de inquérito. Tal distinção é reproduzida expressamente na Lei Orgânica do Ministério Público, Lei n° 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, em seu artigo 26, inciso IV, - a atuação do Ministério Público no inquérito policial foi tratada em dispositivo legal específico onde fica autorizado ao”Parquet somente requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito militar, “observado o disposto no artigo 129, VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los”. A expedição de notificações para a oitiva de testemunhas e a requisição de documentos fica limitada ao inquérito civil, conforme dispõe o inciso I do mesmo artigo” (fls. 5-7)
Por isto, fica evidenciado que o inciso VI do art. 129 do texto constitucional, que diz respeito à expedição de notificações, pelo órgão ministerial, nos procedimentos administrativos de sua competência, a fim de requisitar informações e documentos para instrui-los, não se refere à atuação do Ministério Público nas investigações criminais. O mesmo ocorre com referência ao inciso IX do mesmo dispositivo constitucional (“exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade...”), atribuição que não pode ser estendida para abranger também a realização de investigação criminal, isto por que constitucionalmente cometida a outro órgão.
Portanto, conclui-se que a norma do art. 144 da Constituição não foi excepcionada por outro preceito constitucional, sendo que eventual investigação por parte do Ministério Público depende de previsão específica no ordenamento nacional, o que não existe, até o momento.
6. CONCLUSÃO
Não de pode deixar de consignar que a Constituição da República adotou um modelo de realização de persecução penal integrado por várias instituições, cujas atribuições não se excluem, nem se sobrepõem. Em perfeito funcionamento, esse modelo pressupõe a integração e coordenação das atividades da Polícia, do Ministério Público, da Advocacia e do Poder Judiciário. Neste sentido, emerge claro que a segurança pública não é atribuição exclusiva da Polícia Judiciária, mas esta conclusão não afasta o desenho constitucional que lhe atribuiu, de forma expressa, a investigação das infrações penais
3 Na atividade de Polícia Judiciária, ao se apurar as infrações penais, repita-se, não há comprometimentos de parcialidades, principalmente porque ela não atua na fase subsequente, que é eventual (promoção da ação penal). Coleta os elementos probatórios e os remete, compilados nos autos do inquérito policial, ao Poder Judiciário, que dará vistas ao Ministério Público, sem a preocupação de subsidiar, necessariamente, a tese acusatória, mas tão-só de buscar elementos de materialidade e autoria, assim como as demais condições da ação. É só na ação da Polícia que o ideal da “verdade real”, que o mais perto possível da descoberta da verdade criminal atingível pode ser alcançado.
Por isto, o Ministério Público não deve assumir a veste de investigador, mas sim a de eventual acusador, quando os elementos para o exercício da ação penal se apresentarem.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AQUINO, José Carlos G. Xavier de, NALINI, José Renato. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 85.
DIAS, José Carlos. Reflexões. Disponível em <http://www.iddd.org.br>. Acessado em 15 de abril de 2021.
DOTTI, René Ariel. O Desafio da Investigação Criminal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, nº138, p. 8, mai. 2014
LIMA, Gilberto Baumann de. Comentários e Aplicação da Lei Orgânica do Ministério Público. Lei Complementar 40/81. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.
MAZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 2014.
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Curso de Investigação Criminal. São Paulo: Atlas, 2013.
MONDIN, Augusto. Manual de Inquérito Policial. 6. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 2007, p.51.
REALE JÚNIOR, Miguel. Insegurança e Tolerância Zero. Boletim IBCCRIM. São Paulo, Edição Especial, Ano 10, p. 9-11, out. 2012.
SILVA, José Afonso da. Parecer. Consulta formulada pelo IBCCRIM. São Paulo, 2004
SILVA, José Geraldo da. O Inquérito Policial e a Polícia Judiciária. Campinas: Bookseller, 2002, p. 45.
SILVA, José Geraldo da. O Inquérito Policial e a Polícia Judiciária. Campinas: Bookseller, 2002. p. 48.
SIQUEIRA, Galdino. Curso de Processo Criminal, 2. ed., São Paulo: Magalhães, 2005, p. 306.
STRECK, Lênio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição. A legitimidade da função investigatória do Ministério Público. Rio de Janeiro: Forense, 2003
VIEIRA, Hermes. Formação Histórica da Polícia de São Paulo. São Paulo: Serviço Gráfico da SSP⁄SP, 2010, p. 1-5.
bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, LUCAS ROMANO PONTES DE. Inconstitucionalidade da investigação criminal realizada pelo Ministério Público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2021, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56523/inconstitucionalidade-da-investigao-criminal-realizada-pelo-ministrio-pblico. Acesso em: 23 dez 2024.
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