ERIC JOSÉ MIGANI[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo irá realizar uma abordagem do assédio moral na perspectiva do teletrabalho, conferindo atualidade ao tema em decorrência da dos avanços tecnológicos que de modo abrupto foram inseridos no contexto social em decorrência da pandemia do COVID 19. Assim, o objetivo do trabalho consiste em compreender a ocorrência do assédio moral no ambiente do teletrabalho e a respectiva responsabilidade do empregador em reparar eventuais danos. Metodologicamente, trata-se de pesquisa de revisão bibliográfica consistirá na seleção de textos relativos a área. No estudo se verificou que o assédio moral poderá ser classificado como dano moral, outros o colocam como discriminação. Parece mais prudente dizer que o assédio moral tem a natureza jurídica de atos discriminatórios, que merecem sua devida reparação por danos morais quando praticados. O estudo se justifica ante a necessidade de se demonstrar a gravidade social do assédio moral e os seus efeitos na perspectiva psicológica do empregado. Isso porque o assédio moral poderá acarretar nefastas consequências para a saúde e bem-estar social do trabalhador. No âmbito processual, mesmo que seja difícil provar em juízo o assédio moral, é necessário que a vítima busque alternativas para provar o assédio sofrido, de modo que faça jus a reparação de danos proporcionada pelo instituto da responsabilização civil por danos morais. Quanto ao quantum indenizatório, não há como fazer uma quantificação por simples cálculo matemático. Necessário se faz verificar as condições das partes, bem como os níveis sociais de ambos, a intensidade da culpa, entre outros aspectos.
Palavras-Chave: Assédio Moral. Teletrabalho. Reparação de Dano. Nexo Causal.
ABSTRACT: This article will address moral harassment from the perspective of teleworking, bringing the topic up to date as a result of technological advances that were abruptly inserted into the social context as a result of the COVID 19 pandemic. Thus, the objective of the work is to understand the occurrence of moral harassment in the telework environment and the respective responsibility of the employer to repair any damages. Methodologically, this is a bibliographic review research that will consist in the selection of texts related. In the study it was found that moral harassment can be classified as moral damage, others put it as discrimination. It seems more prudent to say that moral harassment has the legal nature of discriminatory acts, which deserve their due reparation for moral damages when practiced. The study is justified by the need to demonstrate the social severity of bullying and its effects on the employee's psychological perspective. This is because moral harassment may have harmful consequences for the health and social well-being of the worker. In the procedural sphere, even if it is difficult to prove moral harassment in judges, it is necessary that the victim seek alternatives to prove the harassment suffered, so that it is entitled to reinforce the damages provided by the civil liability institute for moral damages. As for the compensatory quantum, there is no way to make a quantification by simple mathematical calculation. It is necessary to verify the conditions of the parties, as well as the social levels of both, the intensity of the guilt, among other aspects.
Keywords: Moral Harassment. Teleworking. Damage Repair. Causal Nexus.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho aborda o assédio moral no ambiente de trabalho com ênfase no teletrabalho. Com isso, objetiva trazer à tona os aspectos que circundam esse grave problema com foco em tal modalidade. O assédio de uma forma geral, consiste em comportamento indesejado por parte do agressor com o intuito de ferir a dignidade de outra pessoa no ambiente laboral.
O estudo se justifica ante a necessidade de se demonstrar a gravidade social do assédio moral. Isso porque o assédio moral poderá acarretar nefastas consequências para a saúde e bem-estar social do trabalhador, tais como o seu relacionamento com a família, depressão, sofrimento, autoestima, entre outros.
Conforme consignado, o indivíduo vai perdendo as forças psíquicas de tal forma que, com o tempo, pouco ou nada faz para reverter a situação de assédio sofrido. As drogas lícitas ou ilícitas acabam sendo o recurso de muitos que são utilizados para amenizar o sofrimento das vítimas de assédio moral. Quanto à empresa, ela poderá sofrer sérias consequências, visto que poderá prejudicar a cultura organizacional, a motivação e autoestima de seu corpo laboral, o alcance dos objetivos, entre outros.
Assim, a empresa poderá ter fortes impactos econômicos, em função dos gastos com àqueles que não correspondem com a produtividade. Ora o assediador perde tempo com suas políticas de assédio.
O assediado, por sua vez, tem a sua produtividade diminuída em razão dos danos sofridos. Para a sociedade também há prejuízos, vistos que, com o pagamento da previdência para o afastado por motivos psíquicos decorrentes do assédio moral deriva dos cofres públicos. O assédio moral, desse modo, prejudica não só ao empregado, mas a todo um contexto social no qual se veja inserido.
Não existe legislação específica na qual conceitue o assédio moral, contudo com o passar dos anos, inspirado pela constituição e legislação comum os balizamentos da responsabilização civil foram incorporados para a seara trabalhista. O exposto vai ao encontro do que estabelece a Carta Magna. Assim, conforme o Artigo 5º, em seu inciso XXXV “a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito”. A princípio, pode-se dizer que a empresa possui responsabilidade pelas ações ou omissões de seus subordinados. Nada impede que o agente assediador possa ser submetido a punições. No entanto, o ônus da prova recai sobre o assediado, que deverá comprovar a lesão moral sofrido.
2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
Diante do exposto, surge a necessidade de se conceituar assédio moral poder compreender exatamente o que significa. Necessário antecipar que o assédio moral pode acarretar violência psíquica, moral e física, podendo resultar, em determinadas situações, o desligamento do local de trabalho por parte do assediador.
Segundo Alkimin (2017, p 38):
O assédio moral, também conhecido como terrorismo psicológico ou psicoterror, é uma forma de violência psíquica praticada no local de trabalho, e que consiste na prática de atos, gestos, palavras e comportamentos vexatórios, humilhantes, degradantes e constrangedores, de forma sistemática e prolongada, cuja prática assediante pode ter como sujeito ativo o empregado ou superior hierárquico (assédio vertical) um colega de trabalho (assédio horizontal), ou subordinado (assédio ascendente), com clara intenção discriminatória e perseguidora, visando eliminar a vítima da organização do trabalho.
O assédio moral poderá ser classificado como dano moral, outros o colocam como discriminação. Parece mais prudente dizer que o assédio moral tem a natureza jurídica de atos discriminatórios, que merecem sua devida reparação por danos morais quando praticados
A natureza jurídica do assédio moral muda entre os vários ramos do direito, no âmbito trabalhista para Marcelo Rodrigues Prata: ‘‘O assédio moral é encarado como falta grave, capaz de justificar a perda da estabilidade no emprego e ser considerado justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, tanto por parte do empregador como por parte do empregado’’. (PRATA, 2016, p. 58)
No ramo do direito penal, o assédio moral configura-se ilícito contra a liberdade pessoal através do constrangimento ilegal ou ameaça que está fundamentado no Código Penal Brasileiro, nos Artigos 146 e 22. Na esfera cível o assédio moral é considerado um ato ilícito, e é fundamentado no Código Civil Brasileiro, nos Artigos 186 e 187 (RODRIGUES, 2016).
No da Administração Pública Federal, o assédio moral é visto como uma quebra dos deveres em relação ao servidor público, com fundamentação legal na Lei n. 8.112/90. Proteger o empregado em sua moral é decorrência da valorização da dignidade do ser humano (Constituição Federal Art. 1°, III) e não se limita às proibições de discriminar, segundo Amauri mascaro nascimento, o constrangimento é a base da sua configuração.
Cada autor tem a sua visão metodológica para classificar o assédio moral, a autora Márcia Novaes Guedes (2018), classifica-o em três formas: Assédio Moral Vertical, Assédio Moral Horizontal e o Assédio Moral Ascendente, já a estudiosa Maria Aparecida Alkimin, classifica em três espécies: Vertical descendente, Horizontal Simples ou Coletivo e Vertical ascendente.
Vertical quando feito por superior hierárquico (diretor, assessor, chefe, gerente, supervisor etc.), ou por subordinados (assédio moral descendente e ascendente, respectivamente); horizontal, quando feito por colegas de trabalho, entre outros.
O assédio moral vertical descendente é o tipo de assédio moral mais habitual, geralmente ocorre de cima para baixo, ou seja, quando os subordinados são agredidos pelos chefes ou por algum funcionário que ocupa cargo superior em relação à vítima (SILVA, 2015).
Quando o assédio moral parte de um superior hierárquico, as consequências para a vítima são maiores, no que diz respeito à saúde, sem saber como se livrar daquele problema e se sentindo humilhada vai se afastando aos poucos na tentativa de amenizar a sua dor e sentimento de impotência (BARRETO, 2015).
O agressor submete o seu subordinado a procedimentos abusivos visando atingi-lo em decorrência de uma relação jurídica trabalhista, sendo ela celetista ou estatutária, é comum em empresas e instituições com regulamentos rígidos (policiais civis, militares, corpo de bombeiros etc.) e onde se tem metas e prazos rigorosos (bancários, comerciários etc.) a serem desempenhados.
Hirigoyen (2017, p. 21) divide o assédio vertical descendente em três subgrupos:
O assédio perverso, estratégico e institucional. O primeiro se dá quando o assediador persegue o empregado com o simples objetivo de eliminá-lo, valorizando egoisticamente seu poder. O assédio estratégico busca o pedido de demissão por parte do empregado. Finalmente, o assédio institucional é o que utiliza o assédio como um instrumento de gestão.
Nesta divisão percebemos que o objetivo do agressor pode ter três objetivos para com a vítima: eliminá-la, demonstrando assim todo o seu poder, vaidade e perversidade, induzir o pedido de demissão por parte do funcionário, que diante tanta humilhação desiste por não encontrar uma solução, ou até mesmo utiliza do assédio como forma de gestão, envolvendo-se em um misto de crueldade e autoritarismo, para mostrar aos outros subordinados quem é o líder.
O assédio moral ascendente no ambiente de trabalho caracteriza-se pela agressão de um ou mais subordinados contra o superior hierárquico, nesta modalidade de assédio os danos causados à vítima são iguais aos causados pelo assédio moral vertical descendente, podemos citar situações em que um funcionário é designado para um cargo de chefia, quando seus novos subordinados esperavam que o cargo fosse concedido a outro colega, Se o agredido revidar pode ser acusado de não conseguir manter a liderança e vir a perder o a sua chefia (ARAÚJO, 2019).
O Projeto de Lei n° 6.625/09, ainda em tramite no Congresso Nacional, de autoria do Deputado Federal Aldo Rabelo prevê em seus dispositivos a ocorrência dessa modalidade de assédio moral. O Artigo 2º, inciso I considera como sendo “assediador aquele que pratica atos de assédio moral, seja como empregador ou preposto deste, ou qualquer funcionário que pratique assédio moral em relação ao colega de trabalho, ainda que superior hierárquico”.
De acordo com Márcia Novaes Guedes (2018, p. 37):
A violência de baixo para cima geralmente ocorre quando um colega é promovido sem a consulta dos demais, ou quando a promoção implica um cargo de chefia cujas funções os subordinados supõem que o promovido não possui méritos para desempenhar tudo isso é extremamente agravado quando a comunicação interna inexiste entre superiores e subordinados.
Vale salientar que no serviço público, em que os funcionários, em sua maioria, gozam de estabilidade, esta modalidade se dá com maior frequência do que na iniciativa privada. O assédio moral horizontal caracteriza-se como sendo aquele os próprios colegas de trabalho, portanto quando não há nenhum grau de subordinação entre eles. Gerado por competitividade, preconceito ou até mesmo inveja, um indivíduo ou um grupo ataca o assediado com o intuito de receber uma promoção, destacar-se com a chefia, por homofobia, intransigência étnica ou religiosa.
Esse sistema de pagamento, ressaltado acima, consiste em uma forma de assédio moral. Isso porque estimula a vigilância entre colegas, ensejando em discriminação de alguns em virtude de não alcançarem as metas coletivas.
De acordo com Marie- France Hirigoyen: ‘‘Eles também precisam se auto proteger, pois reconhecer que a vítima não é culpada pelo que lhe está acontecendo é reconhecer também que um outro alvo pode ser escolhido de forma aleatória’’. (HIRIGOYEN, 2017, p. 240)
Percebe-se que o assédio moral misto é praticado, ao mesmo tempo, por pessoas que ocupam níveis hierárquicos diferentes em relação à vítima, por colegas de serviço e por superior hierárquico.
Frisa-se, ainda, que além das denominações misto e coletivo, alguns autores denominam esta espécie de assédio moral como horizontal por aderência, que engloba dois tipos de assédio moral no ambiente de trabalho, o assédio moral vertical descendente e o assédio moral vertical ascendente, que é quando a vítima é agredida pelos colegas e pelo empregador ou superior hierárquico. Percebendo que um determinado colega de trabalho está sendo submetido a discriminação, passam a se prevenir contra ele, para evitar que sejam apontados como semelhantes e sofram o mesmo tipo de assédio.
3 assédio moral no teletrabalho e a responsabilidade laboral
A OIT define o teletrabalho como a ‘‘forma de trabalho efetuada em lugar distante do escritório central e/ou do centro de produção, que permita a separação física e que implique o uso de uma nova tecnologia facilitadora da comunicação.’’
Nesse sentido, o teletrabalho compreende uma nova forma de flexibilizar o emprego típico, que provocou uma mudança radical nas relações de trabalho. O teletrabalho, ao contrário do trabalho em domicílio clássico, maximiza o uso de tecnologia da informação sem a qual não seria viável a sua organização. Além disso, pressupõe um trabalho fora da empresa e também não prestado necessariamente na residência do trabalhador. No Brasil, por exemplo, o teletrabalho tem se constituído à maneira de trabalho precário, informal e de baixa remuneração (DELGADO, 2018).
O teletrabalho é uma atividade executada em forma de uma espécie de tele subordinação, ou seja, uma subordinação jurídica à distância. Por outro lado, o Direito do Trabalho brasileiro ainda não possui regulamentação do teletrabalho e a jurisprudência tende a tratá-lo como uma modalidade de trabalho autônomo (INÁCIO, 2015).
Ocorre que o teletrabalho constitui, efetivamente, uma nova e peculiar forma de atividade, cujas características evidenciam um modo especial de subordinação jurídica, com a inserção plena do trabalhador na atividade produtiva, presentes, ainda, o potencial controle e a direção do trabalho pelo empregador, os quais não ficam descaracterizados pela distância na execução do serviço (DELGADO, 2018).
Hodiernamente, a subcontratação pelo teletrabalho consiste no surgimento de várias empresas prestadoras de serviços. Isto é necessário para ocupar o nicho de mercado estabelecido pelas demandas de empresas públicas e privadas, desempenhando algumas atividades, mais precisamente nas chamadas áreas-meio.
Em virtude de suas particularidades, o assédio moral poderá não ser tão nítido no teletrabalho quanto o seria em um regime presencial de prestação de serviços. Mas não se pode olvidar de sua ocorrência, implicando inclusive em responsabilidade civil do empregador.
Os sujeitos do assédio moral são aqueles que têm conduta, ato ou comportamento degradante ou humilhante que cause danos psicológicos e na vítima, ferindo sua autoestima, dignidade. Os sujeitos envolvidos nesse assédio moral são eles: sujeito ativo (agressor ou assediador), e sujeito passivo (vítima ou assediado).
O sujeito ativo poderá ser o próprio empregador, um preposto, um superior hierárquico, um colega de serviço, ou até um subordinado. Margarida Barreto (2016, p. 50) ao se referir ao assediador como agressor destaca que:
Os agressores são Homens e Mulheres, mediadores das políticas e detentores de certa autoridade. Enquanto chefes devem saber comandar, retirando de cada um a maior produtividade possível. Pressionados por uma estrutura burocrática e hierarquizada, exercem o mando de forma autoritária, revelando-se pequenos déspotas, indiferentes ao sofrimento e dificuldades alheias. Usam e abusam de práticas autoritárias. Amedrontam, intimidam, ameaçam e humilham sem piedade. Se inseguros, escondem sua fraqueza, disseminando terror, fofocas e maledicências.
O assediador é aquele que de qualquer forma está em uma relação de hierarquia para com o assediado, porém também poderá partir de colegas de trabalho com o mesmo grau hierárquico como vimos anteriormente, sobre este tipo de assediador. De outro lado da conduta de assédio moral está o sujeito passivo, denominado também de vítima ou assediado. Em regra, é a pessoa do empregado subordinado ao seu empregador; todavia, também poderá ser sujeito passivo da conduta de assédio moral o próprio superior hierárquico quando o assédio provier por parte de um subordinado (SANTOS, 2017).
De qualquer forma a vítima do assédio moral é aquela pessoa que desperta um sentimento de incômodo para o assediador. Por questões mínimas, ou até mesmo sem motivo, o sujeito ativo do assédio cria uma perseguição atentatória aos direitos da personalidade da vítima. Nesta perseguição, a vítima tende a se auto culpar e, por isso, inicia a degradação da paz de seu espírito, inclusive, com a possibilidade de ocorrência de patologias psíquicas.
No âmbito do teletrabalho o que é mais comum é a jornada extenuante de trabalho, na medida em que o trabalhador, estando em casa, está, em tese, diuturnamente à disposição do seu empregador. Com isso, os seus horários não são respeitados de modo que o empregado fica em um regime de constante sobreaviso. Isso poderá inclusive trazer dano existencial.
Sabe-se que o dano moral está relacionado com os sentimentos da pessoa, isto é, à esfera particular. O dano existencial, por sua vez, está relacionado com as mudanças negativas que ocorrem na rotina da pessoa em razão de um ato ilícito. O dano existencial caracteriza-se, ainda, como uma lesão ao conjunto de relações que propiciam o desenvolvimento normal da personalidade humana que acarreta numa limitação prejudicial alcançando tanto o âmbito pessoal como social (OLIVEIRA, 2012).
O dano existencial do teletrabalhador, classificado como uma nova espécie de dano moral foi desenvolvido originalmente pela jurisprudência italiana, e tem sido acolhido nos tribunais brasileiros, principalmente na esfera trabalhista. Tribunal Superior do Trabalho reconhece o dano existencial no Direito do Trabalho, com o intuito de preservar a existência social do trabalhador. Com isso, está aumentando cada vez mais o número de decisões que condenam empregadores ao pagamento de indenizações por danos existenciais causados a trabalhadores (SANTOS, 2017).
Ademais, o dano existencial pode estar inserido na hipótese de assédio moral, o qual compromete a saúde do trabalhador e, segundo pesquisas, podem originar desde sintomas físicos e psíquicos.
O indivíduo, portanto, tem direito de viver sem que haja interferências negativas de outras pessoas, isto é, os projetos de vida do indivíduo não podem ser comprometidos em razão de atos ilícitos provenientes de terceiros.
No que diz respeito à jornada de trabalho, o dano existencial ocorre quando há excessos que submetem o trabalhador à condição degradante ou análoga à de escravo. Comumente no abuso de execução de muitas horas extras, o trabalhador deixa de cuidar da sua própria existência, abdicando de suas pretensões presentes e futuras em função do trabalho demasiadamente excessivo. No que se refere à jornada de trabalho, a Consolidação das leis do trabalho prevê:
Artigo 58 - A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.
Artigo 59 – A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho.
No entanto, nem sempre esse limite de horas supracitado é obedecido. Na maioria dos casos, têm-se que as indenizações por danos existenciais são deferidas quando fica comprovado que o empregador exige frequentemente jornadas de trabalho excessivas, ou melhor, determina que o trabalhador preste um número de horas extras excedente ao limite legal que é estabelecido. Destarte, o trabalhador não tem tempo suficiente para um convívio social e familiar saudável. É evidente que o indivíduo que é submetido a trabalhar habitualmente mais de oito horas diárias tem sua existência restringida, pois o trabalhador abdica do lazer, da família, dos cuidados com a saúde, enfim, de tudo que condiz com sua vida particular e social para cumprir com o que e estabelecido pelo empregador.
Com a modernidade e o avanço das tecnologias, a sociedade capitalista tem se tornado perversa, fazendo do homem trabalhador como mera mercadoria utilizada pelo capitalista, visando apenas o lucro e não o bem-estar do empregado. Por mais que exista legislação em relação as jornadas de trabalho, muitos empregadores tentam burlar essas regras. Portanto é necessário colocar limites à jornada de trabalho, durante o tempo que o trabalhador trabalha ele é consumido pelo capital, ou seja, o capitalista compra o trabalho, e durante esse tempo ele procura aproveitar ao máximo a mercadoria que é o trabalhador.
O ser humano possui limite físico da força de trabalho e possui apenas vinte e quatro horas durante o dia, durante uma parte do dia, o trabalhador deve descansar, dormir, comer, satisfazer sua necessidade espirituais e sociais, além de trabalhar normalmente para o sustento seu e de sua família tem de encontrar tempo a mais para uma jornada de trabalho prolongada esbarrando fronteiras para satisfazer as necessidades do capitalismo.
No entanto, as vítimas em razão ausência de robustas provas e mesmo em razão de muitas vezes não saberem se o que sofrem consiste em assédio moral se veem sem possibilidades de acesso à justiça. É natural que a justiça não receba a provação, visto que pouco se sabe sobre assédio moral, ainda mais em um contexto de trabalho remoto, no qual o trabalhador pouco consegue perceber o assédio sofrido.
Com isso, entende-se que é preciso reconhecer o dano nos casos de assédio moral no âmbito do teletrabalho, apesar de ser mais difícil de ser identificado, bem como no que diz respeito ao excesso de jornada de trabalho. Esses abusos afrontam os direitos do trabalhador, como o direito à saúde, diante da necessidade de preservação da sua capacidade produtiva ao longo de sua vida, pois é do trabalho que provém a principal fonte, senão a única, do seu sustento pessoal e de sua família, além de fazer parte de sua dignidade de trabalhador e de pessoa humana.
Nota-se que a lesão na qual os trabalhadores assediados sofre é de difícil percepção e muitas vezes a rigidez probatória na qual deve ser produzida torna-se ainda mais difícil a reparação indenizatória decorrente do assédio. O ônus da prova recai sobre a parte que alega o dano sofrido. É o assediado quem deve provar o assédio sofrido. Caso contrário, os empregadores seriam refém de um emaranhado de ações sem nexo e robustez. Assim, na inicial a parte deverá demonstrar os fatos, o direito e a prova, de modo que o magistrado não tenha dificuldade em vislumbrar a ocorrência do assédio moral.
A prova produzida nos autos auxilia o magistrado no proferimento de sentença, Tendo em vista, que mesmo possuindo o livre convencimento, não poderá decidir baseado apenas em convicções. Igualmente, a produção de provas deverá seguir pré-estabelecidas, segundo as quais se incumbem às partes envolvidas em uma relação processual o ônus de provar os fatos alegados perante o magistrado. No entanto, considerando que o assédio moral ocorre normalmente de maneira velada, é de se perguntar como o assediado poderá provar em juízo o dano sofrido. Afinal, não basta postular, é necessário comprovar, por intermédio de provas contundentes, o assédio (PRATA, 2016).
Mesmo que a testemunha seja uma prova legalmente aceita, deverá ser analisada com cuidado. Ora, sabe-se que existem falsas testemunhas, as quais poderão induzir o magistrado ao engano. De igual modo, as impressões da testemunha poderão estar contaminadas por fatores subjetivos. Em razão disto, a prova testemunhal deverá ser valorada em conjunto com outros meios de prova, quando se fala em assédio moral (Alkimim, 2017).
Embora seja um tipo de prova arriscada, por conta da valoração subjetiva que cada testemunha poderá fazer do assédio moral, é a mais utilizada. O que ocorre amiúde é o fato da testemunha ser chamada para falar apenas aquilo que o magistrado que ouvir, esclarecendo conforme instruções de advogados. O magistrado deve estar preparado para evitar as testemunhas preparadas e treinadas para prestar esclarecimentos (GARCEZ NETO, 2018)
Diante o exposto, nota-se que é necessário ao assediado outros meios de prova, de modo que resta cristalina a incidência do assédio moral. Assim, outros meios de provas poderão ser utilizados, tais como documental, por intermédio do uso de documentos internos que comprovem o assédio ou gravações, entre outras provas virtuais. O agredido poderá filmar as ações do assediador e apresentar essa prova em juízo, por exemplo (PRATA, 2016).
Tão logo a vítima note que está sendo vítima de assédio moral, deve juntar documentos escritos pelo assediador, tais como e-mails, cartas, memorandos e bilhetes, entre outros que comprovem ‘perseguição’. Igualmente, as gravações das ofensas do malfeitor diretamente à vítima também poderão ser utilizadas, conforme frisado anteriormente. O advogado possui a missão de assessorar o seu cliente no que tange ao uso das provas (ALVES, 2014).
Mesmo que seja difícil provar em juízo o assédio moral, é necessário que a vítima busque alternativas para provar o assédio sofrido, de modo que faça jus a reparação de danos proporcionada pelo instituto da responsabilização civil por danos morais.
Quanto ao valor estabelecido no dano moral (quantum), não há como fazer uma quantificação por simples cálculo matemático. Isso porque não existem critérios legais para estabelecer a indenização. Necessário se faz verificar as condições das partes (empregador e empregado), bem como os níveis sociais de ambos, a atividade desenvolvida pela empresa, a intensidade da culpa, entre outros aspectos.
Theodoro Junior ensina que:
Se de um lado se aplica uma punição àquele que causa dano moral a outrem, e é por isso que se tem de levar em conta a sua capacidade patrimonial para medir a extensão da pena civil imposta; de outro lado, tem-se de levar em conta a situação e o estado do ofendido, para medir a reparação em face de suas condições pessoais e sociais. (THEODORO JUNIOR, 2017, p. 67)
Esse valor, independentemente do quantum, possui forte caráter punitivo, haja vista que o empregador deverá arcar com as consequências de sua negligência, imprudência, imperícia ou dolo. Por outro prisma, existe a concepção compensatória do dano moral, haja vista que o trabalhador receberá uma reparação do mal sofrido (BARROS, 2014).
Mirna Cianci explicita que:
A doutrina, à unanimidade, tem admitido que o conceito de dano moral se resume à definição de todo dano que atinja exclusivamente o patrimônio ideal da vítima. [...] Razoável o entendimento que afasta o caráter punitivo da reparação moral não só porque o seu pressuposto não diz respeito direto ao dano experimentado pela vítima e afasta a aplicação do consagrado princípio do restitutio in integrum que domina o tema da reparação do dano, como porque, como critério objetivo, deixa sem solução hipóteses abrangidas pelo dever indenizatório, como a responsabilidade por fato de outrem (objetiva) e a decorrente do risco da atividade, ambas divorciadas da ilicitude e, portanto, do conceito de culpa. [...] Por esse motivo, a orientação jurisprudencial que considera que a indenização por dano moral deve guardar condições de compatibilidade com os fatos e a exequibilidade merece melhor análise, pois coloca devedor e credor em desigualdade subjetiva, decorrente da particular situação econômica, o que não ocorre no direito das obrigações em geral. (CIANCI, 2018, p. 6)
Assim, mesmo que não haja critérios previstos para a fixação do quantum, nada obsta de serem consideradas algumas questões, tais como intensidade da dor, angustias e condições financeiras do empregador. Observa-se que a intensidade da dor e sofrimento são primordiais para se estabelecer o quantum, mesmo não existindo critérios legais. Destaca-se que o dano moral deverá ser avocado sempre que houver danos materiais e/ou estéticos. O magistrado deverá verificar a existência do dano moral por intermédio do que for constado nos autos.
O dano moral pode até ser presumido, em algumas situações, conforme decisão da primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 23° Região, in verbis:
ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO. O laudo pericial atesta que [...] a atividade desenvolvida agravara o quadro doloroso da doença, estabelecendo-se assim o nexo de concausa. A omissão patronal, consistente na ausência de realização de exame médico admissional capaz de atestar a condição da saúde do trabalhador e de fiscalização quanto ao cumprimento das normas de segurança no trabalho; além da conduta comissiva caracterizada pela exigência de prestação de serviço diverso daquele que consta no contrato de trabalho, configuram-se como ato ilícito da empregadora. O dano moral, consistente na dor e sofrimento do trabalhador pode ser presumido (danmum in re ipsa). Presentes os requisitos autorizadores, há que se deferir a indenização por dano moral pleiteada. (TRT23. RO - 01766.2008.036.23.00-1. 1ª Turma. Relator DESEMBARGADOR TARCÍSIO VALENTE. Publicado em 28/04/10)
Conforme demonstrado, a omissão patronal poderá ensejar ou aumentar o dano sofrido pelo trabalhador. O dano moral presumido, no caso em tela, ocorreu em virtude da enfermidade sofrida pelo trabalhador. Com isso, pode-se dizer que na incidência de dano físico, ou mesmo estético, o dano moral poderá ser presumido, haja vista a impossibilidade de sua comprovação em certos casos.
O assédio moral é uma nefasta consequência da permissão do empregador em lançar em seus quadros pessoas sem o perfil necessário para o trabalho em equipe, mesmo em situações nos quais os trabalhadores, em distância do empregador, estejam trabalhando, como no caso do teletrabalho. Na maioria dos casos, o assédio moral é perpetrado pelo chefe, o qual, muitas vezes, por arrogância e maldade infringe dor aos outros, por intermédio do comportamento ofensivo e desprovido de bom senso.
O conceito de meio ambiente laboral sadio faz parte de uma concepção mais abrangente, que consiste no trabalho digno e da valorização do trabalho, os quais devem ser assegurados a todos os que trabalham em razão da dignidade. O assédio moral contraria também este princípio visto que quem assedia afeta o bem-estar e a dignidade do trabalhador. Além de não praticar o assédio moral, as empresas deverão traçar diretrizes para evitar esse infortúnio, de modo que seja assegurado o meio ambiente laboral sadio e livre de humilhações. Nesse sentido, em razão da proteção constitucional, deverão ser evitados graves sofrimentos por parte do trabalhador, os quais poderiam acarretar perca de saúde além de afetar sua dignidade.
A vítima poderá ser acometida por diversos problemas comportamentais, psíquicos e físicos, tais como depressão, stress, dores físicas, alcoolismo, baixo astral, entre outros. O comportamento repetitivo do assediante retira ou lesiona direitos previstos na Constituição Federal, tal como o da dignidade, da valorização do trabalho e da proibição do tratamento degradante ou desumano.
No entanto, o direito prevê, por intermédio da robusta legislação processual, administrativa e civilista o instituto da responsabilidade civil contra o empregador, a qual, desde que comprovado o assédio, deverá arcar com o dano sofrido por intermédio do ônus financeiro.
REFERÊNCIAS
Alkimim, Maria Aparecida. Assédio Moral na relação de trabalho. 2ª Ed. (ano 2008) 2°. Reimp. Curitiba:Juruá, 2017
ALVES, Amauri César. Novo contrato de emprego: parassubordinação trabalhista. São Paulo: LTr, 2014.
BARRETO, Margarida and HELOANI, Roberto. Violência, saúde e trabalho: a intolerância e o assédio moral nas relações laborais. Serv. Soc. Soc. [online]. 2015, n.123 [cited 2020-11-02], pp.544-561. Disponível em < <http://www.scielo.br /scielo.php?script= sci_arttext&pid=S0101-66282015000300544&lng= en&nrm=iso>. Acesso em 20 fev. 2021.
BARRETO, Margarida. Uma jornada de humilhações. São Paulo: Fapesp: PUC, 2016.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2014.
CIANCI, Mirna. O valor da reparação moral. São Paulo: Saraiva, 2018.
DELGADO, G. N. Terceirização: paradoxo do direito do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTs, 2018.
DELGADO, M. G. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2018.
GARCEZ NETO, Martinho. Responsabilidade Civil no Direito Comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2018.
GUEDES, Márcia Novais. Terror Psicológico. São Paulo, LTR, 2018.
HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no Trabalho: redefinindo o assédio moral. Tradução Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2017.
INÁCIO, M. V. Responsabilidade da empresa tomadora de serviços nas obrigações trabalhistas. Trabalho de Conclusão de Curso de Direito – TCC da Universidade Católica de Goiás do Departamento de Ciências Jurídicas. Goiânia, 2015.
MIRAGLIA, L. M. M. A Terceirização Trabalhista no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2018.
PRATA, Marcelo R. Anatomia do assédio moral no trabalho: uma abordagem transdisciplinar. São Paulo: LTr, 2016.
RODRIGUES, Marcelo. Elementos de Direito Processual Civil. 3° ed. São Paulo: 2016.
SANTOS, Jeová. Dano moral indenizável. Disponível em < http://siaibib01.univali.br/pdf /Antonio%20Sereniski%20Junior.pdf> Acesso em 12 mai. 2021.
SILVA, Ociana Donato da and RAICHELIS, Raquel. O assédio moral nas relações de trabalho do(a) assistente social: uma questão emergente. Serv. Soc. Soc. [online]. 2015, n.123 [cited 2020-11-02], pp.582-603. Disponível em : <http://www.scielo.br/scielo.php?sc ript=sci_ arttext&pid=S0101-66282015000300582&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 20 fev. 2021.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2017.
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – 23° REGUÇAI . TRT23. RO - 01766.2008.036.23.00-1. 1ª Turma. Relator DESEMBARGADOR TARCÍSIO VALENTE. Publicado em 28/04/10
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2015.
[1] Mestrado Acadêmico em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito em São Paulo – FADISP. Professor do Centro Universitário Católica do Tocantins.
bacharelando do Curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins. Psicólogo, Mestre em Psicologia da Saúde – UMESP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALBERTO JOSE DE AMORIM FRANCO JÚNIOR, . Assédio moral no teletrabalho à luz dos direitos trabalhistas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 maio 2021, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56582/assdio-moral-no-teletrabalho-luz-dos-direitos-trabalhistas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E SILVA
Por: KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E SILVA
Por: KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E SILVA
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Precisa estar logado para fazer comentários.