VERÔNICA SILVA DO PRADO DISCONZI[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente estudo trata das normas asseguradas aos transexuais, como método de efetividade da dignidade da pessoa humana e como inclusão social. Os direitos humanos, por mais que já seja positivado em todo o mundo, ainda está à margem quando o assunto é transexualidade, pois traz consigo uma resistência de aceitação na sociedade, alimentado pelo preconceito e pela dificuldade em entender suas diferenças, gerando um escarço, senão nulo, amparo judicial a esse grupo de pessoas. Diante da relevância do tema, procede-se à análise das normas constitucionais e infraconstitucionais que prometem a garantia da proteção a esses indivíduos contra preconceitos e discriminação. Para isso, será dada ênfase a alguns direitos e princípios constitucionalmente assegurados e outras normas internacionais que dão amparo ao ordenamento jurídico brasileiro vigorante. Além disso, o trabalho terá como objetivo expor a necessidade de proteção às pessoas que optam por não seguir o padrão sexual imposto pela maioria e o de reconhecimento da efetivação dos seus direitos, assim como preservar o princípio da igualdade, de forma que seja afastada as crenças e estigmas sobre os transexuais que os impedem de ter uma vida digna.
Palavras-chave: Transexualidade. Direitos Humanos. Dignidade da Pessoa Humana.
ABSTRACT: The present study deals with the norms guaranteed to transsexuals, as a method for the effectiveness of the dignity of the human person and as social inclusion. Human rights, no matter how positive it is throughout the world, are still on the sidelines when it comes to transsexuality, because it brings with it a resistance to acceptance in society, fueled by prejudice and the difficulty in understanding their differences, generating a scourge, if not null, judicial protection for this group of people. In view of the relevance of the theme, the constitutional and infraconstitutional rules that promise to guarantee protection to these individuals against prejudice and discrimination are analyzed. To this end, emphasis will be placed on some constitutionally guaranteed rights and principles and other international standards that support the current Brazilian legal system. In addition, the work will aim to expose the need to protect people who choose not to follow the sexual standard imposed by the majority and to recognize the realization of their rights, as well as preserve the principle of equality, so that beliefs and stigmas about transsexuals that prevent them from having a dignified life.
Keywords: Transexuality. Human rights. Dignity of human person.
Sumário: Introdução. 1. Transexualidade: Um esclarecimento. 2. Principais direitos e avanços dos transexuais no Brasil. 3. A triste realidade dos transexuais. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Ao longo do tempo, homens e mulheres veem adquirindo maior liberdade quanto ao exercício de sua sexualidade, no entanto acompanhado de uma grande resistência social quando se trata de homossexualidade e da transexualidade.
Os direitos assegurados aos transexuais é um assunto relevante polêmico que vem sendo cada vez mais cobrado e discutido no âmbito jurídico e social, afinal este grupo de pessoas batalham para serem incluídos em uma sociedade que repetidamente se utiliza da hipocrisia, da discriminação e da falta de respeito para exclui-los do convívio social.
Por mais que atualmente vem sendo muito cobrado o reconhecimento dos direitos transexuais, a carência de legislação à cerca do tema admite que estes indivíduos fiquem à mercê de decisões de magistrados, que, consequentemente, permite a vivenciar por estes de uma série de situações vexatórias, humilhantes e preconceituosas, deferidas por parte da sociedade, além de maus-tratos, ofensas e até ameaças.
Diante da complexidade, surge a necessidade de discutir sobre a eficácia de princípios básicos presentes no ordenamento jurídico constitucional, que não são aplicados na prática quando se trata desses indivíduos. São esses o direito a autodeterminação, à disposição do próprio corpo, à proteção da identidade humana, à ausência de discriminação, o princípio da igualdade e o da dignidade da pessoa humana.
Não é à toa que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais em todo o mundo. De acordo com um estudo feito em 2020 pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais, foram assassinadas em 2019, 124 pessoas transgênero. Só no período entre 1 de janeiro e 31 de agosto de 2020, houve um aumento de 70% no número de assassinatos de pessoas transgênero, quando comparado com o mesmo período de 2019. (BENEVIDE,et al. 2020)
No estado de São Paulo, o número de assassinatos triplicou de 2018 para 2019. Essa mesma pesquisa mostra que a violência contra transexuais e travestis só cresce. Vez que se faz oportuno o estudo do tema com maior clareza, estabelecendo fundamentos jurídicos e normas condizentes para minimizar os inúmeros transtornos pelos quais passam essa minoria.
Obsta afirmar que o estudo trata-se de uma pesquisa Bibliográfica, pautada em informações e materiais já disponibilizados. A metodologia quanto ao objetivo, se classifica em descritiva, tendo em vista a análise que se fará do tema, estabelecendo relações entre variáveis, o que envolve técnicas de coleta de informações para interpretar o assunto e melhorar assim o entendimento à cerca dos direitos assegurados aos transexuais.
Logo, a presente pesquisa, trará conceitos relevantes para a compreensão do tema, deixando claro a definição e significado do transexualismo, além de outros termos operados em doutrinas e jurisprudências. Será abordado os avanços alcançados por meio de batalhas que levaram anos e que foram essenciais para o reconhecimento básico dos direitos dos transexuais, assim como será exposto as lacunas ainda existentes para que haja a efetiva aplicação dos princípios da igualdade e dignidade humana, concentrando-se no bem estar da pessoa humana.
1.TRANSEXUALIDADE: UM ESCLARECIMENTO
Tempos modernos trazem discussões modernas, afinal de contas se o mundo muda constantemente, assim como as pessoas que nele habitam, seria ilógico pensar que as soluções ou estigmas do passado permaneceriam as mesmas.
À cerca do transexualismo, o atual século trouxe consigo mudanças notáveis sobre o que se sabia sobre a transexualidade. Embora conhecida na humanidade desde tempos antigos, foi apenas em 1910, de acordo com Castell (2001), que teria surgido à nomenclatura para a transexual, após o início da realização das primeiras, ainda que clandestinas cirurgias de resignação sexual. (CASTEL, APUD, ALVES. 2013)
Enquanto, em meados dos anos 50 o conceito de transexualidade obteve uma nova acepção difundida no âmbito da psiquiatria, passando a ser considerada um transtorno mental pertencente a categoria das disporia de gênero, na qual estavam incluídos também o homossexualismo além do travestismo. (CASTEL, APUD, ALVES, 2013). Foi somente em 1990, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decidiu por retirar a homossexualidade e a transexualidade da lista internacional de transtorno mental. A oficialização transformou o dia 17 de maio o Dia Internacional contra a Homofobia. (LIONÇO, 2009)
Ainda sobrea conceituação é essencial a distinção dos conceitos de cisgênero (cis) e transgênero (trans). Uma vez que o corpo biológico equivale a composição de seus órgãos genitais, hormônios, sistema reprodutor e cromossomos, a pessoa cis é aquela que se reconhece com o seu corpo biológico, enquanto a pessoa trans é aquela que não se reconhece com seu corpo biológico, mas que, ainda assim, sofre com todas as mudanças hormonais provenientes dele. (JESUS, 2012)
Nesse sentido de transgênero estão inclusos os transexuais e as travestis. Tendo os primeiros uma aversão ao seu corpo biológico, principalmente sua genitália, e vivem como prisioneiros em um corpo que não é reconhecido como seu, além de sofrerem psicologicamente com toda a pressão que é imposta pelo padrão socialmente aceito. Já os travestis, se opondo ao desgosto dos transexuais, não se sente totalmente insatisfeita com seu órgão sexual, buscando apenas uma mudança física e comportamental, optando pela permanência do sexo de nascimento. (JESUS, 2012)
Há que salientar, no entanto, que a identidade de gênero nada tem a ver com a orientação sexual do indivíduo, o que por muito tempo foi tido como verdade indiscutível. No site da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) diz o seguinte sobre o tema:
A IDENTIDADE DE GÊNERO: Profunda e sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos.” (ANTRA BRASIL, 2021).
Ou seja, é a forma pela qual o indivíduo expressa o gênero com o qual ele mais se identifica. Enquanto a orientação sexual é o interesse sexual ou romântico por outras pessoas. Aqui estão inclusos quem é atraído por pessoas do mesmo gênero (homoafetivo/homossexual), do gênero oposto (heterossexual), por ambos os gêneros (bissexual) ou por pessoas de ambos os gêneros e não binárias (pansexual). (ANTRA BRASIL, 2021)
A transexualidade é um tema complexo e extremamente relevante do ponto de vista social e científico. Os primeiros estudos sobre o transexualismo surgiram na década de 50.
Em 1953, Harry Benjamin reviu o termo já utilizado por Cauldwell, e afirmou que a cirurgia seria a única metodologia terapêutica para o transexual. Esse conceito se transformou graças a novos estudos que surgiram na área de construção de gênero (GIONGO et al. 2012, Apud. BENTO, 2006).
Os estudos nessa área se baseiam em duas perspectivas. A primeira se fundamenta numa perspectiva patologizante, onde se pode destacar o trabalho de Stoller (1992). Enquanto a segunda se baseia na compreensão da construção cultural de gênero, o que rompe a relação entre sexo e gênero, e pode-se destacar como representantes dessa ideia os autores Butler (2003, 2009) e Arán (2006).
Para Stoller, o transexualismo se baseia em três aspectos principais: a convicção em uma essência feminina (ou masculina), a relação de repulsão ao órgão sexual e uma relação de simbiose com a mãe. Para o autor, esses aspectos não decorrem de uma psicose, mas de uma experiência que é capaz de ser tratada mediante a cirurgia de transgenitalização. Por outro lado, Butler vê a transexualidade pela perspectiva cultural, onde o gênero é criado socialmente e não está diretamente ligado ao aspecto biológico (GIONGO et al. 2012).
Apesar de existirem muitos autores que compreendem a transexualidade do ponto de vista patologizante, e a partir de um funcionamento específico, não se deve fixá-la em uma posição subjetiva. É através desta lógica que Bento compreende que a cirurgia não é a única alternativa terapêutica, ao partir do pressuposto que “o que faz o sujeito afirmar que pertence a outro gênero é um sentimento” (BENTO 2006, p. 44).
Dessa forma, para inúmeros transexuais a modificação do corpo através de hormônios é o suficiente para gerar o sentimento de identidade e pertencimento, e da mesma forma, para inúmeras transexuais operadas, o sentimento de incompletude perdura (GIONGO et al. 2012).
Assim, por mais que o transexualismo seja uma condição humana relativamente comum, e tenha sido reportada como presente á tempos mais remotos de diversas culturas, sua realidade ainda é permeada por estigmas, preconceitos e exclusão.
2.PRINCIPAIS DIREITOS E AVANÇOS DOS TRANSEXUAIS NO BRASIL
Dentro da hierarquia das leis presentes no ordenamento brasileiro a Constituição Federal toma para si o protagonismo, destarte a norma que trata da elaboração de outras leis.
Dessa maneira, a carta magna da atual sociedade continua a seguir sua função de balança, como era na idade média, onde se buscava equilibrar os interesses do povo, da nobreza e da realeza não permitindo que o rei abusasse de seu poder. Assim segue na atualidade, ao afirmar, em seu artigo V, o seguinte:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]. (BRASIL, 88)
No mesmo sentido, no meio da discussão da realidade que permeia a vida dos transgêneros, é essencial ao reconhecimento jurídico do direito a identidade de gênero enquanto garantia ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Assim o constitucionalista Humberto Alcalá define:
os direitos humanos, já que sua afirmação não somente constitui uma garantia de tipo negativo que proteja às pessoas contra vexames e ofensas de todo tipo, mas que deve também se afirmar positivamente através dos direitos com o pleno desenvolvimento de cada ser humano e de todos os seres humanos. (ALCALA, APUD ALVES, 2013)
Diante disso, enfatizasse o fato que todas as pessoas têm necessidades fundamentais que precisam ser atendidas para que elas possam sobreviver e para que mantenham sua dignidade.
Assim, graças a lutas recentes, árduas e constantes algumas foram as conquistas adquiridas para acomodar melhor aqueles que se identificam como transgêneros.
Umas das grandes conquistas dos transgêneros foi aquisição do direito a redesignação de gênero, isto é, a adequação física da pessoa com o gênero com o qual mais se identifica. Garantindo a tão almejada aceitação pela qual buscam desde que formam sua identidade de gênero. (JESUS, 2012)
A redesignação sexual se trata de um processo onde o sujeito se submete a uma intervenção cirúrgica, ao uso de hormônios e outras intervenções somáticas, a fim que lhe seja conferido a aparência física adequada ao seu gênero. Fundamentada a partir do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à disposição sobre o próprio corpo foi uma grande conquista, que deu aos transgêneros o direito de decisão a respeito da adequação ou não ao sexo por meio do procedimento cirúrgico. (JESUS, 2012)
No Brasil ainda não existe uma Lei própria que resguarde tal direito e suas consequências jurídicas, e mesmo que a jurisprudência majoritária já seja favorável à pretensão da intervenção cirúrgica, a sua aplicação é acompanhada de diversas restrições e burocracias.
Evidencia-se que a redesignação sexual pode ser realizada por meio do SUS desde 2000, no entanto a fila de espera chega a quase dez anos:
“No ano de 2018 passaram de 300 pessoas na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) a espera da cirurgia de redesignação sexual. Apesar da fila, é um avanço nacional já que as cirurgias até 1997 eram proibidas, o que levava as pessoas trans a recorrer as clínicas clandestinas ou a médicos no exterior.”(BRASIL ESCOLA, 2018)
Tal demora, mesmo que seja um avanço social, faz com que essa medida se torne ineficaz e inútil, causando revolta àqueles que dependem dessa intervenção para que se sintam completos e realizados dignamente, além de instigar a intervenções clandestinas, uma vez que são mais céleres e acessíveis.
Dando continuidade aos direitos adquiridos, em 2018 o Supremo Tribunal Federal no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4275 de 2009, consolidou o entendimento de que é possível também ao transexual que não realizou a cirurgia de redesignação sexual, alterar o nome e o gênero no registro civil sem ordem judicial, podendo ser solicitada a mudança por via administrativa. Assim criando a possibilidade de mudança do nome social para todos os transgêneros:
[...], julgo procedente a presente ação direta para dar interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica ao art. 58 da Lei 6.015/73, de modo a reconhecer aos transgêneros, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil. (FEDERAL, 2018).
Ou seja, a alteração do registro passou a não exigir a necessidade de ação judicial e a realização de intervenção cirúrgica de redesignação ou terapias hormonais, que antes eram requisitos para a mudança. Uma conquista histórica, que realmente contribuiu para garantir à dignidade e a proteção a pessoa humana, uma vez que o gênero não é somente analisado pela identificação da genitália.
Enquanto em maio de 2019, o Supremo Tribunal Federal finalmente decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia. Foi só então que os ministros decidiram por considerarem que todos os atos preconceituosos contra homossexuais e transexuais devem ser equiparados ao crime de racismo. A punição para quem descumprir a norma é de um a três anos de prisão, e a pena é inafiançável. (VIANA, 2019)
Após a análise das conquistas de tais direitos, que em suma já deveriam existir há muito tempo, as dificuldades ainda persistem. Assim, apesar de avanços serem alcançados muitos ainda encontram desafios para acessar e obter a qualidade de vida tal almejada. Para esse grupo, a dignidade de uma vida feliz passa pela necessidade do reconhecimento de sua identidade de gênero, tanto pela forma sexual como pela ótica psicossocial, e somente as medidas que estão sendo adotadas estão se revelando insuficientes e ineficazes, como será exposto no próximo tópico.
3.A TRISTE REALIDADE DOS TRANSEXUAIS
Tendo em vista os direitos e conquistas acima apresentados é de se estranhar o Brasil lidere o ranking de assassinatos de pessoas transgêneros nos últimos 10 anos, segundo Dossiê da Antra (2020) cerca de 175 assassinatos de pessoas trans, sendo todas travestis e mulheres transexuais.
Em números absolutos, São Paulo foi o estado que mais matou a população trans em 2020, com 29 assassinatos, contando com aumento de 38% dos casos em relação a 2019 – segundo aumento consecutivo, já que, em 2019, houve aumento de 50% em relação a 2018; seguido do Ceará; com 22 casos, que aumentou em 100% o número de assassinatos em relação a 2019; Bahia, com 19 e aumento de 137,5% em relação a 2019; Minas Gerais, que saiu de cinco casos para 17; e o Rio de Janeiro se manteve na 5a posição, indo de sete casos para em 2020 – aumento de 43%; Alagoas, com Progressão Bimestral oito assassinatos; Pernambuco e Rio Grande do Norte com e RN com sete casos cada; Paraíba, Paraná e Rio Grande do Sul com cinco; Goiás, Mato Grosso, Pará e Santa Catarina com quatro; Amazonas, Espírito Santo, Maranhão e Rondônia, com três; Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Piauí e Sergipe, com 2 casos cada; e Acre, Roraima e Tocantins com um assassinato cada. Não foram encontrados casos reportados na mídia no Amapá. (BENEVIDE,et al. 2020))
Infelizmente, ser transexual no Brasil não é algo de se comemorar. Logo após desenvolver a consciência de que seu gênero é divergente daquele imposto por seu corpo biológico, o transexual começa sua jornada de desafios para viver sua real identidade, marcada por preconceitos e deturpações, resultando na diminuição de opções como potencial empregado, limitando sua inserção no mercado de trabalho e muitas vezes sendo obrigado a recorrer a prostituição, por exemplo, para o próprio mantimento, entre outras dificuldades.
De início, analisando os direitos já dispostos a esses indivíduos, que como já foram expostos no tópico anterior, vale questionar primeiramente a falta de legislação especial ou, ainda, a não existência de lei em sentido estrito que garanta a transexuais o reconhecimento de sua identidade de gênero. Sendo que o que existe, como afirma Bento (2012) são: "gambiarras legais. Uma solução à brasileira. Mudar sem alterar substancialmente nada na vida da população mais excluída da cidadania nacional".
A carência de legislação é um dos fatores que admite que estes indivíduos fiquem à mercê de decisões de magistrados, que, consequentemente, permite a vivência por estes de uma série de situações vexatórias, humilhantes e preconceituosas, deferidas por parte da sociedade, além de maus-tratos, ofensas e até ameaças.
Um exemplo é o depoimento da travesti Lanna Hellen, a qual afirmou ter sido proibida de usar o banheiro feminino de um shopping em Maceió. (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES - ESTADO DA BAHIA). Assim evidenciando a questão de que a não existência de legislação específica no país para essa questão, faz com que indivíduos transgêneros passem por essas situações vergonhosas e desnecessárias.
Em junho de 2019, o STF vendo a falta de leis para a proteção da população LGBT, implantou a criminalização da homotransfobia no Brasil. De acordo com a decisão do STF, enquanto não houver legislação específica, atos de homofobia ou transfobia podem ser tipificados como crimes de racismo. De acordo com a advogada Tathiane Aquino de Araújo, presidente da Rede Trans Brasil, existe um grande desafio na aplicabilidade dessa decisão:
A lei que define os crimes de racismo no Brasil não é bem aplicada devido ao texto e sua compreensão. O legislador se refere à discriminação produzida em lugares, enquanto a violência contra pessoas trans possui características de crime de ódio. Embora seja uma decisão importante no aspecto simbólico, a experiência nos mostra que o racismo estrutural no sistema de justiça impede que os crimes raciais sejam denunciados e punidos como prevê a norma. Por isso, há o risco de a decisão ter pouca efetividade pela transfobia institucional do mesmo sistema de justiça. (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES - ESTADO DA BAHIA, 2020)
Sobre o enfrentamento de obstáculos a população trans sofre no acesso a instituições sociais formais básicas, como saúde e trabalho. Em nível estrutural, faltam políticas públicas destinadas a incorporá-los ao acervo das instituições sociais, como educação, sistemas de saúde e mercado de trabalho. A elevada taxa de desemprego e a dificuldade de entrada no mercado de trabalho também estão relacionadas ao estigma e à discriminação sofrida por essa população. O trabalho é um direito humano básico e uma estratégia usada para o sustento dos indivíduos, tendo impactos diretos na vida e na saúde de qualquer pessoa, e é considerado um importante determinante social da saúde (SILVA et al., 2020. Apud. CONRON et al., 2012; GRANT et al., 2011).
A questão da visibilidade do trans, o Brasil aprendeu a reconhecê-lo como algo cômico, muito devido aos programas televisivos em canais abertos que desde o século passado complementam suas grades. Personagens como Vera Verão, interpretado pelo falecido ator Jorge Lafond, entre outros, que tinham o carinho do público, camuflavam o preconceito que havia em relação a eles. Aquilo era o máximo que poderiam almejar, e caso buscassem outro caminho o mais provável seria o do cemitério, onde inúmeros transexuais foram parar, pelos motivos mais fúteis possíveis. Conforme discorre o dossiê do ANTRA (2020):
[...] deveria potencializar o enfrentamento da omissão dos estados para podermos ter um levantamento de dados. Porém, isso acontece, fato que, mais uma vez, reforça que os estados não estão interessados em enfrentar o problema da LGBTI fobia, seja ela institucional ou não. Não querer levantar esses dados é uma face da LGBTI fobia institucional e, ao mesmo tempo, demonstra um descaso frente à violência contra a população LGBT+, manifestado pela dificuldade no reconhecimento dessa violência específica. (BENEVIDE,et al. 2020)
E como se não fosse suficiente a mazela ao qual é inserido, esse grupo é obrigado a viver em permanente vigilância, já que é constante potencial vítima de violência física e moral, assim como de assédio e discriminação, crimes que não têm uma punição compatível com o risco a que estão sujeitos devido ao lapso encontrado na legislação brasileira sobre a sua real proteção.
De acordo com a organização internacional Transgender Europe, no período de três anos entre 2008 e 2011, trezentas e vinte e cinco pessoas trans foram assassinadas no Brasil. A maioria das vítimas são as mulheres transexuais e as travestis. (JESUS, 2012)
Tais violações não se limitam aos abusos do dia a dia, e se estendem a negação do que deveria ser deles por direito como a assistência médica correta, a educação, já que a baixa escolaridade cria um ciclo vicioso onde se torna impossível sair, o que prejudica a busca por um trabalho digno, assim como uma moradia, resultando na entrada, quase que forçada, para o mundo da criminalização e assim para a prisão, muitas vezes arbitrária e violenta. E assim, jogados em um cárcere se tornam presas fáceis para lesões corporais, torturas, estupros e, por fim, assassinato.
O indivíduo que não segue os padrões morais, religiosos e sociais de normalidade, ainda que após a promulgação da Constituição Federal Brasileira que legitimou os valores da igualdade e da dignidade humana, ainda permanece relegado à margem da sociedade. Há uma impressionante dificuldade em aceitar as diferenças, e isso se expressa de modo particularmente intenso no campo da sexualidade. Os dados anteriormente apresentados demonstram que a taxa de mortalidade são cada vez maiores, resultado da cultuara patriarcal, racista e heteronormativa do país.
Apesar de existir inúmeras datas para buscar a conscientização da sociedade, no enfrentamento da homofobia e a transfobia como o Dia da Visibilidade Trans e Travesti, o Dia Internacional do Combate à homofobia, o Dia do Orgulho LGBIQ+, e o Dia da Visibilidade Lésbica. No entanto as pessoas trans continuam sendo vítimas de homicídios, suicídios, sofrendo abusos, sendo marginalizadas, menosprezados e criminalizadas pela sociedade.
Conclui-se que o espaço reservado a transgêneros é o da extrema exclusão. São cidadãs e cidadãos que ainda têm de lutar muito para terem garantidos os seus direitos fundamentais. Uma vez que percebe-se uma grande resistência social, passadas de ensinamentos e crenças de séculos passados, de geração para geração, ademais a falta
Os transexuais desejam apenas o reconhecimento do direito a uma vida digna, e o Direito precisa acompanhar as mudanças sociais. Como a sociedade não é estática, o Direito não pode permanecer inerte, ou imporia a vida social uma imobilidade incompatível com o senso de evolução da própria civilização humana.
Deste modo, compreende-se que o Brasil necessita de ações mais específicas, devendo o Congresso editar e providenciar a publicação de uma norma autônoma que fale sobre e tipifique melhor à cerca dos direitos dos transgêneros. Além da grande necessidade de maior efetividade nas regulamentações já vigentes, como o acesso a redesignação de sexo por vias publica, o SUS, o qual existe mas ineficiente e moroso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Das considerações sobre a apresentação do presente artigo, é possível observar que apesar do assunto do Transexualismo ser uma pauta bem discutida na última década, e haver regulamentações a favor da descriminalização e a efetivação dos direitos a dignidade da pessoa humana desses indivíduos, a praxe demonstra resistência na sua concretização.
Durante o estudo, foi possível constatar a existência de direitos adquiridos como a aquisição do direito a redesignação de gênero, o direito de mudança do nome e do gênero sem necessidade de processo judicial, e a decisão pelo STF da criminalização da homofobia e da transfobia.
Verificou-se que o transexual, como todo ser humana, busca sua felicidade por meio do equilíbrio psíquico, físico e harmonia no relacionamento familiar e social, no entanto essa efetividade da dignidade da pessoa humana ainda não é uma realidade para esse grupo. Os transexuais ainda continuam sendo vítimas de homicídios, suicídios, sofrendo abusos, sendo marginalizadas, menosprezados e criminalizadas pela sociedade.
Tendo em consideração essas vulnerabilidades, o Estado e a sociedade devem promover iniciativas para proteger amplamente esses indivíduos com planos de inclusão social, sendo imprescindível a aplicação de políticas públicas e de conscientização da sociedade, vez que o Brasil não é detentora de legislação própria.
Logo são necessárias políticas públicas que visem a efetivação dos direitos civis, políticos e sociais das pessoas trans. Assim, como a solução não é particularmente jurídica, dependendo também de uma questão cultural, faz-se urgente a promoção de ações como a elaboração de cartilhas, palestras, projetos de lei e projetos de organizações assistenciais para que seja promovida ações capazes de modificar, ainda que de forma introdutória, a realidade encarada por essas pessoas.
Por fim, necessário também a criação de projetos de lei e aprovação daqueles já existentes, para que seja efetivada por meio de legislações e dada maior efetividade ao direito da dignidade da pessoa humana.
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[1] Graduada em Direito na FAFICH (2000); Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista pela Anhanguera (2005); Mestre em Gestão Pública pela UFT (2018); Professora na Unitins de Palmas/TO (2019 aos dias atuais). Diretora-Geral da ESA-TO (Gestão atual), Professor Universitário de Direito na Universidade UnirG, Gurupi/TO
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Gurupi - UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOURA, Mallane de Castro. Análise dos direitos assegurados aos transexuais: a efetivação da dignidade da pessoa humana e inclusão social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2021, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56674/anlise-dos-direitos-assegurados-aos-transexuais-a-efetivao-da-dignidade-da-pessoa-humana-e-incluso-social. Acesso em: 23 dez 2024.
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