RESUMO: O presente estudo tem o escopo de analisar a aplicabilidade da Teoria da Encampação, criação jurisprudencial, que surgiu para mitigar a indicação equivocada da autoridade coatora, em sede de Mandado de Segurança. Para tanto, será feita uma análise inicial acerca da discussão doutrinária e jurisprudencial concernente à legitimidade para figurar no polo passivo da ação mandamental. Em seguida, serão traçadas breves considerações sobre a definição da autoridade coatora. Por fim, se adentrará na temática da Encampação, oportunidade em que demonstrar-se-á os requisitos exigidos para a sua configuração.
Palavras-chave: Mandado de Segurança. Autoridade coatora. Teoria da Encampação.
ABSTRACT: The present study has the scope of analysing the applicability of the Engravament, creation case, which emerged to mitigate the mistaken indication of the coactor authority, in the writ of mandamus. For this, an initial analysis will be conducted about the doctrinal and case discussion regarding the legitimacy to figure in the passive pole of the mandamental action. Then brief considerations will be drawn on the definition of the coactor authority. Finally, it will be entered into the thematic of the engravement, opportunity to demonstrate the requirements required for its configuration.
Keywords: Writ of mandamus. Coactor Authority. Engravament Theory.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DA CONTROVÉRSIA SOBRE A LEGITIMIDADE PASSIVA NO MANDADO DE SEGURANÇA. 3 DA DEFINIÇÃO DA AUTORIDADE COATORA. 4 DA TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. 4.1 Introdução. 4.2 Dos requisitos autorizadores e da Súmula nº 628, do STJ. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho científico em tela tem por finalidade a discussão acerca da Teoria da Encampação no âmbito do mandado de segurança, bem como sobre os requisitos exigidos cumulativamente para a sua aplicação.
Desta feita, o presente artigo será dividido em 3 (três) capítulos. O primeiro Capítulo analisará a controvérsia existente sobre a legitimidade para figurar no polo passivo da ação mandamental. Para tanto, discorrer-se-á sobre as três teorias existentes sobre o tema. No segundo capítulo, serão feitas ponderações, de forma bastante objetiva, sobre a identificação da autoridade coatora.
Por sua vez, o terceiro e último capítulo, analisará, pormenorizadamente, os requisitos criados pela jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça para viabilizar a aplicação da Teoria da Encampação, que, inclusive, culminou na edição do enunciado de súmula de nº 628, do STJ.
Para enfrentar as questões propostas e, por conseguinte, alcançar o desiderato científico, se buscará referências doutrinárias e jurisprudenciais.
Por fim, ao final da leitura do presente trabalho, será possível identificar as hipóteses em que, cumpridos os requisitos exigidos pela Teoria da Encampação, a autoridade que não praticou o ato reputado coator seja considerada legítima para ocupar o polo passivo da ação mandamental, evitando, assim, a extinção da ação sem julgamento do mérito.
2 DA CONTROVÉRSIA SOBRE A LEGITIMIDADE PASSIVA NO MANDADO DE SEGURANÇA
De início, mister se faz tecer algumas considerações acerca da discussão atinente à legitimidade passiva ad causam da ação constitucional do mandado de segurança.
Com efeito, a jurisprudência e doutrina pátria se desentendem sobre quem deve figurar no polo passivo da demanda mandamental: se a denominada autoridade coatora ou a pessoa jurídica a quem esta está vinculada; ou, ainda, se existe um litisconsórcio necessário entre ambas.
Os juristas que compõem a primeira corrente advogam que a legitimidade passiva do writ of mandamus é da pessoa jurídica a que pertence a autoridade reputada coatora.
Assim o fazem com fulcro no disposto no art. 2º, da Lei nº 12.016/2009 (Nova Lei do Mandado de Segurança), haja vista que a aludida regra preconiza, de forma expressa, que as consequências financeiras advindas da ilegalidade ou da abusividade serão arcadas exclusivamente pela própria pessoa jurídica.
Pela importância, transcreve-se, em seguida, o teor do mencionado dispositivo legal: “Art. 2º. Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada.”
Acrescente-se que a corrente em tela igualmente encontra seu fundamento na doutrina administrativista, mormente na teoria do órgão, segundo a qual a vontade da pessoa jurídica deve ser atribuída aos órgãos que a compõem, os quais, por sua vez, são compostos por agentes públicos.
Para esta vertente de estudiosos, a autoridade coatora, apesar de definir a competência do juízo, é apenas uma mera informante, não devendo, por isso, ser considerada a peça informativa por ela apresentada como defesa, mas como meio de prova.
Segundo Carneiro (2017, 532):
Com efeito, é a pessoa jurídica quem responde pelas consequências financeiras da demanda, sujeitando-se aos efeitos da coisa julgada que vier a se produzir. Tanto isso é verdade que, havendo a renovação da demanda pelo procedimento comum, haverá coisa julgada, estando configurada a tríplice identidade prevista no § 2o do art. 337 do CPC, é dizer, haverá a identidade de demandas por coincidirem as causas de pedir, os pedidos e, ressalte-se, as partes. A identificação da autoridade coatora serve para definir a competência do juízo, além de precisar quem deve, especificamente, sofrer o comando judicial e cumpri-lo. Deve ser indicada como autoridade, no mandado de segurança, aquele agente público com competência para desfazer o ato atacado ou para cumprir a determinação.
Sobre o tema em discussão, importante, ainda, trazer à baila as ponderações feitas pelo brilhante doutrinador Donizzeti (2010, 46):
A questão relativa à legitimação passiva no mandado de segurança não deveria suscitar tantas discussões; afinal, parte passiva é a pessoa jurídica a cujos quadros pertence a autoridade coatora, porquanto é ela quem suportará as consequências financeiras da demanda e será atingida pela coisa julgada.
[...]
No STJ consolidou-se a orientação de que “no mandado de segurança a legitimação passiva é da pessoa jurídica de direito público a que se vincula a autoridade apontada como coatora”.
A segunda corrente, por seu turno, acredita ter legitimidade passiva a pessoa física que praticou o ato ilegal ou abusivo, isto é, a própria autoridade apontada como coatora, haja vista que, nas palavras de Fux (2014):
[...] a notificação para prestar as informações, bem como as ordens de execução da segurança ou da própria liminar são sempre endereçadas à própria autoridade coatora, em que pese os efeitos patrimoniais serem suportados pela pessoa jurídica de direito público a ela vinculada. Essa tese, portanto, desconsidera que a autoridade seja apenas agente da pessoa jurídica responsável pelo desempenho da função pública, desprezando a teoria do órgão consagrada em nosso ordenamento jurídico.
Por oportuno, ressalte-se críticas à corrente em tela no sentido de que esta renega a existência da consagrada teoria do órgão, porquanto ignora que o agente constritor apenas seja um agente da pessoa jurídica responsável pela execução das funções públicas.
Uma terceira corrente, forte na interpretação literal dos arts. 6o, caput, 7o, incs. I e II, e 13, caput, da Lei retromencionda, defende a existência de um litisconsórcio passivo necessário entre o agente coator e a pessoa jurídica a ela vinculada.
Para os seus defensores, a nova Lei do Mandado de Segurança, ao determinar a cientificação da pessoa jurídica para, em querendo, ingressar no feito, dando a entender que como se esta já não estivesse presentada pela autoridade constritora, exigiu, assim, a formação de litisconsórcio necessário entre autoridade coatora e pessoa jurídica de direito público.
Neste ponto, há de se destacar que o colendo Superior Tribunal de Justiça[1] já sedimentou seu entendimento no sentindo de inexistir o pretendido litisconsórcio, posto ser a autoridade coatora um mero órgão da pessoa jurídica.
Isto é, a autoridade coatora que figura no polo passivo é a própria pessoa jurídica por ela presentada, o que torna, por conseguinte, impossível um litisconsórcio entre uma e outra.
Ainda, acrescente-se a existência de ferrenhas críticas à essa última linha de pensamento no sentido de que a configuração de um litisconsórcio passivo necessário acarretaria atribulações processuais, e que vão de encontro ao caráter sumário e célere que rege o procedimento mandamental.
Por oportuno, atente-se para a brilhante observação feita por Neves (2013):
Registre-se que o entendimento de que não existe litisconsórcio passivo necessário entre autoridade coatora e pessoa jurídica de direito público não afasta a existência dessa espécie de litisconsórcio do mandado de segurança. Como assentado na doutrina, sempre que algum sujeito vir a sofrer os efeitos jurídicos diretos do mandado de segurança em sua esfera jurídica, deverá fazer parte do polo passivo da ação juntamente com a pessoa jurídica de direito público, em litisconsórcio necessário. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, consolidou o entendimento de que a ausência desse sujeito enseja nulidade absoluta que, após o trânsito em julgado, enseja vício de rescindibilidade a ser alegado por meio de ação rescisória.
Expostas as correntes e seus respectivos posicionamentos, expõe-se que neste breve trabalho, será adotada a primeira linha de pensamento doutrinário, a qual é, inclusive, a dominante.
E, por conseguinte, entende-se que no polo passivo da ação mandamental deve figurar a pessoa jurídica, a qual deverá suportar os efeitos decorrentes da decisão, não obstante o ato impugnado tenha sido praticado por agente público, pessoa física, que a integra.
3 DA DEFINIÇÃO DA AUTORIDADE COATORA
Após as ponderações acerca da discussão vigente sobre quem deve figurar no polo passivo do mandamus, resta-nos, agora, identificar a autoridade coatora.
A questão não carece de maiores discussões, porquanto a nova Lei do Mandado de Segurança, em seu art. 6º, §3º, se desincumbiu desse mister, ao prever que: “Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.’’
Nessa toada, destaque-se que nem todo agente público pode ser reputado autoridade, considerando que somente possui o atributo de autoridade o agente público dotado de poder decisório, em conformidade com o quanto disposto no art. 1º, § 2º, III, da Lei n. 9.784/94.
Sobre o tema em estudo, ressalte-se as lições de Navarro (2013):
Para ser o coator não basta que o agente tenha autorizado o ato ou praticado. Isso porque, em certos casos, por ter apenas cumprido a ordem, sendo mero executor do ato, o agente não poderá figurar no polo passivo, porquanto lhe faltará justamente a competência para desfazer a ilegalidade. É imprescindível, assim, para o sucesso do MS a escolha correta da autoridade coatora, sob pena de se obter uma ordem inócua. E a melhor definição é aquela que considera autoridade a que possui atribuição para desfazer o ato.
Dessarte, resta cristalino que a identificação da autoridade se dá por meio da identificação do agente que tenha competência para ordenar o desfazimento do ato impugnado ou fazer cessar os seus efeitos.
Nessa esteira, infere-se ser possível enquadrar os particulares como autoridade coatora, quando estes desenvolverem função pública e por delegação de poder, como é o caso do Tabelião.
Também as pessoas jurídicas de direito privado podem ser reputadas autoridade coatora, desde que o ato atacado se submeta a regime jurídico de direito público, não se tratando de mero ato de gestão, como se depreende do teor do enunciado de Súmula n° 333, do STJ: “Cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública.”
Corroborando o acima exposto, é de clareza solar a redação do art. 1º, § 1º, da Lei n.º 12.016/09:
§1º. Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições.
Diante das considerações retro expostas, vislumbra-se que a autoridade coatora é aquela que, no exercício da função pública, além de possuir poder decisório, tem a competência para desfazer a ilegalidade ou abusividade perpetrada, seja porque praticou o ato (não apenas na qualidade de mero executor), seja porque ordenou concreta e especificamente a sua execução, e responde por suas consequências administrativas.
4 DA TEORIA DA ENCAMPAÇÃO
4.1. Introdução
A indicação errônea da autoridade coatora ainda gera controvérsias no tocante às suas consequências. Diverge-se, pois, se o feito dever ser extinto sem julgamento do mérito, ou se é legítima a convalidação do vício, viabilizando-se, por consequência, o prosseguimento do feito.
Como exposto alhures, acompanhamos, neste breve estudo, a corrente de pensamento majoritária, que se posiciona no sentido de que o polo passivo do remédio constitucional em tela deve ser ocupado pela pessoa jurídica, que figura no processo presentada pela autoridade coatora.
Como decorrência deste raciocínio, o erro na indicação do agente constritor, em regra, não acarretará a extinção do processo por ilegitimidade passiva, até porque este não é parte no processo. Em verdade, a ilegitimidade só poderá ser decretada quando o erro na identificação da autoridade coatora importar na alteração da pessoa jurídica indicada no polo passivo, verdadeira parte no processo.
Em outras palavras, a correta indicação da pessoa jurídica a que pertence a apontada autoridade coatora torna indiferente o equívoco na indicação desta última, salvo algumas exceções.
Outrossim, em decorrência da manifesta complexidade estrutural dos órgãos públicos, fato este que dificulta e, muitas vezes, impede a exata identificação da verdadeira autoridade coatora, e em prestígio aos princípios da efetividade e da economia processual, o STJ assentou a sua jurisprudência no sentido de ser possível, na maioria dos casos, a correção da autoridade coatora apontada de forma ilegítima.
Para a Colenda Corte da Cidadania, considerando que o escopo primordial writ of mandamus é a proteção de direito líquido e certo, bem como da garantia do indivíduo em face do Estado, este remédio constitucional assume vital importância, razão pela qual questões meramente de forma não devem, em regra, inviabilizar a questão de fundo gravitante sobre ato abusivo ou ilegal da autoridade.
Em virtude desse entendimento, nasceu a Teoria da Encampação, com o escopo de mitigar a indicação errônea da autoridade coatora em mandado de segurança. Entretanto, existem requisitos para a sua legítima aplicação, os quais serão vistos de forma pormenorizadas no tópico seguinte.
4.2 Dos requisitos autorizadores e da Súmula nº 628, do STJ
Cumpre-nos, agora, enfrentar os requisitos exigidos para a aplicação da teoria da encampação no writ of mandamus.
Ab initio, deve-se ter em consideração as seguintes premissas: i) o sujeito passivo na ação mandamental é a pessoa jurídica, em conformidade com a posição majoritária e adotada neste estudo; ii) a competência é fixada em virtude da autoridade apontada como coatora pelo impetrante.
Assim sendo, reitere-se, a equivocada indicação da autoridade coatora, a rigor, não pode ocasionar o reconhecimento de ilegitimidade passiva, até porque esta não é, de fato, parte no processo. A ilegitimidade, portanto, apenas deve ser decretada em caso de erro na indicação da pessoa jurídica.
De outra banda, a denominada Teoria da Encampação é, em síntese, uma criação da jurisprudência, que visa mitigar a equivocada indicação do agente coator, e, em conformidade com o STJ, tem aplicabilidade quando restarem configurados, cumulativamente, os seguintes requisitos arrolados na Súmula nº 628, do STJ[2], in verbis:
Súmula 628-STJ: A teoria da encampação é aplicada no mandado de segurança quando presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado;
b) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas; e
c) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal.
Para fins de melhor elucidação sobre o tema em debate, veja-se o aresto abaixo transcrito[3], um dos primeiros precedentes do STJ a discorrer, de forma sistematizada, sobre tais requisitos e que, inclusive, serviu de inspiração para a edição do enunciado sumular retro transcrito:
EMENTA. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CEBAS. CANCELAMENTO DE ISENÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA.
1.São três os requisitos para aplicação da teoria da encampação no mandado de segurança: existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas. Precedente da Primeira Seção: MS 10.484/DF, Rel. Min. José Delgado.
2. O ato coator apontado foi exarado pelo Chefe da Seção de Orientação da Arrecadação Previdenciária, da Delegacia da Receita Previdenciária de Niterói/RJ, vinculada à Secretaria da Receita Previdenciária do Ministério da Previdência Social.
3. O conhecimento do writ esbarra na alteração de competência estabelecida pela Carta da República.
4. A documentação colacionada pelo impetrante mostra-se insuficiente para
comprovar a ilegalidade do ato administrativo que revogou a isenção tributária que lhe fora concedida com base em cancelamento do Cebas.
5. A alegação de inexistência de cancelamento esbarra em documento acostado pela própria impetrante, que atesta situação inversa.
6. Ordem denegada.
Acerca da Teoria da Encampação, veja-se que:
[...] o Superior Tribunal de Justiça vem flexibilizando seu entendimento pela extinção do processo, ao admitir a indicação errônea da autoridade coatora por meio da teoria da encampação. Para o tribunal, o mandado de segurança deve ser julgado normalmente desde que: (a) houver vínculo hierárquico entre a autoridade erroneamente apontada e aquela que efetivamente praticou o ato ilegal; (b) a extensão da legitimidade não modificar regra constitucional de competência; (c) for razoável a dúvida quanto à legitimação passiva na impetração; e (d) houver a autoridade impetrada defendido a legalidade do ato impugnado, ingressando no mérito da ação de segurança. Como se pode notar da teoria da encampação, não haverá propriamente correção da autoridade coatora, criando-se por meio de uma ficção jurídica a legitimidade para figurar no processo como autoridade coatora de um sujeito que em tese não a teria. (NEVES, 2013)
Atente-se, ainda, para o que leciona Bueno (2010):
[...] a depender do conteúdo das informações, a questão relativa à ilegitimidade passiva da autoridade coatora possa ser descartada pela aplicação do que vem sendo chamado, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de “teoria da encampação”. São as hipóteses em que, não obstante a alegação de ilegitimidade, a autoridade coatora acaba por defender a juridicidade do ato. Entende-se que nesses casos, não havendo qualquer prejuízo para a adequada formação e desenvolvimento do processo, máxime quando a autoridade apontada como coatora tiver vínculo de hierarquia com a que deveria ter participado do processo, e não havendo alteração de competência, não há por que deixar de enfrentar o mérito do mandado de segurança.
No que tange ao primeiro requisito supramencionado, vê-se que encampação pressupõe que a autoridade hierarquicamente superior tenha prestado informações. Isto é, não há que se falar em aplicabilidade da teoria da encampação quando as informações forem prestadas por autoridade hierarquicamente inferior à que deveria figurar legitimamente no processo, mesmo quando aludidas informações veiculem em seu bojo defesa de mérito ao ato impugnado.
Assim, infere-se que autoridade de hierarquia inferior não pode “encampar” ato que deveria ser praticado pela superior. Caso fosse possível invocar a teoria em comento em tais casos, haveria uma verdadeira usurpação de competência superior pela autoridade hierarquicamente inferior.
Nessa esteira, mister trazer à baila o esclarecedor entendimento do Colendo STJ[4], in verbis:
“Ementa. Processual civil. Recursos ordinário e especial em mandado de segurança. Art. 535 do CPC: Súmula 284/STF. Legitimidade ativa do contribuinte de fato para questionar a alíquota do ICMS. Mandado de segurança com efeitos patrimoniais pretéritos: Descabimento. Súmulas 269 e 271 do STF. Teoria da encampação: inviabilidade. Alteração, pelo Judiciário, de ato normativo: Descabimento. 1. O contribuinte de fato, por suportar o encargo financeiro do ICMS, tem legitimidade para questionar judicialmente a alíquota do imposto. 2. Não cabe mandado de segurança objetivando efeitos patrimoniais pretéritos (súmulas 269 e 271 do STF). 3. A chamada "teoria da encampação" não pode ser invocada quando a autoridade apontada como coatora (e que "encampa" o ato atacado), é hierarquicamente subordinada da que deveria, legitimamente, figurar no processo. Não se pode ter por eficaz, juridicamente, qualquer "encampação" (que melhor poderia ser qualificada como usurpação) de competência superior por autoridade hierarquicamente inferior. 4. Não cabe mandado de segurança objetivando, sob fundamento de inconstitucionalidade, substituir por percentual menor as alíquotas de ICMS fixadas em ato normativo (decreto estadual). A sentença que atendesse a tal pedido produziria efeitos semelhantes ao da procedência de ação direta de inconstitucionalidade, e, mais ainda, transformaria o Judiciário em legislador positivo. 5. Recurso ordinário improvido. Recurso especial provido. g.n.
O segundo requisito se refere à necessidade de que as informações apresentadas pela autoridade hierarquicamente superior ultrapassem as preliminares processuais e defendam, expressamente, o mérito do ato vergastado.
Com efeito, a encampação é uma teoria que visa prestigiar o princípio da economia processual, aproveitando os atos até então praticados, mesmo diante da configuração de um vício. E, dessa maneira, caso a autoridade superior se restrinja, em sua manifestação, a suscitar a sua ilegitimidade passiva ad causam, não existirá, em verdade, o que ser aproveitado.
Em outras palavras, só haverá a encampação do ato pela autoridade superior se esta, em suas informações, defender a legalidade o ato impugnado, requerendo a denegação da segurança, não se limitando, pois, a questionar a sua legitimidade.
Por fim, o último requisito trata-se, na realidade, de um limite para a aplicação da teoria da encampação, qual seja, não deve haver a desvirtuação da competência do órgão jurisdicional estabelecida na Constituição Federal.
Como explanado alhures, não obstante o polo passivo do writ of mandamus seja ocupado pela pessoa jurídica e não pela autoridade coatora, esta permanece a ter importância quanto à definição do foro competente para o processamento e julgamento da ação mandamental.
Dessarte, caso a convalidação do vício na indicação da autoridade coatora importe em modificação da competência para o julgamento da ação mandamental, não será possível encampar o ato, ainda que restem devidamente preenchidos os dois requisitos anteriores.
Com efeito, a modificação da competência ocorre em casos nos quais a uma das autoridades envolvidas (a legítima ou a inadequadamente indicada na inicial) possui prerrogativa de foro, como, v.g, nos mandados de segurança impetrados em face de atos abusivos ou ilegais imputados aos Governadores, Secretários e Ministros de Estado, como também ao Presidente da República.
Por oportuno, consoante ressalta Cavalcante (2021), ao tecer considerações sobre a Súmula nº 628, do STJ, ora em debate:
Apesar de a letra “c” da Súmula falar apenas em Constituição Federal, podemos encontrar inúmeros julgados do STJ afirmando que a teoria da encampação também não se aplica se isso implicar em mudança das regras de competência definidas na Constituição Estadual. Ex: o autor impetrou, no TJ, mandado de segurança contra o Secretário de Estado de Educação; ocorre que o ato foi praticado por um diretor de departamento pedagógico (que é julgado em 1ª instância); logo, mesmo que o Secretário defenda o ato nas informações do MS, ainda assim o processo deverá ser extinto sem resolução do mérito.
A corroborar o entendimento acima expendido, impede trazer à colação ementa de venerando acórdão proferido pelo Colendo STJ[5], ipsis litteris:
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. FATO JURÍDICO ENSEJADOR DA TRIBUTAÇÃO (EFETIVO CONSUMO E NÃO A DEMANDA RESERVADA/CONTRATADA DE POTÊNCIA) AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA (SECRETÁRIO DE ESTADO). ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. INAPLICABILIDADE. AMPLIAÇÃO INDEVIDA DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. A teoria da encampação é aplicável ao mandado de segurança tão-somente quando preenchidos os seguintes requisitos: (i) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; (ii) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e (iii) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas (Precedente da Primeira Seção: MS 12.779/DF, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 13.02.2008, DJe 03.03.2008). 2. In casu, o mandado de segurança coletivo preventivo foi impetrado contra o Secretário da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, que apontou inferior hierárquico como o responsável pelo ato de aplicação da lei ao caso particular (expedição de norma individual e concreta). 3. Destarte, a teoria da encampação é inaplicável no caso concreto, porque, malgrado o Secretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro tenha defendido o mérito do ato, sua indicação como autoridade coatora implica em alteração na competência jurisdicional, na medida em que compete originariamente ao Tribunal de Justiça Estadual o julgamento de mandado de segurança contra Secretário de Estado, prerrogativa de foro não extensível ao servidor responsável pelo lançamento tributário ou pela expedição da certidão de regularidade fiscal. 4. O artigo 6º, da Lei 12.016/2009, determina que “denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da Lei no. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil”. 5. Recurso ordinário desprovido, mantendo-se a denegação do mandado de segurança, por carência da ação (causa de extinção do processo sem resolução do mérito). g.n.
Ante o exposto, consideradas tais ponderações, vislumbra-se que a aplicação da Teoria da Encampação em sede de Mandado de Segurança, isto é, a superação da inadequada indicação da autoridade coatora, está condicionada ao preenchimento de três requisitos criados pela jurisprudência do C. STJ, quais sejam, (i) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; (ii) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas; e (iii) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal e na Constituição Estadual. Caso a encampação altere o foro competente para julgamento, o mandado de segurança impetrado em face de autoridade equivocada deverá ser extinto sem julgamento do mérito.
CONCLUSÃO
Diante das considerações expostas, verificou-se a existência de três teorias atinentes ao polo passivo do mandado de segurança. Em seguida, foi exposto que, neste presente trabalho científico, adotou-se a posição majoritária na doutrina e jurisprudência pátrias, a qual preconiza que quem deve figurar no polo passivo do writ of mandamus é a pessoa jurídica, haja vista ser esta quem suportará os efeitos decorrentes da decisão, não obstante o ato impugnado tenha sido praticado por agente público, pessoa física, que a integra.
Foi possível constatar que a identificação da autoridade coatora pode ser extraída da Nova Lei do Mandado de Segurança, bem como existe, além de previsão legal, entendimento jurisprudencial para equiparar particulares e pessoas jurídicas de direito privado à qualidade de agente coator.
Ainda, os estudos realizados demostraram que a Teoria da Encampação é uma criação da jurisprudência pacífica do Colendo Superior Tribunal de Justiça, notadamente diante da edição de seu enunciado sumular de nº 628, entendimento que, ressalte-se, encontra guarida na doutrina, enfatize-se, e que tem o fito de convalidar o vício na indicação da autoridade coatora, em sede de mandado de segurança.
Ao final, constatou-se que a aplicação da teoria supra necessita da observância cumulativa de três requisitos, quais sejam, a existência de vínculo hierárquico entre a autoridade apontada coatora e aquela que efetivamente ordenou a prática do ato reputado coator, a defesa do mérito do ato coator nas informações prestadas e a inexistência de modificação da competência constitucionalmente fixada.
Diante de todo o exposto, percebeu-se que a Teoria da Encampação, ao mitigar a indicação equivocada da autoridade coatora, impedindo a extinção do feito sem resolução do mérito, prestigia sobremaneira os princípios da efetividade e da economia processual.
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[1] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 86030 AM 1996/0002779-0. 2ª Turma. Rel. Min. Francisco Pecanha Martins. j. 15/04/1999. DJ 28/06/1999.
[3] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MS 12.779/DF. Primeira Seção. Rel. Ministro Castro Meira. j. 13.02.2008. DJ 03.03.2008.
[4] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RMS 28745/AM. 1ª Turma. Rel. Min. Teori Albino Zavascki. j. 19/05/2009. DJ 01/06/2009.
[5] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RMS 21.775/RJ. 1ª Turma. Rel. Min. Luiz Fuz. j. 16/11/2010. DJ 01/12/2010.
Advogada. Ex-Técnico do MPE/RN. Ex-Assessor Jurídico do MPE/RN. Graduada em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Especialista em Direito Tributário e Planejamento Tributário pela Universidade Cândido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SENA, Kamila Miranda. Mandado de segurança e a teoria da encampação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2021, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56780/mandado-de-segurana-e-a-teoria-da-encampao. Acesso em: 23 dez 2024.
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