EMANUELLE ARAÚJO CORREIA[1]
WELLINGTON GOMES MIRANDA[2]
(orientadores)
RESUMO: Este estudo decorre de uma indagação sobre a admissibilidade de penhora na renda salarial tendo como parâmetro o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana sobre a admissibilidade de penhora na renda salarial e o cumprimento das decisões judiciais. Diante dessas informações fica o questionamento: Segundo os critérios utilizados nas leis atuais que tratam o princípio da dignidade da pessoa humana sobre a admissibilidade de penhora na renda salarial, pode se perguntar, se a impenhorabilidade de salários pode ser mitigada pelo princípio da razoabilidade? O objeto da pesquisa foi aqui abordado de qualitativa, com a finalidade de verificação do conhecimento e a percepção que se tem em relação ao objeto com a finalidade unicamente de elucidar a problemática aqui proposta quais sejam apontar os critérios utilizados pela lei para analisar o princípio da dignidade da pessoa humana sobre a admissibilidade de penhora na renda salarial.
Palavras-chave: Princípio da Dignidade. Admissibilidade. Penhora. Renda Salarial
1. INTRODUÇÃO
O direito à dignidade é entendido como um postulado norteador de princípios e regras que foram agregadas em nosso ordenamento jurídico através da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988é uma qualidade intrínseca ao ser humano, que o protege contra todo tratamento deteriorante e contra qualquer discriminação odiosa, assegurando condições materiais mínimas de sobrevivência.Antes mesmo de ser agregada na Carta Constitucional já estava disposta e tinha efetivação na Declaração dos Direitos Humanos e com o passar do tempo foi evoluindo até os dias atuais.O princípio da dignidade da pessoa humana está disposto na Constituição da República Federativa do Brasil “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)III - a dignidade da pessoa humana”.(BRASIL, 1988).
Como o Código de Processo Civil preconiza,
“Art. 833. São impenhoráveis: (...) IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ; (...).Tendo como intuito garantir a proteção ao cidadão através do reconhecimento de direitos e políticas sociais.(BRASIL, 2015).
O que podemos perceber com a leitura do exposto acima que o recebido pelo devedor a título de salário ou remuneração é impenhorável, consoante disposição do art. 833, inciso IV, do CPC, já que esses valores são de certa forma destinados para garantirem à sua subsistência e de sua família, de forma a assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) e o mínimo existencial que é essencial a todos os indivíduos, como assim lhes garante a lei.
Como já aludido, “o processo de execução é um conjunto de meios materiais previstos em lei, à disposição do juízo, visando à satisfação do direito” (Neves, 2017, p. 1053). Diante do mencionado, na possibilidade de garantir ao devedor um mínimo que lhe permita a sua subsistência, é necessário que se faça a discussão em todos os aspectos da questão da proteção social ao indivíduo.
Por fim, realizar-se-á pesquisa jurisprudencial a fim de reforçar a tese da relativização da impenhorabilidade de salários diante de alguns julgados, apesar da maioria do superior Tribunal de Justiça ser a favor da impenhorabilidade absoluta do salário, percebe se que existem precedentes julgados admitindo a mitigação desta regra, mesmo que não seja o entendimento majoritário.
Nesse sentido,Didier Jr. 2015, ressalta que, o precedente é uma decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos.
Os precedentes judiciais são permitidos de eficácia e espécies, podem ser persuasivos, com eficácia de obstar a revisão de decisões, com eficácia autorizante e também os precedentes podem ser vinculantes ou obrigatórios.
Destarte, no âmbito judicial as decisões judiciais devam ser inspiradas em valores que contenha uma compreensão jurídica da dignidade da pessoa humana, é o que diz Sarlet, 2009, [...] já que desta – e à luz do caso examinado pelos órgãos judiciais – haverão de ser extraídas determinadas conseqüências jurídicas, muitas vezes decisivas para a proteção da dignidade das pessoas concretamente consideradas.
Em virtude disso, percebe-se que há um conflito entre as partes processuais, o que deve haver é um equilíbrio na aplicação da norma jurídica, amparando a vítima, neste caso, o devedor, o qual, espera do Poder Judiciário alcançar o seu direito, quanto ao seu salário.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
O princípio da dignidade da pessoa humana constitui o fundamento do Estado Democrático de Direito, conforme consta na norma do art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988, quando diz que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana”(BRASIL, 1988).A noção sobre a dignidade humana foi se modificando ao longo da história, através do tempo e do espaço pelo efeito da política e dos aspectos ideológicos de cada nação (VIEGAS, 2017, p. 74).
Este princípio garante os direitos fundamentais e inerentes a todos os indivíduos, sem distinções. Barroso 2010 ressalta que a dignidade da pessoa humana não se aplica somente nas relações entre indivíduo e Estado, mas também nas relações privadas (força horizontal dos princípios fundamentais).
Com o advento da Constituição Federal de 1988 o princípio da dignidade da pessoa humana adquire status de super princípio, uma vez que norteia integralmente o sistema jurídico brasileiro:
Com a Constituição Federal de 1988 o princípio da dignidade da pessoa humana chega ao ápice dentro do ordenamento jurídico, é à base de todos os direitos constitucionais, e ainda, orientador estatal. Isso exatamente para acabar com os excessos que ocorreram com o nazismo,como medo e a insegurança que havia sido espalhado por todo o mundo, através de vários atos que atentaram contra a humanidade, baseados na idéia de um único ser, ou ainda, quem não se lembra do holocausto, experiência que atemorizou toda a humanidade. (CHEMIM,2009, p.3).
Conforme está disposto na Constituição Federal do Brasil de 1988, o princípio da dignidade humana, no artigo 1º, inciso III. Que diz: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana”.(BRASIL, 1988).
Assim, não resta dúvida que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é o substrato para os demais princípios, visto que abrange todos os indivíduos e constitui os direitos fundamentais, desta feita, entende se como um meio capaz de mitigar as desigualdades, pode ser entendido como a mola propulsora para uma vida com dignidade.
Conforme o autor Sarlet, define a dignidade da pessoa humana, na sua acepção jurídica, como:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho }degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos. (Sarlet, 2010, p. 60).
A dignidade da pessoa humana, como está disposta no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e sua aplicabilidade é inerente à República Federativa do Brasil, onde constitui se como uma característica essencial. Sua finalidade, na qualidade de princípio fundamental é assegurar ao homem que seus direitos devem ser respeitados e preservados pela sociedade e pelo poder público, de forma a preservar a valorização do ser humano.
Portanto, é importante entender o significado da palavra dignidade.
No Direito contemporâneo, a palavra “dignidade” tem sido usada em um terceiro sentido, geralmente associado aos direitos humanos. A dignidade é empregada como qualidade intrínseca de todos os seres humanos, independentemente do seu status e da sua conduta. A dignidade é ontológica, e não contingente. Em outras palavras, todos os indivíduos que pertencem à espécie humana possuem dignidade apenas por serem pessoas. Não se admitem restrições relativas a fatores como gênero, idade, cor, orientação sexual, nacionalidade, deficiência, capacidade intelectual ou qualquer outro. E ninguém se despe da dignidade humana, ainda que cometa crimes gravíssimos, que pratique os atos mais abomináveis. O homicida e o torturador têm o mesmo valor intrínseco que o herói e que o santo. A dignidade humana, que não é concedida por ninguém, não pode ser retirada pelo Estado ou pela sociedade, em nenhuma situação. Ela é inerente à personalidade humana e, portanto, embora possa ser violada e ofendida pela ação do Estado ou de particulares, jamais será perdida pelo seu titular. (SARMENTO, 2016, p. 104).
Destarte, para Piovesan (2016,p.194) “os direitos humanos são fruto de um espaço simbólico de luta e ação social, na busca por dignidade humana, o que compõe um construído axiológico emancipatório”.
Resta claro, diante do exposto, que é através deste princípio que o ser humano tem amparo à igualdade, a liberdade, a proteção do desenvolvimento familiar e os demais direitos fundamentais que são inerentes aos indivíduos.
Importa ressaltar que durante a fase social do constitucionalismo moderno, responsável pelo surgimento da segunda dimensão dos direitos fundamentais, surgiu a preocupação com a igualdade com um subprincípio da dignidade da pessoa humana.
Paralelamente à evolução dos direitos fundamentais no âmbito internacional, os pensadores católicos, em meados do século XIX, desenvolveram doutrinas buscando uma solidariedade social baseada na dignidade da pessoa humana e que não dividia a população em três classes sociais: clero, burguesia (capitalista) e proletariado (trabalhadores). (BRAGA, 2017, p. 194).
Pelegrini (2004, p. 05) o princípio da dignidade da pessoa humana surge como uma conquista em determinado momento histórico:“Trata-se de tutelar a pessoa humana possibilitando-lhe uma existência digna, aniquilando os ataques tão freqüentes à sua dignidade”.
Percebe se que ao longo de várias décadas, a sociedade foi constantemente evoluindo e criando sua própria dinâmica em torno dos direitos humanos fundamentais, que desenvolveu a necessidade de uma solidariedade social como início de um Estado Democrático de direito, exigindo das instituições política a busca por reformular o seu papel como instituição política.
Chemim acerca deste conteúdo, diz que:
O princípio da dignidade da pessoa humana nasce para proteger o ser humano, mantendo e garantindo o viver com dignidade, e o respeito recíproco. No século XX, o homem busca felicidade, o viver dignamente, condutas respeitosas e confiança. No entanto, cabe ressaltar, que o pensar não deve estar voltado só para si, mas também no outro, de forma a realizar, não somente a sua própria felicidade, mas também a do próximo. (CHEMIM, 2009. p. 3 ).
Em um contexto geral este é o princípio que abrange toda a humanidade é o princípio considerado como matriz e assim com esta nova forma de pensar e de lidar com o Direito fica estabelecido o princípio da dignidade da pessoa humana, é o que diz Chemim (2009. p. 3) ao dizer que, no século XXI torna-se uma garantia contra todas as formas de abjeção humana”. Destarte, Alves afirma que, “a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental, o alicerce, estatuto jurídico dos indivíduos que confere sentido ao conjunto dos preceitos relativos aos direitos fundamentais” (ALVES, 2001, p. 132).
Como escreve Ana Paula Lemes de Souza:
A dignidade da pessoa humana se tornou, no ordenamento jurídico brasileiro, uma espécie de totem, um símbolo sagrado e indefinível, que circula duplamente entre as dimensões mágicas e práticas. Com seu poder simbólico, passou a figurar em demandas das mais diversas, trazendo sentidos cada vez mais distintos e inimagináveis para sua mensagem. Nos tribunais, essa meta princípio passou a ser uma espécie de mestre ou xamã na grande manta princípio lógica ordenamentária, e tem se disseminado como uma palavra-chave, ou mantra sagrada, invocada como uma entidade jurídico-protetora dos oprimidos (ou, a depender, também dos poderosos). (SOUZA, 2015. p. 22-41).
Conforme podemos perceber, a dignidade significa algo inerente a todo ser humano, todos temos direitos de sermos tratados de forma digna, com respeito independente de raça, cor, religião, sexo, nem mesmo o Estado ou a sociedade tem o direito de retirá-lo de qualquer pessoa.
2.2 DIGNIDADE DO CREDOR VERSUS DIGNIDADE DO DEVEDOR
A cerca deste assunto acentua Gonçalves (2012, p. 39) que diz:O elemento subjetivo da obrigação ostenta a peculiaridade de ser duplo: um sujeito ativo ou credor, e um sujeito passivo ou devedor. O sujeito ativo é o credor da obrigação, aquele em favor de quem o devedor prometeu determinada prestação.
O novo código de processo civil, determina em seu art. 8º, caput, que “ao ser feita a aplicação do ordenamento jurídico, o juiz deverá atender aos fins sociais e ao bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade [...]”.(BRASIL 1988).
É sob uma visão prática de apresentação ao credor de solução para satisfação integral de seus direitos regidos conforme a lei. Quando estamos nos referindo quanto à legalidade em relação à impenhorabilidade do salário é justamente sobre esse ponto de vista que precisamos repensar de forma sistemática e organizada para não dar brechas quanto a sua lisura.
Salienta-se que, diante do conflito existente entre a dignidade das partes processuais, o que deve haver é um equilíbrio na aplicação da norma jurídica, amparando a vítima, neste caso, o devedor, o qual, espera da justiça alcançar o seu direito, quanto ao seu salário.
Assim, de acordo com nosso pensamento, dispôs Reinaldo Filho (2006, p.02):
Se o fundamento da regra da impenhorabilidade pressupõe que se evitem sacrifícios patrimoniais exagerados, por outro lado não pretendeu exageros de liberalização. A norma deve ser interpretada dentro de um indispensável plano de equilíbrio entre a concepção humanitária da preservação das condições mínimas de dignidade material do devedor com a necessidade também relevante de se garantir a efetividade da tutela jurisdicional executiva. (REINALDO FILHO, 2006, p 02).
Nesse passo, o que fica em evidência é que o devedor mesmo tendo contraído dívidas não pode ver seu padrão de vida reduzido em razão disso, ao credor também fica configurado que o direito a uma vida digna não deve ser negado. Haja vista que o credor é parte hipossuficiente em uma relação jurídica, haja vista que seu sustento e a satisfação de suas necessidades dependem do recebimento de seus créditos perante o devedor.
3. REQUISITOS DISPENSÁVEIS PARA QUE HAJA A IMPENHORABILIDADE DO SALÁRIO
Conforme o artigo 457 da CLT prevê o seguinte: “compreende-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”. Desta maneira, a CLT faz uma distinção dos vocábulos salário e remuneração. A autora Barros, (2006, p. 246), corrobora neste sentido quando diz “que salário é a retribuição devida e paga diretamente pelo empregador ao empregado, de forma habitual, não só pelos serviços prestados, mas pelo fato de se encontrar à disposição do empregador, por força do contrato de trabalho”.
O Salário é o montante fixo de dinheiro que o empregador paga a um empregado mensalmente, pelos serviços prestados. Este é o conceito que está disposto nos artigos 76, 457 e 458 da CLT.
Ou seja, o salário consiste na contraprestação que o empregador deve em razão dos serviços que foram prestados pelo empregado no desenvolvimento de um vínculo empregatício, oriundo de um contrato de trabalho.
Destarte, podemos dizer que trata-se de um dos mais importantes meios de sobrevivência para uma grande parcela de pessoas, notadamente podendo até mesmo se configurar como o principal meio de obtenção de renda e até mesmo o único para essas pessoas.
Conforme disposto no Código de Processo Civil no art. 833, inc. IV, estabelece que
São impenhoráveis os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. (BRASIL 1988).
Na própria legislação processual, contudo, há exceções à regra da impenhorabilidade salarial. Assim é que o §2º do citado preceptivo dispõe que a impenhorabilidade do salário ''não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais''. Em outras palavras, podemos dizer que, o Código de Processo Civil admite expressamente a penhora do salário em duas situações: a) para pagamento de pensão alimentícia; e b) quando o salário do devedor exceder a 50 (cinquenta vezes) o valor do salário-mínimo.
Apesar de confuso, o § 2º do art. 833, fica claro que há possibilidade de penhora de salário nestas duas situações que foram mencionadas acima.
Um trecho que merece destaque é o § 2º do art. 833, que trata da possibilidade da penhora de salário, independentemente do valor, quando a execução estiver relacionada à natureza alimentar, qualquer que seja a sua origem, inclusive dos honorários advocatícios, conforme prevê o art. 85, § 14 – “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”. (BRASIL, 2015).
Conforme entendimento já pacificado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
a remuneração protegida pela regra da impenhorabilidade é a última percebida – a do último mês vencido – e, mesmo assim, sem poder ultrapassar o teto constitucional referente à remuneração de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Após esse período, eventuais sobras perdem tal proteção. (BRASIL, 2014).
Destarte, o que percebe sobre a finalidade da impenhorabilidade é que a mesma é a responsável para que haja a preservação da sobrevivência digna, ou seja, do “mínimo existencial” que está constitucionalmente garantido. Mesmo que seja possível a penhorabilidade do salário conforme o novo Código de Processo Civil.
3. 1 A IMPENHORABILIDADE DE SALÁRIOS PODE SER MITIGADA POR RAZOABILIDADE?
Quando falamos da importância garantida por lei em relação a proteção legal à impenhorabilidade do salário, estamos dizendo que ela precisa ser pensada de maneira sistemática e organizada.
A penhora constituiu uma forma de limitação da propriedade particular, uma vez que o Estado, por meio da força príncipe restringe o direito de propriedade, a fim de satisfazer uma obrigação por este assumida, salvo as situações legais de impenhorabilidade:
A penhora é ato executivo e não compartilha a natureza do penhor e do arresto. (…) Indubitavelmente, a penhora constitui “ato específico de intromissão do Estado na esfera jurídica” do obrigado, mediante a apreensão material, direta ou indireta, de bens constantes no patrimônio do devedor. (ASSIS, 2017, p. 266).
O procurador do Trabalho da 1ª região, Fábio Goulart Villela, autor de alguns artigos jurídicos, aduziu ao escrever acerca dos limites da penhora de salários que:
“"(...) perfeitamente possível a penhora sobre salário do devedor de crédito trabalhista, atribuindo às regras instituídas no artigo 649, inciso IV, e parágrafo 2º, do CPC, quando da aplicação supletiva ao direito processual do trabalho (CLT, art. 769), interpretação condizente com os princípios e com a própria realidade que cerca a esfera trabalhista. Em franca ponderação de interesses, muita das vezes a tutela conferida ao devedor empregado pelo fundamento da dignidade da pessoa humana deve ser mitigada (mas não rechaçada) em favor da subsistência e da própria dignidade do credor trabalhista, que, em sua essência, já traz o estigma da hipossuficiência econômica.”(VILLELLA,2020).
O que podemos perceber é que existe uma reduzida aplicabilidade da norma prevista no art. 833, §2º do NCPC, porque na realidade brasileira não são todas as pessoas que recebem um salário acima de 40 mil reais, a modificação na lei sinaliza uma quebra de paradigma.
Segundo o STF, sim, a impenhorabilidade de salários pode ser mitigada por razoabilidade. Existe uma regra geral que trata da impenhorabilidade de salários, que está prevista no CPC/15, onde fala que pode ser excepcionada, haja vista que deve ser preservado um percentual capaz de dar amparo à dignidade do devedor e de sua família. Sendo este foi o entendimento majoritário da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.
Uma discussão acerca desse assunto se deu após o impasse da 1ª e da 2ª Turmas sobre o assunto, os ministros entenderam ser razoável a penhora de 30% dos valores recebidos por uma devedora membro do Tribunal de Contas de Contas do Estado de Goiás, em um processo em que tem uma remuneração de mais de R$ 20 mil.
Quando o relator, ministro Benedito Gonçalves, deu negativa do provimento aos embargos e foi voto vencido.
Aos casos de impenhorabilidade só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de seu mínimo existencial, à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes. (Gonçalves, 2018).
A Divergência foi ganha porque a maioria seguiu o entendimento da ministra Nancy Andrighi. Que disse “A regra geral da impenhorabilidade do CPC/73 pode ser mitigada em nome dos princípios da efetividade e da razoabilidade, nos casos em que ficar demonstrado que a penhora não afeta a dignidade do devedor”.
Os ministros Maria Thereza de Assis Moura, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Raul Araújo, Felix Fischer e Francisco Falcão seguiram a ministra Nancy.
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA. 1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei. 2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia. 3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais. 4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente. 5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes. 6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. 7. Recurso não provido.( EREsp 1582475, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142), CE - CORTE ESPECIAL, Julgado em :03/10/2018, Data da Publicação: 16/10/2018).
Neste julgado acima percebe se que a impenhorabilidade dos salários e proventos pretende manter uma subsistência mais digna do devedor e não salvaguardar a ilicitude. A ofensa ao patrimônio já houve por parte do inadimplente ou praticante do ato ilícito. A execução é uma reação a isso e não uma ofensa ao patrimônio do devedor/executado. O direito à satisfação da dívida é algo que não interessa somente aos interesses das partes, mas à própria administração da justiça.
Ressalta ainda que, apesar da jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça ser pela impenhorabilidade absoluta do salário, o que percebemos é que existem precedentes admitindo a mitigação desta regra. Vejamos abaixo alguns exemplos:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. ART. 186 DO CTN. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ. EXECUÇÃO FISCAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA ALIMENTAR. IMPENHORABILIDADE. ART. 649, INCISO IV, DO CPC. RELATIVIZAÇÃO. VERBA ARBITRADA EM ELEVADA MONTA. POSSIBILIDADE DE PENHORA DE PARCELA DO VALOR TOTAL. DIREITO DO CREDOR. (...) “a regra disposta no art. 649, inciso IV, do CPC não pode ser interpretada de forma literal. Em determinadas circunstancias é possível a sua relativização, como ocorre nos casos em que os honorários advocatícios recebidos em montantes exorbitantes ultrapassam os valores que seriam considerados razoáveis para sustento próprio e de sua família. Nesses casos, a verba perde a sua natureza alimentar e a finalidade de sustento”. 6. "Não viola a garantia assegurada ao titular de verba de natureza alimentar a afetação de parcela menor de montante maior, desde que o percentual afetado se mostre insuscetível de comprometer o sustento do favorecido e de sua família e que a afetação vise à satisfação de legítimo crédito de terceiro, representado por título executivo." (REsp 1356404/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 4/6/2013, DJe 23/8/2013). No caso, o valor penhorado não compromete o sustento do advogado e de sua família. Ademais, o princípio da menor onerosidade do devedor, insculpido no art. 620 do CPC, tem de estar em equilíbrio com a satisfação do credor, sendo indevida sua aplicação de forma abstrata e presumida e, no presente caso, não há notícias de outros bens em nome do devedor passíveis de penhora. Recurso especial da FAZENDA NACIONAL não conhecido e recurso especial da PERDIGÃO AGROINDUSTRIAL S/A improvido. (REsp 1264358/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 05/12/2014).
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA. VALORES PROVENIENTES DE SALÁRIO. SÚMULAS N. 7 E 83 DO STJ. PRECLUSÃO PRO JUDICATO. SÚMULA N. 284 DO STF. 1. É inadmissível o recurso especial quando a fundamentação que lhe dá suporte não guarda relação de pertinência com o conteúdo do acórdão recorrido. 2. A regra geral da impenhorabilidade inscrita no art. 649, IV, do CPC pode ser mitigada, em nome dos princípios da efetividade e da razoabilidade, nos casos em que ficar demonstrado que a penhora não afeta a dignidade do devedor. Precedentes. 3. Não se conhece do recurso especial se o exame da suposta contrariedade do julgado a dispositivos de lei estiver condicionado à (re)avaliação de premissa fático-probatória já definida no âmbito das instâncias ordinárias. 4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1473848/MS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe 25/09/2015).
Portanto, a relativização da impenhorabilidade deve ser aplicada de forma individual, de acordo com cada caso concreto. Notoriamente, deveria ser aplicável àqueles devedores que gozam de boas condições financeiras, o que não implicaria o comprometimento de suas necessidades nem no sustento de sua família.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relevância de discussões levantadas sobre o tema comentado nesta pesquisa torna-se necessária e extremamente válida, tendo em vista a série de casos concretos que são divulgados diuturnamente por meios das redes de comunicações quanto também noticiadas em telejornais sobre o tema supracitado.
O presente artigo fez estudos a partir do questionamento dos critérios utilizados sobre as regras de impenhorabilidade da remuneração previstas tanto no CPC no art. 833 e disposta na Constituição Federal no artigo 1°, inciso III, que se une tanto com a dignidade do devedor quanto com a efetividade da jurisdição. Tal estudo tem o intuito de apresentar e indagar os critérios para a obtenção de tal direito.
O salário torna-se como a principal fonte de renda de um indivíduo para o seu custeio e de seus dependentes. Com a penhora seja de redução definitiva ou temporária, pode levar não só ele como seus dependentes para um futuro incerto e a sua dignidade também levada ao caos, haja visto essa renda ser destinada à sua subsistência e de sua família, de forma a assegurar que a sua dignidade como pessoa humana seja resguardada.
Consoante entendimento do STJ, é possível, em situações excepcionais, a mitigação da impenhorabilidade dos salários para a satisfação de crédito não alimentar, desde que observada a Teoria do Mínimo Existencial, sem prejuízo direto à subsistência do devedor ou de sua família, devendo o magistrado levar em consideração as peculiaridades do caso e se pautar nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
A questão relacionada ao conflito entre a garantia do mínimo existencial e a reserva do possível é um assunto em voga no cenário jurídico brasileiro, não obstante, nos deparamos com o maior obstáculo dos dias atuais, a dualidade quanto à impenhorabilidade. Destarte, o que podemos falar quando tratamos das duas vertentes do princípio da dignidade da pessoa humana, ficando claro que não há impenhorabilidade absoluta de salário, ainda que a dívida cobrada não tenha natureza alimentar.
Contudo a presente apuração se faz necessária, não somente para fins acadêmicos, mas também para o conhecimento comum. Tendo em vista a dificuldade de entendimento, tanto dos critérios analisados quanto as adversidades para sua solicitação, essa em sua grande maioria pela falta de entendimento comum.
Há necessidade que as pessoas tenham ciência dos seus direitos e estejam preparadas para lidar com estas questões relativas à Impenhorabilidade de salários, existe uma certa carência de conhecimento neste sentido quando se trata de leis pertinentes e estudos científicos direcionados a essa temática.
6. REFERÊNCIAS
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[2] Professor da Unicatólica do Tocantins, Mestre em Direitos Humanos e Prestação Jurisdicional pela ESMAT/UFT, especialista em Estado de Direito e Combate à Corrupção pela ESMAT/UFT, especialista em Direito do Trabalho pelo Instituto Processus Brasília/DF, analista jurídico do Ministério Público do Estado do Tocantins, Médico Veterinário e bacharel em Direito. (Prof. Orientador).
Bacharelando do Curso de Direito da Universidade Católica do Tocantins (UNICATÓLICA).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, ANTONIO MARIO COSTA DA SILVA. O princípio da dignidade da pessoa humana e seus reflexos na admissibilidade de penhora na renda salarial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2021, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56709/o-princpio-da-dignidade-da-pessoa-humana-e-seus-reflexos-na-admissibilidade-de-penhora-na-renda-salarial. Acesso em: 23 dez 2024.
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