VERÔNICA SILVA DO PRADO DISCONZI[1]
(orientadora)
Resumo: O referido estudo, tem a finalidade de adentrar aos conceitos e dogmáticas a cerca do Transtorno do Espectro Autista correlacionado os direitos inerentes aos portadores, bem como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito ligado as Políticas Públicas de inclusão social, educacional e a saúde. O mesmo também tem a finalidade de elencar a ineficácia das leis e suas aplicabilidades dentro do ordenamento jurídico brasileiro. O trabalho se divide em duas vertentes, uma com caráter demonstrativo a fim de prestar esclarecimentos técnicos e científicos sobre a temática abordada e outra com objetivo de demostrar de forma única a existência de diretrizes que adentram a tal assunto e as dificuldades que impossibilitam a acessibilidade dos portadores do espectro. O texto tem caráter multidisciplinar, visto que trazem abordagens em diversas áreas de conhecimento como a: psicologia, pedagogia, área jurídica, áreas de direitos sociais e psicossociais.
Palavras-chave: Autismo; Direitos Humanos; Politicas Publicas; Acessibilidade.
Abstract: This study aims to introduce the concepts and dogmatics about Autism Spectrum Disorder correlated with the inherent rights of patients, as well as the fundamental principles of the Democratic State of Law linked to Public Policies for social, educational and health inclusion. It is also intended to list the ineffectiveness of laws and their applicability within the Brazilian legal system. The work is divided into two strands, one with a demonstrative character in order to provide technical and scientific clarifications on the theme addressed and the other with the objective of demonstrating in a unique way the existence of guidelines that address to such issue and the difficulties that makes accessibility impossible to spectrum carriers. The text has a multidisciplinary character, since they bring approaches in several areas of knowledge.
Keywords: Autism; Human rights; Public policy; Accessibility
Sumário: Introdução. 1. transtorno do espectro autista 2. Dos direitos e garantias constitucionais ao portador de TEA. 3.Lei Romeo Mion e a importância da carteira de identificação da pessoa com transtorno do espectro autista (CIPTEA) 4. terceiro setor e o TEA 5. lei nº 12.764/2012: política nacional de proteção dos direitos da pessoa com TEA. 6. Contexto Social e o Autismo. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro Autista, atualmente conhecido pela sigla (TEA), diante de estudos apresentados pela ONU, através da OMS, estima-se que pelo menos 1% (um por cento) da população mundial possa ter autismo. No Brasil, existe apenas um estudo realizado em 2011, pela Universidade Presbiteriana Mackenzine, na cidade de Atibaia (SP), estimando-se que nesse país o número possa chegar há mais de 2 (dois) milhões de autistas.
A Lei 12.764/12 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com o autismo é abrangente, dessa forma, vale destacar que dentre os seus incisos, há a necessidade básica de se preservar a valorização acerca dos acessos aos portadores, tais como: a educação, moradia, previdência e assistência social, dentre outros importantes direitos. Portanto, a partir dessas necessidades explícitas na constituição, entende-se o autismo como uma deficiência, para todos os efeitos legais.
Como dito anteriormente, devido o autismo ser reconhecido como uma deficiência, este necessita de um acompanhamento tanto com profissionais da área específica, quanto familiar e do poder legislativo.
De acordo com estudos recentes, as pessoas com o espectro em graus mais elevados, podem desenvolver sensibilidades a toques e sons e têm tendência a ser mais reclusos com pessoas fora do seu convívio social, dificultando assim, os atendimentos a estes.
Em várias decisões jurisprudenciais, pode-se ver a procura das famílias que convivem com o autismo, por benefícios previdenciários e assistência social, com o intuito de garantir melhoria de vida às pessoas com o espectro autista, permitindo assim, o tratamento necessário.
A pessoa com o espectro autista, encontra muitas barreiras, principalmente, em relação à dificuldade de inclusão no mercado de trabalho, que por vezes não possui conhecimento necessário para atender pessoas com autismo, mesmo que o autista já seja considerado uma deficiência pelas formas da lei.
O trabalho, justifica-se pela necessidade de apresentar uma reflexão acerca dos direitos e garantias presentes no ordenamento jurídico, demonstrando a importância de atender as necessidades sociais e econômicas, bem como preservar os direitos já existentes que envolvem as pessoas com o espectro autista. A relevância da pesquisa, além do caráter informativo, irá permitir que a comunidade possa exigir aos órgãos governamentais políticas públicas dentro das necessidades reais dessa parcela da população.
Uma vez que do ponto de vista social, há uma visão errônea acerca do tema, assim, existe a necessidade da desmistificação do que de fato é o autismo e qual a importância da acessibilidade, do convívio social, da assistência jurídica como outros importantes fatores, para que haja assim total respaldo dessas pessoas em todos os sentidos necessários.
O presente estudo visa relacionar os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito com as Políticas Públicas de Inclusão Social e Saúde destinada às pessoas com Transtorno do Espectro Autista. Será realizada uma pesquisa qualitativa e quantitativa, utilizando-se para a primeira análise, o método fenomenológico-hermenêutico, já que este presente estudo tem por finalidade, principalmente, a interpretação do conjunto legal de leis que abrange a pessoa com TEA e sua real aplicabilidade na sociedade, e para a segunda análise é utilizado dado para validar de forma estatística as afirmações dispostas.
Pesquisa de caráter bibliográfico e social de caráter interdisciplinar, medida eu estabelece relações com meio social e o jurídico. Abordando as técnicas empregadas pelo estudo jurídico, face a inefetividade das políticas públicas na inclusão das pessoas com espectro autista.
Diante do exposto, reconhece-se que o assunto é de alto valor social tanto pela questão de inclusão, quanto pelas finalidades econômicas que envolvem a temática, assim necessita-se de uma maior reflexão do assunto da aplicabilidade das leis vigentes para que as pessoas com o espectro autista tenham uma maior qualidade de vida.
1. Transtorno do Espectro Autista
O Transtorno do Espectro do Autismo, reconhecido pelo acrônimo TEA, é um transtorno caracterizado pelo atraso do desenvolvimento neurológico, traz consigo aspectos únicos como a dificuldade de comunicação e interação social, assim como maneirismos repetitivos e interesses particulares, como se possuem um mundo próprio, a parte de qualquer realidade concreta. Assim, conforme GAUDERER (2004) citado por LEITE & HETZEL (2011):
Autismo é uma síndrome presente desde o nascimento e se manifesta invariavelmente antes dos 30 meses de idade. Caracteriza-se por respostas anormais a estímulos auditivos ou visuais, e, por problemas graves quanto à compreensão da linguagem falada. A fala custa a aparecer, e, quando isso acontece, nota-se ecolalia, uso inadequado dos pronomes, estrutura gramatical imatura, inabilidade de usar termos abstratos. Há também, em geral, uma incapacidade na utilização social, tanto da linguagem verbal como da corpórea. (GAUDERER, pg. 8, 2004 apud LEITE & HETZEL, 2011, p.1)
Há outra nomenclatura técnica, de Desordens do Espectro Autista, com a sigla DEA, simplificada, muitas vezes, com a palavra espectro, já que envolve aspectos distintos uns sobre os outros, ao possuir variações que vão das mais leves para às mais graves possíveis.
Além das dificuldades de socialização e comunicação, presente em todos os níveis de do espectro e do padrão de comportamento repetitivo, possuindo outras individualidades, como a dificuldade de comunicação por incapacidade na compreensão da linguagem e no uso do lúdico para lidar com jogos simbólicos.
Tais sintomas dão forma ao que se chama núcleo do transtorno. Todavia sua gravidade é variável. O autismo não possui cura, ainda que uma intervenção em seus estágios iniciais possa amenizar os sintomas e até alterar prognósticos.
Pesquisas indicavam que no passado o autismo atingia uma em cada duas mil crianças, porém com os estudos dos níveis e dos tipos presentes dentro do espectro, que vão desde o autismo clássico, passando pelo autismo de alto desempenho – também chamado de síndrome de Asperger, onde são comunicativos e tão inteligentes ao ponto de serem tratados como gênios – até aqueles que possuem o Distúrbio global do desenvolvimento sem outra especificação (DGD-SOE), não possuindo características fortes o suficiente para entrarem no espectro.
Hoje, pesquisas indicam que uma em cada cem crianças pode nascer com algum nível de autismo, se fazendo presente no espectro ou não. Rafael Polakiewicz, autor do artigo “Como identificar o transtorno do espectro autista?”, destaca alguns sinais de alerta, como:
Seis meses: poucas expressões faciais, baixo contato ocular, ausência de sorriso social e pouco engajamento sociocomunicativo; Nove meses: não faz parte de turno participativo, não balbucia, não olha quando chamado, não olha pra onde o adulto aponta, imitação pouca ou ausente; 12 meses: ausência de balbucios, não apresenta gestos convencionais como abanar para dar tchau, não fala mamãe ou papai, ausência de atenção compartilhada; Em qualquer idade: perdeu habilidades. (POLAKIEWICZ, 2020, p.1).
Como dito anteriormente, o autismo não possui cura, todavia não é uma doença contagiosa, não vem de vacinas e não torna criança se torne um peso insuportável para seus pais. Uma criança dentro do espectro ainda é uma criança normal, apenas diferente no sentido de necessitar de uma atenção especial
2. Dos Direitos e Garantias ao portador de TEA
O art. 3º, IV, da CF/88, garante a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Como já demonstrado bem claramente, os espectros autistas necessitam de melhores condições de vida quando se compara com suas necessidades, abrangentes, no tocante a interação social e sua comunicação. (OLIVEIRA, 2019)
O Brasil buscou formas de garantir os direitos do portador do espectro autista, com a Lei 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, identificando quem é, através dos incisos I e II, do parágrafo 1º, do art. 1º, da presente Lei, conforme segue transcrito:
I– deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;
II – padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos. (BRASIL, 2012)
De forma que, a competência para promover essas garantias é comum. Ou seja, os entes públicos, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, possuem a responsabilidade em oferecer a estes indivíduos que necessitam saúde e assistência publica, de modo a garantir o acesso imediato e eficaz visando tanto a dignidade dessas pessoas, como também, a proteção ao direito de um tratamento adequado de maneira que dê um conforto melhor a esses portadores. Também é de suma importância frisar sobre a competência concorrente dos entes Federativos quanto a proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência, a luz do art. 24, XIV, da CF/88. (OLIVEIRA,2019) Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XIV – proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência. (BRASIL, 1988)
Nela, buscou-se preservá-los ao direito de educação, moradia, previdência e assistência social, entre outros. Entendendo, para todos os efeitos legais, o transtorno do espectro do autismo (TEA) como uma deficiência, e assim, gozando de toda a proteção prevista dentro da Constituição Federal. Conforme é previsto na Lei 12.764/2012, em seu art. 3º, conforme segue:
Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:
I – a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;
II – a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;
III – o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo:
a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;
b) o atendimento multiprofissional;
c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;
d) os medicamentos;
e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;
IV – o acesso:
a) à educação e ao ensino profissionalizante;
b) à moradia, inclusive à residência protegida;
c) ao mercado de trabalho;
d) à previdência social e à assistência social.
Parágrafo único. Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º, terá direito a acompanhante especializado.(BRASIL, 2012)
Como a garantia do acompanhamento de profissionais da área, buscando auxiliar a família e assim estabelecer equilíbrio em seu núcleo, como no poder legislativo. Principalmente dentro do escopo do Direito a saúde, conforme jurisprudência:
AGRAVO LEGAL. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO CLÍNICO. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. RECUSA DE TRATAMENTO. INVIABILIDADE. 1. Os planos ou seguros de saúde estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, enquanto relação de consumo atinente ao mercado de prestação de serviços médicos. 2. A recusa de cobertura de tratamento clínico indicado pelo médico ao portador do transtorno do espectro autista revela-se abusiva, notadamente quando tem por escopo a preservação da saúde do segurado e a observância dos direitos fundamentais inerentes à natureza do contrato de seguro saúde. (Grifo meu)
Tribunal de Justiça de Pernambuco TJ-PE – Agravo: AGV 0011193-42.2015.8.17.0000 PE
Todavia, uma problemática surge, já que algumas pessoas dentro do espectro possuem graus elevados, que podem resultar numa aversão a esse tipo de auxílio, pois eles acabam desenvolvendo sensibilidades, tanto táteis, quanto sonoras. Assim sendo, passar a negar contato visual e físico com pessoas estranhas – que não fazem parte do seu círculo social padrão –, inviabilizando atendimentos necessários.
3. Lei Romeo Mion e a Importância Da Carteira de Identificação Da Pessoa com TEA (Ciptea)
No ano de 2020, foi sancionada a Lei 13.977, que dispõe sobre a criação da Carteira de identificação do Autista que dá origem a sigla (CIPTEA). Como já disposto, o autismo merecia uma relevância social, tornando essa lograda Lei uma grandiosa conquista.
A abrangência do autismo,braça várias síndromes, como: a de Asperger, Kanner, Heller ou ainda o Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação. (JADEAUTISM, 2020)
A Lei aprovada, traz alterações na lei 12.764, 2012, que versa sobre a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. (SENADO,2020). Este benefício será oferecido gratuitamente a população, com validade para todo o país, defendo ser adquirido em órgãos municipais. Com isso, o autista tem prioridade de atendimento em serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social. (SOUZA,2020)
Conforme traz texto da lei 13.977/2020:
“art. 3º-A: É criada a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), com vistas a garantir atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social.” (BRASIL, 2020)
De acordo com a Lei, a carteira será expedida pelos órgãos responsáveis pela aplicação da política de proteção dos direitos da pessoa com asperger dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante requerimento, conforme diz o site do SENADO (2020):
“A carteira será expedida pelos órgãos estaduais, distritais e municiais que executam a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. A família deve apresentar um requerimento acompanhado de relatório médico com a indicação do código da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID).”(SENADO,2020, p.1)
Em suma, a normativa tem por fim, respeito do acesso a informações, serviços especializados e garantia dos direitos. Desta forma, a Lei considera que o Transtorno do Espectro do Autismo desenvolve-se de maneira diferente em cada pessoa, sendo determinada, em certa medida, pelas condições sociais de cada família. (JADEAUTISM, 2020)
Portanto, tal documento trará benefícios enormes para melhor atendimento do autista na sociedade, visto que, o mesmo, necessita de um tratamento que preserve sua igualdade no contexto social. Leva-se em conta a questão da equidade em tais circunstâncias, inibindo que os autistas sofram preconceitos, tais quais já sofreram no meio social anteriormente.
4. Terceiro Setor e o TEA
O Terceiro Setor pode ser compreendido como entidades não governamentais, sem fins lucrativos, privadas, que atuam por vontade própria prestando atividades de interesse público. Tal denominação é válida, pois embora não façam parte da administração pública, atuam ao lado do Estado, prestando serviços públicos, ou seja, colaborando com o Estado. Por isso, também são chamadas de entes de colaboração. (BARBOSA, 2019)
Para SIQUEIRA (2010), citado por LEITE (2011):
qualquer atividade lícita, sem intuito econômico e que não seja contrária, nociva ou perigosa ao bem público, à segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes pode ser buscada por uma associação” ou fundação. (SIQUEIRA, 2010, p. 1 Apud LEITE, 2011, p. 1)
No que tange o autismo e o Terceiro Setor, sabe-se da criação da ABRA - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AUTISMO (ABRA), que surgiu na década de 80 e foi formalizada com o intuito de integralizar as associações existentes no país ou que venham possivelmente a existir. Tem por finalidade “a integração, coordenação e representação, a nível nacional e internacional, das entidades a ela filiadas”. (LEITE, 2011)
Conforme direcionado, o Terceiro Setor é fundamental hoje para criação de políticas públicas inclusivas do autismo, o apoio social onde inclui-se o autista na sociedade é um fator determinante para o respeito aos direitos e garantias fundamentais.
5. Lei Nº 12.764/2012: Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA
A Lei nº 12.764/2012 trata da Política Nacional de Proteção dos Direitos do Autista. Essa Lei surgiu com o crescente aumento de casos e da necessidade de se ter uma legislação que resguardasse os direitos desses indivíduos, conhecida como Lei Berenice Piana, define em seu rol quem são os portadores do autismo:
Art. 1º Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução.
§ 1º Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II:
I – deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;
II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.
§ 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais. (BRASIL, 2012)
Dela pode-se extrair a conclusão de que se trata de uma síndrome atípica, que inibe as relações sociais do autista e, por isso, no §2°, faz-se a equiparação de seu portador em razão das demais pessoas com deficiência, tornando-o apto e incluído nas garantias legais que trata dos portadores de deficiência, como é o caso da Lei n° 13.146/2015, que trata da Inclusão da Pessoa com Deficiência. (OLIVEIRA, 2019)
Outrossim, a lograda lei prevê, expressamente em seu rol, um sistema educacional inclusivo que se inicia no diagnóstico precoce, até a formação inicial e continuada dos profissionais da educação para que se tornem aptos a incluir e educar os portadores do TEA. Inclusive, dispõe que caso o gestor escolar ou autoridade recusar a matrícula do aluno ou de qualquer portador de deficiência, deverá pagar multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos. (BRASIL, pág, 2 e 3, 2012). Dessa maneira, torna-se necessário que as escolas, públicas e privadas realizem as adaptações no ambiente físicos, isto é, tanto ao que pese a parte estrutural, quanto a parte das relações, para que execute mudanças comportamentais, as quais acolham as crianças autistas, com o objetivo de inibir o preconceito decorrente de suas especificidades. (ALMEIDA, 2020)
Também, faz-se imperioso ressaltar que no art. 3°, inciso III, da legislação supra citada, define a atenção integral, no âmbito da saúde e das necessidades do autista. Deve receber nutrição e terapia nutricional adequada, bem como medicamentos e informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento. Além disso, dispõe, não somente o acesso a educação, mas a um ensino profissionalizante que possibilite a inclusão do portado ao mercado de trabalho, bem como a previdência e assistência social. (BRASIL,2012, pág, 2 e 3)
6. Contexto Social e o Autismo
É notório que a Lei nº 12.764/2012 foi um avanço ao legislativo ao definir os direitos e garantias àqueles que são portadores do espectro autista. Contudo, faz-se importante mencionar a grande luta que cerca sua efetivação e se inicia desde antes de sua criação. Berenice Piana, mãe ativista na luta por direitos dos autistas ao tentar incluir seu filho, foi a única mulher que promoveu a aprovação da Lei com a participação coletiva. Após receber o apoio de um grupo de pais, procurou obter atenção dos políticos para a necessidade de se ter uma legislação específica ao espectro.
Enviou um e-mail para o Senador Paulo Paim (PT/RS) e então surgiu a possibilidade de fazer o projeto por inciativa popular, promovendo uma legislação participativa, assim, após muita insistência, o projeto passou pelos trâmites legais e foi aprovado a Política Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas Portadoras do Transtorno do Espectro Autista. (ALMEIDA, 2020)
Contudo, o Decreto nº 8.368/2014 que regulamentou a Lei Berenice Piana, gerou grande descontentamento aos familiares, pois enquanto a Lei Berenice Piana confere acesso integral aos serviços de saúde, principalmente no que tange o atendimento multiprofissional, a nutrição adequada, entre outros. O Decreto define que o Ministério da Saúde deve fortalecer e qualificar a rede de atenção psicossocial do SUS, ou seja, o responsável pelo tratamento das pessoas com transtornos mentais, incluindo o tratamento decorrente do uso de substâncias psicoativas e o Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). (OAB/DF et al., 2015, pág. 23)
Os movimentos sociais defendem que os locais são inadequados ao atendimento das pessoas com o TEA, que devem ser diferenciados e acompanhados por equipes multidisciplinares, aptas a lidarem com o transtorno, pois no CAPS também são atendidas pessoas que demandam atenção em saúde mental, alcóolatras e usuários de drogas e, por isso, não haveria a estrutura física apropriada para tratar as peculiaridades.
Ademais, o Decreto descreve que uma vez comprovada a necessidade de apoio a instituição de ensino em que o autista está matriculado, deve disponibilizar acompanhante especializado no contexto escolar. Contudo, não especifica a especialização do acompanhante. Além disso, não está claro se cada autista deve ter um acompanhante ou se no caso das escolas particulares elas podem cobrar um custo adicional pela contratação desses profissionais. (OAB/DF et al., pág. 24, 2015)
Em razão disso, a luta ainda persiste com os movimentos sociais que exigem a adequação do Decreto, para que os direitos dos portadores do TEA sejam garantidos, em conformidade com a Lei Berenice Piana, sem a necessidade de constante ingresso com ações judiciais.
A PLS 169/2018 que tramita na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) a oferecer centros de assistência integral àqueles que possuem o transtorno. Sabe-se que o preconceito ainda persiste. Nas escolas observa-se não a inclusão, mas a integração que força a criança autista a se adaptar, quando este deveria ser papel da instituição. São as crianças que sofrem diariamente com esse processo vertical em que pessoas que não lidam com as questões relacionadas com a lei. Por isso, a necessidade do atendimento e local especializado. (SENADO, 2019)
Por fim, muito se discute a respeito do transtorno em crianças, contudo os adultos também são atingidos. Existe a grande ocorrência da infantilização do espectro em decorrência da melhora no diagnóstico, que permite que os portadores sejam identificados ainda crianças e, portanto, cria no imaginário coletivo a visão da criança autista. Porém, verifica-se que muitos adultos possuem o transtorno, mas nunca foram diagnosticados.
O diagnostico tardio, torna-se mais complexo, pois pode ser confundido com outros transtornos. Muitas vezes esses adultos conseguem manter uma vida relativamente “normal” e os sintomas tendem a se intensificar nas interações pessoais. Os portadores, por terem mais dificuldades em demonstrar e receber afetos acabam sendo rotulados como tímidos ou antissociais. (MARASCIULO, 2020)
As consequências dessa realidade surgem em razão de vários fatores, desde a falta de serviços especializados, baixa capacidade de diagnosticar e compreender as variações e especificidades do espectro, tanto para as crianças quanto para os adultos, até uma difícil transição para a maturidade e independência desses indivíduos. Se para uma criança autista na atualidade é difícil conviver e ser incluído, para um adulto que possuiu menos apoio e tem a sua disposição o ineficiente aparato governamental para tratar de sua condição, a situação é mais complexa.
O movimento de neurodiversidade, surge com a socióloga Judy Singer em 1990 e ganha força com a ativista Greta Thunberg, que visa popularizar o TEA, como uma diferença neurológica e não anormalidade e, por isso, deve ser respeitada. Embora o movimento seja de certo modo reducionista, pois exclui os graus severos de autismo (apresentam maiores dificuldades de adaptação de seus portadores), ele traz a luz os debates acerca da necessidade de incluir em sociedade esses indivíduos. (MARASCIULO, 2020)
Como define a Lei brasileira, conhecida como Berenice Piana em seu art. 2°, inciso II:
Portanto, a tarefa de se criar legalmente o dispositivo que protege e define as garantias dos autistas é apenas o início de um longo trabalho. Torna-se imprescindível que a comunidade, coletivamente, não apenas os familiares, apoiem e contribuam nesse esforço.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, justifica-se a pertinência da pesquisa em explanar a temática que tantas vezes é silenciada no contexto social. As garantias constitucionais vêm como meio de amparo para as amarras do preconceito trazidos pela sociedade.
Assim, é importante questionarmos se essas leis apresentam garantias eficazes às necessidades do autista.
Existe uma grande dificuldade em conseguir a concessão de tal benefício, primeiro pela falta de capacitação dos profissionais que identifiquem o autismo e deem um diagnóstico mais rápido, e segundo pelas dificuldades do judiciário de visualizar a necessidade de amparo ao autista, conforme apontam várias decisões no país. Além da ausência de capacitação das próprias escolas para atender tais necessidades.
Analisar as garantias Constitucionais que se espelham no ordenamento jurídico, é oportunizar voz aos desiguais na medida de suas desigualdades. Elencando de forma breve as normativas jurídicas acerca, em uma análise mais leve, visando respeitar as limitações trazidas por tais cidadãos.
Portanto, o aumento da visibilidade do tema em específico, gera assim, uma noção mais ampla quanto a essa problemática e uma reflexão acerca da necessidade da capacitação dos profissionais na área, para um diagnóstico mais rápido e eficaz, levando assim a um tratamento inicial que ajudará a incluir a criança, adolescente ou adulto que possui o espectro autista (TEA) no meio social.
REFERÊNCIAS
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MARASCIULO, Marília. Os desafios e preconceitos enfrentados por adultos autistas: atraso no diagnóstico e falta de conhecimento da sociedade fazem com que pessoas com transtorno do espectro autista tenham dificuldade em se inserir no mercado de trabalho e conquistar uma vida independente. Atraso no diagnóstico e falta de conhecimento da sociedade fazem com que pessoas com Transtorno do Espectro Autista tenham dificuldade em se inserir no mercado de trabalho e conquistar uma vida independente. 2020. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2020/04/os-desafios-e-preconceitos-enfrentados-por-adultos-autistas.html. Acesso em: 25 dez. 2020.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO TJ-PE - Agravo : AGV 0011193-42.2015.8.17.0000 PE Relator: José Fernandes, Data de Julgamento: 16/12/2015, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 21/01/2016. Disponível em: https://tj-pe.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/299702030/agravo-agv-3996996-pe. Acesso: 10 de abril de 2021.
[1] Graduada em Direito na FAFICH (2000); Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista pela Anhanguera (2005); Mestre em Gestão Pública pela UFT (2018); Professora na Unitins de Palmas/TO (2019 aos dias atuais). Diretora-Geral da ESA-TO (Gestão atual), Professor Universitário de Direito na Universidade UnirG, Gurupi/TO
Bacharelando em Direito Universidade Unirg de Gurupi.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIAS, BRUNA CARDOSO. Análise do Transtorno do Espectro Autista (TEA) no ordenamento jurídico brasileiro sob uma perspectiva social e constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2021, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56607/anlise-do-transtorno-do-espectro-autista-tea-no-ordenamento-jurdico-brasileiro-sob-uma-perspectiva-social-e-constitucional. Acesso em: 22 dez 2024.
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