LUIS FERNANDO DE OLIVEIRA DE ARAUJO[1]
(coautor)
ROCHELE JULIANE LIMA FIRMEZA BERNARDES[2]
(orientadora)
Resumo: O Artigo visa analisar a Lei Complementar 135 de 2010 à luz do princípio constitucional da Presunção de Inocência, abordando argumentos prós e contras a fim de aferir se há lesão dos dispositivos da lei ao referido princípio. Foram analisados diferentes posicionamentos acerca do tema, traçando linhas de raciocínio que auxiliarão na compreensão do tema. O presente estudo será desenvolvido através de uma pesquisa bibliográfica com abordagem dialética, criada a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos, estudando levantamentos de diversos autores sobre o problema de pesquisa. No primeiro capítulo foram estudadas as causas de inelegibilidades previstas no ordenamento jurídico brasileiro, tanto as de natureza constitucional, quanto as infraconstitucionais. Estas últimas só existem porque a própria Constituição permitiu em seu artigo 14, liberando o legislador para fazer isso através de lei complementar. No capítulo 2 foi a vez de analisar e detalhar o princípio constitucional da Presunção de Inocência, dando enfoque aos seus conceitos e sua aplicação prática. Continuando o estudo, abordamos no capítulo três a “Lei da Ficha Limpa”, desde o seu surgimento até as ações que visam “derrubá-la”. O quarto e último capítulo foi o ponto central do presente artigo, analisando os diferentes posicionamentos de doutrinadores e juristas para saber se há ou não violação da Constituição pela Lei 135 de 2010. Ademais, serão analisados pormenorizadamente as opiniões de diversos especialistas a fim de chegar de se chegar a uma conclusão a respeito da temática.
Palavras-chave: Lei da Ficha Limpa, Presunção de Inocência, Inelegibilidades.
Abstract: The article aims to analyze the Supplementary Law 135 of 2010 in light of the constitutional principle of presumption of innocence, addressing arguments for and against in order to assess whether there is injury to the provisions of the law to that principle. Different positions on the subject were analyzed, outlining lines of reasoning that will help in understanding the issue. The present study will be developed through a bibliographical research with a dialectical approach, created from already elaborated material, consisting mainly of books and scientific articles, studying surveys from several authors about the research problem. In the first chapter the causes of ineligibility provided for in the Brazilian legal system were studied, both those of a constitutional and infra-constitutional nature. The latter only exist because the Constitution itself allowed it in its article 14, freeing the legislator to do so by means of a complementary law. In chapter 2, we analyzed and detailed the constitutional principle of the Presumption of Innocence, focusing on its concepts and its practical application. Continuing the study, we approached in chapter three the "Ficha Limpa Law", from its appearance until the actions that aim to "overthrow" it. The fourth and last chapter was the central point of this article, analyzing the different positions of legal scholars and jurists to know whether there is or there is not a violation of the Constitution by Law 135 of 2010. Moreover, the opinions of several experts will be analyzed in detail in order to reach a conclusion on the subject.
Keywords: Ficha Limpa Law, Presumption of Innocence, Ineligibility.
Sumário: Introdução. 1. Inelegibilidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro 1.1 Hipóteses de Inelegibilidades 1.1.1 Inelegibilidade Constitucional 1.1.2 Inelegibilidade Infraconstitucionais 2. A Presunção de Inocência 3. Lei Complementar n° 135 de 2010 -“Lei da Ficha Limpa”. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa busca trazer uma análise reflexiva com o escopo de verificar uma possível violação da Lei Complementar 135/2010 de iniciativa popular, conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, ao princípio constitucional da Presunção de Inocência, disposto no artigo 5°, LVII, da Carta Magna brasileira de 1988.
O aludido princípio dispõe que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, e a “Lei da Ficha Limpa” impõe que condenados em segunda instância em processo criminal fiquem impedidos de concorrer a mandato eletivo, inserindo em nosso ordenamento jurídico mais uma causa de inelegibilidade, evidenciando o conflito entre fontes, e dividindo opiniões não só entre profissionais da área do Direito, como também em toda a sociedade.
A Lei Maior em seu artigo 14, parágrafos 4°, 6° e 7°, dispõe sobre as causas de inelegibilidades constitucionais, causas estas que impedem o cidadão de exercer a sua capacidade eleitoral passiva por conta de alguma situação elencada no texto constitucional, como por exemplo os analfabetos. Contudo, a própria CF, já prevendo ser impossível tipificar todas as situações de inelegibilidade necessárias, permitiu ao legislador a criação de outras hipóteses por meio de lei complementar, surgindo então no ano de 2010 a LC 135, que criou a causa de inelegibilidade objeto do presente estudo, impedindo que condenados em segunda instância concorram a cargo público eletivo, o que segundo alguns, contraria a Presunção de Inocência.
O princípio da Presunção de Inocência está disposto no artigo 5°, inciso LVII da Constituição Federal e aduz que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, ou seja, enquanto houver a possibilidade da interposição de recursos a pessoa não será declarada culpada. Em razão desse princípio, há várias críticas à Lei Complementar 135 de 2010, pois, em tese, a mesma ao impedir que condenados já em segunda instância fiquem inelegíveis, fere o referido princípio Constitucional.
A Lei Complementar n° 135 de 2010, mais conhecida como Lei da Ficha Limpa, surgiu através de iniciativa popular e tem como objetivo principal endurecer as regras do processo eleitoral para impedir que candidatos que tenham um passado não condizente com os princípios constitucionais, registrem suas candidaturas. Entre outras medidas, aumentou o prazo de inelegibilidade para oito anos visando proteger a probidade e moralidade da administração pública.
Mesmo antes de sua entrada em vigor, a mesma já propiciava diversos debates sobre a sua constitucionalidade, onde quem diz que é inconstitucional alega que é inadmissível alguém ser privado de seus direitos antes de uma condenação transitada em julgado, e quem defende que ela é constitucional, diz que a Presunção de Inocência no âmbito eleitoral não é absoluta, podendo ser flexibilizada para criar tal casa de inelegibilidade como a própria CF permite em seu artigo 14, havendo até os dias atuais muita discussão a esse respeito.
O presente estudo irá abordar diferentes posicionamentos acerca do tema, tanto doutrinários quanto jurisprudenciais, revisando bibliografias que apresentem argumentação robusta, a fim abranger o máximo de posicionamentos que colaborem com a presente pesquisa jurídica, de forma tanto acadêmica quanto profissional.
As abordagens serão desenvolvidas através de uma pesquisa bibliográfica com abordagem dialética, analisando com rigor o objeto da pesquisa, colocando frente a frente os diferentes posicionamentos a fim de se chegar a uma conclusão.
Os estudos e debates acerca do tema são de suma importância, tanto acadêmica quanto social, de forma que objetivam dirimir conflitos existentes entre as fontes, conflitos estes que impactam diretamente não só na vida de possíveis candidatos, mas também em toda a sociedade brasileira, uma vez que tratando-se de questões democráticas não podem ser de forma alguma controversas, para que tenhamos um processo eleitoral cada vez mais idôneo.
2 INELEGIBILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Os direitos políticos constituem uma série de regras previstas na Constituição Federal, referentes à participação do povo na política, ou seja, a forma e os pressupostos para que o cidadão atue na vida pública. Compreendem os direitos políticos, o direito de sufrágio, ou seja, o direito de votar em eleições, além do voto em plebiscitos, referendos e iniciativa popular de projetos de lei, encontrando respaldo no artigo 14 da Carta Magna: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei (...)”.
O direito de votar, ou seja, a capacidade eleitoral ativa, começa aos 16 anos com o alistamento feito perante os órgãos competentes da Justiça Eleitoral, obrigatório para maiores de 18 e menores de 70 anos. A capacidade eleitoral passiva é o direito de ser votado para cargos públicos eletivos, onde é aferida no registro da candidatura, tendo como condições, a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicilio eleitoral na circunscrição, a filiação partidária e a idade mínima, que muda de acordo com o cargo público eletivo a ser disputado.
O estudo acerca dos direitos políticos é de suma importância pois garantem que os cidadãos brasileiros participem da vida política do país, contribuindo para assegurar cada vez mais a soberania popular. Por esse ângulo, Gomes (2011) entende que os direitos políticos ou cívicos equivalem às prerrogativas e aos deveres inerentes à cidadania e englobam o direito de participar direta ou indiretamente do governo, da organização e do funcionamento do Estado.
A Lei Maior no seu artigo 15 aduz que, em regra, é vedada a cassação dos direitos políticos, cuja perda só se dará nos casos de cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado, e a suspensão só ocorrerá nos casos de condenação por crime também transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos, recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa e nos casos de improbidade administrativa, impossibilitando temporariamente o cidadão de exercer atos da vida política.
Por conseguinte, a perda ou a suspensão dos direitos políticos ocasiona a inelegibilidade, que consiste em causas que impedem o cidadão de exercer a capacidade eleitoral passiva, retirando do mesmo a possibilidade de concorrer a cargo político-eletivo. Nessa mesma linha de raciocínio, Gomes (2012, pag. 151) aduz:
Denomina-se inelegibilidade ou ilegibilidade o impedimento ao exercício da cidadania passiva, de maneira que o cidadão fica impossibilitado de ser escolhido para ocupar cargo político-eletivo. Em outros termos, trata-se de fator negativo cuja presença obstrui ou subtrai a capacidade eleitoral passiva do nacional, tornando-o inapto para receber votos e, pois, exercer mandato representativo.
Esses impedimentos visam assegurar a probidade administrativa, a moralidade para o mandato eletivo e a normalidade e legitimidade das eleições, obstaculizando a influência do poder econômico ou abuso de poder na administração direta e indireta.
2.1 Hipóteses de inelegibilidade
As inelegibilidades têm natureza constitucional (art. 14, §§ 4º, 6º e 7º, CF) e infraconstitucional (Lei Complementar nº 64/1990), e incapacita o sujeito de obter um cargo público por eleição popular. Diferentemente dos requisitos da capacidade eleitoral ativa, que são exigidos no momento do voto, a inelegibilidade afeta as pretensões dos candidatos desde o momento do registro de candidatura ou em qualquer momento depois, até o dia da votação, privando-os da vida política plena, e justificando-se pela necessidade de assegurar a transparência e equilíbrio nos processos eleitorais, objetivando precipuamente a sua lisura.
2.1.1 Inelegibilidades Constitucionais
A Constituição Federal traz em seu artigo 14, § 4° que o analfabeto não tem capacidade eleitoral passiva. A alfabetização do cidadão necessita ser confirmada no momento do pedido de registro de candidatura mediante apresentação de documento que comprove sua escolaridade ou por outro meio que certifique que o candidato saiba minimamente ler e escrever.
Os Inalistáveis (art. 14, §§ 2º e 4º), também são considerados inelegíveis pela Carta Magna, que prescreve que não poderão alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos (aqueles que, ao atingirem os 18 anos, participam da seleção para prestar serviço militar do exército brasileiro.). Esses fatores obstruem o exercício da capacidade eleitoral passiva.
A Carta Magna também disciplina a inelegibilidade por motivos funcionais (art. 14, §§ 5º e 6º), de chefe do Poder Executivo para postulação a terceiro mandato consecutivo para o mesmo cargo. Dessa forma, quem tiver sucedido ou substituído o titular do cargo nos seis últimos meses do mandato, somente concorrerá ao mandato consecutivo aquele em que o substituiu ou sucedeu, circunstâncias apontadas como exercício da titularidade do cargo. Em contrapartida, se o chefe do Poder Executivo estiver exercendo seu segundo mandato, estará impedido de candidatar-se ao cargo de vice, pois teria chances de, pela terceira vez consecutiva, conseguir a titularidade nas situações de substituição ou de sucessão.
Por último, o chefe do Poder Executivo poderá, após cumprir o segundo mandato, postular a outro cargo público eletivo, mas deve se desincompatibilizar em até seis meses antes do pleito, conforme norma do § 6º do art. 14 da CF/1988.
Por fim, a inelegibilidade reflexa, tratadas no § 7° do artigo 14 da Constituição Federal, que prescreve:
“§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.”
A circunstância de inelegibilidade referida desdobra-se, ainda, aos companheiros, na união estável, e acontece exclusivamente em relação chefes do Poder Executivo. Concernente aos cônjuges, companheiros ou parentes do vice, a inelegibilidade ocorrerá somente nas situações em que ele tiver sucedido o titular ou, ainda, o tiver preenchido o cargo nos seis últimos meses antes do pleito.
2.1.2 Inelegibilidades infraconstitucionais
Não se conformando com as hipóteses de inelegibilidade que prevê, a Constituição Federal, visando resguardar ainda mais os princípios da Probidade e Moralidade administrativas, delegou competência à legislação complementar para a criação de outras situações que suspendem a capacidade eleitoral passiva do cidadão, que foram disciplinadas pela LC °64/1990. Nesse sentido, preleciona Castro:
O art. 1º, I, da Lei Complementar n. 64/90, a chamada “lei das inelegibilidades”, tipificou condutas que levam à inelegibilidade do agente, pelo prazo agora fixado em oito anos para todas as hipóteses, conforme nova redação dada pela LC n. 135/2010 (Lei da Ficha Limpa). (2018, p. 192)
Essas causas são apontadas em absolutas (art. 1°, I, alíneas “a” até “q”) e relativas (art. 1°, II a VII). As inelegibilidades absolutas criam impedimento para todo cargo político-eletivo, sendo indiferente o pleito ser presidencial, federal, estadual ou municipal, e corporificam-se, por exemplo, pela conduta de abuso de poder econômico e político ou pela rejeição de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas (BRASIL, 1990).
As inelegibilidades relativas, à sua vez, proíbem apenas em relação a alguns cargos ou trazem algumas restrições à candidatura. De modo geral, são baseadas no critério funcional, sendo obrigatória a desincompatibilização para que o cidadão postule a cargo político-eletivo nas circunscrições em que o servidor atue.
Convém frisar que as inelegibilidades constitucionais não precluem, podendo ser arguidas no momento do registro de candidatura e no recurso contra a expedição do diploma, de maneira que as inelegibilidades infraconstitucionais se não forem arguidas no momento do registro da candidatura precluem, exceto se eventualmente ocorrerem entre o pedido de registro e a eleição.
Por fim, a lei complementar n° 135 de 2010 conhecida popularmente como “Lei da Ficha Limpa”, que é um dos objetos do presente estudo, incluiu em nosso ordenamento jurídico mais uma causa de inelegibilidade, onde impede que condenados em segunda instância concorram a mandato eletivo, por um prazo de 8 anos, como será visto aprofundadamente neste estudo em tópico próprio.
3 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Os princípios, de forma geral, são a base, a sustentação que a norma encontra para ser legítima e impor a todos sua obediência, além de suprir lacunas que ora ou outra surgem no ordenamento jurídico. É o que preleciona o artigo 4° da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Dessa forma, fica evidente sua importância não só na elaboração das leis, como também na ausência desta, aplicando-os às situações concretas que rotineiramente surgem.
Segundo Delgado, “princípio traduz, de maneira geral, a noção de proposições fundamentais que se formam na consciência das pessoas e grupos sociais, a partir de certa realidade, e que, após formadas, direcionam-se à compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade”. (2011, p.180).
As precisas lições de Delgado, reforçam a ideia de que os princípios exercem enorme influência na criação da norma, servindo como fonte para a criação da mesma, concedendo respaldo para sua implementação na sociedade.
No presente capítulo, serão abordadas as questões pertinentes especificamente ao princípio constitucional da Presunção de Inocência, explanando o aspecto histórico, conceitual e aplicabilidade no Direito brasileiro, servindo de alicerce para a compreensão de todo o artigo.
O consagrado princípio constitucional da Presunção de Inocência remete-se ao direito romano, porém, na Idade Média o referido princípio foi afrontado em razão, principalmente, dos procedimentos inquisitoriais que vigoravam naquele período, chegando a ser inverso, já que em caso de dúvida sobre a autoria de determinado delito, a mesma poderia levar à condenação do indivíduo. Nesse sentido, aduz Júnior:
A presunção de inocência remonta ao Direito Romano (escritos de Trajano), mas foi seriamente atacada e até invertida na inquisição da Idade Média. Basta recordar que na inquisição a dúvida gerada pela insuficiência de provas equivalia a uma semiprova, que comportava um juízo de semiculpabilidade e semicondenação a uma pena leve. Era na verdade uma presunção de culpabilidade. (2015, p. 215)
Contudo, o princípio foi consagrado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 em seu artigo 9°, refletindo uma nova concepção do direito processual penal, onde “todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, caso se julgue indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela lei”.
Na Carta Magna brasileira de 1988 o mencionado princípio está disposto no artigo 5°, inciso LVII, no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais, e aduz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ou seja, enquanto determinada decisão condenatória ainda puder ser impugnada através de recurso, o indivíduo continua com o status de inocente, também preservando os princípios do Contraditório e da Ampla Defesa. Dessa forma, tal inciso assegura, em tese, que o Estado de forma alguma deve desempenhar sua autoridade de forma arbitrária, mas sim propiciar um ambiente para um processo penal democrático, e só pode impor penas depois de comprovada a culpa segundo critérios processuais que todos, principalmente o Estado, devem obedecer, buscando resguardar a dignidade da pessoa humana.
Em se tratando de legislação infraconstitucional, o Código de Processo Penal (Decreto Lei n° 3.689/41) é o instrumento legal para assegurar a efetiva aplicação da Presunção de Inocência. Seu artigo 283 determina que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado”, desta forma, sendo inobservadas as referidas disposições, haverá um processo viciado desde o início.
Entretanto, é de extrema importância destacar que tal princípio não tem caráter absoluto, uma vez que há a possibilidade de que sejam aplicadas medidas cautelares ao indiciado pela prática da conduta delitiva, que restringem temporariamente determinados direitos fundamentais da pessoa, antes mesmo do transito em julgado, como por exemplo, a proibição de frequentar determinados lugares, sequestro de bens, prisão preventiva ou temporária, entre outros, tudo isso respeitando a presunção de inocência, visto que essas referidas cautelares visam resguardar a efetividade do processo criminal, permanecendo o investigado com status de inocente.
Desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, tal princípio vem sendo objeto de debates acalorados em diversos pontos, entre eles a discussão sobre o momento em que deve ser cumprida a sentença resultante de um processo criminal, onde uma vertente defende a prisão já após condenação em segunda instância, e a outra que a mesma só poderá ocorrer após o trânsito em julgado, ou seja, com o exaurimento de todos os recursos possíveis.
Atualmente o STF adota esta segunda corrente, decisão que de uma forma ou de outra reverbera em muitas outras áreas do Direito, não somente na esfera criminal. Exemplo disso é o Mandado de Segurança 32491[3] do Distrito Federal impetrado no próprio STF, por um advogado que visava garantir direito de assumir cargo de Desembargador pelo quinto constitucional. A posse havia sido suspensa a pedido do MPF perante o CNJ por meio de procedimento de controle administrativo sob a alegação de que o referido advogado não detinha idoneidade moral para assumir o cargo, visto que existia um inquérito policial contra ele em curso. Tal tese foi refutada pela Suprema Corte, aduzindo que o simples fato de responder a inquérito não exclui o requisito de idoneidade moral, encontrando respaldo no aludido princípio da Presunção de Inocência.
Encontra-se em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, o Projeto de Lei 147/18, de autoria do Senador Cássio Cunha Lima (PSDB/PB), que pretende alterar o entendimento do STF, ou seja, permitir que o condenado em segunda instância comece a cumprir a pena, mesmo que ainda haja recursos pendentes, razão pela qual sua constitucionalidade é questionada. Também existe também a Proposta de Emenda à Constituição n° 410/2018, que visa modificar o inciso LVII do artigo 5° da Carta Magna, para que o mesmo permita a prisão após segunda instância, contudo, tal PEC foi arquivada em dezembro de 2019.
O basilar princípio da presunção de inocência sofre violação rotineiramente através da grande mídia, que ao noticiar determinado fato criminoso, seja na TV, rádio ou internet, indiretamente incute na mente das pessoas médias a ideia de que o indivíduo suspeito da prática do crime já é o responsável pela conduta criminosa.
Como explana Júnior:
(...) a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatizarão (precoce) do réu. Significa dizer que a presunção da inocência (e também as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade) deve ser utilizada como verdadeiro limite democrático a abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência. (2012, p. 778).
À vista disso, o que mais preocupa, além dessa influência da mídia sobre a sociedade, é sua influência sobre o poder judiciário, que pode diretamente interferir nas suas decisões, pondo em xeque a imparcialidade do julgador, e suprimindo a presunção de inocência. O direito à informação e à liberdade de expressão são garantias constitucionais que devem ser preservadas, contudo deve haver uma harmonia entre eles e os direitos constitucionais dos acusados, visando resguardar o seu status de inocente, sob pena de regredirmos a tempos não desejados.
Atualmente, na esfera eleitoral, as discussões se concentram na causa de inelegibilidade após condenação criminal em segunda instância, causa esta, que foi incluída pela Lei Complementar n° 135 de 2015 e que divide opiniões desde a sua entrada em vigor. A temática será abordada afundo em capítulo próprio.
4 LEI COMPLEMENTAR N° 135 DE 2010 - “LEI DA FICHA LIMPA”
A Lei Complementar n° 135 de 2010, popularmente conhecida como “Lei da Ficha Limpa, surgiu através de iniciativa popular, obtendo mais de 1 milhão e 600 mil assinaturas em apoio, foi promulgada pelo então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tem por objetivo estabelecer regras mais rígidas a candidatos com condenação em segunda instância, principalmente por delitos ligados à corrupção, estendendo os prazos de inelegibilidade para oito anos. Esse projeto de lei teve o apoio de entidades que integram o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e contou com o aval de vários setores da sociedade, entre eles a OAB e a Sociedade de Procuradores e Promotores Eleitorais.
Segundo Reis[4], um dos apoiadores do projeto:
A coleta de assinaturas teve início em maio de 2008, após a aprovação da campanha pela unanimidade dos presentes à Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, uma das entidades integrantes do movimento. A partir daí, todas as demais organizações foram convidadas a refletir sobre o tema e difundi-lo entre suas bases de modo a alcançar-se a mobilização em rede necessária à geração da “energia política” da qual dependeria a conquista das 1,3 milhão de assinaturas necessárias à apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular. (2010, s.p.)
Tanaka, integrante de campanhas da Avaaz.org, aduz que “algumas pessoas chegaram a dizer que a campanha Ficha Limpa foi a primeira grande mobilização popular por uma questão política desde o movimento dos caras-pintadas que pediram o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello”. (2011, s.p.)
O fato é que tal dispositivo legal alterou a Lei Complementar nº 64, de 1990, seguindo o que aduz o art. 14, § 9º, da Constituição Federal, que permite que o legislador infraconstitucional estabeleça novas causas de inelegibilidade, a fim de proteger a probidade e a moralidade administrativas para exercício de mandato eletivo, levando em conta a vida pregressa do candidato.
A criação da Lei fez surgir inúmeros debates, jurídicos e políticos, inclusive na Suprema Corte do país, tanto acerca de sua constitucionalidade, quanto aos efeitos jurídicos que provocou nas eleições de 2012 em diante.
O principal fator que faz com que a mencionada lei complementar seja alvo de diversos ataques é que a mesma prevê que condenados criminalmente em segunda instância fiquem inelegíveis por até oito anos, o que confronta o princípio constitucional da Presunção de Inocência, de modo que este aduz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ocasionando diversos debates e dividindo opiniões entre juristas e figuras políticas, questões estas que serão abordadas no próximo tópico.
Dois anos após a sua entrada em vigor, ao analisar as ADCs 29 e 30, e a ADI 4578[5], o colegiado do Supremo Tribunal Federal decidiu, por 7 votos a 4 pela sua constitucionalidade, alcançando atos e fatos ocorridos antes mesmo de sua vigência, impactando inclusive já nas eleições de 2012. O ministro Mendes (2016), ao votar pela sua inconstitucionalidade, alegou que o princípio da presunção de inocência deve ser respeitado não apenas no âmbito penal, mas em todos os ramos do direito pátrio e não pode ser suprimido para criar uma causa de inelegibilidade que não observe o trânsito em julgado de uma condenação. Em outra ocasião, durante um julgamento sobre a inelegibilidade de prefeitos que tiveram as contas reprovadas, Mendes (2016) novamente fez críticas à referida lei: “Sem querer ofender ninguém, mas já ofendendo, ou reconhecendo pelo menos, que parece que foi feita por bêbados. É uma lei mal feita, nós sabemos disso”.
No mesmo sentido, Andrade defende que em vista de todo um aprendizado histórico não se deve de forma alguma suprimir um princípio tão importante quanto a presunção de inocência, nem mesmo à luz de outros princípios constitucionais, sob pena de retroagirmos a tempos não desejados:
Quanto ao princípio da presunção de inocência aplicado à Lei da Ficha Limpa, parece-me recomendável, em homenagem à ideia de aprendizado histórico, seja dada interpretação conforme ao direito fundamental ao duplo grau de jurisdição naqueles casos de provimento único condenatório por órgão colegiado, desde que cabível recurso à instância superior. O direito ao duplo grau de jurisdição, enquanto direito fundamental decorrente do princípio do devido processo legal, ilumina as balizas do princípio da presunção de inocência, irradiando reflexões produtivas para a reforma do sistema processual brasileiro. (2012, p. 123)
Por outro lado, há quem defenda sua constitucionalidade, e tece elogios alegando uma série de benefícios trazidos pela norma. O Ministro Lewandowski, inclusive utilizou o Tribunal Superior Eleitoral – TSE, para a aplicabilidade daquela em 2010 e destacou:
Ao aprovar a Lei da Ficha Limpa, o legislador buscou proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato e a normalidade e legitimidade das eleições. Quando estabeleceu novas hipóteses de inelegibilidade, a Lei Complementar 135/10 apenas cumpriu comando previsto na Constituição, que fixou a obrigação de considerar a vida pregressa dos candidatos para que se permita ou não a sua candidatura. (2010, s.p.)
Lewandowski (2016) ao votar pela constitucionalidade da lei, ao rebater o argumento de alguns políticos e juristas de que a mesma foi feita às pressas, citou seu amplo apoio popular, e frisou que a mesma foi alvo de diversos debates no Congresso Nacional, sendo formal e materialmente constitucional.
A lei surgiu em meio a um cenário de diversos escândalos de corrupção, sendo abraçada pela população nacional desde a sua concepção, buscando fazer uma filtragem para que candidatos que tenham as vidas pregressas incompatíveis com os princípios da administração pública como a Moralidade, fiquem impedidos de fazerem parte da vida política.
A Constituição Federal de 1988 é clara em seu artigo 9°, parágrafo 14, ao determinar que a legislação complementar deverá estabelecer outras causas de inelegibilidade, como fez a Lei Complementar 64 de 1990, e por último a Lei da Ficha Limpa, de forma que tornar o cidadão inelegível por um certo período de tempo não suprime a Presunção de Inocência, mas tão somente exige um passado íntegro de quem tenha intenções de representar a população no geral, fazendo isso em consonância com os ditames constitucionais.
A ministra do STF Weber, ao também votar pela constitucionalidade da lei, afirma:
O homem público, ou que pretende ser público, não se encontra no mesmo patamar de obrigações do cidadão comum no trato da coisa pública. O representante do povo, o detentor de mandato eletivo, subordina-se à moralidade, probidade, honestidade e boa-fé, exigências do ordenamento jurídico e que compõem um mínimo ético, condensado pela lei da Ficha Limpa, através de hipóteses concretas e objetivas de inelegibilidade. (2012, s.p.)
É importante frisar que tornar alguém inelegível, não necessariamente diz respeito a uma punição, visto que se tratam de conjunturas objetivas. No momento em que a CF aduz que o analfabeto é inelegível, a mesma não está punindo-o, mas tão somente afirmando que ele não atende os requisitos mínimos para a disputa de cargo eletivo como saber ler e escrever, sendo incapaz de atender aos anseios da sociedade que deve ter pessoas competentes para gerir o bem público.
A intenção do legislador efetivar o parágrafo único, do artigo 1º, da nossa Carta Magna, quando diz que todo poder emana do povo, que o exercerá diretamente, por meio de plebiscito, referendo e lei de iniciativa popular, a exemplo da Lei da Ficha Limpa, e por representantes eleitos democraticamente, visando consolidar as liberdades civis e da República.
Outro ponto a ser levado em consideração e defendido por diversos juristas, é que a decisão colegiada de segunda instância que torna o sujeito inelegível por oito anos é sim constitucional e deve ser aplicada, uma vez que mesmo ainda existindo a possibilidade de recursos para o STJ e STF, só poderia ser alegadas ofensas à lei e à Constituição, e não passível de mudar as questões fáticas, que já estariam estabilizadas no processo.
Ademais, os debates acerca da Lei, não devem encerrar brevemente, visto que a cada caso concreto de inelegibilidade dos candidatos, é colocada em xeque sua constitucionalidade, causando uma certa insegurança jurídica no ordenamento.
5 O CONFLITO ENTRE A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A “LEI DA FICHA LIMPA”
Feitas as devidas considerações a respeito do princípio constitucional da Presunção de Inocência e sobre a Lei Complementar n° 135 de 2010 (Lei da Ficha Limpa), serão abordados a partir de agora os conflitos que os envolvem, de modo que o primeiro preceitua uma regra que contrasta com o que aduz a mencionada lei.
O conflito acontece no momento em que a Lei da Ficha limpa, ao estabelecer que condenados em segunda instância fiquem impedidos de concorrer a cargo eletivo por um prazo de até oito anos, inserindo mais uma hipótese de inelegibilidade, deu início a uma série de discussões acerca de sua constitucionalidade. Alguns defendem que a referida lei contraria o princípio constitucional da Presunção de Inocência, que aduz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, outros alegam que a própria Constituição em seu artigo 14 permite que a legislação complementar crie outras hipóteses de inelegibilidade a fim de preservar a moralidade e a probidade da administração pública.
Para muitos juristas e doutrinadores a Presunção de Inocência não se restringe ao âmbito do Direito penal e processual penal, mas que deve ser observado em todo os ramos do Direito pátrio. Posicionando-se nesse sentido, Mello, ex ministro do STF, no julgamento do Recurso Ordinário 4.189-RJ[6], aduz:
[...] a presunção de inocência, embora historicamente vinculada ao processo penal, também irradia seus efeitos, sempre em favor das pessoas, contra o abuso de poder e prepotência do Estado, projetando-os para esferas processuais não criminais, em ordem de impedir, dentre outras graves consequências, no plano jurídico (...) que se formulem, precipitadamente, contra qualquer cidadão, juízos morais fundados em situações juridicamente ainda não definidas. (2016, s.p.)
Contudo, a Lei 135 de 2010 não declara o cidadão culpado, apenas visa conservar a probidade e moralidade administrativas, impedindo aquele que foi condenado em duas instâncias de concorrer a cargo eletivo, visto que mesmo que haja a possibilidade de recurso para as cortes superiores, o que vai se buscar alterar é a matéria de direito, e não fática.
No ano de 2011, o Supremo Tribunal Federal deliberou que a Lei da Ficha Limpa não poderia ser aplicada ao pleito de 2010, respeitando o princípio constitucional da Anterioridade da Lei Eleitoral, previsto no artigo 16 da Constituição Federal, onde aduz que as leis que alterem o processo eleitoral só poderão ser aplicadas no mínimo um ano depois da sua entrada em vigor. A decisão colegiada aconteceu em julgamento do Recurso Extraordinário 633703[7], em sede de repercussão geral, onde foi debatida a aplicação da nova lei àquele pleito. Os ministros decidiram, por 6 votos a 5, dar provimento a tal recurso que foi interposto por um candidato a deputado estadual em Minas Gerais que teve seu registro de candidatura negado com fulcro na lei.
Como já mencionado no capítulo anterior, em 2012 os ministros da Suprema Corte concluíram o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 29 e 30 propostas pelo Partido Popular Socialista (PPS) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do brasil, respectivamente, e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4578), que tratam da Lei da Ficha Limpa e ao analisar o voto de cada ministro fica evidente a enorme divergência entre alguns deles.
O relator, ministro Fux (2012), decidiu pela parcial constitucionalidade da lei, concordando com a inelegibilidade após condenação em segunda instância, mas discordando do prazo de oito anos. Segundo ele, tal período deveria ser abatido do lapso entre a condenação em segunda instância e o seu trânsito em julgado.
No mesmo sentido, o ministro Aurélio (2012), aduziu que os dispositivos da Lei da Ficha Limpa não ofendem as disposições constitucionais: “Os preceitos são harmônicos com a Carta da República e visam à correção de rumos nessa sofrida pátria, considerado um passado que é de conhecimento de todos”.
O então ministro e presidente da Corte, Peluso manifestou-se contrariamente à causa de inelegibilidade imposta pela lei, aduzindo que “não se pode tomar medidas restritivas que levem o cidadão a perder sua dignidade antes que a condenação seja definitiva. Não se pode impor medidas gravosas antes do fim de um processo que ainda não terminou. Depois do trânsito em julgado, aí sim”.
Todavia, a Suprema Corte por maioria de votos decidiu pela constitucionalidade da Lei primando o entendimento de que devem ser considerados inelegíveis os candidatos condenados, mesmo que apenas por uma decisão emanada por órgão colegiado, em razão de práticas atentatórias à economia popular, a administração pública, a fé pública, sistema financeiro, patrimônio público ou privado, meio ambiente, dentre outras hipóteses.
Dessa forma, prevaleceu a tese pela qual o princípio da presunção de inocência pode ser relativizado no âmbito eleitoral, só tendo aplicação plena na esfera penal e processual penal. Ademais, entendeu-se que a inelegibilidade não é uma pena, motivo pelo qual é incabível a aplicação do princípio de presunção de inocência.
Nesse sentido, preleciona o ex ministro do STF Ayres Brito (2012), que “o parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição Federal de 1988 diz expressamente que Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade, e que esse dispositivo foi ambicioso, porque quis mudar uma péssima cultura brasileira no trato da coisa pública, por isso se fez tão zeloso na proteção dos valores da probidade e da moralidade, considerando a vida pregressa dos candidatos”, defendeu.
Após a exposição feita, e analisando os anseios da sociedade que se encontra cansada de tantos escândalos de corrupção, má gerência pelos seus representantes para com o patrimônio público, fica evidente a importância da Lei 135 de 2010, que é um marco no nosso ordenamento jurídico, que visa fazer uma filtragem dos candidatos que tem um passado não condizente com os princípios morais e éticos que são exigidos para a ocupação de cargo público.
No mesmo sentido, fica entendido que a referida lei não afronta o princípio da Presunção de inocência, que de nenhuma forma declara o cidadão culpado de crime ou algo semelhante, mas apenas atesta que sua vida pregressa o impede de pleitear a representação da sociedade. Além disso, a própria CF permite que sejam criadas outras hipóteses de inelegibilidade, o que confere constitucionalidade à lei da Ficha Limpa, inclusive já declarada pelo Supremo Tribunal Federal.
Outro ponto que é importante frisar, e que já se encontra consolidado na jurisprudência e pela doutrina majoritária, é que a Presunção de Inocência só tem aplicação plena no Direito Penal e Processual Penal, visto que se trata das liberdades individuais dos cidadãos, sendo permitida a sua flexibilização em outras temáticas de outras áreas do direito, como é o caso do Direito Eleitoral.
Por fim, em vista dos argumentos apresentados, fica evidente o quão complexo é o tema, onde todas as considerações devem ser analisadas com minúcia, pleiteando a preservação de valores e princípios constitucionais, e através de leis infraconstitucionais como a Lei Complementar 135/2010, resguardar os princípios da probidade e moralidade administrativas, que como nunca, se mostram-se imprescindíveis.
6 CONCLUSÃO
Muitas discussões, tanto doutrinárias quanto jurisprudenciais, foram necessárias para que a Lei da Ficha Limpa tivesse reconhecida a sua constitucionalidade. Tal lei trouxe mudanças de grande importância para a vida político-social do país, demandando reputação ilibada, isenta de condenações em segunda instância, e maior transparência na vida daqueles que almejam postular um cargo público eletivo, aumentando ainda mais a responsabilidade do eleitor para com o seu voto.
Como visto, as divergências são muitas a respeito do tema, contudo, é importante frisar que, levando em conta a atual situação do Brasil com a questão da corrupção, a LC 135 DE 2010 é um marco na luta da sociedade na busca por representantes que tenham como norte desempenhar suas atividades dando o máximo de si, e sempre pensando na coletividade, e não em interesses particulares como fazem grande parte dos que atualmente representam o povo.
A tese de que a Presunção de Inocência só tem aplicação em caráter absoluto no processo penal é a mais acertada, visto tal ramo tratar das liberdades físicas do indivíduo, porém, em outros ramos do Direito como no eleitoral que em sua maior parte visa a lisura do procedimento de escolha dos representantes do povo, o princípio deve ser analisado de maneira relativa, já que mesmo havendo a possibilidade de interposição de recurso contra a decisão, só é possível a análise e posterior modificação de matéria de direito, permanecendo a decisão de segunda instância quanto a matéria fática, não parecendo conveniente permitir que tais candidatos pleiteiem o cargo.
É necessário que o cidadão conheça a vida pregressa de quem está disposto a confiar seu voto. O Brasil ainda presencia inúmeros casos de corrupção por ano, e normas que visam coibir candidatos que possam manchar a imagem do país serão sempre muito bem recepcionadas pelo povo, que está cada vez mais desacreditado de seus representantes.
O processo eleitoral brasileiro como um todo, necessita de uma reformulação, onde leis devem ser revistas e outras criadas a fim de garantir a moralidade da vida política no país, enrijecendo cada vez mais os pressupostos para pleitear não só o ingresso ao cargo público eletivo, mas principalmente assegurar probidade no exercício do mandato, e punir, na forma da lei, quem fuja de tais ditames, pois só assim teremos um sistema eleitoral sério e comprometido com os anseios sociais.
REFERÊNCIAS
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[1]Acadêmico de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: [email protected]
[2] Professora do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA, Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. E-mail: [email protected]
[3] MANDADO DE SEGURANÇA n° 32491 DF. https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25290788/mandado-de-seguranca-ms-32491-df-stf/inteiro-teor-144997374. Último acesso em 16 mar de 2021.
[4] Compreendendo a Lei da Ficha Limpa. Marlon Jacinto Reis (2010). Disponível em: https://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-4-ano-5/digressoes-sobre-as-doacoes-de-campanha-oriundas-de-pessoas-juridicas. Último acesso em: 12 abr. 2021.
[5] Supremo Tribunal Federal - ADCs 29 e 30, e ADI 4578. Diário da Justiça, DF. Disponível em: https:// http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=200495. Último acesso em: 11 de abr. de 2021.
[6] RECURSO ORDINÁRIO 4.189. RJ. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/310285312/recurso-extraordinario-re-938389-rj-rio-de-janeiro. Último Acesso em: 13 abr. 2021.
[7] RECURSO EXTRAORDINÁRIO 633703. DF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=175082. Último acesso em: 13 abr. 2021
Acadêmico de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Leonardo Dias Macedo. A Lei da Ficha Limpa e o princípio da presunção de inocência: uma análise reflexiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2021, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56524/a-lei-da-ficha-limpa-e-o-princpio-da-presuno-de-inocncia-uma-anlise-reflexiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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