KÁRITA BARROS LUSTOSA
(orientadora)
Resumo: O direito à igualdade e dignidade da pessoa humana diante da terapia de reorientação sexual encontra-se perdida. Desse modo, o estudo em desenvolvimento visa tratar da liminar concedida pelo juiz federal da 14° Vara do Distrito Federal, Waldemar Cláudio de Carvalho na ação popular n° 1011189-79.2017.4.01.3400, abrindo a brecha para que psicólogos possam oferecer terapias de reorientação sexual. O principal objetivo desse trabalho é demonstrar que essa liminar abre brechas para tratamentos que possam causar danos psicológicos aos pacientes que são submetidos a então chamada “cura gay”. O grupo LGBT têm o direito de ser tratado com igualdade e não ter sua dignidade ferida sob a alegação de terem doença, quando eles apenas têm uma opção sexual diferente dos considerados héteros sexuais. Serão utilizadas: letras de lei, jurisprudências, normas relacionadas, artigos e entendimento de tribunais e juízes.
Palavras-chave: Igualdade. Dignidade. Reorientação Sexual. Homossexualidade.
Abstract: The right to equality and dignity of the human person in the face of sexual reorientation therapy is lost. Thus, the study under development aims to address the injunction granted by the Federal Judge of the 14th Federal District Court, Waldemar Cláudio de Carvalho in the popular action # 1011189-79.2017.4.01.3400, opening the gap so that psychologists can offer therapies of sexual reorientation. The main objective of this work is to demonstrate that this injunction opens up loopholes for treatments that can cause psychological damage to the patients who undergo the so-called "gay cure". The LGBT group have the right to be treated equally and not have their dignity hurt under the claim of having illness when they only have a sexual option other than those considered sexually heterosexual. Will be used: bills of law, jurisprudence, related rules, articles and understanding of courts and judges.
Keywords: Equality. Dignity. Sexual Reorientation. Homosexuality.
Sumário: Introdução. 1. Evolução histórica da homossexualidade. 1.1. Homossexualidade e classificação patológica. 1.2. Homossexualidade e direitos. 2. Princípios básicos relacionados ao grupo LGBTQ. 2.1. Princípio da dignidade da pessoa humana. 2.2. Princípio da isonomia. 2.3. Direito internacional dos direitos humanos e a orientação sexual. 3. Resolução 001/1999 do CFP x ação popular n° 1011189-79.2017.4.01.3400. 4. Variações jurisprudenciais acerca da terapia de reorientação sexual. 5. Implicações mercadológicas na ideia da reorientação sexual. Considerações finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Entre os temas mais debatidos nos tempos atuais, estão os relacionados à orientação sexual humana, notadamente quanto aos homossexuais, registrando-se que um complicador, ao se tratar do assunto, é que, assumir a opção sexual ainda é algo relativamente complexo, por motivos vários, como aceitação da própria pessoa, de familiares e amigos, bem como do meio social.
Diante disso, passou a ser cada vez mais comum pessoas recorrerem a profissionais de áreas específicas, como psicólogos, em busca de respostas e principalmente de autoafirmação, ou mesmo buscando retirar esse desejo por pessoas do mesmo sexo. Assim, os psicólogos que fornecem esse tipo de tratamento propõem uma terapia capaz de suprir esse mal-estar por meio da conversão da orientação sexual do paciente (BOLWERK, 2018; ALMEIDA, 2018).
Diversas já foram as tentativas de conversão sexual ao longo da Historia: assimilaram com distúrbio no metabolismo, ofereceram como “cura” a castração dos órgãos sexuais dos pacientes, injeção de substâncias químicas na veia, hipnose, retirada de parte do cérebro e, por incrível que pareça, em países mais radicais, a ablação dos testículos como meio de punição também já foi uma opção (PEREIRA, 2017).
Engana-se quem pensa que ficaram no passado todas essas terapias nefastas de tentativas para a “cura do mal”. Em pleno século XXI, ainda existem pessoas que ainda acreditam que a homossexualidade seja uma doença, uma desordem psicológica.
Cita-se, em apoio ao afirmado, o caso envolvendo Rozangela Alves Justino, que obteve na justiça, uma medida liminar, no ano de 2017, na cidade de Brasília/DF, concedida pela 14° Vara Federal do Distrito Federal, cujos aspectos serão abordados no decorrer do presente estudo, determinando a suspensão dos efeitos da Resolução n° 001/1999, a qual estabeleceu normas de atuação para os psicólogos em relação às questões relacionadas à Orientação Sexual.
O mencionado caso foi objeto da Ação Popular n° 1011189-79.2017.4.01.3400, na qual se alegou que a citada Resolução impede os psicólogos de desenvolverem estudos, atendimentos e pesquisas científicas acerca dos comportamentos ou práticas homoafetivas, constituindo-se, assim, em um ato lesivo ao patrimônio cultural e científico do País, na medida em que restringe a liberdade de pesquisa científica assegurado a todos os psicólogos pela Constituição, em seu artigo 5°, IX.
No entanto, conforme João Claudio Todorov, “Psicologia é a ciência que trata dos estados e processos mentais, do comportamento do ser humano e de sua interação com o ambiente físico e social, assim, não se pode dizer que essa ciência consiga tratar da reorientação sexual” (TODOROV, 2007, p.01).
A Constituição Federal de 1988 trouxe grandes avanços no que diz respeito aos direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana foi alcançada à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, onde, nenhuma legislação infraconstitucional pode se afastar.
Historicamente, a comunidade LGBT tem sido alvo de diversos tipos de preconceitos, discriminação e aumentado, gradativamente a morte desse segmento por ano, no Brasil, conforme dados do relatório do Grupo Gay da Bahia do ano de 2018, mesmo possuindo o mesmo direito de ser assegurados pelo principio constitucional (GGB, 2018).
No caso, por exemplo, da liminar concedida na ação retro mencionada, os preceitos fundamentais estabelecidos pela Constituição são claramente ultrajados, a sexualidade deve ser recebida como direito que decorre da própria condição humana, que tem como supedâneo a liberdade do individuo de se expressar e se relacionar sexualmente da maneira que quiser, sem interferência por parte do Estado.
Por ser um tema bastante atual e que ainda merece atenção, o presente estudo busca discorrer a respeito da legislação brasileira frente à violabilidade de tais princípios quando se fala no grupo LGBT.
1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA HOMOSSEXUALIDADE
Antes de conceituar a homossexualidade, é importante fazer uma breve análise histórica de como a relação entre pessoas do mesmo sexo era vista e tratada, ao longo dos tempos. O estudo do tratamento da sociedade dispensado ás pessoas homossexuais ajudaria a entender os reais motivos do inicio da perseguição e da violência contra homossexuais (VECCHIATTI, 2012).
Várias são as culturas onde se pode encontrar o homossexualismo, existem vários registros arqueológicos sobre o assunto, “possivelmente o mais antigo encontra-se no Egito antigo, nas “Máximas de Ptah-hotep”, por máximas considera-se um gênero literário cuja finalidade era transmitir normas de conduta moral” (JUNIOR, 2011, p. 05).
A mais discutida fonte no Egito antigo, é a tumba de feita para dois homens e suas famílias, Niankhkhnum e Khnumhotep, sendo sua grande originalidade, a posse considerada a mais intima possível entre casais.
Em algumas sociedades antigas, como a ateniense, a prática do homossexualismo era socialmente aceita entre dois homens. O mais velho considerado ativo e o mais novo era considerado passivo. Geralmente era praticado antes do casamento e aceito como uma parte da formação social do mais jovem (JUNIOR, 2011).
Na Grécia não se sabe ao certo quando o homossexualismo começou, porém, no inicio do século VI a/C, ela já era praticada. Em Roma, os homens casados poderiam ter relações sexuais com seus escravos, e a pederastia, termo atribuído para o relacionamento erótico entre o homem e um menino, era mais aceito que o adultério para os romanos, o ativo não era considerado homossexual, mas o passivo era chamado de afeminado (JUNIOR, 2011).
No Estado de Esparta, o amor entre dois homens não era considerado uma aberração, pelo contrario, era estimulado pelas forcas militares, pois acreditavam que o soldado homossexual, ao ir para a guerra, lutaria com muito mais bravura que um soldado heterossexual. Tendo em vista que lutaria não só por seu povo, mas também por seu amado (DIETER, 2011).
Sobre o relacionamento entre duas mulheres, pouco há de se falar, visto que, na antiguidade, não se poderia falar em relacionamento sexual sem a presença de um homem, além do fato de existirem poucas referencias históricas relativas ao assunto. Desse modo, tudo que ocorria “entre quatro paredes” entre duas mulheres, era ignorado, o que ensejou poucas escritas desses relacionamentos (VECCHIATTI, 2012).
Alguns séculos antes de Cristo, história e religião começaram a se juntar, alongando-se até final do século XIX, devido á influência da religião na vida humana. Judeus que se consideravam o povo escolhido por Deus, acreditavam que deveriam lutar por seus usos e costumes e pela repulsa daqueles outros povos (VECCHIATTI, 2012).
Assim, era abominável o relacionamento sexual ou qualquer ato fora do casamento, mesmo sem intuito da procriação. Sendo o ato praticado entre pessoas do mesmo sexo ou não. Com essa ideia, os judeus acreditavam que a relação entre pessoas homossexuais não eram contra a vontade de Deus. (VECCHIATTI, 2012).
A pregação incessante dos cristãos, no sentido de que Jesus voltaria e que somente os bons de coração seriam salvos, fez com que os homofóbicos ganhassem aliados temerosos de que não alcançariam o reino do céu, quais seriam, os reis e imperadores, fazendo com que vários monarcas passassem a editar leis contrarias ás praticas homoafetivas (VECCHIATTI, 2012).
A legislação que criminalizava a Homoafetividade sofreu um aumento significativo com o passar do tempo, nas palavras de Paulo Roberto Iotti:
Houve um significativo aumento da legislação que criminalizava a homoafetividade, mas, como dito, a condenação inicial (mesmo legislativa) não incomodou efetivamente àqueles que amavam pessoas do mesmo sexo. Contudo, embora não tenham conseguido impedir a existência de homossexuais (afinal, sexualidade independe de “opção”, conforme explicitado no próximo capítulo), com o passar do tempo, as leis contrárias à homossexualidade levaram os homossexuais à clandestinidade, no sentido de que a intimidade homoafetiva passou a ser mascarada (para se evitar a punição estatal), embora fosse continuamente praticada84-85. Contudo, em decorrência da legislação homofóbica, houve um aumento da violência dos Estados Cristãos contra a homossexualidade. Nesse sentido, é esclarecedora a história de dois bispos que foram condenados à morte pelo Imperador Romano Constantino no ano de 521 d.C (VECCHIATTI, 2012, p. 52).
O primeiro texto de lei proibindo a homossexualidade foi promulgado por volta de 533 D/C, pelo imperador cristão Justiniano. Ele vinculou todas as relações homossexuais ao adultério, para o qual se previa pena de morte. Mais tarde, em 538 e 544 outras leis obrigavam os homossexuais a arrepender-se de seus pecados e a fazer penitência (HISTÓRIA DA HUMANIDADE, 2009).
Muitas foram as penas bárbaras atribuídas aos homossexuais que eram bastantes condenados, isso devido à baixa perspectiva de vida da Europa ocidental, que atribuíam as milhares de mortes ás pratica homoafetivas, assimilado om a peste negra que matou cerca de um terço da população europeia da época. Motivo predominante pela edição de leis contra homossexuais realizadas por parte do Justianismo (VECCHIATTI, 2012).
1.1 HOMOSSEUALIDADE E CLASSIFICAÇÃO PATOLÓGICA
Com o passar do tempo, a homossexualidade foi deixada, gradativamente, de ser acreditada por dogmas religiosos e passou a ser explicada cientificamente. Passou-se a buscar explicações lógicas, racionais para essa questão da vida humana (VECCHIATTI, 2012).
A posição de que a homossexualidade era um pecado contra Deus foi ficando de lado e a partir do século XIX, passou-se a ser vista como uma doença a ser tratada. Assim, pouco a pouco, a classe média desenvolveram teorias para tentar enquadrar a homossexualidade como uma patologia, e as pessoas, simplesmente passaram a aceitar essa visão, visto que a heterossexualidade era uma expressão sexual mais comum nas sociedades humanas (VECCHIATTI, 2012). Todavia:
É interessante notar que nunca houve uma comprovação acerca do que enquadraria a homossexualidade como uma “doença” ou algo do gênero – nunca se provou que uma pessoa teria sua saúde prejudicada pelo simples fato de ser homossexual. Muito embora tenham existido (e ainda existam) aqueles que defendiam que as pessoas homossexuais seriam mais retraídas, propensas à depressão e inibidas do que as heterossexuais (o que não pode ser generalizado, visto existirem muitos homossexuais que não se enquadram nisso), essas características não são inerentes à homossexualidade. Afinal, muitos heterossexuais também são retraídos, depressivos e inibidos, e ninguém atribui tais sintomas à sua heterossexualidade. Em verdade, o que ocorre é que o alto grau de preconceito homofóbico faz que os homossexuais, em geral, sintam a necessidade de se retrair (ainda que não durante toda a sua vida), de esconder sua verdadeira sexualidade para não sofrerem agressões físicas e psicológicas que o machismo heterossexista, vigente no mundo atual, impõe cotidianamente ao cidadão homossexual. Isso acaba levando à depressão e à inibição, pois ditas pessoas têm que esconder sua verdadeira identidade por meio da criação de um “personagem” heterossexual, para que este viva a vida em seu lugar (VECCHIATTI, 2012. p. 52).
Muitas foram as teorias para explicar a homossexualidade. Atribuíram-se á ordem de nascimento fraternal, onde se acreditava que quanto mais irmãos mais velhos se têm, maior seria a chance de que o ultimo menino a nascer possua orientação homossexual. Acreditavam-se na hereditariedade epigenética, onde um estudo norte-americano mostrou ligação entre a constituição genética da mae e a orientação homossexual dos filhos. Além do estudo de Dean Hamer, que ficou conhecido como a descoberta do gene gay, em suma, os resultados do estudo indicaram que a maior parte dos homossexuais se concentrava no lado materno das famílias, o que sugeria uma herança ligada ao cromossomo x (ALVES; TSUNETO, 2013).
O homossexualismo passou a existir na Classificação Internacional de Doenças (CID) a partir da 6º Revisão, em 1948, “na categoria de “Personalidade Patológica”, manteve-se assim a 7º e 8º Revisão, o homossexualismo saiu da categoria “Personalidade Patológica” e ficou como “Desvio e Transtornos Sexuais”” (LAURENTI, 1984, p. 344)
Em 1973 a homossexualidade deixou de ser classificada como um transtorno, quando foi excluída do Manual Diagnostico Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria. Em 1975 a Associação Americana de Psicologia adotou o mesmo procedimento (GARCIA, 2011)
No Brasil, no ano de 1984, a Associação Brasileira de Psiquiatria posicionou contra a discriminação e considerou a homossexualidade algo que não prejudica a sociedade. Em 1995 a APP foi seguida pelo conselho federal de psicologia, que deixou de considerar a homossexualidade um desvio sexual e em 1999 estabeleceu regras para atuação dos psicólogos em relação á questões de reorientação sexual, declarando que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio, nem perversão e que os psicólogos não colaborem com tais serviços que propõem tratamento para homossexualidade.
No dia 17 de maio de 1990 a OMS retirou a homossexualidade da sua lista de doenças mentais, a classificação internacional da doença, sendo que a data passou a ser celebrada como o dia internacional contra a homofobia. Por fim, em 1991 a anistia internacional passou a considerar a descriminalização contra os homossexuais uma violência contra os direitos humanos.
1.2 HOMOSSEXUALIDADE E DIREITOS
Historicamente os homossexuais tem sido alvo de diversos tipos de preconceitos e discriminação, “[...] essa luta é vivenciada há muito tempo, entretanto, foi após a separação da igreja Católica e Estado que ocorre uma revolução dos valores anteriormente estabelecidos como padrão [...]” (GARCIA, 2011, p. 31).
Em nosso país, existe a ABGLT, que tem por objetivo, missão de "promover ações que garantam a cidadania e os direitos humanos de LGBT’s, contribuindo para a construção de uma sociedade democrática, na qual nenhuma pessoa seja submetida a quaisquer formas de discriminação, coerção e violência, em razão de suas orientações sexuais e identidades de gênero” (ABGLT, 2006).
A ABGLT luta por direitos dos homossexuais, tendo como anseio as seguintes questões:
O fomento à criação de novos grupos e fortalecimento dos já existentes, sobretudo aos de lésbicas e travestis, pois entendemos que estes são alvo de uma discriminação ainda mais contundente;
Promoção do intercâmbio e solidariedade entre todos os grupos e indivíduos que lutam pela livre orientação sexual;
Conscientização dos homossexuais da sua importância enquanto seres humanos e de seu papel na sociedade em geral;
Pressão pela criação de leis que se posicionem claramente contra a discriminação e garantam a plena igualdade de oportunidades;
Ação visando à interferência na elaboração de políticas públicas de saúde e afins;
Luta pela liberação de gays, lésbicas e travestis da discriminação legal, social, cultural e econômica (ABGLT, 2006).
Para que os direitos da comunidade LGBTTIS sejam convalidados e concedidos, é necessário que haja muita luta, não sendo diferente dos demais direitos do ser humano.
A Constituição brasileira nos permite invocar a proteção dos direitos dos homossexuais, pois na inexistência de norma específica, é preciso utilizar-se da norma geral e de hierarquia suprema.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - Prevalência dos direitos humanos;(BRASIL, 1988).
Apesar de não existir uma regulamentação legal específica que diz respeito da terapia de reorientação sexual, constata-se que os Tribunais pátrios, mesmo que de forma introdutória, vêm reconhecendo progressivamente direitos aos homossexuais, em suas decisões, decretos, jurisprudências, a fim de conferir-lhes também a promessa de garantia dos seus direitos, estabelecidos pelo princípio da dignidade da pessoa humana e da isonomia que estão estabelecidos na Constituição Federal.
2 PRINCÍPIOS BÁSICOS RELACIONADOS AO GRUPO LGBTQ
É notório encontrar no preâmbulo da Constituição Federal de 1988 diretrizes que direcionaram o poder constituinte originário para a idealização e formalização da lei maior que servirão de base para as normas que a seguem. Considerando o momento histórico pelo qual o país passava de luta pelos direitos e igualdade entre os povos brasileiros, o legislador apontou à direção que deve ser seguida por toda nação.
A Carta Magna ampliou o controle normativo do Poder Judiciário, introduzindo o Estado Democrático de Direito assegurando os direitos e princípios fundamentais, tais como à liberdade, à igualdade, à dignidade da pessoa humana, o problema aqui é a dificuldade da concretização desses direitos (DIETER, 2011). “A dignidade da pessoa humana, foi alcançada como fundamento da Constituição, orientando e limitando assim, toda a legislação infraconstitucional, de que tal preceito não pode dispersar” (MATTOS, 2015, p. 01).
Entretanto, o preâmbulo não pode servir como respaldo, mas somente como um guia, uma vez que contem justificativas, origem, objetivos, valores e os princípios da Constituição.
Desse modo:
O preâmbulo [...] não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo posição ideológica do constituinte [...] Não contém o preâmbulo, portanto, relevância jurídica. O preâmbulo não constitui norma central da Constituição, de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro. O que acontece é que o preâmbulo contém, de regra, proclamação ou exortação no sentido dos princípios inscritos na Carta [...], Esses princípios sim, inscritos na Constituição, constituem normas centrais de reprodução obrigatória, ou que não pode a Constituição do Estado membro dispor de forma contrária, dado que, reproduzidos, ou não, na Constituição estadual, incidirão na ordem local [...] (LENZA, 2011, p. 160).
Conforme exposto, analisar-se-ão os princípios extraídos do preâmbulo da Constituição Federal e que se alastra por todo corpo da Lei Maior, como também em códigos, legislações, para melhor analise de sua aplicação para com o tema apresentado.
2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Especificado no artigo 1° da Constituição Federal, em seu inciso III, a dignidade da pessoa humana é considerado um dos princípios mais importantes do ordenamento jurídico brasileiro por tratar da real concretização do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, que, independente da orientação sexual, pertence a todas as pessoas.
Destarte, cabe sustentar que o princípio em destaque está ligado diretamente á orientação sexual do cidadão, de modo que, o Estado que carrega como principio maior a dignidade humana, assegura uma vasta lista relacionada à liberdade do cidadão, independentemente da sua orientação sexual. Pode-se dizer que, a partir do momento que se trata algum cidadão de forma desigual por sua condição sexual, discriminando-o, está atingindo, diretamente a dignidade humana. Portanto, se o Estado deixa que psicólogos tratem como doença algo que não é considerado como tal, está, de certo modo, distinguindo-o por sua opção sexual.
Utilizado para explicar à objeção face às relações homoafetivas, a homofobia pode ocorrer sob vários aspectos de discriminação e preconceito, a tentativa de impor a heterossexualidade como superior ou mesmo forçando para a sociedade como um modelo único de viver a sexualidade - objetivo central das Terapias de Reorientação Sexual - é uma violação dos direitos humanos, tal como o racismo, sexismo e devem ser enfrentadas com igual determinação (BOLWERK, 2018, ALMEIDA, 2018).
Para assimilar a dignidade humana, pode-se dizer que o princípio é o oposto de tudo que é desumano, isto é, tudo aquilo que limita a pessoa a condição de objeto. Qualquer tratamento desigual em virtude da orientação sexual do indivíduo acarreta violação direta do principio da dignidade humana, uma vez que viola seus preceitos fundamentais, os quais são: a igualdade, liberdade, integridade moral e a solidariedade, gerando assim, sofrimento à pessoa atingida.
No bojo do ordenamento jurídico encontra-se a pessoa humana, que retém liberdade sobre si mesma, não significa que pode desrespeitar-se a si própria, ou portar-se de tal modo que ofereça consequências negativas para a sociedade. Assim, a liberdade está associada ao direito de respeito à autonomia de cada pessoa, sendo facultada a essa, viver como achar melhor, desde que não prejudique terceiros (VECCHIATTI, 2008).
Desse modo, transpassando esse respeito á liberdade individual para o tema da Homoafetividade, se faz analisar que sentir atraído pela pessoa do mesmo sexo não trará ao cidadão prejuízo algum. Portanto, a sociedade não precisa essencialmente aceitar ou concordar a orientação sexual de alguém, basta somente respeitar, tolerar.
Assim sendo, prezar pela dignidade da pessoa humana é respeitar o direito do próximo de se autoestabelecer, de administrar sua vida da forma que melhor achar adequado. Isso porque o indivíduo deve ser visto como um fim em si mesmo e não como meio para a proteção dos interesses de outrem.
2.2 PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Interpretado pela máxima que diz: “tratar os iguais na medida de sua igualdade e os desiguais na medida de sua desigualdade”, o princípio da isonomia deve-se ser traduzido dessa maneira por operadores do direito e doutrinadores. Observar-se-á que o legislador examinará o princípio da igualdade ao criar uma norma, fundamentando o motivo da distinção para que ocorra a desigualdade. Algumas diferenciações estão positivadas no ordenamento jurídico, como a diferença dada à gestante, sua licença maternidade em contraponto à licença paternidade (GARCIA, 2011).
Analisando o tema sob o ponto de vista constitucional, pode-se perceber que alguns legisladores fogem do principio elencado ao tratar de questões como a da reorientação sexual. Alguns políticos propõem projetos de leis contra homossexuais, projetos esses que devem ser analisados com precaução, vez que suas finalidades devem ser claras e não podem deixar duvidas quanto à questão abordada na proposta e a discriminação ocorrida.
O Supremo Tribunal Federal, em um julgado, ao tratar do principio da isonomia declarou:
A lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a um tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. A discriminação, no julgamento da concorrência, que exceda essa limitação é inadmissível (BRASIL, 2012).
Em vista disso, é inaceitável que as pessoas sejam tratadas de forma diferente, em se tratando de um Estado Democrático, por causa de sua orientação sexual ou forma diferente de pensar, e a lei ao criar diferenças de tratamento, deve ser justa, fundamentando o porquê de tal discriminação.
2.3 DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E A ORIENTAÇÃO SEXUAL
A Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos tratados internacionais de direitos humanos, trazem como princípios fundamentais consagrados, o direito à igualdade e não discriminação ao grupo LGBTQI. Em seu artigo 1° e 2°, a Declaração traz, expressamente:
Artigo 1.º: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
Artigo 2.º: Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou outro estatuto.
Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1948).
Tal garantia assegurada pelo direito internacional dos direitos humanos é inerente a todas as pessoas, sem questionar sua orientação sexual ou qualquer outra questão discriminatória. Os tratados dos direitos humanos são bem claros, sem artigos ambíguos ou letras miúdas que autorizam um Estado garantir direitos para uns e negá-los a outros com base na orientação sexual do individuo. Além de tudo, os organismos da ONU confirmam que é proibida a discriminação devida á orientação sexual ou á identidade de gênero, confirmada repetidamente nas decisões e orientações gerais emitidas por vários órgãos de tratados, como o Comitê sobre os Direitos Humanos das Nações Unidas, o Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Comitê sobre os Direitos da Criança, o Comitê contra a Tortura e o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1948).
Algumas das formas mais comuns de violações de direitos humanos que afetam as pessoas LGBTQI, conforme documentou o escritório de direitos humanos da ONU, são:
Ataques violentos, que vão desde abuso verbal agressivo e intimidação psicológica até agressão física, espancamentos, tortura, sequestro e assassinatos seletivos.
Leis discriminatórias, muitas vezes usadas para assediar e punir as pessoas LGBT, incluindo leis que criminalizam relações consensuais de pessoas do mesmo sexo, que violam os direitos à privacidade e à não discriminação.
Cerceamento à liberdade de expressão, restrições ao exercício dos direitos de liberdade de associação e reunião, incluindo as leis que proíbem a divulgação de informações sobre a sexualidade entre pessoas do mesmo sexo, sob o pretexto de restringir a propagação da chamada “propaganda” LGBT.
Tratamento discriminatório, que pode ocorrer de diversas formas diariamente, incluindo locais de trabalho, escolas, lares e hospitais. Sem leis nacionais que proíbam a discriminação por terceiros com base na orientação sexual e na identidade de gênero, estes tratamentos discriminatórios continuam sem controle, deixando poucos recursos para as pessoas afetadas. Nesse contexto, a falta de reconhecimento legal das relações de pessoas do mesmo sexo ou da identidade de gênero de uma pessoa também pode ter um impacto discriminatório em muitas pessoas LGBT (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1948).
3 RESOLUÇÃO 001/1999 DO CFP X AÇÃO POPULAR N° 1011189-79.2017.4.01.3400
Considerando que o psicólogo é um profissional da saúde, que em sua profissão, independentemente da área em que atue é constantemente questionado por questões relacionadas à sexualidade, a Resolução do Conselho Federal de Psicologia n°001/99 de 22 de março de 1999, estabelece as normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual (RESOLUÇÃO 001/99, 1999).
Assim, a maneira como cada ser humano vive sua sexualidade diz respeito à identidade do individuo, a homossexualidade, conforme já exposto, não constitui doença, perversão, nem distúrbio. Existe na sociedade, um frenesi quanto às práticas sexuais que diferem daquela comum na sociedade, qual seja, a heteronormativa. Considerando que a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para as relações homoafetivas, tentando contornar os preconceitos e discriminações, resolveu-se criar a presente Resolução:
Art. 1° - Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão notadamente aqueles que disciplinam a não discriminação e a promoção e bem-estar das pessoas e da humanidade.
Art. 2° - Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.
Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. Art. 4° - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica. Art. 5° - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. Art. 6° - Revogam-se todas as disposições em contrário (RESOLUÇÃO 001/99, 1999).
Em contraponto, Rosangela Alves Justino e outros psicólogos propuseram a Ação Popular, com pedido liminar, fundamentada pelo artigo 5°, inciso LXXIII, da Constituição Federal tencionando afastar os efeitos da Resolução, a qual vedava aos psicólogos o direito de realizar atendimentos, estudos científicos e/ou pronunciamentos públicos relacionados ás práticas homoafetivas, sob o preceito que existiria um reforço aos preconceitos sociais existentes em tais relações.
Em síntese, alegam que a presente Resolução atua como genuíno ato de censura, instituindo-se assim, em ato lesivo ao patrimônio cultural e científico do País, na medida em que restringe a liberdade de pesquisa científica assegurada a todos os psicólogos pela Carta Magna.
A 14° Vara do Distrito Federal expôs que a Resolução do CFP não ofende os preceitos fundamentais da Constituição, apenas alguns de seus dispositivos, quando mal interpretada, podem levar ao julgamento errado no sentido de considerar proibido ao psicólogo realizar qualquer estudo ou atendimento relacionados à orientação sexual. Em sua analise, o Juiz sustentou que a Constituição assegura a liberdade científica bem como a plena realização da dignidade da pessoa humana, entendendo que a Resolução desrespeita tais valores.
Em sua decisão, foi deferida em parte a liminar, isso porque não foi suspensos os efeitos do ato normativo em questão, foi determinado ao Conselho Federal de Psicologia que não interpretem a norma de forma a impedir os psicólogos de realizarem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, assuntos relacionados à orientação sexual.
A parte autora esclareceu que sua intenção não seria a de divulgar ou propor terapias para reorientação sexual, visto que constitui dever do psicólogo apenas auxiliar as pessoas e não tomar decisões em seu lugar, disse, ainda, que apenas após a liminar concedia que alguns profissionais dessa área deixaram de se sentirem perseguidos por promoverem tais atendimentos, visto seus registros cassados ou ameaçados pelo CFP. O Conselho Federal de Psicologia interpôs recurso a fim de suspender tal decisão, alegando, resumidamente, a evidente relação direta existente entre a Resolução com o mapa da violência aos grupos LGBTQI no Brasil, enfatizando que a edição do ato normativo decorreria de sua competência institucional na regulação daquela profissão. Recurso indeferido e autos arquivados.
Ademais, a liminar concedia, abrirá precedentes que reforçariam o preconceito e discriminação dos homossexuais. Essa decisão do judiciário vai de contramão aos preceitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, conforme já citado no presente estudo.
4 VARIAÇÕES JURISPRUDENCIAIS ACERCA DA TERAPIA DE REORIENTAÇÃO SEXUAL
Admitir ações cuja finalidade remete à orientação sexual do indivíduo é facilitar a consagração de injustiças e o enriquecimento sem causa. Não cabe ao juiz julgar a vida íntima das partes, pois deve se limitar a apreciar o caso em si, as questões que lhe são apresentadas, concentrando-se especificamente na apuração dos fatos e descobrir uma solução não distante do resultado justo (DIAS, 2000).
A ausência de regulamentação jurídica não desobriga a Justiça de sua função na garantia dos direitos, muito menos, serve de fundamento para negá-los. Pelo contrário, exemplos de matérias ainda não regularizadas por lei a respeito dos homossexuais mostram, que mesmo assim, não deixaram de ser solucionadas de forma exemplar no que diz respeito ás garantia dos direitos LGBTQ. “São essas jurisprudências que de certo modo podem fortalecer ou estimular o poder Legislativo a normatizar tais realidades sociais por meio da edição de leis” (ANIS, 2007, p. 18).
Várias são as decisões tomadas diante do presente tema, é possível encontrar, cerca de 90 jurisprudências acerca da homossexualidade, segundo site Jus Brasil, isso, somente dos Tribunais do STF e STJ.
Casos de agressões de pais para com os filhos que se assumem homossexuais tornam-se repetitivas nas pesquisas realizadas:
HABEAS CORPUS Nº 468.855 - RJ (2018/0236307-5) [...] Réu condenado pela prática de tortura por diversas vezes contra seu filho, por não se conformar com sua suposta homossexualidade. Magistrado de piso que, apesar de o ora paciente ter respondido o processo em liberdade, justificou a decretação da constrição cautelar na necessidade de aplicação da lei penal e na garantia da ordem pública, tendo em vista o quantum de pena aplicada e a gravidade do delito cometido, levando em conta, ainda, a garantia da segurança da própria vítima e da sua família, salientando que a escancarada homofobia do condenado coloca em risco uma minoria perseguida e discriminada. Presentes, portanto, o fumus comissi delicti e o periculum liberta tis. Não há o que se falar de ofensa ao princípio da presunção de inocência e do duplo grau de jurisdição a vedação do direito de recorrer em liberdade, se presentes os pressupostos legalmente exigidos para a manutenção da custódia cautelar. [...] No que diz respeito aos fundamentos da prisão preventiva, a decisão ora impugnada fundamentou a necessidade da imposição da medida na necessidade de proteção da ordem pública e na gravidade concreta do delito (o paciente teria torturado seu filho, por diversas vezes, por não aceitar sua suposta homossexualidade), bem como na necessidade de proteção da vítima, de sua família e de toda a minoria perseguida e discriminada, diante da escancarada homofobia demonstrada pelo paciente (e-STJ fl. 10). Nesse contexto, segundo a orientação desta Corte e do colendo STF, o modus operandi do delito justifica o decreto cautelar de prisão, quando revela a especial periculosidade dos envolvidos [...] Ante o exposto, indefiro a liminar [...] (STJ - HC: 468855 RJ 2018/0236307-5, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: DJ 14/09/2018).
Existem casos em que o indivíduo fica claramente desestabilizado psicologicamente, ao ponto de pensar e até mesmo tentar um suicídio, “considerado a 4ª principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil, segundo recente pesquisa do Ministério da Saúde” (RELATORIO GGB, 2018, p. 13). A revista científica Pediatrics, informa que o grupo LGBTQ, devido à homofobia, têm 6 vezes mais chance de tirar a própria vida, em relação a heterossexuais, com risco 20% maior de suicídio quando convivendo em ambientes hostis à sua orientação sexual ou identidade de gênero (MICHELS; MOTT, 2018).
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. HOMICÍDIO POR OMISSÃO IMPRÓPRIA QUALIFICADO TENTADO. SUBMETER ADOLESCENTE SOB SUA AUTORIDADE À SITUAÇÃO VEXATÓRIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PERICULOSIDADE DA AGENTE. MODUS OPERANDI. RISCO AO MEIO SOCIAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA. [...] Na hipótese dos autos, presentes elementos concretos a justificar a imposição da segregação antecipada. As instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos, entenderam que restou demonstrada a maior periculosidade da paciente que, juntamente com a corré, submeteu a vítima - sua filha adolescente, com 13 anos de idade - à situação vexatória, obrigando-a a se despir e se submeter, na frente de outros familiares, a exame vaginal a fim de constatar sua virgindade, ante a desconfiança da sua suposta homossexualidade. Tais atitudes levaram a ofendida à tentativa de suicídio, ingerindo grande quantidade medicamentos, sendo que a paciente, mesmo percebendo que a menor necessitava de socorro, não o fez, deixando-a à própria sorte, tendo o óbito sido evitado em razão de o Conselho Tutelar, após denúncia anônima, ter se dirigido para o local e, encontrando a adolescente desacordada, levou-a ao hospital, onde foi socorrida. Tais circunstâncias demonstram risco ao meio social, uma vez que a paciente, além de ter submetido sua filha a situação tão vexatória a ponto de levá-la à tentativa de suicídio, tinha, como genitora, o dever legal de agir e evitar o resultado morte. [...] Habeas corpus não conhecido (STJ - HC: 443740 SP 2018/0075801-2, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 02/08/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/08/2018).
Vários são os posicionamentos jurisprudenciais acerca da homossexualidade, dentre os já mencionados, o mais recente foi da decisão monocrática da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a suspensão do trâmite de ação popular na Justiça Federal do Distrito Federal que busca sustar os efeitos da Resolução 1/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão de orientação sexual e veda a chamada “cura gay”. Determinou, também, a suspensão dos efeitos de decisão de primeira instância que autorizou psicólogos realizar atendimentos voluntários para “transtornos psicológicos e comportamentos associados à orientação sexual” (BRASIL, 2019).
Pelo exposto, sem prejuízo da reapreciação da matéria no julgamento do mérito, defiro a medida liminar requerida para suspender a tramitação da Ação Popular n. 1011189-79.2017.4.01.3400 e todos os efeitos de atos judiciais nela praticados, mantendo-se íntegra e eficaz a Resolução n. 1 do Conselho Federal de Psicologia (RCL 31818 MC / DF, 2019, p. 09).
Não restam dúvidas quanto às variações jurisprudenciais, que se tornaram constantes nos últimos anos. Porém, o fato de não ter uma legislação especifica para os indivíduos não significa que não existem direitos pertencentes a esse grupo.
5 IMPLICAÇÕES MERCADOLÓGICAS NA IDÉIA DA REORIENTAÇÃO SEXUAL
Há anos o grupo LGBTQ enfrenta uma luta diária no Brasil para provar que a homossexualidade não é uma doença, para Willian De Lucca, jornalista e ativista LGBTQ, a questão da “cura gay” parece ser bem mais uma questão financeira do que religiosa. Segundo ele, existe um mercado por trás da cura gay, existem centros religiosos, casas que oferecem esse tipo de tratamento, esse é um mercado que dá muito dinheiro para muitos (NEGRÃO, 2017).
Vários países, que tenham ou não legislação acerca da homoafetividade, realizam inúmeros tratamentos para curar a homossexualidade. Pode-se confirmar, diante de tantas notícias que existe, de fato, uma questão financeira envolvida nos mencionados tratamentos, visto que, se existe alguém que precisa da cura, necessariamente precisará de alguém para o tratamento.
O exemplo disso, no Reino Unido, apesar de várias instituições terem assinado um acordo descrevendo o tratamento como potencialmente prejudicial e antiético, a terapia de reorientação é legalizada. Segundo a revista eletrônica BBC, uma pesquisa apontou, em 2009, que cerca de 200 (duzentos) especialistas de saúde mental ofereceram tratamentos voltados a conversão de homossexuais, sendo 40% deles tratados dentro do próprio hospital (LOUREIRO, 2017).
Similar ao Brasil, a Rússia retirou a homossexualidade da lista de doenças psiquiátricas em 1999, porém, apesar de não ser oficialmente considerada como tal, existem ainda, profissionais da saúde que oferecem a “cura gay”, Yan Goland, por exemplo, diz ter curado 78 (setenta e oito) homossexuais e 8 (oito) transexuais, utilizando o método desenvolvido na União Soviética, por seu mentor, Nikolai Ivanov. Yan Goland respondeu à BBC que o tratamento dura cerca de 8 a 18 meses, disse que:
No primeiro estágio, ele "destrói" a atração da pessoa por indivíduos do mesmo sexo através de hipnose, cuja sessão pode durar até 8 horas. No segundo estágio, ele força atração a pessoas de sexo oposto. "Eu digo a eles: 'quando você sair da sessão, caminhe pela rua e olhe todas as mulheres jovens que passarem por você, mostre interesse em seus corpos e selecione as melhores'". O terceiro passo é o ato sexual com pessoas do sexo oposto (LOUREIRO, 2017).
O profissional, aos seus 80 anos, afirma que continua com as terapias de reorientação sexual.
Na China, a homossexualidade não é considerada crime, muito menos doença. Mesmo julgamentos favoráveis à proibição da cura gay tenham acontecido no país, ainda assim, clinicas e até mesmo hospitais públicos continuam oferecendo tratamentos para a conversão sexual. Esse pseudotratamento, que abrange múltiplas técnicas, de hipnose, fármacos, passando até mesmo por eletrochoques, fazem com que pais e familiares paguem altas somas de dinheiro (LIY, 2017).
Na Malásia, o governo lançou um concurso de vídeos sobre “práticas de vida saudável”, com prêmio de ate mil dólares para quem explicar, com melhor criatividade como “evitar a homossexualidade”. No site do Ministério da Saúde do país, trazem como explicação para tais vídeos, a ajuda para prevenir a homossexualidade, controla-la e obter ajuda, além de explicar os problemas e consequências de tais práticas, denominado pelo concurso de confusão de gêneros (EMPORIO, 2017).
No equador, 123 centros de reabilitação de dependentes químicos foram autorizados pelo governo para atuar no tratamento, acontece que, em média, 80 clinicas agiam de forma ilegal, forçando a internação de pessoas homossexuais, consequentemente lucrando com tal pratica. De acordo com o vice-ministro da Saúde, Miguel Malo, os casos não são poucos, indicando a existência de uma verdadeira máfia atuando em clínicas clandestinas. Duas pessoas faleceram por consequência desses tratamentos, segundo denuncias (REVISTA FÓRUM, 2013).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É perceptível que ao longo da história várias foram as tentativas de curar a homossexualidade, todas, conforme relatadas no presente estudo, incapaz de curar alguém. Com a autorização de praticar terapias para reorientar a sexualidade de um individuo abre precedentes horríveis para uma questão bem pior, o suicídio.
As pessoas do grupo LGBTQ já passam por uma violência constante pelo simples fato de ser homossexuais, muitas vezes são expulsos de casa, mortos na rua e até mesmo agredidos pelos próprios pais. Fazer com que elas desenvolvam sentimento de culpa por algo que não têm nenhuma responsabilidade, sendo que essa responsabilidade é na verdade da sociedade, que os recriminam, é muito cruel. E o Estado, como detentor do ordenamento jurídico tem como dever, resguardar os direitos dos cidadãos, garantir que qualquer um, independente de sua orientação sexual seja o que quiser ser.
Quando um juiz opta pela autorização desses tipos de tratamentos, na verdade, ele está munindo profissionais, pais, familiares preconceituosos, com argumentos, para prejudicar ainda mais o psicológico dessas pessoas, forçando seus filhos para fazer tratamentos que eles não querem, levando-os a pensar que não possuem ninguém para defendê-los, já que a própria justiça não anda fazendo esse papel.
Não existir legislação específica acerca do tema abordado não quer dizer que inexiste direito a serem defendidos, nem impossibilita a extração de efeitos jurídicos para determinada situação fática. A falta de previsão legal não pode servir de justificativa para deixar de reconhecer a existência de direito. Na omissão legal, deve o juiz aplicar a analogia, costumes e princípios gerais de direito.
Como bem mostrado no artigo, o tema sofre constantes mudanças, inclusive na Corte Suprema, sendo um tema de densidade profunda que exigirá, ainda, reflexões de várias áreas, não só a jurídica.
Assim, conclui-se o estudo reafirmando que as terapias de reorientação sexual podem ser consideradas como um mercado de charlatanice que vai contra a ciência, fere os princípios fundamentais da Constituição, traumatiza pessoas para o resto de suas vidas e servem para justificar a homofobia.
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Advogada e Pós-Graduanda em Direito civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Franciele Abreu. Direito à igualdade e dignidade da pessoa humana diante da terapia de reorientação sexual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 maio 2021, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56537/direito-igualdade-e-dignidade-da-pessoa-humana-diante-da-terapia-de-reorientao-sexual. Acesso em: 23 dez 2024.
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