RESUMO: A utilização da ação de falência como último recurso do credor para receber seu crédito tem se tornado tendência, principalmente diante de uma execução frustrada. No entanto, nessas demandas, há dificuldade de aplicação das regras atinentes à remuneração do administrador judicial. No âmbito jurisprudencial, há consolidação quanto à possibilidade de impor ao autor da demanda que preste caução apta a garantir a remuneração do administrador judicial. Todavia, há divergência em relação à implementação prática dos tetos previstos no artigo 24, §§ 1º e 4º, da Lei nº 11.101/2005. Ao se analisar atentamente os critérios estabelecidos pelas referidas normas, depreende-se que são inaplicáveis nas ações de falência ajuizadas por credor, como regra, por não estarem disponíveis informações acerca dos bens do devedor ou da totalidade das suas dívidas.
Palavras-Chaves: Falência. Administrador Judicial. Remuneração. Responsabilidade. Limites.
ABSTRACT: The use of bankruptcy action as a last resort for the creditor to receive their credit has become a trend, especially in the face of a failed execution. However, in these demands, there is difficulty in applying the rules relating to the remuneration of the trustee. In the field of jurisprudence, there is consolidation as to the possibility of imposing on the plaintiff to provide a guarantee able to guarantee the remuneration of the judicial administrator. However, there is divergence in relation to the practical implementation of the ceilings provided for in article 24, §§ 1 and 4, of Law 11.101/2005. By carefully analyzing the criteria established by the aforementioned standards, it appears that they are inapplicable in bankruptcy actions filed by a creditor, as information about the debtor's assets or all of his debts is not available.
Keywords: Bankruptcy. Trustee. Remuneration. Responsibility. Limits.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo abordar a ação de falência ajuizada por credor que teve frustrada execução de título executivo extrajudicial ou cumprimento de sentença, utilizando este meio como última ferramenta de cobrança, bem como seu desenvolvimento, principalmente no tocante à nomeação do administrador judicial, ao valor limite da sua remuneração e à responsabilidade pelo pagamento.
A tese deverá necessariamente perpassar pela análise do instituto da falência, sua finalidade e a possibilidade de ser requerida diante de uma execução frustrada.
Posteriormente, será necessário realizar uma análise acerca do procedimento da falência e da necessidade de nomeação de um administrador judicial.
Nesse momento, inevitavelmente surgem vários questionamentos: quem é o responsável pelo pagamento da remuneração do administrador judicial? Qual o valor da sua remuneração? Há um limite a essa remuneração? Qual a consequência de aplicar um limite à remuneração do administrador nas hipóteses em que a ação é ajuizada pelo credor?
Responder estes questionamentos é de suma importância, mormente porque vários advogados começaram a vislumbrar a ação de falência como um recurso na cobrança de crédito não pago, ensejando várias demandas judiciais nesse sentido. Trata-se de nova tendência na prática forense e que deve obter resposta do Poder Judiciário, tendo em vista o princípio da inafastabilidade da jurisdição.
2 DA FALÊNCIA
A falência consiste na liquidação forçada do patrimônio do devedor empresário. A falência também pode ser concebida como uma execução coletiva, cuja finalidade é concretizar a igualdade entre esses credores. Ainda é importante mencionar que a falência, enquanto situação jurídica, decorre de decisão judicial, sendo, portanto, indispensável a atuação do Poder Judiciário nessa liquidação forçada.
Cumpre esclarecer que falência não significa necessariamente insolvência econômica, ou seja, é passível de ser decretada ainda que o empresário possua dívidas inferiores ao total do seu patrimônio. O estado falimentar decorre, desse modo, de insolvência jurídica, que significa a presença de uma das hipóteses previstas no artigo 94, da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falência e Recuperação Judicial). Nesse sentido, é o ensinamento de Tomazette (2017, p. 376):
Além da legitimidade passiva específica, exige-se a insolvência do devedor empresário, isto é, um estado de fato que denote a impossibilidade de cumprimento das obrigações. A insolvência aqui é jurídica, isto é, ela decorre do enquadramento em uma das hipóteses legalmente previstas e não econômica. Para fins de falência não se exige que o patrimônio do devedor seja menor que suas dívidas, mas que ele se enquadre em alguma das hipóteses legais de insolvência jurídica.
A acepção de execução coletiva e universal da falência decorre da sua caracterização como liquidação forçada, cuja finalidade é a satisfação dos créditos dos credores, de forma igualitária. Reforça-se que a igualdade na falência consiste, na verdade, em isonomia, pois se funda na premissa de “tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual”. Diante desse objetivo nobre da falência, surge o princípio da par conditio creditorum, explicado por Tomazette (2017, p. 374) nos seguintes termos:
5.1 Igualdade entre os credores
A falência é um processo de execução coletiva contra o devedor empresário e, nessa condição, ela visa ao pagamento de todos os credores e não apenas de alguns. Como raramente haverá recursos suficientes para o pagamento de todos, o processo de falência organiza os credores em classes e efetua o pagamento de acordo com uma ordem de importância. A ideia é dar um tratamento melhor a quem merece mais proteção, evitando uma situação de desigualdade entre os credores.
Quem passa por uma crise econômico-financeira raramente consegue pagar todos os seus credores. Em razão disso, é comum que os empresários em crise optem pelo pagamento de certos credores, deixando outros sem receber. De outro lado, os credores não pagos tendem a tomar as medidas necessárias para a satisfação do seu crédito, mas apenas os mais ágeis tendem a ter sucesso. Em última análise, a tendência normal é que alguns credores recebam e outros fiquem insatisfeitos, sem um critério para saber quais serão pagos ou não.
A falência, ao instituir uma execução coletiva, tenta afastar essa desigualdade, impondo um tratamento igualitário entre os credores. Esse tratamento igualitário não significa que todos os credores terão o mesmo tratamento, mas que os credores em situação igual terão o mesmo tratamento e os credores em situação desigual terão tratamento desigual. Nesse sentido, não pode ocorrer o pagamento de um credor quirografário e não o de outro credor quirografário. De outro lado, é possível ocorrer o pagamento de um crédito trabalhista sem o pagamento de credores quirografários. Em suma, credores da mesma espécie terão o mesmo tratamento e credores de espécies distintas terão tratamento distinto.
Fala-se em aplicação da par conditio creditorum, no sentido de que todos os credores terão direitos iguais no processo de falência, ressalvadas as preferências estabelecidas pela legislação. Do mesmo modo, todos os credores suportarão os prejuízos decorrentes da falência do devedor. Não há um nivelamento entre os credores, mas um tratamento adequado às peculiaridades de cada um, buscando alcançar, na medida do possível, o tratamento mais justo dos credores diante da crise.
E, como dito, a falência somente pode ser decretada por decisão judicial, isto porque se trata de medida drástica e que requer o controle pelo Estado.
Os róis de hipóteses de cabimento da ação de falência e de legitimados são bastante amplos, de modo a existir inúmeros motivos que justificam a decretação da falência de um empresário, englobando inclusive a iniciativa por credor que não teve seu crédito adimplido, observados certos requisitos. A propósito, menciona-se o teor dos artigos 94 e 97, caput e incisos, da Lei nº 11.101/2005:
Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;
III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;
b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.
Art. 97. Podem requerer a falência do devedor:
I – o próprio devedor, na forma do disposto nos arts. 105 a 107 desta Lei;
II – o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante;
III – o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade;
IV – qualquer credor.
Em atenção à importância da manutenção da atividade empresarial, pode o devedor utilizar-se do denominado depósito elisivo, nas hipóteses em que cabível, de modo a evitar a falência.
Adentrando ao processo de falência, é possível verificar três fases: pré-falimentar, falimentar e pós-falimentar: A primeira inicia-se com o requerimento ou eventual pedido de recuperação judicial e se estende até a sentença que decreta a falência. A segunda consiste na apuração dos ativos e passivos, a realização do ativo e, finalmente, o pagamento dos credores. Ainda nessa fase se inclui prestação de contas e outras medidas complementares. A terceira fase abrange alguns efeitos da falência, como a inabilitação do falido para a atividade empresarial ou a declaração de extinção das obrigações do falido.
Para o correto desenvolvimento da falência, sobretudo na fase mais relevante - falimentar -, é indispensável a participação de outros sujeitos processuais, sendo imperiosa a nomeação do administrador judicial.
3 DO ADMINISTRADOR JUDICIAL E DA SUA REMUNERAÇÃO
O administrador judicial é indispensável para a falência, sem o qual não é alcançada sua finalidade, pois lhe compete, dentre outras atribuições: apurar os ativos e passivos; elaborar a relação de credores; disponibilizar os livros e documentos do falido; relacionar os processos e assumir a representação judicial e extrajudicial, incluídos os processos arbitrais, da massa falida; avaliar os bens arrecadados; praticar todos os atos conservatórios de direitos e ações; diligenciar a cobrança de dívidas e dar a respectiva quitação; realizar o ativo, dar continuidade provisória da atividade empresária; e prestar contas.
Assim, é possível dizer que a nomeação do administrador judicial é pressuposto de desenvolvimento do processo de falência, de modo que a não atuação desse sujeito processual enseja a extinção do processo sem julgamento do mérito.
Acerca da atuação do administrador judicial, urge mencionar os destaques feitos por Fábio Ulhoa (2021, livro eletrônico sem indicação de páginas):
73. Perfil do administrador judicial
O administrador judicial (que pode ser pessoa física ou jurídica) é o agente auxiliar do juiz que, em nome próprio (portanto, com responsabilidade), deve cumprir com as funções cometidas pela lei. Além de auxiliar do juiz na administração da falência, o administrador judicial é também o representante da comunhão de interesses dos credores (massa falida subjetiva), na falência. Exclusivamente para fins penais, o administrador judicial é considerado funcionário público. Para os demais efeitos, no plano dos direitos civil e administrativo, ele é agente externo colaborador da justiça, da pessoal e direta confiança do juiz que o investiu na função.
(...)
74. Competência do administrador judicial na falência
De um modo geral, cabe ao administrador judicial auxiliar o juiz na administração da falência e representar a comunhão dos interesses dos credores. Como auxiliar do juiz, ele deve-se manifestar nos autos sempre que determinado, bem como tomar a iniciativa de propor medidas úteis ao bom andamento do processo falimentar. Como representante legal da comunhão dos interesses dos credores, deve administrar os bens da massa visando obter a otimização dos recursos disponíveis.
Sua missão consiste em procurar maximizar o resultado da realização do ativo. Quanto mais dinheiro ingressar na conta da massa falida em função da cobrança dos devedores e venda dos bens do falido, maiores serão os recursos disponíveis para o pagamento dos credores. Esse objetivo – otimização dos recursos da massa – norteia a atuação do administrador judicial e, portanto, também a avaliação do seu desempenho.
Na administração dos interesses comuns dos credores, o administrador judicial não goza de absoluta autonomia. Além de estar obrigado a prestar contas de todos os seus atos, deve requerer a autorização judicial previamente à adoção de algumas medidas de crucial importância para a falência. A contratação de profissionais e auxiliares, por exemplo, só vincula a massa quando autorizada pelo juiz, que aprova também a remuneração. Se o administrador judicial contratar alguém para o assessorar ou ajudar no desempenho de suas atribuições sem solicitar antes a autorização do juiz, é exclusivamente ele (e nunca a massa falida) o responsável pelo pagamento do profissional ou auxiliar. Outro exemplo: o administrador judicial não pode transigir sobre créditos e negócios da massa falida nem conceder desconto ou abatimento, ainda que seja o crédito de difícil cobrança, a não ser que esteja previamente autorizado pelo juiz (ouvido o Comitê e o falido).
Além das hipóteses legais que expressamente limitam a autonomia do administrador judicial, porém, tem ele poderes para fazer o que considerar do interesse da comunhão dos credores.
Ao lado das atribuições gerais de auxiliar do juiz e representante legal da massa falida, ao administrador judicial cabe especificamente, entre outros deveres fixados na lei: a) avisar, pelo Diário Oficial, o lugar e hora em que, diariamente, os credores poderão examinar livros e documentos do falido; b) examinar a escrituração da falida, em busca de indícios de irregularidades; c) relacionar, nos autos, as ações em curso de interesse da massa, assumindo sua representação processual; d) receber e abrir a correspondência endereçada ao falido; e) apresentar seu relatório sobre as causas da falência, com indicação das responsabilidades civis e penais que identificar; f) arrecadar e avaliar os bens da falida; g) arrecadar os livros e documentos da falida; h) proceder à realização do ativo e pagamento do passivo, na forma da lei; i) elaborar o Plano de Realização de Ativo (PRA); j) requerer medidas e diligências necessárias ao cumprimento da legislação falimentar, proteção dos interesses da comunhão dos credores ou eficiência da administração da massa.
(...)
77. Indelegabilidade da função
A função do administrador judicial é indelegável. Isso significa que ele não pode transferir para ninguém, no todo ou em parte, a tarefa que legalmente lhe foi reservada. Mesmo quando ele é pessoa jurídica especializada, o profissional indicado para responder pela função não pode transferir qualquer incumbência a outrem. Não pode fazê-lo ainda que delegue a função para outro profissional vinculado à mesma pessoa jurídica nomeada administradora judicial.
Para a atuação do administrador judicial, é essencial que seja fixado o valor da sua remuneração, cujo encargo compete ao devedor ou à massa falida, consoante estabelece o artigo 25, da Lei nº 11.101/2005, verbis: Caberá ao devedor ou à massa falida arcar com as despesas relativas à remuneração do administrador judicial e das pessoas eventualmente contratadas para auxiliá-lo.
O artigo 24, da Lei nº 11.101/05, por sua vez, estabelece os parâmetros para arbitramento do valor da remuneração do administrador judicial, senão vejamos:
Art. 24. O juiz fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração do administrador judicial, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes.
§ 1º Em qualquer hipótese, o total pago ao administrador judicial não excederá 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda dos bens na falência.
§ 2º Será reservado 40% (quarenta por cento) do montante devido ao administrador judicial para pagamento após atendimento do previsto nos arts. 154 e 155 desta Lei.
§ 3º O administrador judicial substituído será remunerado proporcionalmente ao trabalho realizado, salvo se renunciar sem relevante razão ou for destituído de suas funções por desídia, culpa, dolo ou descumprimento das obrigações fixadas nesta Lei, hipóteses em que não terá direito à remuneração.
§ 4º Também não terá direito a remuneração o administrador que tiver suas contas desaprovadas.
§ 5º A remuneração do administrador judicial fica reduzida ao limite de 2% (dois por cento), no caso de microempresas e de empresas de pequeno porte, bem como na hipótese de que trata o art. 70-A desta Lei.
Estas diretrizes são plenamente aplicáveis quando a ação de falência é ajuizada pelo próprio devedor ou decorre da conversão da ação de recuperação judicial. Todavia, quando a demanda é de iniciativa de algum credor há óbices à aplicação irrestrita desses parâmetros, o que será explorado no tópico a seguir.
4 DA REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL E DA FLEXIBILIZAÇÃO DOS PARÂMETROS
4.1 DA INVERSÃO DA RESPONSABILIDADE PELA REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL
Como visto, o pagamento da remuneração do administrador judicial cabe ao devedor ou à massa falida.
Ocorre que se verifica na atualidade da prática forense que diversos credores têm se utilizado da ação de falência como última alternativa ao recebimento do seu crédito. Assim, diante de uma execução frustrada, muitas vezes pelo encerramento irregular da atividade empresarial do devedor, o credor pede a falência do devedor, como forma de alcançar o pagamento do seu crédito.
Esta alternativa é criativa, além de encontrar fundamento no ordenamento jurídico, especificamente no artigo 94, inciso II, da Lei nº 11.101/05: Será decretada a falência do devedor que executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal.
Entretanto, há uma dificuldade fática já esperada – o devedor não comparece ao processo de falência, pois, por vezes, encontra-se inativo. Diante desse panorama, o devedor não realiza o pagamento da remuneração devida ao administrador judicial e, naturalmente, a ação de falência fica travada. Na prática, nem se o juiz adotar uma postura mais enérgica, como bloqueio em conta bancária, não será possível localizar numerário para arcar com esta despesa, porquanto o devedor chegou à ruína, não havendo sequer a formalização do encerramento das suas atividades. Destaque-se que medidas constritivas são realizadas à exaustão na ação de execução individual, antes do ajuizamento da ação de falência.
O Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de enfrentar a questão e, adotando uma solução pragmática, determina a inversão, ao menos provisória, da responsabilidade pelo pagamento da remuneração do administrador judicial, imputando ao credor o dever de prestar caução para garantir o pagamento da referida verba honorária. A propósito, são citados julgados ilustrativos dessa solução:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE FALÊNCIA. REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL. CAUÇÃO. DESPESA PROCESSUAL. POSSIBILIDADE DE ATRIBUIR TAL ÔNUS AO REQUERENTE DA FALÊNCIA. 1. Ação ajuizada em 20/7/2016. Recurso especial interposto em 8/5/2018. Autos conclusos ao Gabinete em 12/12/2018. 2. O propósito recursal é decidir se é possível exigir de credor de sociedade em processo de falência que caucione os honorários do administrador judicial. 3. Ante a fase inicial de incerteza acerca da suficiência dos bens a serem arrecadados para cobrir as despesas processuais e as demais obrigações da massa falida, aliado ao fato de não ter sido encontrada a empresa devedora, cuja citação ocorreu por edital, constitui medida hígida a exigência de que o credor caucione os honorários do administrador judicial. Precedente. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. (REsp 1784646/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/06/2019, DJe 07/06/2019)
RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA. NOMEAÇÃO DE ADMINISTRADOR JUDICIAL. CAUÇÃO DA REMUNERAÇÃO. RESPONSABILIDADE. ART. 25 DA LEI nº 11.101/2005. EFEITO SUSPENSIVO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Inviável a apreciação do pedido de efeito suspensivo a recurso especial feito nas próprias razões do recurso. Precedentes. 2. O art. 25 da Lei nº 11.101/2005 é expresso ao indicar o devedor ou a massa falida como responsável pelas despesas relativas à remuneração do administrador judicial. 3. Na hipótese, o ônus de providenciar a caução da remuneração do administrador judicial recaiu sobre o credor, porque a empresa ré não foi encontrada, tendo ocorrido citação por edital, além de não se saber se os bens arrecadados serão suficientes a essa remuneração. 4. É possível a aplicação do art. 19 do Código de Processo Civil ao caso em apreço, pois deve a parte litigante agir com responsabilidade, arcando com as despesas dos atos necessários, e por ela requeridos, para reaver seu crédito. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1526790/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 28/03/2016) (grifos nossos)
Ademais, a aplicação do artigo 82, § 1º, Código de Processo Civil de 2015, possibilita a resolução da questão. Veja-se:
Art. 82. Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título.
§ 1º Incumbe ao autor adiantar as despesas relativas a ato cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público, quando sua intervenção ocorrer como fiscal da ordem jurídica.
§ 2º A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou. (grifo nosso)
Destaque-se que o Código de Processo Civil, por força do seu artigo 15, constitui norma geral do processo brasileiro, aplicando-se subsidiariamente aos demais processos.
Portanto, é inegável que, diante dos aspectos do caso concreto que ensejem dificuldade em aplicar o artigo 25, da Lei nº 11.101/05, que impõe ao devedor a responsabilidade pelo pagamento da remuneração do administrador judicial, deve haver a inversão, recorrendo-se ao artigo 82, § 1º, Código de Processo Civil de 2015, para atribuir este ônus ao autor, inclusive por configurar pressuposto processual para o desenvolvimento da ação de falência.
É importante ressaltar que a minirreforma falencial e recuperacional promovida pela Lei nº 14.112/2020 não resolveu este impasse, motivo pelo qual se continua a aplicar a solução dada pelo Superior Tribunal de Justiça.
4.2 DA FLEXIBILIZAÇÃO DO TETO DA REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL
Por outro lado, o artigo 24, §§ 1º e 5º, da Lei nº 11.101/2005, estabelece um teto para a remuneração do administrador de 5% do valor de venda dos bens na falência, cujo percentual é reduzido para 2% no caso de microempresas, de empresas de pequeno porte e de produtor rural. Veja-se:
Art. 24. O juiz fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração do administrador judicial, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes.
§ 1º Em qualquer hipótese, o total pago ao administrador judicial não excederá 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda dos bens na falência.
(...)
§ 5º A remuneração do administrador judicial fica reduzida ao limite de 2% (dois por cento), no caso de microempresas e de empresas de pequeno porte, bem como na hipótese de que trata o art. 70-A desta Lei.
A norma possui claramente duas finalidades: limitar a remuneração do administrador judicial, de modo a dar maior eficácia ao adimplemento das dívidas; permitir a utilização dos mecanismos da falência e principalmente da recuperação judicial por empresários que naturalmente possuem maiores dificuldades – microempresas, empresas de pequeno porte e produtores rurais.
No entanto, estas finalidades se perdem nas ações de falência ajuizadas por credor. Primeiro porque não é possível verificar, prima facie, o valor dos bens do devedor, já que estes foram insistentemente buscados na execução movida anteriormente pelo credor, mas não localizados. Segundo porquanto a única informação costumeiramente apresentada pelo credor é o valor do seu crédito.
Nessas situações, os credores têm requerido que se utilize como base de cálculo do percentual de 2 ou 5% o valor do seu crédito, enquanto os juízes têm optado por fixar a caução da remuneração do administrador em valor que seja suficiente para encontrar alguém que assuma o encargo.
Diante desse dilema, observa-se verdadeira divergência no âmbito dos Tribunais. Utilizando o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, pinçam-se julgados que demonstram o dissenso, sendo os dois primeiros no sentido de ser possível ultrapassar os tetos previstos e os dois últimos adotando entendimento mais literal:
APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE FALÊNCIA. DETERMINAÇÃO DE EMENDA. DEPÓSITO DA REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL. NÃO ATENDIDA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DEVIDA. FIXAÇÃO DA REMUNERAÇÃO. EXCESSO. INOCORRENCIA. 1. Para exercer suas atribuições, ao administrador é devida uma remuneração, nos termos do artigo 24 da Lei nº 11.101/05, que deverá ser custeada pela massa falida, consoante disposto no artigo 25 da supracitada norma legal. 2. Em situações excepcionais, em que há suspeita de que a massa falida não terá condições sequer de arcar com o valor da remuneração do administrador judicial, exige-se do credor que pleiteia a decretação da quebra que antecipe o valor daquela remuneração, mediante caução a ser prestada nos autos. 2.1. Compulsando os autos, restou verificado que a hipótese dos autos se enquadra na referida exceção, já que, segundo o próprio demandante/apelante na exordial, a expedição da Certidão de Crédito se deu em razão do esgotamento de todos os meios de busca para satisfazer o crédito almejado. 3. Para o arbitramento da remuneração do administrador judicial, devem ser observados a capacidade de pagamento do devedor, grau de complexidade do trabalho, bem como os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes. 4. Em casos especiais, notadamente quando verificado que o valor cobrado é de pouca monta, a remuneração do administrador judicial pode ser fixada acima dos limites estabelecidos no art. 24, §§ 1º e 5º, da Lei de Falência, 11.101/2005. 5. Na espécie, considerando que o valor do crédito buscado na presente demanda remete-se à quantia de R$ 1.417,33, de fato, a fixação da remuneração do administrador judicial em 2% do valor do débito é irrisória e não atende a complexidade do trabalho desenvolvido. 6. Recurso conhecido e desprovido. (Acórdão 1331322, 07079873420208070015, Relator: GISLENE PINHEIRO, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 7/4/2021, publicado no DJE: 19/4/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
APELAÇÃO CIVIL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE FALÊNCIA. HONORÁRIOS DO ADMINISTRADOR JUDICIAL. CAUÇÃO. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. Nos termos do art. 25 da Lei 11.101/2005 (Lei de Falência e Recuperação Judicial), "caberá ao devedor ou à massa falida arcar com as despesas relativas à remuneração do administrador judicial e das pessoas eventualmente contratadas para auxiliá-lo". 2. Em interpretação do art. 25 da Lei 11.101/2005, o Superior Tribunal de Justiça entende ser possível impor ao credor a obrigação de adiantar as despesas relativas à remuneração do administrador judicial (caução), nos casos em que a pessoa jurídica não for encontrada ou quando existirem dúvidas se os bens a serem arrecadados serão suficientes para arcar com a dívida. 3. Ausente parâmetro legal ou jurisprudencial quanto ao arbitramento da caução, mostra-se cabível arbitrar o valor de acordo com critérios de razoabilidade e de proporcionalidade. Precedentes deste Tribunal. 4. Deu-se parcial provimento ao recurso. (Acórdão 1320048, 07213294920198070015, Relator: ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 18/2/2021, publicado no DJE: 17/3/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE FALÊNCIA. REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL. ATRIBUIÇÃO DO ÔNUS AO CREDOR. DEPÓSITO CAUÇÃO. VALOR SUPERIOR AO CRÉDITO. TETO. SUBMISSÃO. DEMONSTRATIVO ATUALIZADO DO CRÉDITO. ORDEM DE EMENDA. NÃO CUMPRIMENTO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. 1. Nas ações de falência, na impossibilidade de apuração de bens em nome do devedor, bem como do valor total de venda, cabe ao credor interessado arcar com a remuneração do administrador judicial. Precedentes. 2. Desproporcional a fixação da remuneração do administrador judicial em valor superior ao do crédito, devendo observar o julgador os parâmetros estabelecidos no artigo 24, da Lei nº 11.101/2005. Deste modo, tratando-se de microempresas e empresas de pequeno porte, a remuneração fica reduzida ao limite de 2% (dois por cento) do valor devido ao credor. 3. Não cumprida a determinação de emenda para atualizar o valor do crédito, objeto do pedido, cabível o indeferimento da petição inicial. 4. Apelação conhecida e não provida. (Acórdão 1281963, 07100116920198070015, Relator: FÁBIO EDUARDO MARQUES, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 9/9/2020, publicado no DJE: 29/9/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE FALÊNCIA. DETERMINAÇÃO DE EMENDA. DEPÓSITO DA REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL. NÃO ATENDIDA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. INDEVIDA. FIXAÇÃO DA REMUNERAÇÃO ESTABELECIDA PELO ARTIGO 24 DA LEI N. 11.101/2005. EXCESSO VERIFICADO. RECURSO PROVIDO. 1. Para exercer suas atribuições, ao administrador é devida uma remuneração, nos termos do artigo 24 da Lei nº 11.101/05, que deverá ser custeada pela massa falida, consoante disposto no artigo 25 da supracitada norma legal. 2. Em situações excepcionais, em que há suspeita de que a massa falida não terá condições sequer de arcar com o valor da remuneração do administrador judicial, exige-se do credor que pleiteia a decretação da quebra que antecipe o valor daquela remuneração, mediante caução a ser prestada nos autos. 3. Para o arbitramento da remuneração do administrador judicial, devem ser observados a capacidade de pagamento do devedor, grau de complexidade do trabalho, bem como os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes. Além do mais, esta fixação é limitada a 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores. 4. Restando caracterizado que a remuneração do administrador judicial arbitrada pelo juízo a quo excede o limite determinado no artigo 24 da Lei nº 11.101/05, a cassação da sentença que indeferiu a petição inicial é medida que se impõe, devendo o feito ter regular prosseguimento na origem. 5. Recurso provido. (Acórdão 1257385, 07312540620188070015, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 17/6/2020, publicado no DJE: 2/7/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.) (grifos nossos)
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça aplicou o teto previsto no artigo 24, § 5º, da Lei nº 11.101/2005, mas foi em relação a recuperação judicial, senão vejamos:
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. MICRO EMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE. REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL. INCIDÊNCIA DO ART. 24, § 5º, DA LEI N. 11.101/2005 INDEPENDENTEMENTE DA OPÇÃO PELA ADOÇÃO DO PLANO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO, PREVISTOS NOS ARTS. 70-72 DA LREF. A PROTEÇÃO NORMATIVA SE DÁ EM RAZÃO DA PESSOA DO DEVEDOR E NÃO DO RITO PROCEDIMENTAL ESCOLHIDO. 1. A remuneração do administrador judicial, valor e forma de pagamento, deverá ser fixada pelo magistrado, tendo-se como norte a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes, "em qualquer hipótese, o total pago ao administrador judicial não excederá 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda dos bens na falência" ficando a remuneração "reduzida ao limite de 2% (dois por cento), no caso de microempresas e de empresas de pequeno porte" (LREF, art. 24, §§ 1º e 5º). 2. A regra de limitação remuneratória teve o escopo de proteger eminentemente a pessoa jurídica que se enquadra nos requisitos legais da microempresa e da empresa de pequeno porte, ante o objetivo visado pelo legislador de proporcionar-lhes um tratamento favorecido, conforme comando do texto constitucional. 3. A remuneração do administrador judicial é categoria jurídica específica dotada de conteúdo normativo próprio e, por conseguinte, a eventual escolha do devedor pelo plano especial de recuperação judicial (LFRE, arts. 70-72), não pode ser tida como critério determinante a afastar a limitação de 2% imposta pela lei. 4. Recurso especial não provido. (REsp 1825555/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 11/06/2021)
E, como dito acima, faz todo o sentido aplicar os limites de remuneração do administrador judicial em sede recuperação judicial, pois, nesta hipótese, há uma postura ativa do devedor. Ademais, exigir um valor elevado poderia inviabilizar o soerguimento de microempresas, de empresas de pequeno porte e de produtores rurais.
Todavia, em se tratando de falência, mormente quando requerida por credor, não há maiores informações sobre bens do devedor, muito menos acerca do total das dívidas que possui. Utilizar como parâmetro uma única dívida (aquela que é apresentada como motivo da decretação da falência) é também, com certeza, desvirtuar o comando da Lei nº 11.101/2005, pois este não é parâmetro indicado pela norma.
Destaque-se que o artigo 24, § 1º, da Lei nº 11.101/2005, estabelece duas possíveis bases de cálculo para a remuneração do administrador judicial: valor devido aos credores, em relação à recuperação judicial; ou o valor de venda dos bens, na falência.
Ocorre que na falência requerida por credor, este apresenta apenas o valor de uma dívida. Não há informação acerca dos bens do devedor, que somente serão apurados adiante, com a atuação do administrador judicial. Portanto, este critério não é seguro na hipótese em análise.
Poderia se defender que seja utilizado como baliza o valor das dívidas do réu; contudo, também não se sabe qual é este montante, pois é apresentada no processo apenas um único crédito, o do autor. E, ainda que haja litisconsórcio de credores na forma do artigo 94, inciso I e § 1º, da Lei nº 11.101/2005, não será possível saber qual o total das dívidas, o que depende de verificação pelo administrador judicial.
Não obstante, várias dessas ações de falência são ajuizadas com base em dívidas proporcionalmente pequenas, como no supramencionado acórdão nº 1331322, prolatado pelo TJDFT, em que a demanda referia-se à quantia de R$1.417,33, de modo que a fixação da remuneração do administrador judicial em 2% resultaria no valor irrisório de R$28,35. Ora, evidentemente, esse montante (R$28,35) torna impossível, na prática, encontrar quem aceite assumir o encargo de administrador judicial, em especial pela complexidade e pela grande responsabilidade desse múnus público.
Além disso, a falência é o juízo universal de execução coletiva, no qual são reunidas todas as dívidas do falido. Utilizando como exemplo o caso analisado no acórdão nº 1331322, a dívida apresentada pelo autor, por certo, não é a única que o devedor possui. A experiência ordinária, em especial da realidade brasileira, denota que uma empresa, quando “quebra”, é porque possui diversas dívidas impagáveis. Dificilmente, uma empresa deixaria de funcionar por possuir uma dívida de apenas R$1.417,33.
Portanto, a utilização de uma única dívida como parâmetro para fixação da caução que deve ser prestada pelo autor para garantir a remuneração do administrador judicial não encontra respaldo na Lei nº 11.101/2005, muito menos permite que se encontre pessoa capaz de assumir o encargo, diante do valor insignificante arbitrado a título de remuneração.
Defende-se, assim, que se aplique o mesmo raciocínio adotado pelo Superior Tribunal de Justiça nos REsps 1784646/SP e REsp 1526790/SP, no sentido de que, “ante a fase inicial de incerteza acerca da suficiência dos bens a serem arrecadados para cobrir as despesas processuais e as demais obrigações da massa falida (...) constitui medida hígida a exigência de que o credor caucione os honorários do administrador judicial”, para permitir que se arbitre caução da remuneração do administrador judicial em valor adequado, razoável e proporcional, sem se prender aos percentuais de 2 ou 5%, mormente porque não há certeza acerca da base de cálculo a ser adotada.
De outro modo, restaria inviável o processamento da ação de falência, pois a nomeação de administrador judicial é pressuposto processual da demanda. Ademais, a responsabilidade pelo fornecimento de meios que garantam a presença do administrador, como o pagamento de remuneração justa e adequada, deve ser atribuída ao autor.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, inicialmente foi realizada uma análise acerca da falência e da sua finalidade, bem como das fases em que se desenvolve. Demonstrou-se que a presença do administrador judicial é pressuposto processual de desenvolvimento válido e regular da ação de falência, pois será o sujeito processual que dará concretude aos indispensáveis procedimentos atinentes às fases falimentar e pós-falimentar.
Realizou-se também estudo específico acerca das ações de falência ajuizadas por credor, pois nessa situação não há uma postura ativa do devedor; pelo contrário, por vezes, este sequer é localizado, por ter encerrado suas atividades irregularmente.
Após, foi explorado o entendimento jurisprudencial que permite relativizar a regra de que a remuneração do administrador judicial cabe ao devedor; de modo que, em situações nas quais não há certeza da existência de bens passíveis de serem realizados, compete ao autor depositar caução que garanta a atuação do administrador judicial. Defendeu-se, ainda, a aplicação subsidiária do artigo 82, do Código de Processo Civil de 2015.
Adiante, foi apresentada a existência de tetos para a remuneração do administrador judicial, previstos nos §§ 1º e 5º do artigo 24 da Lei 11.101/2005, e também foi contextualizada a dificuldade da sua aplicação nos casos em que a ação de falência é ajuizada por credor, o que tem gerado julgamentos pelos Tribunais em sentidos opostos.
Por último, apresentaram-se argumentos de ordem prática e jurídica para se defender a não aplicação dos limites previstos nos §§ 1º e 5º do artigo 24 da Lei nº 11.101/2005 nas hipóteses em que a ação de falência é iniciada por credor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 14 jul. 2021.
______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1825555/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 11/06/2021
______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1784646/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/06/2019, DJe 07/06/2019
______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1526790/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 28/03/2016
______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Acórdão 1331322, 07079873420208070015, Relator: GISLENE PINHEIRO, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 7/4/2021, publicado no DJE: 19/4/2021.
______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Acórdão 1320048, 07213294920198070015, Relator: ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 18/2/2021, publicado no DJE: 17/3/2021.
______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Acórdão 1281963, 07100116920198070015, Relator: FÁBIO EDUARDO MARQUES, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 9/9/2020, publicado no DJE: 29/9/2020.
______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Acórdão 1257385, 07312540620188070015, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 17/6/2020, publicado no DJE: 2/7/2020.
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de falências e de recuperação de empresas [livro eletrônico] /. -- 5. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2021.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Falência e recuperação de empresas, v. 3/ Marlon Tomazette. – 5. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017 [livro eletrônico]
Analista Judiciário - Assessor de Desembargador no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Graduado em Direito pelo Centro Universitário e Faculdade Projeção. Pós-graduado em Ordem Jurídica e Ministério Público pela FESMPDFT
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RONAN SEVERO DE ARAÚJO, . Remuneração do administrador judicial nos processos de falência ajuizados por credor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2021, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56852/remunerao-do-administrador-judicial-nos-processos-de-falncia-ajuizados-por-credor. Acesso em: 23 dez 2024.
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