RENATA MALACHIAS SANTOS MADER[1]
(orientadora)
RESUMO: Este trabalho objetiva analisar a Inconstitucionalidade do Artigo 1.790, do Código Civil Brasileiro, à luz da Cartão Cidadã de 1.988 e com base na decisão da Suprema Corte exarada no Recurso Extraordinário nº 878.694, expondo como se dará a sucessão dos companheiros após afastada a regra do excerto legal supracitado, o qual previa o tratamento desigual entre Casamento e União Estável. Pretende-se, ainda, demonstrar o direito do companheiro à figurar como herdeiro necessário, analisando os demais artigos que discorrem sobre a sucessão dos cônjuges, sob o enfoque da necessidade de inclusão dos companheiros como titulares dos mesmos Direitos Sucessórios garantidos aos cônjuges. O método de pesquisa utilizado será o hipotético-dedutivo, partindo de uma análise da Constituição Federal, do Código Civil, da jurisprudência e doutrina dominante, além de artigos científicos e outras bibliografias relacionadas ao tema. Propõe-se, assim, apresentar a reflexão sobre o histórico da sucessão, abordando o conceito de Direito Sucessório, Direito de todas as entidades familiares à proteção Estatal e análise da decisão do Recurso Extraordinário n° 878.694, que declarou inconstitucional o Artigo 1.790 do Código Civil. Posteriormente, será exposto a necessidade de o companheiro figurar como herdeiro necessário, como meio para se chegar à conclusão supramencionada.
PALAVRAS-CHAVE: Casamento; Direito Sucessório; Inconstitucionalidade da Distinção entre as famílias; União Estável.
ABSTRACT: This work aims to analyze the Unconstitutionality of Article 1.790 of the Brazilian Civil Code, in light of the 1988 Citizen Card and based on the Supreme Court decision handed down in Extraordinary Appeal No. 878,694, demonstrating how the succession of partners will occur after the rule of legal excerpt mentioned above, which provided for the unequal treatment between Marriage and Stable Marriage. It is also intended to demonstrate the partner's right to appear as the necessary heir, analyzing the other articles that discuss the succession of spouses, focusing on the need to include partners as holders of the same Succession Rights guaranteed to spouses. The research method used will be the hypothetical-deductive one, based on an analysis of the Federal Constitution, the Civil Code, jurisprudence and dominant doctrine, as well as scientific articles and other bibliographies related to the subject. It is proposed, therefore, to present a reflection on the history of succession, addressing the concept of Succession Law, Right of all family entities to State protection and analysis of the decision of Extraordinary Appeal No. 878,694, which declared Article 1.790 of the Code unconstitutional Civil. Subsequently, the need for the partner to appear as a necessary heir will be explained, as a means to reach the aforementioned conclusion.
KEYWORDS: Marriage; Inheritance Law; Unconstitutionality of Distinction between Families; Stable union
SUMÁRIO: Introdução; 1. Direito sucessório; 1.1 Direito Sucessório do Cônjuge; 1.2 Direito Sucessório do Companheiro(a); 2. Sucessão do companheiro(a) pelo artigo 1.790 do código civil – Inconstitucionalidade; 2.1 Análise da Decisão do Recurso Extraordinário n° 878.694; 3. Direito a legítima, 3.1 Direito dos Companheiros figurarem como Herdeiros Necessários – análise do artigo 1.790 do Código Civil à luz da Constituição Federal; 4. Conclusão; 5. Referências.
INTRODUÇÃO
Ao longo da história da sociedade brasileira até nos dias atuais a família, como instituição social, tem passado por mudanças em sua estrutura e organização. Com essa transformação social nossa Constituição Federal passou a reconhecer com igualdade outros arranjos familiares para além daquelas constituídas pelo tradicional casamento entre homem e mulher.
Apesar disso, o Código Civil Brasileiro de 2.002, dispensa tratamento diferenciado ao companheiro em relação ao cônjuge, distinguindo-os. Essa discrepância trouxe grande polêmica doutrinária e jurisprudencial até ser submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal que, após diversos debates, reconheceu a inconstitucionalidade da diferenciação entre casamento e união estável (cônjuges e companheiros), através do Recurso Extraordinário n° 878.694-MG.
Todavia, em que pese a referida decisão ter posto fim à discussão acerca da referida inconstitucionalidade, inserindo os companheiros na sucessão legítima, remanesce a questão à inclusão dos companheiros nos demais Artigos do Código Civil de 2.002, que discorrem sobre os Direitos Sucessórios dos cônjuges, sem mencionar os companheiros, principalmente no que tange ao Direito de figurar como herdeiro necessário.
Mencionada questão serviu então como justificativa para a escolha do tema em apreço, haja vista que tanto os cônjuges quanto os companheiros têm direitos e obrigações relativas a esse meio. Diante disso, o presente estudo visa contribuir com a discussão do tema, apresentando-lhe uma possível resposta para o problema proposto: como se dará a sucessão dos companheiros com o reconhecimento da inconstitucionalidade do Artigo 1.790 do Código Civil?
Deste modo, este artigo tem como objetivo demonstrar a situação da sucessão dos companheiros após a declaração da inconstitucionalidade na distinção entre casamento e união estável, visto que, apesar da decisão, não houve posicionamento a respeito do direito de o companheiro figurar como herdeiro necessário. Outrossim, caso não haja tratamento isonômico entre os regimes sucessórios de cônjuges e companheiros, o Estado estará infringindo o Artigo 226, § 3º da Constituição Federal, que garante em seu texto igual proteção à família.
A metodologia utilizada será o hipotético-dedutivo, partindo de uma análise da Constituição Federal, do Código Civil Brasileiro à luz da Carta Magna, da jurisprudência e doutrina dominante, além de artigos científicos e outras bibliografias relacionadas ao tema.
Com o intuito de clarear a compreensão do leitor acerca do problema, será exposto uma breve apresentação a respeito do conceito de Direito Sucessório, assim como dos Direitos de todas as entidades familiares à proteção Estatal. Em seguida, apresentar-se-á o histórico das Sucessões dos cônjuges e companheiros para que se compreenda a incoerente tratativa diferenciada exposta no Artigo 1.790 em comento.
Já o segundo capítulo demonstrará a análise da decisão do Recurso Extraordinário n° 878.694, apontando os argumentos utilizados pelo Ministro-Relator para justificar a decisão proferida. Ao final, será exposto a origem do questionamento que o presente estudo se propõe a responder, já que, apesar de o acórdão ter decidido pela inconstitucionalidade da distinção dos institutos do casamento e da união estável, não houve decisão atinente ao direito do companheiro em figurar como herdeiro necessário, o que em tese garantiria uma maior igualdade.
Em conclusão, o último capítulo dedicará a responder a questão supracitada, explicitando a análise do Artigo 1.790 do Código Civil à luz da Constituição Federal, haja vista a necessidade de tratamento igualitário do companheiro ao cônjuge para fins sucessórios como forma de equiparar os institutos familiares, garantindo assim igual proteção à família, pois independentemente da forma em que se constitui a família, o objetivo será sempre garantir vida digna aos seus componentes que, por terem os mesmos propósitos, devem ter os mesmos direitos, a fim de garantir o mínimo de segurança jurídica.
1. DIREITO SUCESSÓRIO
Após a independência do Brasil, entrou em vigor, o primeiro Código Civil de 1.916, elencando como elementos fundamentais, a propriedade, o contrato e a família.
A concepção de família consagrada, era pautada por preceitos religiosos e pela preservação da família como instituto fechado, isto é, a família legítima era apenas aquela formada pelo casamento entre esposo, esposa e seus filhos legítimos, deixando à margem aquelas que não se encaixassem nesse padrão. A família padrão, portanto, era aquela hierarquizada, paternalista.
Contudo, com a publicação da Carta Magna de 1.988, inspirada pelos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana, em seu Artigo 226, § 3° e § 4°, houve grande progresso no conceito de família, ao reconhecer o afeto como forma de origem da família, estabelecendo que o conjunto de pessoas unidas pelo casamento, união estável, ou monoparental – formação por um só dos pais e seus descendentes –, também estariam classificados como entidade familiar.
A partir de então, foram várias as inovações jurídicas, ao estabelecer os elementos da instituição familiar, surgindo assim reflexos em outras áreas do Direito, sobretudo nas Sucessões, um dos segmentos do Direito Civil.
Nesse ponto, vale esclarecer que a Sucessão é um instituto jurídico que se revela com o evento morte, tendo como característica principal a transmissão, aos herdeiros, da herança, na conformidade do Artigo 1.784, do Código Civil, in verbis: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.” (BRASIL, 2002)
Neste caso, a transmissão pode ocorrer de forma legal ou por meio de testamento, como manifestação de última vontade. Na forma da lei, ocorre a chamada Sucessão Legítima, sendo, neste caso, a herança transmitida aos herdeiros legítimos, nos termos do Artigo 1.829, do Código Civil, seguindo a ordem da vocação hereditária: descendentes, ascendentes, cônjuge e colaterais.
Já a forma testamentária, o de cujus deixa registrado a sua manifestação de vontade, podendo o testador dispor da metade da herança, uma vez que, com fulcro no Artigo 1.789, do Código Civil: “Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança” (BRASIL, 2002), ou seja, a metade da herança é assegurada a estes.
1.1. Direito Sucessório do Cônjuge
De início, na aplicação do Código Civil de 1.916, o cônjuge sobrevivente encontrava-se na terceira classe de ordem de vocação hereditária, o qual tinha direito à herança se não existisse descendentes e ascendentes, bem como se não houvesse disposição testamentária em contrário, uma vez que não era considerado herdeiro necessário, e sim herdeiro facultativo.
A situação modificou-se com a vigência do Código Civil de 2.002, segundo o qual o cônjuge passou a ter privilégio como herdeiro necessário, independentemente do regime de bens, passando a concorrer com descendentes e ascendentes, conforme dispõe o Artigo 1.829 e 1.845, do Código Civil, in verbis:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
(...)
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.(BRASIL,1988)
Dessa forma, o cônjuge sobrevivente passou a ter proteção sobre o direito de herança transmitida, abrangendo inclusive o testamento, isto é, independentemente da manifestação de vontade do de cujus, o cônjuge não poderá ser afastado da sucessão, ressalvados os casos de indignidade e deserdação, sendo certo que esta última só poderá ser declarada pelo testador, tendo com fundamento uma das causas que autorizam a primeira, de acordo com o que dispõe o Artigo 1.961 do Código Civil: “Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão” (BRASIL,2002).
Acontece que o Código Civil não deu aos companheiros, o mesmo tratamento sucessório dado aos cônjuges. Em relação aos primeiros, o Artigo 1.790 do Código Civil cuidou de disciplinar o direito sucessório, enquanto que, no que se refere aos cônjuges, os Artigos 1.829 e 1.845 do mesmo ordenamento, cuidaram da questão.
Desde então, o tratamento diferenciado dispensado passou a ser objeto de grande imbróglio, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, o que passaremos a discutir nos próximos tópicos.
1.2. Direito Sucessório do Companheiro(a)
A Constituição Federal de 1.988, que erigiu a união estável à entidade familiar, não foi por si suficiente para garantir o direito sucessório aos companheiros, o que veio a ocorrer apenas com o advento das Leis Especiais n° 8.971/94[2] e n° 9.278/96[3]. A partir disto, os companheiros foram admitidos de fato como família, entretanto, ainda restam falhas e desigualdades no reconhecimento do direito sucessório dos companheiros.
Também foi com a promulgação do novo Código Civil, em 2.002, que alguns dos seus artigos trouxeram a previsão do direito sucessório na união estável. Dessa forma, dispõe o Artigo 1.790:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.(BRASIL,2002)
Verifica-se que a questão do cônjuge sobrevivente foi prestigiada pelo Código Civil, ainda assim, apresenta desvantagens em relação ao companheiro, visto que promoveu o cônjuge a herdeiro necessário, não ofertando o mesmo tratamento aos companheiros, estabelecendo disciplina própria e diferenciada para a sucessão em cada um dos casos, afastando-se, portanto, dos ditames da Constituição Federal.
Aqui, vale destacar a recente polêmica de repercussão nacional do “Caso Gugu”, no tocante ao reconhecimento da união estável, sobre o qual escreveram Machado e Andrade[4]:
Sem entrar nos meandros da vida íntima de Gugu e Rose, o importante é compreendermos que não existe um modelo único de família e que a proteção do Direito precisa abranger todas e todos os que vivem em comunhão fática, independente do arranjo familiar. Gugu e Rose constituíram uma família em todos os sentidos. Tiveram filhos, os criavam juntos, partilhavam a companhia em datas comemorativas. Logo, formavam um núcleo familiar, vivenciando as responsabilidades e as benesses dessa relação e, consequentemente, protegidos pelas leis de família.
Diante da compreensão de que o conceito de família não se cinge mais a um modelo (pai, mãe e filhos residindo juntos e com vínculo matrimonial entre os pais), causa estranheza que o tensionamento pelo falecimento do apresentador, e consequentes repercussões patrimoniais dele decorrentes, tem se circunscrito, basicamente, pelo menos no que se refere às notícias mais comentadas, à discussão sobre os direitos da companheira tanto de receber pensão quanto de se beneficiar de parte da herança. (Conjur, 2020)
No que concerne a incoerente tratativa diferenciada que se deu entre companheiros e cônjuges, o tópico seguinte será dedicado a explicar a visão doutrinária e do Supremo Tribunal Federal sob a inconstitucionalidade do Artigo 1.790, do Código Civil de 2.002, expondo a análise da decisão do Recurso n° 878.694 e as violações constitucionais estabelecidas no artigo.
2. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO(A) PELO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL – INCONSTITUCIONALIDADE
A União estável, configurada, segundo o Código Civil, na convivência pública, contínua, duradoura e com o intuito de constituição de família, atualmente é reconhecida como entidade familiar legitimada pelo legislador, segundo o Artigo 226, § 3º da Constituição Federal, assim como no Artigo 1.723 do Código Civil, ipsis litteris:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (BRASIL,1988)
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. (BRASIL,2002)
Nesse ponto, imperioso destacar, caso não sejam preenchidos os requisitos na análise do caso concreto, o reconhecimento da existência da união estável poderá não ocorrer, a exemplo do recente caso decidido em Acórdão do TJTO que determinou que o período de união estável foi, de fato, namoro qualificado, sob os seguintes argumentos:
A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins reconheceu que o período de união estável concedido em juízo de primeiro grau, corresponderá, na verdade, a um namoro. A decisão confirmou a tese do recorrente: a existência de namoro qualificado.
O Tribunal reformou a sentença para adequar a partilha de bens quanto ao período de duração da união estável, que teria se estendido de janeiro de 2014 a novembro de 2015. No período compreendido entre 2008 e 2013, a relação entre as partes seria apenas de um namoro.
Em análise dos autos, o relator determinou que a prova produzida é incapaz de comprovar o marco inicial da união estável como em 2008. “A documentação juntada ao feito, analisada em cotejo com a prova oral produzida, não se revela coesa e segura a comprovar que o relacionamento amoroso, com contornos típicos da união estável, tenha se iniciado no ano do nascimento da filha menor do ex-casal”. (T1Notícias, 2021)
Esta tese do “namoro qualificado” já foi reconhecida pelo STJ através do REsp 1.454.643/RJ, relatado pelo Min. Marco Aurelio Bellizze, j. 03/03/2015, pelo que poderá ganhar força jurisprudencial e tornar-se um complicador no reconhecimento desse formato de arranjo de família.
RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A COABITAR. ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E, POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO. 1. O conteúdo normativo constante dos arts. 332 e 333, II, da lei adjetiva civil, não foi objeto de discussão ou deliberação pela instância precedente, circunstância que enseja o não conhecimento da matéria, ante a ausência do correlato e indispensável prequestionamento. 2. Não se denota, a partir dos fundamentos adotados, ao final, pelo Tribunal de origem (por ocasião do julgamento dos embargos infringentes), qualquer elemento que evidencie, no período anterior ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da palavra, em que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre os conviventes. A só projeção da formação de uma família, os relatos das expectativas da vida no exterior com o namorado, a coabitação, ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de cada qual, tal como esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes à verificação da affectio maritalis e, por conseguinte, da configuração da união estável. 2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. 2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. 3. Da análise acurada dos autos, tem-se que as partes litigantes, no período imediatamente anterior à celebração de seu matrimônio (de janeiro de 2004 a setembro de 2006), não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro - e não para o presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar, desiderato que, posteriormente, veio a ser concretizado com o casamento. 4. Afigura-se relevante anotar que as partes, embora pudessem, não se valeram, tal como sugere a demandante, em sua petição inicial, do instituto da conversão da união estável em casamento, previsto no art. 1.726 do Código Civil. Não se trata de renúncia como, impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso de apelação na origem. Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade das partes de, a partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria família. A celebração do casamento, com a eleição do regime de comunhão parcial de bens, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os então namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a relação amorosa vivenciada para constituir, efetivamente, um núcleo familiar, bem como comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento. E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento. 4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união estável compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para o único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente pelo requerido. Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que tenha se destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a família por meio do casamento. Daí, entretanto, não advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem. 5. Recurso especial provido, na parte conhecida. Recurso especial adesivo prejudicado. (STJ - REsp: 1454643 RJ 2014/0067781-5, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 03/03/2015, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/03/2015, grifou-se)
No que tange à herança, o Código Civil de 2.002 traz em seu Artigo 1.790 o regime jurídico da sucessão hereditária daquele que conviveu em união estável, prevendo que o companheiro sobrevivente somente participará da sucessão dos bens adquiridos de forma onerosa, na constância da união estável, além de estabelecer que ao companheiro apenas será devida a totalidade da herança caso não houvesse concorrente (descendentes, ascendentes e colaterais).
Logo, essa regra admitia que se um dos companheiros já possuísse patrimônio e após o início da união não mais viesse a adquirir outros bens, vindo a falecer, o companheiro sobrevivente não desfrutaria da herança, vez que não houve aquisição de bens durante a união estável, conferindo, dessa forma, direitos sucessórios menos favoráveis aos companheiros se comparado àqueles reconhecidos aos cônjuges, senão vejamos:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais. (BRASIL,2002)
Nesse aspecto, o Código Civil de 2.002, acabou por diferenciar a família proveniente do casamento daquela oriunda de união estável, circunstância em que permite a discussão acerca da sua constitucionalidade, uma vez que rompe com os princípios constitucionais da igualdade entre as entidades familiares e da dignidade da pessoa humana.
Diante disso, no ano de 2.017 o Supremo Tribunal Federal declarou o artigo 1.790 inconstitucional, decidindo que a sucessão do companheiro se dará às mesmas regras da sucessão do cônjuge, decisão esta que passaremos a analisar neste capítulo.
2.1 Análise da Decisão do Recurso Extraordinário n° 878.694
A manifestação do Supremo Tribunal Federal acerca do referido assunto, se deu nos autos do Recurso Extraordinário nº 878.694, procedente de Minas Gerais, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso. A discussão buscava se havia legitimidade ou não na desequiparação que o Código Civil de 2.002 faz para fins sucessórios entre a união formada pelo casamento e a por união estável.
DIREITO DAS SUCESSÕES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DISPOSITIVOS DO CÓDIGO CIVIL QUE PREVEEM DIREITOS DISTINTOS AO CÔNJUGE E AO COMPANHEIRO. ATRIBUIÇÃO DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. Possui caráter constitucional a controvérsia acerca da validade do art. 1.790 do Código Civil, que prevê ao companheiro direitos sucessórios distintos daqueles outorgados ao cônjuge pelo art. 1.829 do mesmo Código. 2. Questão de relevância social e jurídica que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. 3. Repercussão geral reconhecida. (RE 878694 RG, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 16/04/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 18-05-2015 PUBLIC 19-05-2015, grifou-se)
O Relator destacou em seu voto que as constituições passadas não reconheciam diversas formas de entidade familiar, senão aquela concebida pelo casamento. Contudo, ao longo do tempo e de acordo com as evoluções da sociedade, passou-se a reconhecer expressamente as entidades formadas de outra forma, dentre as quais a união estável. E, mesmo diante da determinação constitucional de proteção estatal a todas as formas de entidades familiares, o Código Civil de 2.002 configurou verdadeiro retrocesso, revogando as Leis n° 8.971/94 e n° 9.278/96, que já garantiam os direitos sucessórios dos companheiros, e determinando aos companheiros outros direitos menos vantajosos do que aqueles conferidos aos cônjuges.
Dessa forma, o relator entendeu haver uma hierarquização entre as modalidades de família no Código Civil, violando princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade, como vedação à proteção deficiente, e da vedação ao retrocesso. Por essa razão e por maioria dos votos, com o fim de reconhecer a inconstitucionalidade do Artigo 1.790 do Código Civil e declarar o direito do companheiro a participar da herança, acordaram os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em fixar tese para fins de repercussão geral, nos seguintes termos:
É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002. (RE 878694 RG, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 16/04/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 18-05-2015 PUBLIC 19-05-2015)
Isto posto, no que diz respeito a violação dos princípios constitucionais, o argumento utilizado pelo Relator foi de que, no que concerne a desequiparação entre os cônjuges e companheiros, o Código Civil estaria retrocedendo o avanço igualitário que havia sido produzido por lei, após a Constituição Federal de 1.988, concluindo que essa distinção é incompatível com o dever de proteção igualitária à família e com o princípio da dignidade da pessoa humana.
O Ministro Luís Roberto Barroso, explica que a dignidade humana identifica o valor intrínseco e a autonomia dos indivíduos ao fazer as suas escolhas, logo quando se coloca o companheiro em posição de inferioridade em relação ao cônjuge, afirma que o companheiro tem valor intrínseco menor que o do cônjuge, e quando se limita a autonomia das pessoas de escolherem entre casamento ou união estável, restringe indevidamente o exercício dessa autonomia.
Portanto, entende-se que todos os seres humanos são iguais perante a lei, e em razão disso, merecem respeito e tratamento igualitário, sem ter em conta sua raça, sexo, ou até mesmo a sua escolha para constituição de família. Assim sendo, o Estado deve garantir igual proteção independentemente da estrutura familiar estabelecida.
3. DIREITO A LEGÍTIMA
O Código Civil em seu Artigo 1.786, expõe duas modalidades de sucessão, legitima e testamentária, sendo a sucessão legitima aquela prevista em lei e a sucessão testamentária a que decorre por disposição de última vontade. No teor do Artigo 1.788 do Código Civil, sobressai a sucessão legítima, caso o de cujus não deixe testamento, ou se este caducar ou ser julgado nulo, transmitindo então a herança aos herdeiros legítimos.
Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo. (BRASIL,2002)
Entende-se por Herdeiros Legítimos os mencionados no Artigo 1.829 do Código Civil, quais sejam: os descendentes, os ascendentes, o cônjuge e os colaterais.
Por Herdeiros Necessários, entende-se aquela classe de sucessores (descentes, ascendentes e cônjuge) que, por força da lei, é reconhecida a metade dos bens da herança, a denominada parte legítima (50%). Por exemplo, se “Y” morre e deixa dois filhos, a parte legitima (metade da herança), tocará necessariamente a esses herdeiros, podendo em vida, o testador, se assim for sua vontade, testamentar a outra parte disponível.
3.1 . Direito dos Companheiros figurarem como Herdeiros Necessários – análise do artigo 1.790 do Código Civil à luz da Constituição Federal
Como já dito, nossa Carta Magna ampliou a concepção de família, inserindo aquelas constituídas por união estável, além disso garantiu proteção estatal de forma extensiva para todos os gêneros de família, devendo ressaltar que tal proteção deve ser igualitária.
Observado esses pressupostos, ao interpretar o Artigo 1.790 do Código Civil à luz do Artigo 226 da Constituição Federal entende-se que não é legítimo qualquer diferenciação entre os institutos familiares, logo, não há que se falar em hierarquização, todas devem ser tratadas da mesma forma.
Assim sendo, com a decisão do Recurso Extraordinário n° 878.694 já supra analisado, chegou-se ao entendimento de que o mais correto seria igualar os regimes sucessórios dos cônjuges aos companheiros, a fim de extinguir o tratamento distinto previsto no Artigo 1.790, do Código Civil, motivo pelo qual o referido artigo foi declarado inconstitucional.
A razão é que, após a mencionada decisão do STF ficou determinado que os companheiros seriam inclusos no rol do Artigo 1.829 do Código Civil, sendo igualados ao mesmo regime dos cônjuges, entretanto, o dispositivo decisório não se manifesta a respeito dos demais artigos que regem a sucessão dos cônjuges, sendo uma delas o direito a legitima, os chamados herdeiros necessários.
Neste aspecto, é de fundamental importância que, para igualar os institutos, todas as normas que garantem proteção ao cônjuge devem ser estendidas aos companheiros, vez que, se assim não ocorrer, o companheiro ainda permanecerá em posição inferior em relação ao cônjuge.
Por isso, em concordância com os princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana, os companheiros devem estar inseridos no rol do Artigo 1.845 do Código Civil, dos Herdeiros Necessários, o que lhes assegurará o Direito à legítima, como já ocorre com os cônjuges, ou seja, o Estado estará ampliando, a proteção necessária para garantir amparo às famílias formadas pela união estável.
Todavia, enquanto tal alteração legislativa não ocorre, cumpre ao judiciário pacificar a matéria com o fito de que o companheiro não permaneça em situação de desigualdade em relação ao cônjuge, o que poderá se dar a partir de uma ampliação da tese de repercussão geral firmada pelo Supremo Tribunal Federal no já citado Recurso Extraordinário nº 878.684, com o propósito de incluir os companheiros em todos os dispositivos legais que versem sobre a sucessão hereditária do cônjuge, sobretudo os que tratam do Direito à legítima.
CONCLUSÃO
Verifica-se a necessidade de incluir os companheiros no rol de herdeiros necessários, à luz do dever constitucional de se garantir igualdade entre ambas entidades familiares, casamento e união estável. A partir da decisão sob exame, a tese exposta no julgamento do Recurso Extraordinário n° 878.694 pela Suprema Corte é pela supremacia do princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Note-se que na decisão, embora tenham declarado a inconstitucionalidade da distinção, incluíram os companheiros apenas no artigo que trata da Sucessão Legítima, não se manifestando acerca dos demais normas que regem a sucessão dos cônjuges.
Posto isto, tornou-se imperioso o reconhecimento dos companheiros como Herdeiros Necessários, o que lhes assegurará o Direito à legítima, ou seja, o Estado estará ampliando a proteção necessária para garantir amparo às famílias formadas pela união estável, assim como já ocorre para os cônjuges. Além disso, depreende-se que se não houver real equiparação dos regimes sucessórios entre os cônjuges e companheiros, o Estado estará afirmando que uma entidade familiar é inferior as outras.
Ademais, a união estável é forma legítima de arranjo familiar, legitimada pela Constituição Federal de 1.988, razão pela qual deve ser protegida nas mesmas condições do casamento, garantindo, então, o direito de igualdade entre as entidades familiares.
Assim sendo, entende-se como legítima e necessária a inclusão dos companheiros tanto no rol dos herdeiros necessários, quanto nos demais artigos que versem sobre o Direito Sucessório dos cônjuges, garantindo-lhes, assim, uma equiparação capaz de conceder proteção isonômica entre todas as entidades familiares, conforme estabelece a Carta Cidadã de 1.988.
REFERÊNCIAS
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[1] Professora universitária da Faculdade Serra do Carmo- FASEC, Mestranda em direito constitucional econômico pela Unialfa (2021-2023). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus (2013). E-mail: [email protected]
[2] Regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão.
[3] Regula o § 3° do art. 226 da Constituição Federal.
[4] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-fev-05/machado-andrade-gugu-conceito-atual-familia
Artigo publicado em 17/06/2021, e republicado em 29/10/2024
Graduada do curso de Direito na Faculdade Serra do Carmo- FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, Mariana Sales. Companheiros como herdeiros necessários: inconstitucionalidade do Artigo 1.790 do Código Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 out 2024, 04:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56799/companheiros-como-herdeiros-necessrios-inconstitucionalidade-do-artigo-1-790-do-cdigo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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