ROBERTO MARIO RASO
(coautor)
RESUMO: O presente artigo visa abordar a tripartição e harmonia entre os poderes no âmbito da União, seu surgimento, atuação e o elevado protagonismo tomado pelo Judiciário. A obra literária O Espirito das Leis, de Charles de Montesquieu, Filosofo Frances Iluminista e Professor, do século XVIII, defende a tripartição dos poderes em: Executivo, Legislativo e Judiciário. Obra, que busca mostrar que o poder gerido por uma única pessoa gera um Estado Absolutista e um Governo autoritário. Já o poder dividido por mais pessoas, poderes independentes, reduz a possibilidade de abusos. O Brasil, em sua democracia, adota o princípio da separação dos poderes, que é clausula pétrea presente no texto constitucional não sendo possível sua alteração. O poder é indivisível, pois esse emana do povo. Traz o artigo 2° da Constituição Federal, a independência e harmonia entre os poderes. Cada qual com sua função típica, mas também agindo como limitador de crescimento uns dos outros. Adota-se como método de abordagem o hipotético-dedutivo e, como método de procedimento descritivo, a pesquisa bibliográfica, pois se busca na doutrina elementos para a compreensão do tema.
PALAVRAS-CHAVE: Separação dos Poderes. Harmonia. Legislativo. Executivo. Judiciário.
ABSTRACT: This article aims to address the tripartition and harmony between the powers within the Union, their emergence, performance and the high role taken by the Judiciary. The literary work The Spirit of Laws, by Charles de Montesquieu, French Illuminist Philosopher and Professor, from the 18th century, defends the tripartition of powers in: Executive, Legislative and Judiciary. Work that seeks to show that the power managed by a single person generates an Absolutist State and an authoritarian Government. Power divided by more people, independent powers, reduces the possibility of abuse. Brazil, in its democracy, adopts the principle of separation of powers, which is an essential clause present in the constitutional text and its amendment is not possible. Power is indivisible, because it emanates from the people. It brings article 2 of the Federal Constitution, the independence and harmony between the powers. Each with its typical function, but also acting as a growth limiter for each other. The hypothetical-deductive method of approach is adopted and, as a method of descriptive procedure, a bibliographic search, as the doctrine seeks elements for understanding the theme.
KEYWORDS: Separation of Powers. Harmony. Legislative. Executive. Judiciary.
SUMÁRIO: 1Introdução - 2. Separação dos Poderes e Ativismo Judicial: 2.1Princípios da Separação dos Poderes; 2.2 Surgimento e Conceito de Ativismo Judicial; 2.3 Fundamentos do Ativismo Judicial; 2.4 Ativismo Judicial e Supremo Tribunal Federal; 2.5 Critica a Expansão da Intervenção Judicial. 3. Conclusão. 4. Referências.
O poder soberano é do povo, e não daquele que é indicado por representante eleito para ocupar cadeira em corte superior, pois a República é um Estado democrático de direito.
De acordo com o art. 2º, da Constituição Federal de 1988, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si, sendo que cada qual exerce um papel diverso na sociedade brasileira. Contudo, nos últimos anos, no Poder Judiciário, decisões são tomadas com ingerência no âmbito de atuação de outro poder, corroborando no fenômeno do ativismo judicial, consubstanciado no maior protagonismo do Judiciário.
Consiste o ativismo judicial, em extrapolar o âmbito de atuação do Judiciário, com a prolação de decisões que acabam por interferir na esfera dos demais poderes, em especial do Legislativo, como comumente se tem visto nas decisões prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal.
Ocorre que o ativismo judicial é perigoso, pois acaba por propiciar certa insegurança jurídica às decisões, eis que o juiz de direito acaba por não pautar sua decisão com base no ordenamento jurídico brasileiro, não raras vezes invocando suas convicções pessoais, diante da ausência legislativa sobre determinado assunto.
É nesse contexto que se situa esse estudo, que tem por objetivo analisar a atuação do Judiciário brasileiro, em especial, o Supremo Tribunal Federal, sob o enfoque do chamado ativismo judicial e do constitucionalismo contemporâneo.
O direito aqui é instituído de forma democrática, os poderes se complementam, interagem e se fiscalizam. Fiscalizar sim, invadir a esfera de atuação do outro não. Postura essa que se ocorrer é um flagrante desrespeito a Magna Carta.
No cenário, marcado pela concentração de poderes da França absolutista do século XVI a XVIII é que surge a figura do Barão de Montesquieu, autor do conceito clássico de separação dos poderes e pensador de enorme influência na organização política dos estados já à sua época. Sua nova proposta de forma de governo é sintetizada por Souza Júnior (2002, p. 26-27) nos seguintes termos:
[...] propõe um modelo institucional, uma receita juspolítica (senão para todo o Ocidente, pelo menos para a sua França), que viabilizasse, pela Constituição, a liberdade encontrável na Inglaterra. O modelo pode ser condensado na seguinte fórmula: (a) dividir o poder estatal entre os três órgãos existentes (Rei, Parlamento e Juízes), (b) atribuindo-se a cada um deles uma das três funções em que se poderia classificar a política (função executiva, função legislativa e função judicial) e (c) de uma forma a mais separada ou pura possível, posicionando os três órgãos (com o exercício especializado das respectivas funções), em um quadro de relações recíprocas, reforçado por mecanismos adicionais de travamento - a independência e a harmonia, de que falam, ainda hoje, vários textos constitucionais.
Os poderes foram criados para se frearem, surgindo assim à tripartição dos poderes, o Sistema de Freios e Contrapesos. O Poder Legislativo tem em sua função típica de legislar, criando leis que atendam aos anseios da sociedade, o Legislador, escuta, pensa e diz qual o direito necessário para a sociedade. É também sua função típica a de fiscalizar. Mas, possui também funções atípicas que são a de administração própria e também julgadora em casos de crime de responsabilidade praticados pelo Executivo.
Já o Executivo tem como função típica exercer uma governança, administrando o Estado, executar o que determinam as leis vigentes, com isso atendendo as necessidades da população. Já como atípico esse pode legislar através de atos normativos como Medidas Provisórias, Decretos, Leis Delegadas e normatizando leis.
O Poder Judiciário tem como função típica julgar resolvendo os conflitos a este colocados exercendo a jurisdição. Já como atípica este legisla e administra. Isso quando um Tribunal elabora seu Regimento interno e abre concursos públicos.
O Judiciário nunca possuiu tanto destaque como nos dias atuais. Infelizmente não só por sua atuação como casa de poder, mas sim por sua intromissão nos demais poderes, alegando enxergar com seus olhos uma omissão e ate incompetência do Executivo e Legislativo. O faz, fugindo do seu fiel proposito, que é o de se manter vigilante, presente e ativo, e não buscar expandir sua área de atuação e esfera de poder.
Vale ressaltar como já exposto, que os poderes gozam de função típica e atípica, mas uma atipicidade não configura brecha constitucional e difusão de poder. Nossa Corte Suprema caminha construindo uma pirâmide de poder, onde o Executivo e Legislativo figuram como peças terrenas e o Judiciário atual se estabelece sozinho no topo. Colocado lá por si próprio, e não investido pelo constituinte.
O texto constitucional é claro ao tratar os poderes de forma que não exista hierarquia entre os mesmos. Segundo Flávia Messa (2018, p.41)¨O direito constitucional é o ponto de apoio das demais disciplinas jurídicas. É o tronco do qual se separam os demais ramos, dando as coordenadas da vida jurídica do Estado¨.
De fato, são ainda mais relevantes os dois princípios quando entendidos no contexto do sistema de freios e contrapesos, isto é, o sistema de mecanismos interior ao funcionamento dos poderes que, de forma legítima, interferem na atuação um dos outros. A independência, portanto, não deve ser entendida de forma absoluta, uma vez que, por determinação constitucional é conferido a cada um dos poderes certa gerência sobre os outros. Já a harmonia se refere ao modo de exercício do poder, que não pode se utilizar das prerrogativas de interferência para garantir mais poder a si e, consequentemente, menos ao outro.
É justamente pelo sistema de pesos e contrapesos que o poder controla o poder, como concebeu Montesquieu. E, sobre a consagração de tal princípio no direito brasileiro, Ferraz (2007, p. 52) elucida:
[...] os membros do Supremo Tribunal Federal são escolhidos pelo Presidente da República e se submetem à aprovação pelo Senado Federal, as leis aprovadas pelo Legislativo e sancionadas pelo Executivo se submetem ao controle de constitucionalidade pelo Judiciário, o julgamento do Presidente da República nos crimes de responsabilidade é de competência do Senado Federal, presidido pelo presidente do Supremo Tribunal, e assim em diante.
Os princípios da harmonia e independência norteados por Montesquieu estão dispostos também no atual artigo constitucional que versa sobre a questão, cláusula pétrea, qual seja o art. 2º da Constituição Federal de 1988, que de forma expressa determina a independência e harmonia entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Silva (2019, p. 110) assim define o princípio da independência:
[...] significa: a) que a investidura e a permanência das pessoas num órgão do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros; b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais.
Já o princípio da harmonia, segundo Canotilho e Moreira (1991, p. 71) pode ser compreendido nos seguintes termos:
[...] compreende duas vertentes, uma positiva, outra negativa. A primeira consiste em que diversos órgãos do poder devem cooperar na medida necessária para realizar os objetivos constitucionais e para permitir o funcionamento do sistema com o mínimo de atritos possível. A segunda determina que os titulares dos órgãos do Poder devem respeitar-se mutuamente e renunciar a prática de guerrilha institucional, de abuso de poder, de retaliação gratuita ou de desconsideração grosseira. Na verdade, nenhuma cooperação constitucional será possível sem uma deontologia política, fundada no respeito das pessoas e das instituições e num apurado sentido da responsabilidade do Estado (statesmanship).
A independência entre os poderes significa distribuir entre eles as funções essenciais a ser prestada pela União, uma melhor governabilidade da nação. Segundo Hack, (2012, p.164)
A tripartição, além desse caráter prático, também se destina a fazer com que cada um dos poderes seja controlado pelos demais, de forma que não haja uma excessiva concentração de poder e exista um controle efetivo da coisa pública pelo próprio Estado.
2.2 SURGIMENTO E CONCEITO DE ATIVISMO JUDICIAL
A primeira questão a se ressaltar, nesse ponto, como lembra Barroso (2017), é que a expressão “ativismo judicial” foi cunhada nos Estados Unidos e empregada, sobretudo para relatar as decisões da Suprema Corte durante os anos de 1954 e 1969, quando ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação às práticas políticas nos Estados Unidos, culminando numa jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais.
Uma das práticas que mais tem chamado a atenção dentro da interpretação e aplicação do Direito, em especial no que se refere à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tem sido o fato a que se tem levado o Poder Judiciário, principalmente dentro do Supremo Tribunal Federal, a proferir decisões de cunho normativo. O ativismo judicial, como é chamado, é tido como o fato de exercer funções para além dos limites impostos pelo ordenamento.
Segundo os ensinamentos de RAMOS (2013, p. 308), ativismo judicial é o:
“exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios subjetivos [...] e controvérsias jurídicas de natureza objetiva [...]”.
Semelhantes são os ensinamentos de Moraes (2019, p. 21), que pontua:
A partir da constatação de cinco significados, o fenômeno sob investigação pode ser examinado como (i) “prática utilizada para atacar os atos emanados de outros Poderes do Estado, com constitucionalidade defensável”, (ii) “estratégia de não aplicar os precedentes”, (iii) “afastamento dos cânones de interpretação”, (iv) “conduta de legislar a partir dos tribunais” ou (v) “julgamento predeterminado a um fim”.
E o autor filia-se à corrente que defende ser o ativismo judicial um método de criação judicial do Direito para além da lei, mas dentro da noção de justiça (MORAES, 2019).
Já Barroso (2010, p. 84) define o ativismo judicial como “postura do intérprete, de modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para além do legislador ordinário”.
Portanto, o ativismo judicial, em apertada síntese, consiste na atuação proativa do Poder Judiciário, ou seja, está associada à participação mais ampla e intensa deste Poder na defesa, aplicação e concretização dos valores constitucionais.
Segundo Barroso (2010), o fim do período ditatorial e a promulgação da Constituição Federal de 1988 apresentaram condições propícias para o desenvolvimento do ativismo judicial no Brasil. De fato, inúmeras são as decisões, principalmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que demonstram claramente a postura proativa do Poder Judiciário.
Segundo Mello (2012), o Judiciário assumiu uma conotação quase normativa nos últimos anos, com decisões que obrigam o Estado, sobre um olhar mais crítico, a agir em questões que, num primeiro momento, não seriam de responsabilidade do Poder Judiciário.
Por fim, vale ressaltar que, para Barroso (2017), o fundamento do ativismo judicial é a atuação mais progressista, ampla e intensa decorrente da crise vivenciada pelo Estado brasileiro nas últimas décadas, mormente quanto à consagração dos direitos fundamentais.
De acordo com Moraes (2019), o protagonismo do Poder Judiciário, no Brasil, é claramente sentido em decisões que envolvem questões polemicas, de dissenso moral razoável e aspectos não socialmente estáveis, o que é uma realidade não apenas no Brasil, mas também em outros Tribunais Constitucionais.
É inegável o papel de proeminência que o Supremo Tribunal Federal exerce atualmente na vida econômica, social e política atualmente na sociedade. Como observa Vieira (2018, p. 161):
A Constituição de 1988 atribuiu ao Supremo Tribunal Federal um papel central no sistema político brasileiro. Nos últimos anos, raros foram os dias em que decisões do Supremo Tribunal Federal não se tornaram manchete dos principais jornais brasileiros, seja nos cadernos de política, economia, legislação, polícia, seja mesmo ciência, educação ou cultura. Todas as questões mais relevantes discutidas na sociedade brasileira parecem, mais dia menos dia, reclamar uma decisão do STF, tornando a sua presença uma constante na nossa vida pública.
Salienta o autor ainda que, na história da organização do Estado brasileiro, não existiu momento em que a Corte teve relevância correlata:
Embora o Supremo tenha desempenhado posição relevante nos regimes constitucionais anteriores, com momento de enorme fertilidade jurisprudencial e proeminência política, como na Primeira República, ou ainda de grande coragem moral, por exemplo, no início do período militar, não há como comparar a atual proeminência do Tribunal com a sua atuação passada (VIEIRA, 2018, p. 161).
Isto posto natural questionar as razões para a alçada, não só da Corte Constitucional como também de todo o Poder Judiciário, à um posto tão relevante na vida política brasileira. Em meio a esse cenário é que a dúvida principal que se insurge é a de qual seria um meio-termo para a interpretação ativista do Poder Judiciário, sem que configure afronta aos Poderes Executivo e Legislativo.
A incompatibilidade do desenho institucional do Judiciário e o crescente protagonismo deste poder fomenta diversas críticas, principalmente quanto à mitigação do sistema de freios e contrapesos. Como observa Barroso (2017), várias são as objeções à atuação mais ativa do Poder Judiciário, principalmente pela ingerência desse poder no âmbito de atuação do Executivo e Legislativo.
Um ferrenho crítico do ativismo judicial é Lenio Streck (2013), por entender que o protagonismo do Poder Judiciário, no Brasil, é acentuado, corroborando para o que denomina de “juristocracia”. Logo, conclui que o ativismo judicial representa um perigo para a representação política, pois a afronta à Constituição Federal, por parte do Poder Judiciário, é mais grave que qualquer outra deferida pelos demais poderes, já que ao Judiciário compete a sua guarda.
Em recente artigo o autor critica a confusão que comumente se faz entre judicialização e ativismo judicial, ressaltando que no ativismo o Judiciário coloca-se no lugar dos juízos políticos do legislador os seus valores (STRECK, 2020).
Não bastasse isso, há o que Veríssimo (2008, p. 415) denomina de “ativismo à brasileira”, de forma crítica, definida nos seguintes termos:
O fato de possuir uma corte suprema ativista não chegaria, por si só, a tornar o caso brasileiro uma espécie de anomalia entre as nações ocidentais, já que o crescente ativismo das cortes supremas e constitucionais tem sido um fenômeno relativamente global. No entanto, o que torna o caso brasileiro anômalo é o fato de essa corte ser, também, a mais produtiva do País (certamente, uma das mais produtivas do mundo), sobretudo quando se considera o número de casos julgados ao ano por magistrado. Isso, sem dúvida, é um traço particular de nossa experiência, caracterizando aquilo que poderia ser chamado, com alguma ironia, talvez, de ativismo à brasileira.
Vieira (2018, p. 166), após apontar a distinção do caso brasileiro em relação à quantidade de temas apreciados, distinção de escala, observa uma segunda particularidade, de natureza:
De natureza pelo fato de não haver nenhum obstáculo para que o Supremo aprecie atos produzidos pelo sistema representativo, inclusive pelo próprio poder constituinte reformador; Assim, suas decisões não podem, em tese, ser derrubadas pelo parlamento, como na maioria das democracias constitucionais. Assim sendo, o Supremo exerce o controle tanto sobre a política ordinária, analisando a constitucionalidade de leis e atos do Executivo, como sobre a política constitucional. Talvez as supremas cortes indiana e colombiana sejam as únicas que partilhem o status supremocrático assumido pelo STF no Brasil a partir de 1988.
Uma terceira diferenciação, claramente intensificada nos últimos anos no âmbito do Supremo Tribunal Federal, é a carência de fundamentação adequada, utilização de argumentos metajurídicos e finalísticos, que resultam em decisões sem padrão identificável e imprevisíveis.
A ideia de que as decisões ativistas do Supremo, no campo de direitos fundamentais sempre caminham à expansão de direitos, como pensam alguns doutrinadores (o que mesmo assim não as legitimaria), não sobrevive a uma análise rápida da jurisprudência recente da Corte.
É lastimável que a mais alta Corte constitucional do país, cuja função precípua é a proteção de direitos e garantias individuais em consonância com a Carta Magna, utilize em suas decisões o argumento da “fortíssima opinião popular” sobre qualquer tema. Espera-se justamente, que ante o clamor popular, a Corte possa exercer sua força contra majoritária e decidir conforme a Constituição.
Ora, por óbvio que não cabe a um ministro do Supremo Tribunal Federal decidir baseado em sua concepção pessoal do que serve melhor ao país. A concepção de um ministro da interpretação da Constituição que melhor serve ao país é, ou deveria ser completamente irrelevante a uma decisão de constitucionalidade da norma.
Deve-se notar ainda que o decisionismo baseado em argumentos metajurídicos e finalísticos, que por vezes se decide na esteira de ampliar garantias individuais, é o mesmo decisionismo que faz leituras incabíveis da Constituição em sentido contrário. O ativismo judicial brasileiro não tem direção única.
Evidente que o fenômeno do protagonismo judicial, presente em diversas democracias pelo mundo, não é ruim per si, mas a forma como esse ativismo vem sendo exercido no Brasil possui diversos problemas. Faz-se necessário uma adequação do fenômeno à realidade institucional brasileira, de modo a gerar maior accountability e um padrão de decisões previsíveis, o que só poderá ser alcançado, a começar, por uma ratio deciendi pautada no direito infra e constitucional, e menos principiológica finalística.
Conclui-se por fim, que o modo de exercício do protagonismo judicial na contemporaneidade pelo Supremo Tribunal Federal, acaba por resultar na perda de autoridade do Direito.
De fato, apesar de possuir algumas das prerrogativas que conferem ao STF o poder de assim decidir desde a Constituição Federal de 1988 (como o excesso de competências e o alto número de direitos individuais dispostos na Carta Magna, que possibilita a judicialização da política), o ativismo judicial exacerbado é uma característica relativamente recente observada na Corte.
Tal fenômeno tem como uma de suas principais causa a chamada crise de representatividade, de observância mundial, onde a sociedade, por sentir que as promessas do Estado de bem-estar social não restaram cumpridas, não se sente refletida pelos representantes dos poderes políticos.
Nesse contexto, com a ascensão ainda do conceito de supremacia constitucional, o Poder Judiciário, principalmente na figura no Supremo Tribunal Federal, busca cumpri-las por meios incabíveis, não observando o modo ideal de implementação de políticas públicas e ocasionalmente maculando o princípio da separação de poderes.
Destarte, percebe-se que o ativismo judicial é tema que fomenta debates, inexistindo consenso, na doutrina, quanto aos seus benefícios e malefícios. Em qualquer caso, não se pode ignorar a importância de se observar os princípios constitucionais, em especial o da separação dos poderes, sob pena de corroborar para a instabilidade institucional.
Assim, o ativismo alcança todas as esferas, o que estimula críticas, pois corrobora para a instabilidade institucional, principalmente pela ingerência do Judiciário na esfera de atuação do Legislativo e Executivo. Decerto, embora necessária, não se pode aceitar o ativismo acerbado, como vem ocorrendo, pois afronta o princípio da separação dos poderes.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Gustavo Oliveira De. Ativismo judicial e sua expansão de poder Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 maio 2021, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56558/ativismo-judicial-e-sua-expanso-de-poder. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
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