RAFAEL BRUNO ALVES DA CRUZ[1]
(coautor)
RESUMO: Neste estudo pretende-se analisar, por meio do método interpretativo e sistemático, acerca da cassação do mandato na hipótese de sentença transitada em julgado e, se a perda é ou não efeito próprio da condenação criminal. O objetivo é verificar as divergências do Supremo Tribunal Federal, na interpretação dos artigos 15, inc. III e a regra do artigo 55, ambos da CF/88. A partir da análise e observância da independência dos poderes. O artigo pretende responder se as interpretações dos artigos 15, inc. III e o 55 da CF/88 encontram-se dentro do que o legislador quis transcrever, apontando suas consequências práticas. Para responder ao embaraço que se tenciona, o desenvolvimento da pesquisa será dividido em três seções: inicialmente, será feita uma análise e apresentação sobre a cassação do mandato e suas hipóteses no texto constitucional; na seção seguinte serão apresentadas decisões da Corte Maior, bem como às motivação das decisões da Suprema Corte; e por fim, será objeto de discussão os efeitos dessas decisões.
Palavras-chave: Cassação do Mandato. Divergência. Condenação Criminal.
ABSTRACTS: In this study we intend to analyze, through the interpretative and systematic method, about the revocation of the mandate in the event of a final sentence and, if the loss is an effect of criminal conviction or not. The objective is to verify the divergences of the Supreme Federal Court, in the interpretation of articles 15, inc. III and the rule of article 55, both of CF / 88. From the analysis and observance of the independence of the powers. The article intends to answer whether the interpretations of articles 15, inc. III and 55 of CF / 88 are within what the legislator wanted to transcribe, pointing out their practical consequences. To respond to the problem proposed, the development of the research will be divided into three sections: initially, an analysis and presentation will be made on the termination of the mandate and its hypotheses in the constitutional text; in the next section, decisions of the Supreme Court will be presented, as well as the reasons for the decisions of the Supreme Court; and finally, the effects of these decisions will be discussed.
Keywords: Cassation of the Mandate. Divergence. Criminal conviction.
Sumário: 1. Introdução. 2. Cassação do mandato; 3. Interpretação do Supremo Tribunal Federal; 4. As três correntes adotadas pelo STF; 5. Conclusão. Referências.
A cassação do mandato, está prevista na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 55, incisos I, II, III, IV, V e VI; no entanto, o §2º do mesmo artigo, demonstra a forma que se dará a cassação nas hipóteses dos incisos I, II e VI, devendo ser provocada a respectiva mesa ou de partido político que represente o Congresso Nacional, isto é, se o STF condenar o parlamentar deverá informar a respectiva casa para decisão de maioria absoluta no prazo determinado.
Todavia, na ação penal 470[2], o STF, decidiu de forma diversa, utilizando o meio de interpretação lógica-sistemática, aplicando o artigo 15, III, c/c artigo 55, IV e §3º, devendo a perda ser declarada pela Casa Legislativa, perdendo então o mandato de forma automática. Entretanto, na ação penal 565[3], o STF decidiu conforme o artigo 55, §2º, enviando a decisão para o Congresso, onde caberia a ele decidir se o parlamentar perderia ou não o mandato.
O tema deste presente artigo é de grande relevância para a sociedade, pois trata-se de um tema bastante atual e de grande importância, sendo bastante discutido nos casos do mensalão e lava-jato, onde podemos observar que os casos tiveram grande repercussão nacional e internacional.
Tratará das decisões da 1ª e da 2ª turma do STF, onde a primeira entende de duas maneiras sobre a cassação do mandato, já a outra entende apenas de uma forma, demonstrando contradição em seus entendimentos sobre um mesmo tema. Mesmo os dois entendimentos sendo positivados na CF/88. É possível ver ao analisar o artigo 92, inc. I, do Código Penal, que também é um efeito da condenação a anulação do mandato eletivo, quando a pena for superior a 1 (um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder, ou violação de dever para com a administração pública.
Contudo temos três teorias distintas no STF sobre o assunto, sendo que a primeira corrente defende que mesmo com a condenação criminal e independente da pena sofrida pelo parlamentar, quem decide se deve ocorrer a perda do mandato é a respectiva casa do parlamentar. A segunda corrente defende que se o STF condenar o parlamentar, determinando a cassação do mandato, a respectiva casa não irá decidir nada e deverá apenas formalizar a perda que já foi decretada. Na terceira corrente depende do regime e do tempo da condenação. Sendo o parlamentar condenado a mais de 120 dias em regime fechado: a cassação do mandato é uma consequência lógica da condenação, não cabendo a casa do parlamentar decidir, e sim concordar com a decisão do STF, nos termos do art. 55, III e § 3º da CF/88. Sendo ele condenado a uma pena em regime aberto ou semiaberto: Fica deliberada a casa do parlamentar, nos termos do art. 55, § 2º, se o condenado deverá ou não perder o mandato.
2 Cassação do mandato de deputados e senadores de acordo com a Constituição de 1988
No dicionário brasileiro, cassar é definido como: “tornar nulo, sem efeito” (ANULAÇÃO, 2021[4]). Passando a palavra cassação para o contexto jurídico, temos dois significados, sendo um deles a perda do mandato para qual foi eleito o parlamentar; e a segunda trata da suspensão dos direitos políticos, por oito anos. Devemos ficar atento, pois a cassação é do mandato do parlamentar, e não dos seus direitos políticos, que são apenas suspensos, não cassados, como previsto no artigo 15, da CF/88:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
A cassação de mandato é a pior condenação que os parlamentares podem sofrer. Sabendo disso, o legislador descreve no artigo 54 da carta magna o que os Deputados e Senadores não podem fazer após a expedição do diploma. Logo depois no artigo 55 o legislador os casos em que os deputados e senadores podem perder os seus mandatos.
Contudo a cassação desses parlamentares depende da decisão das suas respectivas casas. Ocorrendo um processo de oito etapas, sendo elas: Um ou mais partidos devem apresentar uma denúncia ao conselho de ética; que envia um requerimento à Mesa diretora; o conselho escolhe um relator; a maioria dos membros do conselho devem manifestar a favor da abertura do processo; o relator deve elaborar um parecer; os membros do conselho devem decidir a favor do parecer; o acusado pode abrir um recurso à Comissão de Constituição e Justiça; e por último a votação do plenário na respectiva casa.
Dentre os casos previstos pelo artigo 55 do Constituição, temos os condenados criminalmente em sentença transitada em julgado perderá o seu mandato:
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
Ademais, para que uma pessoa possa exercer o seu mandato eletivo, ele deve estar em pleno gozo de seus direitos políticos, e uma pessoa condenada criminalmente fica com seus direitos políticos suspensos enquanto durarem os efeitos da condenação, como prevista no art. 14, § 3º, II e art. 15, III c/c da CF/88:
Art. 14 A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante
§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:
II – o pleno exercício dos direitos políticos;
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
Além da previsão expressa na Constituição Federal, a outra justificativa da perda do mandato no Código Penal, no qual prevê que uma pessoa condenada criminalmente perderá o mandato eletivo que ocupe nos seguintes casos:
Art. 92. São também efeitos da condenação:
I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
A grande controvérsia no caso da condenação criminal é quando se trata de Deputados Federais e Senadores. Uma vez que a perda do mandato desses parlamentares é decidida por uma votação pela qual a maioria absoluta das respectivas casas deve votar em favor da cassação, como previsto no artigo 55, parágrafos 2º e 3º, da Constituição Federal:
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 3º Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Até o ano de 2013 os votos dos parlamentares nas sessões cassação de mandato era secreto. Porém, a ideia de abrir o voto ganhou força depois da sessão para cassação do mandato do deputado Natan Donadon, preso por corrupção.
Naquela sessão ficaram faltando 24 votos, e após o episódio começaram protestos por todo o país, com o presidente da Câmara na época, Henrique Eduardo Alves[5], defendendo a proposta, vejamos:
"Eu tomei a iniciativa, depois do episódio desastroso liberando o deputado Natan Donadon da cassação do mandato, eu percebi que era necessário dar uma resposta a essa questão. Tinha uma PEC já votada há sete anos atrás, do primeiro turno, era mais radical, estabelecia o voto aberto pra tudo, mas estava para um segundo turno. Então uma decisão política, eu decidi pautar essa que não dependia mais de comissão especial, de prazo regimental. Convenci os líderes a aceitar essa proposta, todos concordaram, tanto que foi votação unânime. Toda a casa votando a PEC que muda o procedimento do parlamentar, o voto aberto em todas as questões."
E então foi publicada a Emenda Constitucional nº 76/2013, que retirou as expressões “voto secreto” e “em escrutínio secreto”, dos artigos 55 e 66 da CF, levando em consideração que a regra constitucional é a publicidade. A votação secreta somente é permitida se for expressamente prevista, em caso de silêncio prevalece a publicidade. Diante do exposto, colocou um fim no voto secreto no Congresso Nacional para as votações envolvendo perda de mandato de parlamentares.
Diante dos fatos, os requerimentos para a cassação devem ser apresentados pelos partidos políticos à comissão de ética, que analisa o pedido e envia parecer ao presidente da casa. Caso a comissão de ética apresente um relatório que recomenda a cassação de mandato, compete ao presidente marcar a sessão plenária que, por meio do voto dos parlamentares, aprovará, ou não, a perda do mandato do parlamentar.
Trazendo a seguinte discussão jurídica: caso o STF venha condenar criminalmente um Deputado Federal ou Senador, haverá sua perda automática ou ainda dependerá de uma deliberação das respectivas casas?
3 Interpretação do Supremo Tribunal Federal
Inicialmente, faz-se necessário a explanação da existência de dois procedimentos, sendo decisório e declaratório, no primeiro trata-se de uma decisão constitutiva, sendo a hipótese em que, a respectiva casa decidirá se haverá ou não a perda do mandato, o que corresponde ao artigo 55, incisos I, II e VI, §2º da CF/88. Já o procedimento declaratório, onde apenas a casa legislativa irá declarar a perda do mandato, ou seja, a perda do mandato já ocorreu, conforme previsto no artigo 55, incisos. III a V §3º da CF/88. Logo, correspondendo ao entendimento do Ministro Gilmar Mendes (2017. p. 1013[6]),
“A perda do mandato deve ser votada pela Casa parlamentar nos casos compreendidos nos incisos I, II (falta de decoro) e VI (sentença criminal transitada em julgado) do art. 55 da CF. Nos casos de extinção do mandato (III — ausência, IV — perda ou suspensão dos direitos políticos, e V — por decreto da Justiça eleitoral) há apenas a declaração do acontecimento pela Mesa”.
Além do mais, podemos observar que o Ministro Alexandre de Moraes[7], tem a mesma interpretação, senão vejamos:
“Note-se que, no caso de tratar-se de parlamentares federais, a própria Constituição Federal regulamenta o mecanismo da perda do mandato, afirmando em seu art. 55, § 3°, que perderá o mandato o Deputado ou Senador que perder ou tiver suspensos os direitos políticos, por declaração da Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa”.
Conforme exposto acima, a doutrina entende que a cassação do mandato, na hipótese de sentença transitada em julgado, deve o Congresso deliberar sobre o caso. Entretanto, a dúvida surgiu em razão do artigo 15, caput e inc. III da Carta Maior, que estabelece a perda ou suspensão dos direitos políticos no caso de sentença transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Frisa-se ainda que, a jurisprudência, também, tinha um entendimento pacificado, no tocante a perda do mandato na hipótese de sentença transitada em julgado, conforme se pode extrair do voto do Ministro Moreira Alves, no julgamento do Rextr. n° 179.502-6:
“Assim sendo, tem-se que, por esse critério da especialidade - sem retirar a eficácia de qualquer das normas em choque, o que só se faz em último caso, pelo princípio dominante no direito moderno, de que se deve dar a máxima eficácia possível às normas constitucionais -, o problema se resolve excepcionando-se da abrangência da generalidade do artigo 15, III, os parlamentares referidos no artigo 55, para os quais, enquanto no exercício do mandato, a condenação criminal por si só, e ainda quando transitada em julgado, não implica a suspensão dos direitos políticos, só ocorrendo tal se a perda do mandato vier a ser decretada pela Casa a que ele pertencer.”
Por outro lado, o Ministro Joaquim Barbosa, na ação penal 470, demonstra um entendimento diverso do Ministro Moreira Alves, ao expor que ao ser condenado, caberá ao Poder Judiciário definir de forma definitiva sobre a perda do Mandato:
“Assim, uma vez condenado criminalmente um réu detentor de mandato eletivo, caberá ao Poder Judiciário decidir, em definitivo, sobre a perda do mandato. Não cabe ao Poder Legislativo deliberar sobre aspectos de decisão condenatória criminal, emanada do Poder Judiciário, proferida em detrimento de membro do Congresso Nacional.”
Nesta ação ficou definida a perda do mandato de forma automática, após o trânsito em julgado da sentença. Desta forma, não cabendo ao poder legislativo deliberar sobre o tema, devendo apenas declarar a perda, corroborando o entendimento no RE 225.019, Rel. Min. Nelson Jobim, interpretando os artigos 55, IV, §3° e 15, III ambos da Constituição Federal.
Todavia, na ação penal 565[8], a Suprema Corte decidiu mudar seu entendimento que ora, anteriormente parecia ter se pacificado, alterando seu posicionamento e ficou definido que em relação ao Senador Ivo Cassol, deverá aplicar a regra do artigo 55, inciso VI, e §2° da Constituição Federal. Sendo assim, cabe ao Senado definir se o Senador perderá ou não o seu mandato.
Ressalta-se, porém, que a Instância Maior, alterou mais uma vez o seu posicionamento, criando uma terceira interpretação, esse posicionamento veio com a ação penal 694, onde os Ministros seguiram o eminente revisor Ministro Roberto Barroso[9]:
Quando a condenação impõe ocumprimento de pena em regime fechado, e não viável o trabalho externo diante da impossibilidade de cumprimento da fração mínima de 1/6 da pena para a obtenção do benefício durante o mandato e antes de consumada a ausência do Congressista a 1/3 das sessões ordinárias da Casa Legislativa da qual faça parte. Hipótese de perda automática do mandato, cumprindo à Mesa da Câmara dos Deputados declará-la, em conformidade com o artigo 55, III, § 3º, da CF.
Nota-se que, nesta situação vai depender da pena aplicada ao condenado, visto que se eventualmente o parlamentar for condenado a uma pena em regime semi-aberto ou aberto, tal decisão deverá ser enviada à respectiva casa, para que se possa deliberar sobre a perda, aplicando o artigo 55, IV, §2° CF/88. Lado outro, se for condenado a uma pena em regime fechado que impossibilite a participação do mínimo exigido das sessões ordinárias que é um terço, a decisão deverá ser encaminhada à respectiva casa e de forma lógica, apenas, declarar a perda automática do mandato.
4. As três correntes adotadas pelo STF
Nos últimos anos existiu uma grande controvérsia nos casos de condenação dos Deputados Federais e dos Senadores. Ocasionando uma discussão jurídica, na qual se os Ministros da Suprema Corte condenarem os parlamentares, haverá uma perda imediata do mandato ou se dependerá de um veredito por votos da respectiva casa legislativa dos políticos.
Acarretando o seguinte questionário. A condenação criminal transitada em julgado por si só é o suficiente para a perda automática do mandato dos parlamentares? Existem três correntes principais a respeito do tema:
A primeira corrente discorda com o questionário, para eles quem deve decidir se haverá a perda do mandato é a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal. Essa corrente foi aplicada no caso do senador Ivo Cassol, que foi condenado criminalmente pelo STF, no entanto, a decisão final sobre a perda do mandato foi decidida pela Casa Legislativa. Como descrito no site oficial do Supremo Tribunal Federal:
No julgamento da ação penal, o Plenário decidiu pela aplicação do parágrafo 2º do artigo 55 da Constituição Federal. O dispositivo prevê que, nos casos de condenação criminal com trânsito em julgado, a perda do mandato parlamentar será decidida pela respectiva Casa legislativa, por maioria absoluta.
Nesses termos, a ministra determina que o Senado Federal seja oficiado “para que declare a perda do mandato eletivo do condenado”. Na decisão, determina-se ainda a perda do cargo ou da função pública dos demais condenados.
Eles defendem uma norma específica dos parlamentares existe uma norma específica que é o artigo 55, VI § 2º da CF/88, no qual é bem expresso que a cassação de mandato é decidida pela respectiva casa legislativa, contudo não se deve aplicar a regra geral que está prevista no art. 15, III da CF/88.
Sendo essa posição adotada pela 2ª Turma do STF: Ação Penal 996, como descrito na decisão publicada pelo rel. Min. Edson Fachin, (2018. p. 486)
“...Quanto à perda do mandato parlamentar, a Turma, por maioria, deliberou que a perda do mandato não é automática e nos termos da divergência inaugurada pelo Ministro Dias Toffoli determinou, após o trânsito em julgado, oficiar-se à Câmara dos Deputados, vencidos os Ministros Relator e Revisor. Presidência do Ministro Edson Fachin. 2ª Turma, 29.5.2018.”
Contudo, para a primeira corrente, mesmo para os parlamentares condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, só perderão o mandato se a maioria absoluta da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal decidir.
A segunda corrente tem um pensamento contrário ao da primeira, eles defendem que o STF determina se terá a perda do mandato. Com isso as casas dos parlamentares devem apenas formalizar a decisão, não cabendo a eles decidirem, uma vez que já foi decretada.
Para esta corrente, o § 2º do art. 55 da CF/88 não precisa necessariamente ser aplicado em todos os casos em que os parlamentares tenham sido condenados criminalmente, sendo aplicada somente naquelas em que a decisão condenatória não tenha decretado a perda do mandato parlamentar por não estarem presentes os requisitos legais do art. 92, I, do Código Penal:
Art. 92 - São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
Assim dizendo, em uma decisão condenatória na qual os Ministros não determinam a perda do mandato através do artigo acima, deverá ocorrer a votação e se a maioria absoluta da respectiva casa legislativa assim decidir, será aplicado o artigo 55, § 2º da Constituição. Contudo, se a decisão estiver nos termos do artigo 92, I do CP, a anulação de mandato será automática, não tendo necessidade de votação pelas casas, deixando assim de aplicar o artigo constitucional citado acima.
O artigo 55 da carta magna estabelece as hipóteses no qual a perda do mandato eletivo parlamentar pode ser decretada com base no juízo político. Entretanto, esse mecanismo não é aplicável quando a perda é decretada em uma decisão do Poder Judiciário com efeito irreversível de uma sentença condenatória transitada em julgado.
Isto posto, para esta corrente, sendo o parlamentar condenado criminalmente, com sentença transitada em julgado, o STF poderá determinar a cassação do mandato eletivo, com base no artigo 92, I do Código Penal. Não sendo necessário votação pela Câmara ou Senado, a própria condenação já acarreta a anulação do mandato.
Essa corrente foi aplicada no caso "Mensalão'', como descrito na ação penal 470[10], a decisão da perda ficou por conta dos Ministros. Como publicado no site oficial do Supremo Corte:
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os três deputados condenados na Ação Penal (AP) 470 que ainda detêm mandato – Valdemar Costa Neto (PR-SP), Pedro Henry (PP-MT) e João Paulo Cunha (PT-SP) – perderão seus mandatos com o trânsito em julgado do acórdão (decisão colegiada) condenatório. Para isso, caberá à Mesa da Câmara apenas declarar a perda do mandato.
A decisão foi tomada com o voto do ministro Celso de Mello, proferido na tarde desta segunda-feira (17). Com ele, formou-se a maioria de cinco votos a quatro pela aplicação do parágrafo 3º do artigo 55 da CF/88. Ficaram vencidos o revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski, e os ministros Rosa Weber, Dias Toffoli e Cármen Lúcia, que votaram pela aplicação do parágrafo 2º do artigo 55, dando à Câmara o direito de deliberar sobre a perda ou não dos mandatos.
Houve unanimidade, no entanto, no sentido da suspensão dos direitos políticos de todos os réus condenados na AP 470, nos termos do artigo 15, inciso III, da CF.
Contudo vale ressaltar, que essa corrente não representa mais o entendimento da Corte, visto que a composição dos Ministros da época foi bastante modificada.
A terceira corrente, veio com a ação penal 694, trazida pelo Ministro Roberto Barroso, não tem como certo quem tomará a decisão final. Para essa vertente o que define se a decisão será do STF ou da casa legislativa é a condenação do parlamentar, sendo ela mais de 120 dias em regime fechado. Desta forma, o parlamentar fica impossibilitado de comparecer ao mínimo de sessões exigidos, logo, ocorrendo a perda do mandato de forma lógica, cabendo às mesas parlamentares apenas declarar a perda, uma vez que sendo o parlamentar deverá cumprir em penitenciária e não poderá sair para o trabalho externo, não frequentando assim o Congresso Nacional, consequentemente perderá o mandato, conforme o art. 55, III, da CF/88.
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
(...)
III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
Contudo, se a condenação for de uma pena em regime aberto ou semiaberto, ela não gera a perda automática do cargo. Sendo assim, o Plenário da Câmara ou do Senado irá votar, nos termos do art. 55, VI § 2º da CF/88, de acordo com a posição adotada pela 1ª corrente.
Diante das três interpretações, o que podemos perceber é uma mutação constitucional, ou seja, a Constituição muda, sem que haja uma alteração de seu texto. Conforme leciona, Gilmar Mendes, (2017. pág. 133[11])
“Ocorre que, por vezes, em virtude de uma evolução na situação de fato sobre a qual incide a norma, ou ainda por força de uma nova visão jurídica que passa a predominar na sociedade, a Constituição muda, sem que as suas palavras hajam sofrido modificação alguma”.
Todavia, esta mutação vem ocorrendo de forma constante no ordenamento jurídico brasileiro, mesmo sendo um conteúdo bastante delicado. Outro lado, o mais adequado segundo a teoria da separação dos poderes, seria uma alteração do texto constitucional, através de uma emenda, modificando o artigo 55, VI, §2º, da Constituição, passando a hipótese VI para o §3°, desta forma, sendo apenas declarada pela respectiva casa. Positivando o entendimento da segunda corrente do STF.
Porém, exigir dos parlamentares está atitude, seria como exigir que eles legislassem contra si mesmos, retirando imunidades que a própria constituição garantiu a eles, ou seja, uma utopia, os parlamentares aprovarem uma alteração na constituição, no tocante a este aspecto.
5. Conclusão
Ao observarmos os entendimentos que foram se alterando durante o percurso da história, vemos que o constituinte, definiu de forma clara e objetiva o que se pretendia dizer com o artigo 55 da Constituição de 1988, tendo visto que o texto define as hipóteses de cassação do mandato.
Além disso, a doutrina majoritária entende que a cassação do mandato na sentença transitada em julgado, deve ser pela respectiva casa, a fim de garantir função do parlamentar, respeitando a independência dos poderes e ao princípio da continuidade do mandato.
Entretanto, a corte maior, ao decidir sobre a perda de um mandato, verifica-se a inconstância em suas decisões e posicionamento. Conforme já explanado, existem três correntes, talvez, isso se dê ao fato de que não seja moral um parlamentar mesmo sendo condenado a um crime, e aquela sentença que o condenou transitar em julgado, ainda existir a chance de exercer a função de um representante público, mas também pelas mudanças de Ministros, alterando assim, a visão jurídica do contexto histórico da sociedade daquele determinado momento, ocorrendo então, uma mutação constitucional.
Por outro lado, o Estado Democrático de Direito, define que os poderes são independentes e nenhum poder está sobre o outro hierarquicamente. Além disso, as imunidades e prerrogativas concedidas na constituição para os parlamentares é para que eles possam exercer as funções atribuídas sem empecilhos e visando o interesse coletivo. Conforme leciona Michel Temer, visto que, deve ser garantida a atividade parlamentar, a fim de que seja garantida a instituição.
Sendo assim, sugerimos que o melhor a ser feito, é uma alteração no texto constitucional, através de uma emenda, para que se possa alterar o artigo 55, §2° e §3° da Constituição Federal, passando a hipótese de sentença transitada em julgado (atual inciso VI) para o §3°. Desta forma, a sentença terá efeito automático na perda do mandato, onde a respectiva casa vai apenas declarar a perda do mandato. Salienta-se ainda que, o direito deve estar em constante evolução e acompanhando a sociedade em seus preceitos e valores, conforme já demonstrado, o texto constitucional não parece moral e ético de acordo com os valores atuais da sociedade, tendo em vista que a norma atual existe a possibilidade do parlamentar continuar exercendo o mandato.
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https://www.camara.leg.br/radio/programas/424154-retrospectiva-2013-o-fim-do-voto-secreto-para-cassacao-de-mandatos-parlamentares/, aceeso em 14 de abril de 2021.
[6] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo. Ed. Saraiva; 13ª edição, 2018.
[7] MORAES, Alexandre de. Condenação Criminal e Suspensão dos Direitos Políticos. Revista de Direito Constitucional e Internacional n. 39, Revista dos Tribunais, São Paulo: 2002. Disponível em https://jornalistaslivres.org/wp-content/uploads/2017/02/DIREITO_CONSTITUCIONAL-1.pdf, acesso em 14 de abril de 2021.
[8] Disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5931475, acesso em 06 de abril de 2021.
[9] Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13501194, acesso em 15 de abril de 2021.
[11] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo. Ed. Saraiva; 13ª edição, 2018.
Bacharelando em Direito pela Centro Universitário Una Betim - MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Leonardo Fonseca. Perda do mandato nos casos de sentença transitada em julgado: divergências do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2021, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56778/perda-do-mandato-nos-casos-de-sentena-transitada-em-julgado-divergncias-do-stf. Acesso em: 23 dez 2024.
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