IGOR DE ANDRADE BARBOSA
(orientador)[1]
RESUMO: Este artigo é resultado de pesquisa sobre a tutela penal da mulher no tempo, contendo como objeto central o crime de importunação sexual que foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio através da lei 13.718/2018. Para tanto, se utilizou do método dedutivo, de caráter exploratório, tendo a pesquisa documental como instrumento de coleta de dados. Dessa forma, foi analisado o tratamento conferido à mulher no decorrer das alterações legislativas no âmbito do direito penal, afora, observou-se como se deu o processo até a criminalização do tipo penal em estudo, que apesar de ser bicomum, em relação à eficácia acaba por tutelar a mulher, já que a maioria dos casos (envolvendo) o delito supracitado tem como alvo, vítimas femininas. Além disso, averiguaram-se jurisprudências de Tribunais Estaduais e Superiores com a finalidade de aferir a aplicação do crime de Importunação Sexual, bem como da importunação ofensiva ao pudor (artigo 61 da Lei de Contravenções Penais), legislação anteriormente equiparada. Em que se pese, notou-se que os intérpretes divergiam quanto aos parâmetros para distinguir o crime de importunação sexual e o estupro de vulnerável.
Palavras-chave: direto penal; estupro de vulnerável; importunação sexual; legislação; mulher.
ABSTRACT: This article is the result of research on the criminal protection of women over time, containing as a central object the crime of sexual harassment that was introduced in the national legal system through law 13.718 / 2018. For that, we used the deductive method, of exploratory character, having the documentary research as an instrument of data collection. Thus, the treatment given to women in the course of legislative changes within the scope of criminal law was analyzed, in addition, it was observed how the process took place until the criminalization of the criminal type under study, which despite being bicommon, in relation to effectiveness ends up guarding the woman, since most of the cases (involving) the aforementioned crime target female victims. In addition, jurisprudence from State and Superior Courts was investigated in order to assess the application of the crime of sexual harassment, as well as offensive harassment to modesty (article 61 of the Criminal Misdemeanor Law), legislation that was previously equated. In spite of that, it was noted that the interpreters differed in terms of the parameters for distinguishing the crime of sexual harassment and rape from the vulnerable.
Keywords: criminal proceedings; rape of vulnerable; sexual harassment; legislation; woman.
Sumário: Introdução. 1. De onde vem a violência contra a mulher brasileira? 1.1 O tratamento desigual das mulheres no código penal de 1940. 2 contravenções penais: a importunação ofensiva ao pudor. 3 A lei nº 13.718/2018. 3.1crime: importunação sexual. 4 Enquadramentos da conduta tida na importunação sexual antes da sua criação. 5 Análise jurisprudencial anterior à lei 13.718/18. 6 Jurisprudência atual. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Diante da repercussão de vários casos envolvendo diferentes categorias de violências de cunho sexual — principalmente contra mulheres — e frente a falta de tipificação de tais condutas, a Lei 13.718/2018, que tem como origem o Projeto de Lei do Senado n. º 618/2015, introduziu e alterou alguns artigos no Código Penal, referente aos crimes contra a Dignidade Sexual.
A importunação sexual abrange situações como ocorrida em um transporte coletivo, na cidade de São Paulo, onde uma mulher fora surpreendida com a conduta de um homem que estava se masturbando e ejaculou em seu pescoço.
Na época dos fatos, inicialmente, o agente foi detido pela prática do crime de Estupro (art. 213 do CP), todavia, sua prisão foi relaxada após o juiz designado para o caso concluir que o ato se enquadrava na contravenção penal de Importunação Ofensiva ao pudor, disposta no artigo 61 do Decreto-Lei n. º 3.688/41, dado que a execução de contravenção penal não autoriza a decretação de prisão preventiva, pois está medida restringe-se a prática de crime.
Insta salientar, ainda, que dias após o ocorrido, o mesmo indivíduo voltou a praticar condutas similares contra outras mulheres, o que demostrou a total ineficácia da legislação que foi aplicada ao caso.
Essa problemática ganhou destaque, sendo alvo de debate da sociedade, principalmente de grupos liderados por mulheres, quanto a correta tipificação da conduta do agente, se de fato, tratava-se de uma infração penal de menor potencial ofensivo ou se havia crime.
Imperioso ressaltar que os avanços legislativos no que tange aos crimes contra a dignidade sexual, originam-se sobretudo de questões sociais onde as vítimas femininas são colocadas como principais sujeitos passivos de atos de conotação sexual.
À vista disso, o presente trabalho, inicialmente apresentará uma síntese histórica, buscando compreender a origem da violência contra a mulher, considerando as antigas previsões do Código Penal de 1940, que já passou por diversas atualizações, tendo em vista a mudança de comportamento e valores da sociedade.
A ‘posteriori’, buscou-se compreender como se deu o processo até a criminalização dessa infração penal, seus antecedentes históricos e como o mesmo está sendo aplicado pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Superiores.
Embora o delito em estudo não seja praticado por razões da condição do sexo feminino, sendo classificado quanto ao sujeito passivo em bicomum, dado que o tipo penal não exige qualidade ou condição especial do ofendido, podendo a vítima ser qualquer pessoa, no cotidiano e em casos concretos julgados pelos tribunais, observa-se que os maiores alvos de práticas dessa natureza são sujeitos do sexo feminino. O que ocasiona em uma importante proteção à mulher.
1 DE ONDE VEM A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER BRASILEIRA?
A violência contra a mulher vem principalmente de um processo cultural. Desde a colonização, a cultura portuguesa se mesclou com a brasileira, o que resultou em um comportamento predominantemente patriarcal. De acordo com Márcio Ferreira de Souza (2011), Gilberto Freyre foi um autor brasileiro que escreveu sobre o patriarcalismo português e sua influência na formação da família brasileira, como se vê em sua trilogia intitulada Introdução à História da Sociedade Patriarcal no Brasil.
Nessa sociedade urbana e patriarcal, o homem e a mulher possuem papéis diferentes, o que é mencionado por Freyre (2002) em Sobrados e Mucambos. O problema é que hodiernamente esse fato ainda se faz presente, apesar da passagem de tantos anos. O homem é criado para comandar, prover e trabalhar, sendo considerado racional e inteligente, mas a mulher, pelo contrário, é criada para cuidar da casa, das crianças e é taxada de irracional e emotiva.
Freyre (2002), em sua obra “Sobrados e Mucambos”, retrata que “é característico do regime patriarcal, o homem fazer da mulher uma criatura tão diferente quanto possível. Ele, o sexo forte, ela o fraco; ele o sexo nobre, ela o belo.” (FREYRE, 2002, p. 805). Ainda conforme o autor, eram associados aos homens símbolos de poder, como bigodes e cavalos, enquanto à mulher estavam ligados os espartilhos e a moda.
1.1 O TRATAMENTO DESIGUAL DAS MULHERES NO CÓDIGO PENAL DE 1940
É inegável a influência da igreja e a incorporação de seus valores na sociedade. Entre eles o papel da mulher submissa e dependente do homem, como na história bíblica de Adão e Eva, em que se conta que a mulher surgiu/nasceu das costelas do homem, reforçando o superego e a superioridade do sexo masculino.
A perpetuação desses valores repercute em todos os ramos do corpo social, inclusive na formação do ordenamento jurídico. As expressões “mulher honesta” e “mulher virgem”, por exemplo, foram marcas do primeiro texto publicado do Código Penal de 1940. Consoante a doutrina do período mencionado, vejamos o conceito de mulher honesta:
A vítima deve ser mulher honesta, e como tal se entende, não somente aquela cuja conduta, sob o ponto de vista da moral sexual, é irrepreensível, senão também aquela que ainda não rompeu com o mínimo de decência exigido pelos bons costumes. Só deixa de ser mulher honesta (sob o prisma jurídico-penal) a mulher francamente desregrada, (...) ainda que não tenha descido à condição autêntica de prostituta. Desonesta é a mulher fácil, que se entrega a uns e outros, por interesse ou mera depravação. (HUNGRIA, 1981, s/p.)
Pode-se observar, portanto, que a proteção era direcionada a certas categorias de mulheres que detinham o padrão de comportamento exigido na época. Ou seja, as demais, quando violentadas não tinham a tutela penal a seu favor.
É nítida a intervenção estatal na vida íntima e consequente repressão à sexualidade feminina. Salienta-se esse pensamento no trecho abaixo:
Nosso Código Penal de 1940, a toda evidência, ao tratar dos crimes contra a dignidade sexual, os abordou com a ideologia machista e paternalista da época, impregnada de questões moralistas, que levaram o legislador a intitular essa gama de crimes atrozes como crimes contra os costumes e crimes contra a liberdade sexual. (BARBOSA, 2016)
Demorou 69 (sessenta e nove) anos para a supressão dessas expressões da legislação em comento. A lei 12.015/2009 foi a responsável pela remoção dessas terminologias do Código Penal. Entretanto, mesmo com a retirada, a sua utilização não está em desuso, já que esta ideologia se enraizou de tal forma que os reflexos são vistos até os dias atuais.
2 CONTRAVENÇÕES PENAIS: A IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR
Segundo Sanches (2015) contravenção penal denomina-se crime anão, delito liliputiano ou crime vagabundo. Isso se deve ao fato de que as contravenções penais são infrações de menor grau de ofensividade.
Por se tratar de infrações menos lesivas, a elas são cominadas penas mais brandas, conforme tratado no artigo 1º da Lei n.º 3.914/1941 (Lei de introdução ao Código Penal):
Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Anteriormente a Lei 13.718/18, o decreto-lei n.º 3.688, de 3 de outubro de 1941, em seu artigo 61, previa a Contravenção Penal de “Importunação Ofensiva ao Pudor”, o qual era punido somente com pena de multa. Vejamos o que dispunha o artigo em comento: “Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor: Pena de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis. ”
Na importunação ofensiva ao pudor o bem jurídico tutelado é o pudor, não o pudor público, pois se fosse deste modo incidiria em um dos crimes de ultraje público ao pudor, previstos no Código Penal, como o crime de ato obsceno. (JESUS, 2015, p. 220)
Esmiuçando as expressões do tipo penal o verbo “importunar”, de acordo com Ventura (2015) é: a grosso e objetivo modo, é ocasionar um desconforto; causar incômodo. O autor, ainda, em seu artigo define “pudor” como: sentimento de vergonha, timidez, mal-estar, causado por qualquer coisa capaz de ferir a decência, a modéstia, a inocência.
Atenta-se ao fato de que o legislador da época acabou por não penalizar a conduta proporcionalmente ao ato, o que ensejava, a não comunicação da violação sofrida, por vergonha, desejo de não exposição, ou por ter consciência que não seria devidamente assistida.
3 A LEI Nº 13.718/2018
Inicialmente, convém mencionar a importância da entrada da Lei 13.718 de 24 de setembro de 2018 no ordenamento jurídico. Houve significativas mudanças tais como: alteração da ação penal dos crimes previstos nos Capítulos I e II do Título VI, do Código Penal, tornando pública incondicionada a ação penal dos crimes contra a liberdade sexual, mesmo que a vítima seja maior e capaz.
Ocorreu o estabelecimento de causas de aumento de pena nos delitos contra a dignidade sexual, especialmente, aos crimes de estupro e estupro de vulneral.
Além disso, incorporou dispôs dos delitos de divulgação de cena de estupro ou cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia; importunação sexual, e a revogação da contravenção insculpida no artigo 61 da Lei de Contravenções Penais.
Frisa-se que a revogação da Importunação ofensiva ao pudor não se trata de abolitio criminis, mas do princípio da “continuidade normativo-típica”, visto que o seu conteúdo agora está previsto em uma nova infração penal.
Sobre o princípio da continuidade normativo-típica, aduz Greco (2017, p. 195):
Pode ocorrer que determinado tipo penal incriminador seja expressamente revogado, mas seus elementos venham a migrar para outro tipo penal já existente, ou mesmo criado por nova lei. Nesses casos, embora aparentemente tenha havido a abolição da figura típica, temos aquilo que se denomina continuidade normativo-típica. Não ocorrerá, portanto, a abolitio criminis, mas, sim, a permanência da conduta anteriormente incriminada, só que constando de outro tipo penal.
Em vista disso, os indivíduos que praticaram as condutas descritas no tipo penal em análise antes do advento da lei não responderão pelo crime de importunação sexual, pois estamos diante de uma novatio legis in pejus, não podendo retroagir para alcançar os fatos anteriores a sua vigência.
3.1 CRIME: IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
A importunação sexual, prevista no art. 215-A do Código Penal, consiste na prática contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. (Jesus, 2020, p. 110)
Vejamos a descrição da conduta na íntegra: “Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. ”
O crime de Importunação sexual é doloso, pois no tipo penal, tem a previsão do elemento específico, “consistente em satisfazer a lascívia própria ou de terceiros”. Não há previsão de conduta culposa.
Assim, se um indivíduo, por acidente, se desequilibra no metrô e acaba esbarrando numa mulher em uma situação que poderia ensejar a violação, não há crime, pois inexistiu dolo por parte do agente. (Cabette, 2018, p. 12)
Quanto aos sujeitos da presente infração penal, classifica-se como bicomum, já que os sujeitos ativos e passivos são comuns, ou seja, qualquer pessoa pode figurar como agressora e vítima (homem ou mulher). Embora tal conduta tenha comumente a mulher como alvo e homens como violadores do objeto jurídico tutelado pela norma.
Além disso, classifica-se como crime material, de forma livre, comissivo, instantâneo, de dano, unissubjetivo, plurissubsistente e admite tentativa. (NUCCI, 2019)
Em mais um exemplo trazido por Cabette (2018, p. 14), vislumbra-se com mais clareza como se dá tentativa nesse delito, vejamos:
É possível a tentativa, desde que o ato libidinoso não se consume por motivos alheios à vontade do agente. Digamos que um indivíduo, que está se masturbando ao lado da vítima que dorme num banco de ônibus, prestes a ejacular, é detido por populares e não consegue seu intento.
O elemento “contra alguém” nesse dispositivo, se adequá a redação que o segue “sem a sua anuência”. Assim, verifica-se que o consentimento da vítima é um elemento indispensável para a caracterização desse delito. Se a vítima consente e o seu consentimento é válido o fato é atípico. Porém, se a vítima for capaz e não há consentimento o crime a enquadrar é o do art. 215-A.
Bitencourt (2019), critica a expressão empregada no tipo penal, já que no projeto de lei original os vocábulos utilizados foram “na presença de alguém”, e não “contra alguém”, como foi publicado. Com isso, aduz o autor que o ofendido deveria se encontrar fisicamente no local da prática do ato libidinoso, tornando atípicas as condutas que não forem contra alguém, mas apenas na sua presença. Para Bitencourt essa alteração foi inconstitucional, já que não foi essa a redação aprovada pelo Poder Legislativo, que é o poder constitucionalmente legitimado para elaborar leis.
Cabe destacar, que conforme a parte final do dispositivo do artigo 215-A, “se o ato não constitui crime mais grave”, expressa a natureza subsidiária do mesmo. Logo, caso o crime seja cometido com violência ou grave ameaça, seria configurado o crime de estupro, por exemplo.
Em relação à ação penal, os crimes contra a dignidade sexual passaram a proceder-se mediante ação pública incondicionada, conforme art. 225 do Código Penal. A Importunação sexual, é considerada uma infração de médio potencial ofensivo, admitindo a suspensão condicional do processo, já que sua pena mínima (1 a 5 anos) não ultrapassa um ano (art. 89, da Lei 9.099/95) e o acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP).
4 ENQUADRAMENTOS DA CONDUTA TIDA NA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL ANTES DA SUA CRIAÇÃO
O caso do “ejaculador do ônibus” deu grande notoriedade a situações que várias mulheres enfrentavam, e em face das particularidades dessa conduta abriu-se um leque de várias possibilidades de crimes que poderiam se adequar a conduta em comento.
Antes da criação da Lei 13.718, as condutas previstas no tipo penal, agora definido por Importunação sexual, eram enquadrados em vários outros delitos. Que por vezes eram aplicados de forma inadequada, e consequentemente gerando uma situação mais confortável ao agressor.
Quanto a isso, o Senador Humberto Costa, em parecer sobre Projeto de Lei do Senado n.º 2, de 2018 (2018, p. 4), expõe que:
A ausência de um tipo penal específico para combater tais condutas gerou verdadeiras anomalias no sistema jurídico, pois os juízes criminais se viam impossibilitados, em muitos casos, de aplicar a justa sanção em razão da ausência de tipificação legal verdadeiramente adequada.
Na tentativa de penalizar o homem que ejaculou na mulher no ônibus, houve a discussão sobre a aplicação de vários crimes que constam no rol dos crimes contra a dignidade sexual. Todavia, nenhuma das alternativas adequou-se corretamente à espécie.
Insta salientar, que no direito penal, onde impera o princípio da anterioridade e da reserva legal, não se admite analogia relativa a normas incriminadoras. As condutas aplicadas como possíveis a aplicação ao caso concreto, por nunca se enquadrar perfeitamente ao caso, por falta de alguma elementar dos tipos penais, ensejava uma possível ofensa, além dos princípios anteriormente citados, ao princípio da legalidade.
Nesse diapasão, será abordado alguns crimes que constam no rol dos crimes contra a dignidade sexual, com o intuito de verificar se estariam aptos a enquadrar nas condutas que atualmente são tuteladas na importunação sexual. Como: estupro; violação sexual mediante fraude; ato obsceno e contravenção penal de Importunação ofensiva ao pudor.
O crime de estupro é previsto no art. 213 do Código Penal, e a conduta consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar, ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
De acordo com Greco (2017) o núcleo do tipo é o verbo constranger, aqui utilizado no sentido de forçar, obrigar, subjugar a vítima ao ato sexual. Além disso, aduz o autor que para a configuração desse crime é preciso que o agente atue mediante o emprego de violência ou de grave ameaça, no sentido de subjugar a vítima, para que com ela possa praticar a conjunção carnal, ou a praticar, ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso.
Conjunção carnal é a cópula vagínica, ou seja, a introdução total ou parcial do pênis na vagina. Atos libidinosos, por outro lado, são os revestidos de conotação sexual, com exceção da conjunção carnal, tais como o sexo oral, o sexo anal, os toques íntimos, a introdução de dedos ou objetos na vagina, a masturbação, etc. (MASSON, 2018, pág. 11)
Imperioso se faz mencionar que o tipo penal em análise não exige que o agente dirija sua finalidade especial de saciar sua lascívia, de satisfazer sua libido (GRECO, 2019, pág. 79), ao revés do que do dispõe o crime de importunação sexual. Além disso, há outros pressupostos importantes que diferenciam às duas condutas, tais como: os meios de execução e o emprego de violência ou grave ameaça.
Logo, vislumbra-se que o estupro não seria aplicável aos casos de importunação sexual. Passe-se, então a análise do delito de estupro de vulnerável.
As condutas previstas no tipo penal do art. 217-A são as mesmas aquelas constantes do art. 213 do Código Penal, sendo que a diferença existente entre eles residem no fato de que no delito de estupro de vulnerável a vítima, obrigatoriamente, deverá ser menor de 14 (catorze) anos ou pessoa que, portadora de enfermidade ou deficiência mental, seja incapaz de discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não tenha condições de oferecer resistência.
Menciona-se ainda, que esse crime se consuma ainda que sem violência ou grave ameaça, ou até mesmo com o consentimento da vítima, independente ainda de experiência sexual anterior.
Antes da criação do artigo 215-A, cogitou-se a aplicação do dispositivo em apreço, tendo em vista que as vítimas eram pegas sem hipótese de reação.
Ocorre que, conforme CABETTE (2017) a vítima não é alienada mental, menor de 14 anos e nem mesmo pessoa que por qualquer outra causa não podia ofertar resistência; em suma, não se tratava de um vulnerável enumerado na legislação. Sua classificação nessa categoria devido a estar distraída somente seria possível por equiparação ou analogia, as quais seriam feitas “in mallam partem”, o que é inadmissível na seara penal.
Não se aventa também o Ato obsceno, previsto no artigo 233 do código penal. Ensina DAMASIO DE JESUS (2020, pag. 178) que o objeto jurídico deste delito é o pudor público, a moralidade pública, no que tange ao comportamento de cada indivíduo componente do grupo social.
Aduz o autor ainda que Ato obsceno é a manifestação corpórea, de cunho sexual, que ofende o pudor público. As palavras obscenas não caracterizam o delito, embora possam configurar a contravenção penal de perturbação da tranquilidade (art. 65 da Lei n.º 3.688/41).
O sujeito passivo do crime de Ato obsceno é a coletividade. Diferenciando-se, nessa seara da conduta de importunação, já que nesta, a vítima é uma pessoa específica (alguém). Como alude CABETTE (2017) há a invasão da esfera corporal da vítima e não a mera prática de exibicionismo.
Também não se configura a Violação sexual mediante fraude (artigo 215 do Código Penal). A doutrina denomina esse tipo como “estelionato sexual”. Ao contrário do crime de estupro, o agente obtém a prestação sexual mediante o emprego de meio enganoso, ou seja, meio iludente da vontade da vítima e não com o emprego de violência ou grave ameaça, motivo pelo qual ele é considerado delito de menor gravidade. (CAPEZ, 2020, pag. 107)
Contudo, não prevaleceu a aplicação desse crime por alegação de que a “Violação sexual mediante fraude” somente se poderia configurar ou pela fraude propriamente dita, ou por “algum outro meio fraudulento”.
Por fim, houve a cogitação da aplicação da revogada contravenção do artigo 61 da Lei de Contravenções Penais, que era a mais utilizada nas situações que hoje é abarcada pelo crime de Importunação Sexual.
Mais inviável ainda, especialmente pela insuficiência protetiva, posto que não admite a invasão do espaço corporal da vítima, toques, manipulações, etc., mas tão-somente gracejos, “cantadas”, abordagens verbais e sinais constrangedores. (CABETTE, 2017)
Com isso, vale salientar a diferença entre o artigo 61 da Lei de Contravenções Penais e o artigo 215-A do Código Penal. Para a adequação da importunação é necessário o dolo específico de satisfação da própria lascívia ou a de terceiro na realização do ato, enquanto na importunação ofensiva ao pudor determina apenas que o ato praticado seja ofensivo ao pudor.
5 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ANTERIOR À LEI 13.718/18
Objetivando averiguar como eram enquadradas as situações de importunação sexual em jurisprudências dos tribunais estaduais e superiores, verificando os fundamentos e o embasamento legais utilizados para tanto, constatou-se que considerável parte dos julgados imputou aos acusados o estupro de vulnerável, a contravenção de perturbação da tranquilidade da vítima e importunação ofensiva ao pudor.
Foi notado que a maioria dos crimes foi dirigido a menores de 14 anos, vitimando, em maioria esmagadora, pessoas do sexo feminino.
As condutas dos crimes se davam de várias formas, tais como: beijos lascivos (beijos roubados), manipulação dos órgãos genitais das vítimas, apalpadas, exposição de nudez do agressor, masturbação, entre outros.
Para esses comportamentos, observou-se a multiplicidade de aplicação do estupro de vulnerável. Na maior parte dos casos as vítimas eram menores de 14 anos, além disso, o disposto no artigo 217-A é um tipo penal que independe de violência ou grave ameaça, conjunção carnal, bem como de eventual consentimento da vítima, já que a vulnerabilidade é presumida nesse caso.
Não obstante, constatou-se uma quantidade significativa de julgados que desclassificaram o crime de Estupro de Vulnerável para a contravenção penal de Importunação Ofensiva ao Pudor. O argumento mais utilizado para tanto é que o toque superficial e fugaz, por sobre as vestes, nos seios de uma mulher, não caracterizam a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal e sim a conduta indecorosa de importunação ofensiva ao pudor, ainda que a vítima seja menor de 14 anos.
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE - ESTUPRO DE VULNERÁVEL - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PROVAS DOS AUTOS - DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS - CONDENAÇÃO RESPALDADA - ATO LIBIDINOSO - PROPÓSITO DE SATISFAÇÃO DO DESEJO SEXUAL - ATIPICIDADE DA CONDUTA OU DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL DE IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR - IMPOSSIBILIDADE - PALAVRA DA VÍTIMA - AMBIENTES DE CLANDESTINIDADE - DESPROVIMENTO DO RECURSO. Comprovada a materialidade delitiva e a respectiva autoria, a condenação pela prática do crime de estupro de vulnerável majorado é medida que se impõe, sobretudo quando os depoimentos testemunhais se mostram suficientes para demonstrar que os acusados praticaram atos libidinosos com menor de catorze (14) anos. Como a expressão "ato libidinoso", integrante do tipo previsto no artigo 217-A, do Código Penal, compreende todos os atos de natureza sexual diversos da conjunção carnal e que tenham como propósito a satisfação do desejo sexual, não é possível considerar atípica a conduta ou desclassificar o delito para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor. Precedentes do STJ. A palavra da vítima nos crimes sexuais está impregnada de especial relevância probatória, sobretudo por serem delitos que, quase sempre, são cometidos em ambientes de clandestinidade e em circunstâncias fáticas que não deixam vestígios. Precedentes.
(TJ ES, Classe: Embargos Infringentes e de Nulidade ED Ap, 014120122032, Relator Designado: NEY BATISTA COUTINHO, Órgão julgador: CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, Data de Julgamento: 16/05/2016, Data da Publicação no Diário: 20/06/2016)
E M E N T A-APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A DO CP) - AUTORIA DELITIVA COMPROVADA - PALAVRA DA VÍTIMA - IMPOSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO - RECURSO DEFENSIVO IMPROVIDO - DE OFÍCIO, OPERADA A DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO DE IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR - INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO - REMESSA AO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. 1. Em se tratando de crime contra a dignidade sexual, normalmente ocorrido às ocultas e sem testemunhas presenciais, há de se considerar válida e suficiente a palavra da vítima, quando coerente e em consonância com as demais provas, a fim de demonstrar os fatos e a autoria delitiva. 2. Sob o viés da quantidade de pena prevista pelo legislador, a conduta do réu, embora censurável e aviltante, é considerada amena se comparada àquelas que configuram o crime de estupro, ainda que presumida a violência em razão da idade da vítima. Dessa forma, e considerando que os fatos se ajustam à contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, é impositiva a desclassificação. 3. Recurso defensivo improvido e, de ofício, operada a desclassificação para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, determinando-se a remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal da comarca de origem. EM PARTE, CONTRA O PARECER. (TJMS. Apelação Criminal n. 0000927-56.2010.8.12.0017, Nova Andradina, 3ª Câmara Criminal, Relator (a): Des. Francisco Gerardo de Sousa, j: 19/11/2014, p: 24/11/2014)
Os dois casos em tela são bem semelhantes quanto as circunstâncias de fato e as condutas dirigidas contra as vítimas. No primeiro julgado expedido pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a vítima contava com 11 anos, e sofreu violações de cunho sexual de seus dois tios, onde os mesmos passavam as mãos no corpo da criança, em especial nos seios e blusa, tentando ainda colocar a mão por dentro da roupa da criança, a qual impedia tal avanço, sendo o assédio rotineiro.
No caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul a vítima tinha 10 anos, contra a qual foi praticado atos libidinosos diversos da conjunção carnal, em que o acusado passava as mãos na vagina e nas nádegas da vítima, os abusos em questão se repetiram por várias vezes.
Apesar da afinidade entre os casos, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo negou o provimento de desclassificação para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, mantendo a condenação pelo estupro de vulnerável. Enquanto o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul desclassificou o crime de estupro de vulnerável para a importunação do art. 61 da Lei de Contravenções Penais.
Houve também uma grande incidência de aplicação da contravenção penal de “Importunação ofensiva ao pudor”, com pedidos de desclassificação e extinção da punibilidade. Conforme verificado, a incidência da aplicação da contravenção do art. 61, deu-se principalmente, pela falta “gravidade” do fato, que embora reprovável, não eram considerados graves, mas sim meros aborrecimentos, com isso, os magistrados aplicavam a princípio da proporcionalidade, minorando as penas dos acusados.
6 JURISPRUDÊNCIA ATUAL
Na jurisprudência atual, observou ser constantes os pedidos de desclassificação de crimes de estupro simples ou de vulnerável, para o crime menos grave de importunação sexual. E em muitos casos foi acatado o pedido de desclassificação, tendo alguns tribunais considerado a nova lei uma “novatio legis in mellios”.
No entanto, no que tange às vítimas menores de 14 anos, mesmo com pedido de desclassificação, geralmente foi entendido pela impossibilidade de desclassificação do estupro de vulnerável para o crime de importunação sexual. Todavia, foi verificado um caso em que o magistrado desclassificou o crime de estupro de vulnerável para a importunação sexual, julgado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP, ART. 217-A, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO. 1. PROVA DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA. PALAVRAS DA VÍTIMA. DECLARAÇÕES DE TESTEMUNHAS. ESTUDO PSICOLÓGICO. CONDIÇÕES DE SAÚDE NÃO IMPEDITIVAS À PRÁTICA DE ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. NEGATIVA ISOLADA. 2. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DISPOSTO NO ART. 61 DO DECRETO-LEI 3.688/41 OU PARA O POSITIVADO NO ART. 232 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. INTENÇÃO DE SATISFAZER A PRÓPRIA LASCÍVIA. 2.1. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL (CP, ART. 215-A). LEI PENAL BENÉFICA. ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. TOQUE NA REGIÃO GENITAL, POR CIMA DAS VESTES. CARÁTER INVASIVO MENOS INTENSO. PROPORCIONALIDADE DA PENA. 3. CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 71, CAPUT). FRAÇÃO DE AUMENTO. NÚMERO DE PRÁTICAS DELITIVAS. 1. As palavras da vítima criança, no sentido de que o acusado ficava "mexendo" e "passando a mão" na sua vagina, sempre oferecendo doces em troca e advertindo-a para que mantivesse os fatos em sigilo, corroboradas pelos dizeres das demais testemunhas e pelas conclusões do relatório psicológico, no qual afastaram-se as hipóteses de fantasia, motivação obscura ou pressão externa, são suficientes à comprovação do crime de estupro de vulnerável, sobretudo quando se verifica que a negativa do réu encontra-se isolada do restante das provas e os problemas de saúde que o acometem não impedem a prática das condutas por ele perpetradas. 2. A intenção de satisfação de sua desvirtuada lascívia e o efetivo contato físico do abusador com a criança impedem a desclassificação da conduta consistente em passar as mãos e mexer na região genital da vítima para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor ou para o crime de constrangimento de criança sob sua vigilância. 2.1. Comete o delito de importunação sexual (CP, art. 215-A), e não de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A, caput), o agente que "passa as mãos"/"mexe" na região genital da vítima, por cima das vestes. 3. Ainda que não seja possível precisar o número exato das condutas delituosas, mas comprovado que o agente praticou os atos libidinosos por 1 ano e 8 meses, por mais de 10 vezes, é devido o aumento da pena, pela continuidade delitiva, na fração de 2/3. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0010557-84.2016.8.24.0020, de Criciúma, rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 17-09-2019). (grifo nosso)
Nesse caso o acusado passou as mãos no órgão genital da vítima, por cima de suas vestes, fazendo isso com a finalidade de satisfação da própria lascívia, importante ressaltar que a vítima tinha apenas 7 anos a época dos fatos e que o agente praticou os atos libidinosos durante 1 ano e 8 meses.
Nessa direção, em decisão julgada pelo TJ SP, o relator julgou procedente a apelação do réu acusado pelo crime do artigo 217-A do CP, desclassificando-o para delito do artigo 215-A do CP. Assevera-se que o acusado praticou atos libidinosos com menor de 14 anos, acariciando seus seios e tentado beija-la a força.
Na fundamentação do acórdão mencionado destaca-se argumento trazido pelo relator desembargador para a então desclassificação:
No presente caso, ainda que a vítima fosse menor de 14 anos à época, a conduta do acusado não revelou maior imersão nos atos sexuais, ficando limitada, ainda que totalmente reprovável, a toques superficiais nos seios da
Ofendida, sendo desproporcional a condenação pelo crime de estupro de vulnerável. (TJ-SP, Apelação Criminal nº1500811-24.2018.8.26.0431 – Segredo de Justiça, Relator: Heitor Donizete de Oliveira, data do julgamento: 03/02/2021, 12ª Câmara de Direito Criminal, data da publicação: 03/02/2021)
Em caso análogo, o mesmo tribunal de Justiça de São Paulo entendeu pela impossibilidade da desclassificação do estupro de vulnerável para a importunação sexual:
Agravo em execução. Retroatividade da lei mais benéfica. Não ocorrência. Condenação pelo crime de estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal). Desclassificação para o crime de importunação sexual (artigo 215-A do Código Penal). Impossibilidade. Não provimento ao recurso. (TJ-SP, Agravo de Execução Penal nº 0013813-55.2019.8.26.0996, Relator ZORZI ROCHA, Data do julgamento, 05/03/2020, 6º Câmara de Direito Criminal, Data de publicação: 06/03/2020).
Nesse processo, tratando-se de Agravo de Execução Penal n.º 0013813-55.2019.8.26.0996, a partir dos 11 anos da ofendida, isto é, no ano de 2012, o acusado passou a praticar com a vítima, que era sua enteada, atos libidinosos diversos da conjunção carnal, consistentes passar as mãos pelos seios, nádegas e vagina da jovem por debaixo da roupa, perdurando a conduta criminosa até junho de 2016.
Posto isso, verifica-se que ocorre divergências de entendimentos quanto a possibilidade de desclassificação do delito em estudo não só no mesmo tribunal, mas em tribunais de outros estados.
Em contrapartida, verificou-se também divergência de entendimento entre as turmas do Superior Tribunal de Justiça, na primeira ementa foi entendimento favorável à desclassificação, em que se abandonou a ideia de violência presumida em casos com vítima vulnerável, na segunda, entendeu-se pela impossibilidade pela presunção absoluta de violência ou grave ameaça, quando se trata de menor de 14 anos.
RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. VIOLAÇÃO DO ART 14, I E II, DO CP. PRÁTICA DE ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. CONSUMAÇÃO CONFIGURADA. PLEITO DE AFASTAMENTO DA FORMA TENTADA. PROCEDÊNCIA. NOVATIO LEGIS IN MELLIOS. VERIFICAÇÃO. OCORRÊNCIA. TIPO PENAL ADEQUADO AO CASO CONCRETO: IMPORTUNAÇÃO SEXUAL (ART. 215-A DO CP). HABEAS CORPUS, DE OFÍCIO. APLICAÇÃO DO ART. 654, § 2º, DO CPP. REDIMENSIONAMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, QUE SE IMPÕE. 1. É narrado na exordial acusatória que o increpado aproveitou do momento em que a mãe da vítima (S B da S) não estava presente no recinto (saiu para buscar o filho na APAE), para submeter a vítima à prática de atos libidinosos diversos, consistente em o increpado passar as mãos pelo corpo da infante (pernas e nádegas), bem como ao entorno da vagina da adolescente, no intuito de satisfazer sua lascívia, sem penetração, enquanto esta tentava em vão se desvencilhar do ofensor. 2. Diante da inovação legislativa, apresentada pela Lei n. 13.718, de 24 de setembro de 2018, foi criado o tipo penal da importunação sexual, inserida no Código Penal por meio do art. 215-A. A conduta do recorrido, conforme descrita na inicial acusatória, consistente em passar as mãos pelo corpo da infante (pernas e nádegas), bem como ao entorno da vagina da adolescente, no intuito de satisfazer sua lascívia, sem penetração, não mais se caracteriza como crime de estupro, senão o novo tipo penal da importunação sexual. 3. Agora, "o passar de mãos lascivo nas nádegas", "o beijo forçado", aquilo que antes tinha que se adequar ao estupro para não ficar impune [...] "ganha" nova tipificação: o crime de importunação sexual. Não há mais dúvida: é crime! Dessa forma, verifica-se um tratamento mais adequado aos casos do mundo da vida e às hipóteses de absolvição forçada dada a única opção (estupro). [...] Assim como a Lei n. 12.015/2009 acabou com concurso material entre o estupro e o atentado violento ao pudor, unindo as duas condutas em prol do princípio da proporcionalidade (uma vez que a pena era muito desproporcional - no mínimo, igual à do homicídio qualificado!), a Lei n. 13.718/2018 vem, norteadora, trazer diretriz ao intérprete da lei, como se dissesse: não compare um coito vaginal forçado a um beijo lascivo no Carnaval! [...] o Estado deve proteger a liberdade sexual (sim!), mas não em prol do punitivismo exacerbado, mas em desconformidade com os princípios de Direito Penal. O STJ vinha colocando todos os atos libidinosos no mesmo "balaio", contudo, um beijo "roubado" não é igual a uma conjunção carnal forçada (onde se bate, se agride, se puxa os cabelos...). Sejamos justos (proporcionais) (e não hipócritas!)! No exato sentido da Lei n. 13.718/2018! (Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-set-28/limite-penal-significa-importunacao-sexual-segundo-lei-1378118; Acesso em 24/1/2019). 4. Ao punir de forma mais branda a conduta perpetrada pelo recorrido, condiciona-se, no presente caso, a sua aplicação diante do princípio da superveniência da lei penal mais benéfica. [...] Em havendo a superveniência de novatio legis in mellius, ou seja, sendo a nova lei mais benéfica, de rigor que retroaja para beneficiar o réu (AgRg no AREsp n. 1.249.427/SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 29/6/2018). 5. Não obstante a correção da decisão agravada, nesse ínterim, sobreveio a publicação da Lei n. 13.718, de 24 de setembro 2018, no DJU de 25/9/2018, que, entre outras inovações, tipificou o crime de importunação sexual, punindo-o de forma mais branda do que o estupro, na forma de praticar ato libidinoso, sem violência ou grave ameaça (AgRg no REsp n. 1.730.341/PR, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 13/11/2018). 6. Recurso especial provido para afastar o reconhecimento da tentativa. De ofício, concedida a ordem de habeas corpus a fim de alterar a tipificação do delito para a prevista no art. 215-A do Código Penal e redimensionar a pena privativa de liberdade do recorrido nos termos da presente decisão. (STJ - REsp: 1745333 RS 2018/0134332-9, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 26/02/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/03/2019)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO MONOCRÁTICO. SÚMULA N. 568 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA STJ. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1. Consoante dispõe a Súmula n. 568/STJ, a prolação de decisão monocrática pelo ministro relator é possível quando houver entendimento dominante acerca do tema, hipótese ocorrida nos autos. 2. “(…) A possibilidade de interposição de agravo regimental, com a reapreciação do recurso pelo órgão colegiado, torna superada eventual nulidade da decisão monocrática por suposta ofensa ao princípio da colegialidade” (AgRg no REsp 1858379/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 12/5/2020, DJe 19/5/2020). 3. A revisão do entendimento firmado pelo Tribunal de origem, a fim de analisar a presença dos requisitos para a instauração do incidente de assunção de competência, demandaria, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada pela Súmula n. 7/STJ. 4. No que tange à pretendida desclassificação da conduta, “tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça a impossibilidade de desclassificação da figura do estupro de vulnerável para o art. 215-A do Código Penal, uma vez que referido tipo penal é praticado sem violência ou grave ameaça, e o tipo penal imputado ao agravante (art. 217-A do Código Penal) inclui a presunção absoluta de violência ou grave ameaça, por se tratar de menor de 14 anos” (AgRg na RvCr 4.969/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/6/2019, DJe 1º/7/2019). 5. Agravo regimental desprovido.
Apesar da divergência verificada, tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça o entendimento pela impossibilidade da desclassificação do crime do artigo 217-A para o do artigo 215-A, ambos do Código Penal. O Principal argumento utilizado pela corte é que o estupro de vulnerável se consuma independentemente da conjunção carnal e de vestígios.
CONCLUSÃO
No desenvolvimento do presente artigo buscou-se analisar a inovação legislativa no que tange aos crimes sexuais trazida pela Lei 13.718/2018 o qual inseriu o crime de Importunação Sexual (artigo 215-A do Código Penal). Além de verificar como eram enquadras/julgadas as situações de importunação sexual antes da lei que a criou e depois da lei criadora do delito em estudo pelos Tribunais estaduais e Superiores.
Através da pesquisa realizada, evidenciou-se a desigualdade no tratamento da mulher, que se perpetua até o cenário atual. O ordenamento jurídico precisa acompanhar as mudanças da sociedade, entretanto, não deveria ser o único meio de solução para o problema, visto que apesar das inovações nos dispositivos de lei, há indícios crescentes de violência de gênero de todos os tipos.
No que tange o crime de Importunação Sexual, inicialmente averiguaram-se alguns crimes sexuais que poderiam ser enquadrados nos casos que hoje, são abarcados pela infração penal mencionada. Os crimes ora analisados foram o estupro; violação sexual mediante fraude; ato obsceno e a contravenção penal de Importunação ofensiva ao pudor. A partir dessa análise, conclui-se que em casos concretos nenhum dos delitos adequavam-se perfeitamente, visto que, sempre faltava alguma elementar em relação a esses crimes que já eram existentes no Código Penal.
Além disso, foi examinado julgados de Tribunais estaduais e Superiores sobre o tema. Em relação à análise anterior a lei que tipificou o crime de importunação sexual, observou-se que havia muita divergência entre o crime de Estupro de Vulnerável e a contravenção de Importunação Ofensiva ao pudor. Em vários casos a infração penal do artigo 61 da LCP se predominou nos julgados, apesar de em casos similares alguns tribunais decidirem pela não mudança no enquadramento da conduta do réu em crimes dessa natureza, aplicando o estupro de vulnerável.
No que concerne a análise dos julgados após a inserção do artigo 215-A no código penal, houve diversos pedidos de desclassificação de crimes de estupro e estupro de vulnerável para a importunação ofensiva ao pudor. Apesar de algumas decisões acolherem tais pedidos por concluírem diante de certos casos que se tratava de uma novatio legis in mellius, a jurisprudência majoritária tende a decidir pela impossibilidade de desclassificação do estupro de vulnerável para a importunação sexual, considerando que a violência ou a grave ameaça é presumida no caso de vítimas menores de 14 anos e que o mesmo se consuma independente de conjunção carnal e de vestígios.
Diante da insegurança da hermenêutica, verificou ser necessários critérios para que se harmonize a jurisprudência dos tribunais brasileiros. Uma possível solução para o embate, seria o questionamento: houve efetivamente contato sexual? Se sim, o crime a se enquadrar é o estupro de vulnerável. Todavia quando não há constrangimento a prática de relações sexuais, o ato libidinoso cometido contra menor de 14 anos não seria considerado estupro de vulnerável, mas sim a importunação sexual.
REFERÊNCIAS
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[1] Professor do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins - UniCatólica; Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PMD/UCAM e Defensor Publico Federal.
Graduanda em Direito, pelo Centro Universitário Católica do Tocantins – UniCatólica.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Ana Carolina Santos. A tutela penal da mulher no tempo: a criminalização e aplicação do crime de importunação sexual à luz da lei 13.718/2018 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jun 2021, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56696/a-tutela-penal-da-mulher-no-tempo-a-criminalizao-e-aplicao-do-crime-de-importunao-sexual-luz-da-lei-13-718-2018. Acesso em: 23 dez 2024.
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