RUBENS ALVES DA SILVA[1]
(orientador)
Resumo: O presente estudo teve por objetivo discorrer acerca das atribuições do Ministério Público, à luz do texto constitucional, na tutela dos interesses difusos, enquanto espécie dos interesses coletivos, descrevendo sua evolução histórica e principais conceitos, apresentando a legislação brasileira aplicável e os instrumentos administrativos e judiciais pertinentes ao tema em comento. Como objetivo subliminar procurou-se identificar em que circunstâncias se legitima a atuação do Ministério Público e os limites dessa intervenção na defesa dos interesses coletivos. Para tanto, procedeu-se com pesquisa bibliográfica, tomando como base os seguintes recursos: legislação, doutrina, jurisprudência dos tribunais superiores, além da apreciação de artigos publicados em periódicos, empregando-se o método indutivo, no intuito de fomentar uma contextualização efetiva acerca das informações colhidas das fontes de pesquisa. Findo o estudo, resta evidente a relevância da atuação do Ministério Público na defesa dos interesses difusos e, consequentemente, para toda a sociedade.
Palavras-chave: Papel. Ministério Público. Interesses Difusos.
Abstract: This study aimed to discuss the attributions of the Public Ministry, in light of the constitutional text, in the protection of diffuse interests, as a species of collective interests, describing its historical evolution and concepts, the Brazilian legislation applicable to the subject and the administrative and pertinent to the topic under discussion. As a subliminal objective, we tried to identify in which circumstances the action of the Public Ministry is legitimated and the limits of this intervention in the defense of collective interests. For this purpose, a bibliographic research was carried out, based on the following resources: legislation, doctrine, jurisprudence of higher courts, in addition to the appreciation of articles published in journals, using the inductive method, in order to foster an effective contextualization about information gathered from research sources. After the study, the relevance of the role of the Public Prosecutor's Office in defending diffuse interests and, consequently, for the whole society is evident.
Keywords: Function. Public ministry. Diffuse Interests.
Sumário: 1. Introdução; 2. A atuação do Ministério Público nas ações de interesses difusos; 2.1 Origem e evolução do Ministério Público no Brasil; 2.2 A legitimidade do Ministério Público para tutelar os interesses coletivos; 2.3 Dos direitos coletivos: considerações iniciais; 2.4 Interesses difusos: conceitos e definições; 2.5 O papel do Ministério Público na defesa dos interesses difusos; Considerações finais; Referências bibliográficas.
1. Introdução
O advento dos direitos sociais trazido pela redação da Constituição de 1988, suscitou uma demanda urgente por uma função estatal que cobrasse dos Poderes Públicos e dos particulares a concretização das garantias constitucionais de forma irrestrita aos residentes em território nacional.
Nesse contexto, o Ministério Público, uma instituição oficial, autônoma e independente, recebeu grande destaque na função jurisdicional do Estado, tendo suas competências efetivamente consagradas após a sanção da Constituição Federal, que além de discriminar suas funções nos artigos 127 ao 130, concedeu aos seus membros as mesmas prerrogativas dos juízes.
Dentre as diversas competências atribuídas pela Constituição da República ao MP, está a incumbência do referido órgão quanto à defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito, na defesa dos direitos e interesses sociais e individuais indisponíveis, além de zelar pela leal observância das leis e da Constituição, com vistas à proteção dos interesses da coletividade, mediante a propositura de Ação Civil Pública na defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, regulamentados no plano infraconstitucional.
Nos direitos coletivos stricto sensu, seus sujeitos são indeterminados, mas há como determiná-los por grupos; são direitos de pessoas ligadas por uma relação jurídica base entre si ou com a parte contrária. Da mesma forma, apresenta-se como um direito indivisível, pois não seria possível conceber tratamento diferenciado aos diversos interessados coletivamente, haja vista o compartilhamento de um direito em comum, gerado a partir de um mesmo fato ou ato jurídico (DAVID, 2019).
Por sua vez, os direitos difusos são espécies do gênero direito coletivo, aqueles que não podem ser atribuídos a um grupo específico de pessoas, por dizerem respeito a toda a sociedade, conforme disposto no inciso III do art. 129, da Carta Magna de 1988, no que diz respeito à promoção da ação civil pública para a proteção do patrimônio público, do meio ambiente e de outros interesses difusos.
Diante do presente exposto, para os fins propostos neste estudo, discorrer-se-á sobre o papel do Ministério Público no tocante à defesa dos direitos difusos, aqueles que, direta ou indiretamente, afetam a vida de toda a população, mediante pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial, com ênfase no instrumento processual denominado ação civil pública, utilizando-se como método de abordagem, o dedutivo.
2. A atuação do Ministério Público nas ações de interesses difusos
2.1 Origem e evolução do Ministério Público no Brasil
Muito embora as atribuições do MP tenham sido elencadas pela CF/88, diferentemente do que muitos imaginam, o processo de desenvolvimento do MP não teve início com a promulgação da Constituição de 1988, mas sim, durante o regime anterior, remontando ao ano de 1973, quando um novo Código do Processo Civil autorizou o MP a intervir em todos os processos nos quais o “interesse público” estivesse presente (ABRANTES, 2017).
Apesar de a intenção inicial da medida fosse a defesa dos interesses da administração pública, a formulação do art. 82 do CPC, de 1973 foi o elemento que permitiu ao MP a perspectiva de começar a explorar a ideia de que o interesse público não se restringia aos interesses do governo e de suas agências, mas dizia respeito aos interesses mais amplos da sociedade. Teve início ali a sua bem sucedida trajetória de separação do Poder Executivo e de afirmação como representante da sociedade, da qual a Constituição de 1988 é ponto de chegada e não de partida.
Considerando que a história completa do Ministério Público é demasiado extensa, afinal diversos autores dedicam-se a escrever livros completos sobre a história do Parquet no Brasil, pretende, apenas, elucidar os principais pontos que culminaram na formação do Ministério Público atual, já que a instituição é um produto da história brasileira.
A primeira Constituição do Brasil (1824), ainda no período imperial, não dispunha sobre a instituição do Ministério Público, destinando ao Procurador da Coroa e Soberania Nacional a tarefa de acusar nos juízos de crimes comuns. O artigo 48, incluído no capítulo referente ao Senado, no Título IV ‘Do Poder Legislativo’, menciona o seguinte: “No Juízo dos crimes, cuja acusação não pertence à Câmara dos Deputados, acusará o Procurador da Coroa e Soberania Nacional”.
Macedo Júnior (2021, p. s/p) salienta que somente com o Código de Processo Penal do Império de 1832 é dado tratamento sistemático ao Ministério Público: “Tal Código colocava o Promotor de Justiça como órgão da sociedade, titular da ação penal”.
Mais à frente, a Lei N° 261 de 3 de dezembro de 1841, que reformou o Código de Processo Criminal de 1832, dedicou todo um capítulo à Instituição, sob a rubrica Dos Promotores Públicos, trazendo em seus artigos 22 e 23, a função a eles atribuída:
Dos Promotores Públicos
Art. 22 – Os Promotores Públicos serão nomeados e demitidos pelo Imperador ou pelos Presidentes das províncias, preferindo sempre os Bacharéis formados, que forem idóneos, e servirão pelo tempo que convier. Na falta ou impedimento serão nomeados interinamente pelos Juízes de Direito.
Art. 23 – Haverá, pelo menos em cada Comarca um Promotor, que acompanhará o Juiz de Direito; quando, as circunstâncias exigirem, poderão ser nomeados mais de um. Os Promotores vencerão o ordenado que lhes for arbitrado, o qual, na Corte, será um conto e duzentos mil réis por ano, além de três mil e duzentos réis por cada sustentação do Jury, e dois mil e quatrocentos réis por arrazoados escriptos (BRASIL, 1841, p. 3).
Assim, prevalecia, no Brasil, um Ministério Público funcionando precariamente e de forma subordinada ao poder Judiciário de quem fazia as vezes de órgão coadjuvante e seus membros nomeados e demitidos livremente pelo Imperador ou pelos Presidentes de Províncias e, em casos especiais, pelos próprios Juízes. Exerciam, sem qualquer independência, na maioria das vezes, simples funções de auxiliares da Justiça.
Em 1871, um avanço, a Lei do Ventre Livre atribui ao Promotor de Justiça a função de protetor do fraco e indefeso ao estabelecer que a ele cabe zelar para que os filhos de mulheres escravas sejam devidamente registrados. Todavia, vale ressaltar a constatação de Mazzilli, de que no período compreendido entre o Brasil-Colônia e o Brasil-Império, “o Procurador-Geral ainda centralizava o ofício, não se podendo falar de instituição do Ministério Público nem de independência ou garantia de promotores públicos, que eram meros agentes do Poder Executivo” (MAZZILLI, 2013, p. 47).
No que se refere ao período republicano, a Constituição promulgada em 24 de fevereiro de 1891, dispôs sobre a escolha do procurador-geral da República, pelo presidente da República, dentre ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 58, parágrafo 2º).
A Constituição de 16 de julho de 1934 institucionalizou o MP, colocando-o em Capítulo à parte (Cap. VI, arts. 95 a 98: “Dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais”). Previu-se que lei federal organizaria o MP. na União, no Distrito Federal e nos Territórios, e que leis locais organizariam o MP. nos Estados (art. 95); cuidou-se da escolha do procurador-geral da República, com aprovação pelo Senado e garantia de vencimentos iguais aos dos ministros da Corte Suprema (parágrafos 1º e 2º); fixaram-se as garantias dos membros da instituição (parágrafo 3º) e os impedimentos dos procuradores gerais (art. 97).
Em seguida, a Carta Política outorgada na ditadura Vargas, em 10 de novembro de 1937, impôs severo retrocesso à instituição ministerial, pois apenas artigos esparsos mencionaram a livre escolha e a demissão do procurador-geral da República, escolhido dentre quem reunisse requisitos exigidos para ministro do Supremo Tribunal Federal (art. 99).
A Constituição democrática de 18 de setembro de 1946 voltou a dar relevo à instituição, quando reestabeleceu as garantias previstas pela Constituição de 1934 como inamovibilidade e estabilidade dos membros e instituir o ingresso na carreira e por meio de concursos públicos, conferindo-lhe título próprio (arts. 125 a 128), com regras de organização, escolha do procurador-geral da República, ingresso na carreira sob concurso, garantias de estabilidade e inamovibilidade: além disso, cometeu ao procurador-geral a representação de inconstitucionalidade (FERREIRA, 2019).
Em 1964, adveio a tomada do poder pelos militares os quais promulgaram em 1967 a nova Constituição. Segundo Mazzilli (2013, p. 29), “houve notável crescimento das atribuições do chefe do Ministério Público, porquanto nomeado e demitido livremente pelo presidente da República”. Além disso, o Ministério Público foi mantido na seção destinada ao Poder Judiciário, ao passo que, para os seus membros, foram equiparadas as regras de aposentadoria e vencimentos da magistratura, no entanto as garantias institucionais eram mínimas.
Outro importante avanço na história do ministério Público foi dado pelo Código de Processo Civil de 1973, que, em seu artigo 82, previa que competia ao Ministério Público intervir nas causas: de interesses de incapazes; naquelas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; nas ações que envolvessem litígios coletivos pela posse da terra rural; e nas demais causas em que houvesse interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
Dessa forma, privilegiou-se a atribuição da instituição para análise sobre a necessidade da intervenção ministerial, conferindo-se ao membro que atuará no processo a possibilidade de deixar de nele atuar por entender ausentes as causas de intervenção, desde que o faça justificadamente, e sem ingerência do Poder Judiciário, ao qual não se confere a atribuição para análise seja da necessidade, ou seja, da desnecessidade de atuação do membro do Ministério Público em determinado processo.
Entretanto, foi somente com a promulgação da Constituição Federal da República do Brasil, de 1988, que foi conferido ao MP a tarefa privativa de promover a ação penal pública. A constituição conferiu-lhe controle externo sobre a atividade policial, permitiu-lhe requisitos diligências investigatórias e determinou a instauração de inquérito policial.
Na esfera cível, além da ação de inconstitucionalidade e da ação interventiva, a Constituição conferiu ao MP a defesa em juízo de direitos e interesses das populações indígenas, cometeu-lhe a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos (MAZZILI, 2013).
Por fim, o Novo Código de Processo Civil, de 2015, em correspondência ao artigo 81 do Código anterior, dispôs que o Ministério Público exercerá seu direito de ação em conformidade com suas atribuições constitucionais, previstas nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal. A legitimidade ativa do Ministério Público para o ajuizamento de ações civis engloba ações individuais e coletivas, agindo na qualidade de representante processual, de legitimado extraordinário ou de substituto processual.
No que concerne à intervenção do Ministério Público como fiscal da lei, o artigo 178 do novo Código de Processo Civil, determina que essa se dará nas hipóteses determinadas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam: interesse público ou social, interesse de incapaz e litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.” (BRASIL, 2015)
O mesmo artigo estabeleceu, também, o prazo de 30 (trinta) dias para o Ministério Público intervir como fiscal da lei, contados a partir de sua intimação, ou seja, inovou ao estipular um prazo próprio, até então, não previsto em lei, para a atuação ministerial nas ações cíveis que a demandem.
Outra alteração parcial, no tocante aos prazos para o Ministério Público e suas prerrogativas, foi promovida pelo artigo 180 do novo CPC, ao estender ao MP a prerrogativa estabelecida no artigo 188 do CPC, de 1973, do prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, sendo, o prazo, em regra, o dobro, para o MP se manifestar nos autos. Entretanto, importa mencionar que tal benefício não será aplicado quando a lei estabelecer, expressamente, outro prazo próprio para o Ministério Público, na forma do contido no § 2º do artigo 180 do Código de Processo Civil de 2015.
2.2 A legitimidade do Ministério Público para tutelar os interesses coletivos
A CF/88, traz em seu artigo 127, a categorização do Ministério Público como uma “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. (BRASIL, 1988, p. 69)
Consiste, portanto, em uma das muitas instituições através das quais o Estado manifesta sua soberania, exercendo uma função de auxílio jurisdicional, contribuindo substancialmente para a boa administração da Justiça, de modo que, o MP, é instituído como órgão estatal independente que defende em juízo os interesses da sociedade na proteção do meio ambiente. Nesse sentido, o parquet atua no âmbito judicial como órgão da sociedade e verdadeiro defensor do povo, representando em juízo todos os indivíduos da sociedade, titulares do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A Carta Magna de 1988 estabelece, ainda, em seu artigo 129, as funções institucionais do Ministério Público, que são exatamente suas atribuições constitucionais:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II – zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos erviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
(...)
(BRASIL, 1988, p. 70, grifo nosso)
Assim, segundo a Constituição, são funções institucionais do Ministério Público: promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia; promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, além de outras atribuições especificadas em lei.
Destarte, que o MP é uma instituição estatal que integra o sistema de justiça, cuja principal função é a de promover a ação penal pública nos casos previstos em lei, em termos substantivos. Em termos formais ou processuais, sua principal função é a de custos legis, isto é, a de atuar como fiscal no processo de aplicação da lei. Quanto à primeira, sua atuação se impõe pela obrigação estatal de zelar pelo direito à vida, cabendo ao MP levar adiante todos os casos de lesão criminal que baterem à sua porta por meio, principalmente, do inquérito policial. Quanto à segunda, sua presença no processo não se dá como parte ou autor, mas como elemento interveniente a zelar pela observância da lei no julgamento de casos concretos.
Sua responsabilidade de guardião da ordem jurídica pode ser considerada perante qualquer dos Poderes do Estado e não apenas perante o Judiciário. Ele zela pela fiel observância e pelo cumprimento das normas jurídicas. Trata-se de seu papel tradicional: o de custus legis, ou seja, o de fiscal da lei, velando pela defesa do ordenamento jurídico. Há estreita ligação entre a democracia e um Ministério Público forte e independente, pois é instituição que só atinge sua destinação em meio essencialmente democrático.
O MP está estruturado em todo o território nacional, acompanhando de perto a estrutura federativa em geral e a do Judiciário em particular. Assim, no plano da União temos os Ministérios Públicos Federal, do Trabalho e Militar, que atuam perante as respectivas justiças especializadas (devemos incluir na alçada da União também o MP do Distrito Federal e Territórios). Nos estados, temos os Ministérios Públicos estaduais que atuam perante a justiça comum, civil e criminal (ARANTES, 2012).
No âmbito do processo coletivo ambiental, o Ministério Público, dentre todos os entes intermediários habilitados a agir em juízo, é, sem dúvida nenhuma, aquele que tem posição mais destacada. De fato, no sistema jurídico brasileiro, a regra é a da legitimação do Ministério Público para a propositura das ações coletivas ambientais, a ele sendo reconhecida, quase integralmente, o poder de provocar o exercício da jurisdição na defesa do meio ambiente. A exceção fica por conta da ação popular, cuja legitimidade para agir em juízo é atribuída, em princípio, apenas ao indivíduo.
Ademais, ao longo das últimas décadas, o Ministério Público conheceu inigualável desenvolvimento institucional, passando a contar com autonomia funcional e administrativa, fazendo jus, seus integrantes, às mesmas garantias que os membros da magistratura. Nesse quesito, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, já ponderou que:
[...] com a reconstrução da ordem constitucional, emergiu o Ministério Público sob o signo da legitimidade democrática. Ampliaram-se-lhe as atribuições; dilatou-se-lhe a competência; reformulou-se-lhe os meios necessários à consecução de sua destinação constitucional, atendeu-se, finalmente, à antiga reivindicação da própria sociedade civil. (BRASIL, 2009)
Vê-se que, realmente, a Constituição Federal conferiu ao Ministério Público a legitimação e os instrumentos necessários para a defesa dos interesses da coletividade, podendo atuar como fator de equilíbrio nas relações entre a Administração Pública e o administrado, objetivando o bom e correto funcionamento da máquina estatal, a salvaguarda dos direitos dos administrados e a harmonia entre os Poderes.
No entanto, apesar de haver legitimado o MP à defesa “dos interesses sociais e individuais indisponíveis,” o próprio texto constitucional veda-lhe “a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.” Vale ressaltar que ao Ministério Público, no exercício da ação pública, cabe basicamente os mesmos poderes e ônus que às partes. Com algumas ressalvas, como bem explica Mazzilli (2013, p. 85):
Essa assertiva deve ser entendida em termos, pois os membros do Ministério Público não prestam depoimento pessoal; não podem dispor, confessar ou fazer o reconhecimento jurídico do pedido; não adiantam despesas, que serão pagas a final pelo vencido; não se sujeitam aos mesmos prazos para contestar e recorrer, gozando, antes, de prazos dilatados para isso; não recebem nem são condenados em custas ou honorários advocatícios. Igualmente nas ações movidas pela instituição, seus membros não se sujeitam à reconvenção, pois não haveria conexidade entre ação e reconvenção, que, sobretudo, sequer teriam as mesmas partes. E, quando sucumbe, o Ministério Público não responsabiliza a si próprio, mas sim ao Estado, de que é órgão.
A regra é a de que o Ministério Público só pode propor ações em hipóteses taxativas, previstas na lei, salvo em matéria de interesses transindividuais, pois no tocante à tutela judicial de interesses difusos, a legitimação do Ministério Público é genérica. Sendo assim, pode o Parquet propor qualquer ação civil pública, com qualquer pedido, quando atue em defesa de interesses transindividuais, desde que essa iniciativa atenda aos interesses gerais da coletividade.
Nesse sentido, o artigo 82 da Lei nº 8.078/90 elenca os possíveis legitimados ativos nas ações coletivas que versem sobre relação de consumo, incluindo no seu rol, o Ministério Público. Constata-se, portanto, que o Parquet é parte legítima para manejar tanto a ação civil pública quanto a ação coletiva consumerista, sendo esta legitimidade extraordinária, pois “o interesse poderá pertencer a pessoas determinadas ou indetermináveis, mas sempre pertencerá a terceiros que não fazem parte da relação processual (FERREIRA, 2019).
Tal legitimidade foi consolidada, ainda, pela Lei Nº 7.347/85, em seu artigo 5º, cuja qual incluiu, no ordenamento jurídico pátrio, uma exceção à regra da legitimatio ad causam ordinária conferindo a prerrogativa para propor ação civil pública ao Ministério Público, no intento de resguardar os interesses de origem comum se baseia na ideia de que, a tutela destes, visa concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana e, assim, sempre haverá interesse social e indisponível, conforme previsto no artigo 127 da Carta Política de 1988 (FERREIRA, 2019).
Com a vigência da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e Lei Orgânica do Ministério Público da União, os membros ministeriais já não agem mais como procuradores da Fazenda. Mesmo quando o Ministério Público propuser ações em defesa do patrimônio público, não mais o fará como representante da Fazenda, e sim como substituto processual. No que tange à legitimação passiva, a ação civil pública pode ser ajuizada em face de qualquer pessoa, independentemente da existência de prova pré-constituída, que pode ser feita em instrução regular. A competência é funcional em razão do local do dano.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INQUÉRITO. DOCUMENTOS. A Turma entendeu, por maioria, que não há falar-se em má-fé quando o Ministério Público não leva à ação civil pública todos os documentos constantes do inquérito civil público. É possível descartar aqueles que não lhe parecem relevantes, isso em razão da própria natureza do inquérito (STJ, 2003).
Impetrada a ação civil pública, o juiz pode conceder efeito suspensivo a qualquer recurso. E em regra, não há reexame necessário, já que a imutabilidade da decisão pode estar relacionada com a maior ou menor abrangência do grupo lesado. É oportuno citar que, para que a pessoa, individualmente lesada, possa beneficiar-se do julgamento do processo coletivo, deverá suspender sua ação individual, nos termos do art. 104, do Código de Defesa do Consumidor.
Art. 104, CDC. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. (BRASIL, 1990)
Não obstante a importante e frequente atuação, o Ministério Público não é o único legitimado para a propositura da referida ação. Entretanto, mesmo não sendo parte do processo, deve necessariamente intervir como fiscal da lei. Além disso, caso um dos legitimados desista da ação, cabe ao Ministério Público, assim como ao demais legitimados, a assunção da titularidade ativa.
Impende registrar que qualquer dos legitimados descritos no artigo quinto da Lei de Ação Civil Pública pode habilitar-se como litisconsortes ou assistente dos demais. Desta forma, o polo ativo da ação pode ser estabelecido com qualquer um dos legitimados, com apenas um, ou com todos eles, pelo fato de a competência para a propositura da ação ser concorrente e disjuntiva. Ademais, apesar da existência de mais de um legitimado ativo para a propositura da ação, caso haja duas ações, contendo o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, ajuizadas por colegitimados diversos, ocorrerá litispendência, por estarem postulando direito em nome de outrem.
O Ministério Público, além de poder participar como litisconsorte dos demais legitimados, poderá ter no polo ativo os Ministérios Públicos da União, Estados ou Municípios, em litisconsórcio ou assistência. Imperioso acentuar a importância da instituição no que tange à possibilidade do termo de ajustamento de conduta, posto que nem todos os colegitimados podem tomar compromisso de ajustamento pelo simples fato de não estarem agindo na defesa de interesses particulares, ao contrário, defendem interesses transindividuais, ficando impossibilitados, portanto, de transacionar sobre interesses que não lhes pertence.
Por meio do termo de ajustamento, o responsável pela violação do direito difuso assume a obrigação de fazer ou não fazer, produzindo um título executivo extrajudicial, sendo desnecessária a homologação em juízo, podendo, inclusive, impor multa cominatória pelo não cumprimento da obrigação. Caso o autor do dano não aceite ou não cumpra as condições impostas, ensejará a propositura da ação civil pública.
2.3 Dos direitos coletivos: considerações iniciais
Já no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, declara-se o propósito de “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança” (BRASIL, 1988), objetivo este que pode ser tomado como o “pilar ético-jurídico-político da própria compreensão da Constituição” (MENDES, BRANCO, 2015, p. 135).
Esse compromisso se manifesta por todo o texto constitucional, de forma explícita, ou implicitamente, conforme podemos observar logo no seu artigo 1º, temos no inciso II, o princípio da cidadania e no inciso III o princípio da dignidade da pessoa humana.
Versam tais princípios sobre a impossibilidade de haver Estado Democrático de Direito sem direitos fundamentais, como também sobre a inexistência de direitos fundamentais sem democracia, onde devem ser garantidos pelo princípio da liberdade, não somente os direitos civis e políticos, mas também os direitos sociais, corolários do princípio da igualdade, imprescindíveis para assegurar a todos uma existência livre, digna e igualitária.
De acordo com Silva (2017), os direitos fundamentais do homem, além de fazer alusão a princípios que resumem a concepção do mundo e informar a ideologia política de cada ordenamento jurídico, são reservados para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.
Nesse sentido, a nossa Lei Maior proclamou de modo abrangente, digno e eficaz os direitos e garantias fundamentais do homem, e confiou ao Judiciário o poder de resolver os conflitos individuais e coletivos ampliando os meios de acesso de proteção jurisdicional ao homem, às entidades associativas e ao Ministério Público.
Os direitos coletivos são conquistas sociais reconhecidas em lei, como o direito à saúde, o direito a um governo honesto e eficiente e o direito ao ambiente equilibrado, sendo mencionados pelo texto constitucional, no inciso terceiro do art. 129, cujo qual dispõe acerca das funções institucionais. Esse é, portanto, em linhas gerais, o perfil da atuação do Ministério Público nos processos coletivos ambientais, especialmente no que concerne à ação popular, à ação civil pública e ao mandado de segurança coletivo.
No entanto, embora a Constituição Federal faça referência aos direitos difusos e coletivos (inciso III do art. 129), ela não os define. Tais definições foram estabelecidas pela Lei Nº 8.078/90, que tratou de apresentar os parâmetros definidores de direitos difusos e direitos coletivos, em seu artigo 81, conforme descrito no item subsequente.
2.4 Interesses difusos: conceitos e definições
Os interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos começaram a ser sistematizados com o advento da Lei de Ação Civil Pública – Lei Nº 7.347/85, inclusos, implicitamente no conteúdo da Constituição Federal de 1988 e, finalmente, se concretizaram por intermédio do Código de Defesa do Consumidor - Lei Nº 8.078/90, que traz, no parágrafo único de seu artigo 81, a classificação e a diferenciação literal legal dos direitos coletivos, em sentido amplo.
Assim, a defesa coletiva será exercida quando se tratar de interesses ou direitos difusos, interesses ou direitos coletivos e interesses ou direitos individuais homogêneos, de acordo com os parâmetros expressos no artigo 81, do CDC, haja vista que, quando um direito coletivo não é respeitado, muitas pessoas são prejudicadas e o Ministério Público tem o dever de agir em defesa desse direito, ainda que o violador seja o próprio Poder Público (ALMEIDA, 2018).
Os interesses transindividuais também são conhecidos por interesses coletivos lato sensu, pelo fato de serem compartilhados por grupos de pessoas que tem em comum um direito gerado a partir do mesmo fato ou ato jurídico. A necessidade da proteção do Estado a esses interesses transindividuais surgiu como meio de garantir a eficácia dos direitos fundamentais dos indivíduos como integrantes de uma coletividade lesada ou ameaçada de lesão a um bem jurídico seu, a efetividade da tutela jurisdicional a todo o coletivo detentor do interesse, bem como a economia e a celeridade processual.
Os indivíduos de forma coletiva cujos interesses sejam comuns provenientes de um mesmo fato têm a probabilidade maior de ver sua lide composta em tempo menor por meio de processo coletivo que por ações individuais, além de diminuir a divergência em julgados diferentes perante o mesmo objeto e ver diminuída a quantidade de ações versando sobre o mesmo objeto (NUNES, 2012).
Nos direitos coletivos stricto sensu, seus sujeitos são indeterminados, mas há como determiná-los por grupos, são direitos de pessoas ligadas por uma relação jurídica base entre si ou com a parte contrária. Da mesma forma, apresenta-se como um direito indivisível, pois não seria possível conceber tratamento diferenciado aos diversos interessados coletivamente, desde que ligados pela mesma relação jurídica.
Os direitos individuais homogêneos dizem respeito a pessoas que, embora indeterminadas num primeiro momento, poderão ser determinadas no futuro, e são ligados por um evento fático de origem comum. Podem ser tutelados coletivamente mais por uma opção de política que pela natureza de seus direitos, que são individuais, unidos os seus sujeitos pela homogeneidade de tais direitos num dado caso. A defesa dos direitos individuais homogêneos iniciou-se em 1966, nos Estados Unidos, por meio das chamadas " Class Actions ", traduzida como ações de classe.
Entretanto, para os fins desse estudo, será concedido destaque especial aos direitos difusos, entendidos como os interesses de grupo titularizados por pessoas indetermináveis, unidas por situações de fato conexas, e nos quais o dano causado é individualmente indivisível. Dito de outra forma, não é possível determinar quem são os titulares de um direito difuso. Isso não significa que ninguém sofra ameaça ou violação de direitos difusos, mas que os direitos difusos são direitos que merecem especial proteção, pois atingem alguém em particular e, simultaneamente, a todos.
O doutrinador Rizzato Nunes conceitua direitos difusos como “aqueles cujos titulares não são determináveis. Isto é, os detentores do direito subjetivo que se pretende regrar e proteger são indeterminados e indetermináveis” (NUNES, 2012).
É um direito que atinge simultaneamente a todos. São espécies do gênero denominado transindividual, possuem natureza indivisível, e são compostos por pessoas indeterminadas e ligadas por uma circunstância fática, cuja principal das características é a indivisibilidade, ou seja, para satisfazer um de seus sujeitos, deve satisfazer-se a todos, pela indeterminação de seus sujeitos. O exemplo clássico citado pela doutrina é o direito a um meio ambiente equilibrado, pois os prejuízos de uma eventual reparação de dano não conseguem ser individualmente calculados.
Os interesses e direitos Difusos estão dispersos, espalhados ou “fragmentados” no ordenamento jurídico brasileiro, associando-se as disposições contidas na Constituição Federal, na Lei da Ação Civil Pública, no Código do Consumidor, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Estatuto do Idoso.
A proteção de interesses coletivos e difusos das pessoas portadores de deficiências é um desses Direitos tutelados pela legislação esparsa. Sua previsão está na Lei Nº 7.853/1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiências e sua integração social.
Portanto, as ações civis públicas referentes aos interesses difusos levam em conta a indivisibilidade do interesse, o grupo de indivíduos atingidos e a origem da lesão ou da ameaça de lesão a direito, ligadas por circunstâncias de fato. Mazzilli (2013, p. 53) diz que, “melhor do que pessoas indeterminadas, são antes pessoas indetermináveis, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso.”
2.5 O papel do Ministério Público na defesa dos interesses difusos
A ação civil pública (ACP) será proposta pelo Ministério Público da União, quando se tratar de causa de competência da Justiça federal; e será proposta pelo Ministério Público Estadual quando for causa de jurisdição local, com vistas, sempre, à proteção de toda comunidade ou de que sejam titulares pessoas indeterminadas, classes, categorias, grupos e pessoas individualmente consideradas, caracterizando-se legitimação extraordinária, de substituição processual (ALMEIDA, 2018).
Presentes os pressupostos do exercício da ação civil, ao Ministério Público cabe não apenas o direito, mas o dever indeclinável de propô-la e de dar-lhe o devido prosseguimento, sendo-lhe vedado transigir e desistir da ACP. Isto porque o Ministério Público, quando em juízo, presenta o interesse da sociedade, de um grupo de indivíduos ou de uma única pessoa, nas hipóteses previstas pelo legislador.
A ação civil pública é um instrumento processual, de ordem constitucional, destinado à defesa de interesses difusos e coletivos. É uma das espécies de ação coletiva. Disciplinada pela Lei Nº 7.347/85 – LACP, que tem natureza eminentemente formal, pois objetiva regular ação protetiva de direitos subjetivos e deveres jurídicos relativos a interesses transindividuais. Da mesma forma que o mandado de segurança coletivo, a ação popular e o Código de Defesa do Consumidor, a ação civil pública é mais um instrumento utilizado para a defesa dos interesses da coletividade.
Da parte do Ministério Público, em geral a defesa de interesses difusos e coletivos é feita especialmente a partir da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), que se aplica subsidiariamente ao sistema de outras leis destinadas à proteção de interesses difusos e coletivos (Leis 7.853/89, 7.913/89, 8.069/90 e 8.078/90). Tendo o Código do Consumidor superado o veto originário que tinha sido imposto a dispositivos da Lei Nº 7.347/85 (arts. 90, 110 e 117 da Lei n. 8.078/90), alcança-se agora a integral defesa do meio ambiente, do consumidor, do patrimônio cultural e de qualquer outro interesse coletivo ou difuso.
No que se refere aos interesses difusos frente à ação do MP, a Ação Civil Pública tem por finalidade a reparação de danos morais e patrimoniais causados a qualquer interesse difuso e coletivo em sentido amplo, conforme previsão do art. 1º e seu inc. IV, da Lei Nº 7.347/1985. No que tange sobre os danos morais, a referência feita pela lei foi de cunho processual, já que ela não criou uma nova modalidade de direito material, de natureza transindividual.
O dano moral possui um caráter personalíssimo quando representa dor, sentimento, lesão psíquica, afeto, ou seja, fere gravemente os valores fundamentais inerentes à personalidade humana, sendo, portanto, um direito pessoal e individual e não transindividual. Assim, “não se mostra compatível com o dano moral a ideia da transindividualidade da lesão e do direito lesado” (ZAVASCKI, 2014, p. 41).
Fala-se em princípio da obrigatoriedade, seja no processo civil, seja no processo penal, quando se quer referir ao dever que tem o órgão do Ministério Público de promover a ação pública, dela não podendo desistir, não se admitindo, portanto, que o Ministério Público, identificando uma hipótese em que deva agir, se recuse a fazê-lo: neste sentido, sua ação é um dever. Todavia, se não tem discricionariedade para agir ou deixar de agir quando identifica a hipótese de atuação, ao contrário, tem liberdade para apreciar se ocorre hipótese em que sua ação se torna obrigatória.
O MP tem ampla liberdade para apreciar os elementos de convicção do inquérito, para verificar se houve ou não crime a denunciar; mas, segundo a lei vigente, identificando a hipótese positiva, não poderá eximir-se do dever de exercitar a acusação. Por outro lado, não verificando, o MP, a presença de justa causa para propor a ACP, promoverá o arquivamento do inquérito ou das peças de informação (SOUZA, 2008).
Assim, o dever de agir não obriga, ao MP, a cega propositura da ação pelo Ministério Público. Sem quebra alguma do princípio da obrigatoriedade, se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente (art. 9º).
Considerações finais
Apesar de ter surgido como defensor dos interesses da Monarquia, o Parquet, ao longo do tempo, veio se aperfeiçoando no que diz respeito à defesa dos interesses coletivos de uma forma geral, e hoje, resulta cristalina a necessidade de sua existência, tendo em vista a utilidade e praticidade da defesa dos interesses de forma coletiva.
Essa prerrogativa foi estabelecida, efetivamente, pela Constituição Federal de 1988, que reconheceu a existência e a necessidade de proteção dos interesses coletivos em sentido amplo, quando previu a necessidade de se tutelar os interesses difusos e coletivos (art. 129, III), defesa do consumidor (art. 5º, XXXII), mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), a propositura de Ação Popular (art. 5º, LXXIII).
Com a Constituição Federal de 1988, pela primeira vez, os direitos coletivos foram consagrados como direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro, quando o legislador constituinte originário estabeleceu a necessidade de proteção dos direitos difusos e coletivos de forma expressa, restando, ao legislador infraconstitucional regulamentar a matéria, uma vez que ela passou a ser encarada como principal veículo normativo do sistema jurídico, com eficácia imediata e independente.
Assim, a interação entre a Lei de Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor deu origem ao que a doutrina chama de microssistema, com regras processuais específicas, com o intuito de fazer as adaptações necessárias ao processo civil comum.
A partir de então, conclui-se que a parte processual do Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública são leis recíprocas, que interagem e se complementam, formando o que entendemos por integração das normas de ação civil pública – ou a base do sistema da ação civil pública.
O art. 5º da Lei Nº 7.347/1985 elenca o rol de legitimados para a propositura da Ação Civil Pública, além daquele previsto no art. 82 do CDC, incluindo nessa listagem o Ministério Publico na tutela dos interesses coletivos e difusos. Assim, o Ministério Público quando não está atuando como autor da causa, participará obrigatoriamente como custos legis – fiscal da lei, acompanhando todo o exercício da função jurisdicional. Essa norma é retirada da inteligência do art. 5º, § 1º da lei da ação civil pública. Ademais, será nulo o processo sem a participação do parquet.
Além disso, segundo entendimento jurisprudencial dos tribunais superiores, é de se destacar que, a nulidade será devida se não houver intimação para manifestação do órgão ministerial e não quanto a sua efetiva manifestação. Nessa situação de fiscal, caso haja desistência do autor da ação o MP assumirá o polo ativo do processo dando procedimento à lide. Ou seja, toda e qualquer ação civil pública o MP tem obrigatoriedade de participar, seja como parte na ação, sujeito ativo – legitimatio ad causam, seja como custos legis, fiscalizando o cumprimento da lei.
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[1] Autor de livros e advogado. Mestre em Direito pelo Instituto Nacional de Ensino Superior e Pós-Graduação da Faculdade de Direito do Sul de Minas –FDSM/MG. (E-mail: [email protected])
Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDRO GOMES DA COSTA JúNIOR, . O papel do Ministério Público nas ações de interesses difusos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jun 2021, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56864/o-papel-do-ministrio-pblico-nas-aes-de-interesses-difusos. Acesso em: 23 dez 2024.
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