RESUMO: o despretensioso texto tem a finalidade de demonstrar os elementos conceituais do conceito analítico de crime, para, após, demonstrar que a conduta do partícipe não se amolda ao denominado fato típico. Em seguida, considerando que a conduta do partícipe não é típica, serão demonstrados os requisitos para a sua responsabilização pelo Direito Penal.
Palavras-chave: crime; atipicidade; responsabilidade penal.
RESUMEN: el texto sin pretensiones tiene como finalidad demostrar los elementos conceptuales del concepto analítico de delito, para luego demostrar que la conducta del partícipe no se ajusta al llamado hecho típico. Luego, considerando que la conducta del partícipe no es típica, se demostrarán los requisitos para su responsabilidad en Derecho Penal.
Palabras clave: crimen; atipicidad; responsabilidad penal.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A DEFINIÇÃO TEÓRICA DO CRIME. 2.1 Fato Típico. 2.2 Fato Antijurídico. 2.3 Fato Culpável. 3 A ATIPICIDADE DA CONDUTA DO PARTÍCIPE E OS REQUISITOS PARA A SUA RESPONSABILIZAÇÃO. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
Pela teoria finalista da ação e a partir do desenvolvimento do conceito analítico tripartido, a dogmática penal passou a definir o crime como sendo um fato típico, antijurídico e culpável.
Esses três elementos, ordenados de forma metodológica, são os fundamentos para a afirmação teórica de um fato como sendo criminoso.
A verificação da tipicidade é o primeiro passo para definir o crime, ocorrendo quando a conduta humana se enquadra na moldura do tipo penal. Somente após essa constatação, passaríamos para a verificação da antijuridicidade e em sequência da culpabilidade.
Assim, se uma conduta não é típica, ela não será considerada como criminosa e por consequência, será desnecessária a análise da antijuridicidade e da culpabilidade.
Ao examinar a figura do partícipe, prevista no artigo 29, parágrafos 1º e 2º do Código Penal, surge a dúvida: a conduta do partícipe se enquadra no tipo penal previsto em lei?
Se a resposta para a indagação acima fosse positiva, não haveria dúvidas quanto ao exame da antijuridicidade e da culpabilidade e eventual responsabilização penal. Por outro lado, como será descrito, a conduta do partícipe não se amolda ao tipo penal. Dessa forma, surge outra pergunta:
Não praticando uma conduta propriamente típica, o que legitima a responsabilização penal do partícipe?
Para responder a questão, o texto abordará a definição do conceito analítico tripartido de crime e mostrará os fundamentos para a responsabilização penal do partícipe da ação criminosa.
2 A DEFINIÇÃO TEÓRICA DO CRIME
Como dito na introdução, o crime é conceituado como sendo um fato típico, antijurídico e culpável. Essa é a definição analítica tripartida, reconhecida como a mais adequada para o modelo penal brasileiro.
A descrição do conceito analítico tripartido não é aleatória e os seus elementos devem ser examinados na ordem proposta. Com isso, o primeiro elemento objeto de análise é o fato típico.
2.1 Fato Típico
A tipicidade pode se entendida como o perfeito enquadramento da conduta humana voluntária, ao tipo penal em abstrato previsto na lei.
O primeiro elemento geral do crime é derivado do princípio nullum crimen nulla poena sine lege, isto é, do Princípio da Legalidade. Se é necessário que uma conduta criminosa esteja prevista em lei, é também necessário que a ação humana esteja perfeitamente adequada ao modelo de comportamento descrito na lei, sob a ameaça de uma pena. Essa adequação é chamada de tipicidade. (BRANDÃO, 2019, p. 50)
Verifica-se que Brandão utilizou o termo tipicidade e não fato típico. Isto porque, há uma diferença entre um e outro. Fato típico é a previsão legal de uma conduta criminosa sob a ameaça de pena. Tipicidade é o enquadramento de uma conduta humana ao fato típico da lei. Enquanto o fato típico pode ser descrito como uma moldura, a tipicidade é a constatação se uma conduta humana cabe dentro dessa moldura.
A tipicidade é, pois, definida como uma relação de adequação entre a ação humana e a norma do Direito. Só se pode falar em crime se, primeiramente, a ação humana for típica, isto é, adequada ao modelo descrito na lei. (BRANDÃO, 2019, p. 50)
No mesmo sentido:
A expressão tipo possui o significado de modelo ou de determinada forma de classificação. Em Direito Penal, pode-se entender o tipo como modelo abstrato, posto que é representação genérica de comportamento humano que se considera proibido. O tipo materializa o princípio da reserva legal, na medida em que é a expressão da lei que descreve a conduta que deve ser considerada crime. (GALVÃO, 2011, p. 557)
A função do tipo penal, portanto, é a descrição da conduta proibida pelo Direito Penal, sob a ameaça de uma pena. Assim, cita-se como exemplo o tipo penal de homicídio que descreve a conduta típica matar alguém, sob a ameaça da pena de reclusão de seis a vinte anos.
Para que uma ação humana seja considera típica, é necessário o exame dos elementos conduta, nexo de causalidade, resultado e tipicidade (formal/material e conglobante).
A conduta comissiva ou omissiva tem o dolo e a culpa como elementos subjetivos. O dolo é consistente na vontade livre, consciente e capaz de realizar a figura típica. Na culpa, o agente, pela falta do dever objetivo de cuidado, agindo por negligência, imprudência ou imperícia, provoca o resultado criminoso não quisto.
O dolo e a culpa, enquanto elementos subjetivos do tipo, estão previstos no artigo 18 do Código Penal que descreve a conduta dolosa quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo e a conduta culposa, por sua vez, quando o agente tiver dado causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Além dos elementos subjetivos, o tipo penal possui os chamados elementos objetivos.
A distinção entre os elementos objetivos do tipo e os subjetivos sustenta-se sobre princípios totalmente distintos. Ao tipo objetivo pertencem todas as características do delito que se concretizam no mundo exterior, e ao tipo subjetivo pertencem todos os elementos psíquicos ou outros da conduta interna do agente. (BRANDÃO, 2019, p. 129)
Como o tipo penal é um modelo de conduta, os elementos objetivos são aqueles que se concretizam no mundo exterior, como por exemplo, a ação descrita no verbo-núcleo do fato típico.
Essa conduta humana deverá provocar um resultado consumado ou tentado. O crime será considerado consumando quando todas as elementares do tipo penal restarem preenchidas. O crime será tentado, na forma do artigo 14, inciso II do Código Penal, quando a consumação não for alcançada por uma circunstância alheia à vontade do agente criminoso.
Entre a conduta humana e o resultado criminoso, deve haver um elo que a legislação denomina por relação de causalidade, conforme o artigo 13 do Código Penal.
A relação de causalidade, também chamada de nexo causal, pode ser definida da seguinte forma:
O nexo causal, ou relação de causalidade, é aquele elo necessário que une a conduta praticada pelo agente ao resultado por ela produzido. Se não houver esse vínculo que liga o resultado à conduta levada a efeito pelo agente, não se pode falar em relação de causalidade e, assim, tal resultado não poderá ser atribuído ao agente. (GRECO, 2013, p.215/216)
Com o mesmo sentido:
Desse modo, a relação de causalidade tem por finalidade atribuir um resultado a alguém, isto é, tem por escopo determinar o autor do resultado, de que depende a existência de um crime. A atribuição do resultado ao seu autor garante a intransmissibilidade da responsabilidade penal. (BRANDÃO, 2019, p. 97)
Fernando Galvão, entretanto adverte:
Em termos filosóficos, a relação de causalidade é tema bastante polêmico. É possível que a causa estabeleça nexo real entre as coisas ou, então, que o nexo causal seja apenas uma categoria mental que viabilize determinada interpretação da realidade. De qualquer modo, a filosofia concebe que a relação de causalidade envolve a totalidade das condições que determinam a consequência. (GALVÃO, 2011, p. 279)
Juntamente com a conduta, resultado e o nexo causal, para verificar se a conduta humana se amolda ao tipo penal, deve ser analisada a sua tipicidade.
A tipicidade é formalmente descrita como juízo de subsunção entre a conduta praticada no mundo real e a previsão do tipo descrito na lei e, materialmente descrita como a lesão ou perigo de lesão ao bem juridicamente tutelado pelo Direito Penal.
Além da tipicidade formal/material, é necessário o exame da chamada tipicidade conglobante.
Nesse sentido:
Criada pelo penalista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, essa teoria sustenta que todo fato típico se reveste de antinormatividade, pois, muito embora o agente atue em consonância com o que está descrito no tipo incriminador, na verdade contraria a norma, entendida como o conteúdo do tipo legal. (MASSON, 2011, p. 246)
Cláudio Brandão, a esse respeito ensina que:
A antinormatividade é plenamente concretizada com a realização de uma conduta que se amolde a um tipo penal, pois toda conduta amoldada àquele viola a norma que logicamente se extrai da sua definição legal e, com isso, viola o bem jurídico, que é o objeto de proteção da norma. (BRANDÃO, 2019, p. 151).
Nas palavras do próprio Zaffaroni:
Antinormatividad es la contradicción de una conducta con una norma prohibitiva, y la antijuridicidad es la contrariedad de esa conducta con el ordem jurídico (en que armónicamente se complementan normas prohibitivas con preceptos permisivos). La antinormatividad se conoce a nivel de la tipicidad, pero la antijuridicidad no. (ZAFFARONI, 1981, p. 225)
Com isso, teremos que a conduta humana será considerada típica, quando preenchidos os elementos descritos acima. Antes de ser respondida a pergunta acerca da responsabilidade penal do partícipe, que não pratica uma conduta propriamente típica, serão abordados os outros dois elementos da teoria analítica tripartida.
2.2 Fato Antijurídico
Ao passo que a tipicidade pode ser entendida como o perfeito enquadramento da conduta humana voluntária ao tipo penal, a antijuridicidade deve ser entendida como a conduta contrária ao ordenamento jurídico.
A antijuridicidade é o segundo elemento do conceito analítico do crime. Ela é definida como um juízo de valor negativo ou desvalor, que atribui ao fato do homem a qualidade de ser contrário ao Direito, dando à ação o caráter de não querida pelo Ordenamento Jurídico. (BRANDÃO, 2019, p. 149)
A conduta humana será antijurídica, quando não for justificada por uma excludente de antijuridicidade.
Pela posição particular em que se encontra o agente ao praticá-las, se apresentam em face do Direito como lícitas. Essa condições especiais em que o agente atua impedem que elas venham a ser antijurídicas. São situações de excepcional licitude que constituem as chamadas causas de exclusão da antijuridicidade, justificativas ou descriminantes. (BRUNO, 1967, p. 365)
No mesmo sentido:
No nosso Código Penal, a antijuridicidade está definida negativamente, isto é, por suas causas de exclusão. Isso se dá porque toda ação típica é, em princípio, contraria ao direito. (...). Por essa razão, a conduta típica, a princípio, é também antijurídica. Todavia, o direito penal prevê casos nos quais está autorizada a realização da conduta típica; de tais casos cuida a teoria da antijuridicidade, através das causas de justificação. (BRANDÃO, 2019, p. 169).
Conforme preceitua o artigo 23 do Código Penal, mesmo que uma conduta seja típica, ela não será antijurídica e, portanto, não será criminosa, quando o agente atuar amparado pelo estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou pelo exercício regular do direito.
Estas são as quatro causas legais que excluem a antijuridicidade da conduta. A conduta típica, estando justificada por uma dessas causas, não será considerada como criminosa.
Além das quatro causas legais, a literatura aduz a existência de uma causa supralegal, consistente no consentimento do ofendido.
(...) quando o consentimento do ofendido não se constituir um elementar do tipo penal, sendo o bem jurídico disponível, o consentimento do ofendido funciona como caso de justificação. Por exemplo, sabe-se que o patrimônio é um bem jurídico disponível, assim, se o ofendido, observando a destruição do bem de sua propriedade por uma pessoa enraivecida, dá o consentimento para tal conduta, não se pode falar em crime de dano (art. 163 do Código Penal), por força de uma causa supralegal de justificação. (BRANDÃO, 2019, p. 187).
O que importa reconhecer é que, em princípio, o fato típico também será antijurídico. Todavia, não será antijurídico quando houver uma causa de justificação que exclua a sua antijuridicidade.
A constatação da tipicidade e da antijuridicidade forma o chamado injusto penal. Mesmo diante de um injusto penal, para que um fato seja definido como crime, é necessária a analise da culpabilidade.
2.3 Fato Culpável
O injusto penal (tipicidade + antijuridicidade) consiste em um juízo de reprovação sobre o fato criminoso. A culpabilidade, por sua vez, é um juízo de reprovação que recai sobre o agente que pratica o injusto penal.
Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Nas lições de Wlzel, “culpabilidade é a reprovabilidade da configuração da vontade”. Toda culpabilidade é, segundo isso, culpabilidade de vontade. (GRECO, 2013, p. 373)
De igual forma:
A culpabilidade é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do Ordenamento Jurídico-Penal. A culpabilidade, por conseguinte, tem como objeto a realização de um juízo negativo sobre o homem. (BRANDÃO, 2019. P. 215).
Para que o autor de um injusto penal sofra a reprovação a título da culpabilidade, ele deverá ser imputável, ter a potencial consciência da antijuridicidade e dele poderá ser exigida uma conduta diferente da conduta delituosa.
Por outro lado, não haverá a culpabilidade no caso de inimputabilidade. A inimputabilidade será constatada pela idade do agente (quando ainda não houver completado dezoito anos) ou, na forma do artigo 26 do Código Penal, pela constatação de uma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado que torne o agente inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Também não haverá culpabilidade, quando o agente carecer de potencial consciência da antijuridicidade.
A aplicação da pena ao autor de uma infração penal somente é justa e legítima quando ele, no momento da conduta, era dotado ao menos da possibilidade de compreender o caráter ilícito do fato praticado. Exige-se, pois, tivesse o autor conhecimento, ou, no mínimo, a potencialidade de entender o aspecto criminoso do seu comportamento, isto é, os aspectos relativos ao tipo penal e à ilicitude. (MASSON, 2011, p. 477).
Mesmo tendo praticado o injusto penal e tendo o autor imputabilidade e potencial consciência da antijuridicidade, o fato não será criminoso - por ausência de culpabilidade - quando não for possível exigir do agente uma conduta diferente da conduta típica.
Quando se carece, na culpabilidade, de qualquer de seus elementos, ela é excluída. A falta de consciência da antijuridicidade dá origem ao erro de proibição, o qual está regulado no art. 21 do Código Penal. A falta de imputabilidade dá origem à inimputabilidade, que está regulada nos arts. 26, 27 e 28 do Código Penal. A falta de exigibilidade de outra conduta dá origem à inexigibilidade de outra conduta. (BRANDÃO, 2019, p. 259).
Assim, quando for inexigível outra conduta do agente, ele não terá cometido crime, por exclusão da culpabilidade.
Conforme demonstrado, para que a responsabilidade penal seja atribuída ao agente, o fato praticado por ele deverá ser típico, antijurídico e culpável. Ausentes quaisquer desses elementos, não há o que se falar em conduta criminosa.
Com essa afirmação, renova-se a pergunta: não sendo típica a conduta do partícipe, como responsabilizá-lo penalmente?
3 A ATIPICIDADE DA CONDUTA DO PARTÍCIPE E OS REQUISITOS PARA A SUA RESPONSABILIZAÇÃO
O artigo 29 do Código Penal descreve que quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
O partícipe em sentido estrito, seria aquele que segundo a literatura jurídica, concorreria para o crime com uma intervenção de menor importância. De uma forma geral, a literatura jurídica chama de autor do crime, aquele de participação de maior relevância para a prática do ato criminoso e de partícipe, aquele cuja intervenção na prática delitiva teria uma relevância reduzida.
Já em sentido estrito, a participação traduz intervenção que se contrapõe à autoria e possui menor relevância jurídico-penal do que esta. Partícipe, nesse sentido, seria aquele que intervém no fato do autor para auxiliá-lo. Como intervenção de menor relevância é que será afora usada a expressão participação, bem como partícipe em referência ao concorrente que atue de maneira menos importante que o autor. (GALVÃO, 2011, p. 538).
Na mesma linha:
Já afirmamos ser o autor o protagonista da infração penal. É ele quem exerce o papel principal. Contudo, não raras vezes, o protagonista pode receber o auxílio daqueles que, embora não desenvolvendo atividades principais, exercem papéis secundários, mas que influenciam na prática da infração penal. Estes, que atuam como coadjuvantes na história do crime, são conhecidos como partícipes. (GRECO, 2013, p. 438)
Pelos conceitos trazidos acima por Galvão e Greco, é possível perceber que o partícipe seria um coadjuvante na prática criminosa. Brandão (2019) aduz que o partícipe concorre para a infração penal sem praticar o verbo-núcleo típico.
A literatura jurídica classifica a participação como sendo moral ou material.
Como definição de participação moral:
A participação moral é aquela que incide sobre o psiquismo do agente, podendo se apresentar sob a forma de induzimento ou sob a forma de instigação. Segundo Antolisei, ela se verifica na fase de ideação do crime. Induzir é subministrar na mente de alguém uma ideia até então inexistente. Instigar é acalorar uma ideia já existente. É necessário que a participação moral seja também considerada uma das causas do resultado. (BRANDÃO, 2019, p. 311).
Com relação à participação material:
Na cumplicidade ou prestação de auxílios materiais, o partícipe facilita materialmente a prática da infração penal, por exemplo, cedendo a escada para aquele que deseja ingressar na casa da vítima, a fim de levar a efeito uma subtração, ou que empresta sua arma, para que o autor possa causar a morte do seu desafeto. (GRECO, 2013, p. 439/440).
Além do exemplo acima, Greco (2013, p. 441) cita como atuação do partícipe, a ação do agente B que induz ou instiga o agente A a cometer um delito.
Masson, (2011, p. 515) na mesma linha de Greco, afirma que será considerado partícipe de homicídio, aquele que, ciente do propósito criminoso do autor, e disposto com ele a colaborar, empresta uma arma de foto municiada para ser utilizada na execução do delito.
Pelos exemplos trazidos acima por Greco e Masson é possível perceber que, conforme ensinado por Brandão (2019), o partícipe não realiza o verbo-núcleo típico.
Para que seja explicado de forma mais clara, o tipo penal do homicídio traz matar alguém como conduta típica. Para que o agente realize a conduta típica, ele deve praticar o verbo matar descrito no tipo penal. Da mesma forma, no tipo penal de furto, há a previsão de subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel. Para que o agente realize o fato típico, é necessário que ele pratique o verbo subtrair.
Sem a prática do verbo descrito no tipo penal, não é possível afirmar que a conduta de uma pessoa seja considerada propriamente típica.
Como foi verificado, a tipicidade refere-se ao perfeito enquadramento da conduta humana voluntária à moldura do tipo penal. Assim, a conduta humana voluntária de emprestar uma escada para o ladrão, não se enquadra na moldura típica do furto. A conduta humana voluntária de emprestar uma arma de fogo ao homicida, não se enquadra na moldura típica do homicídio. No primeiro caso, o agente que emprestou o material não praticou o verbo subtrair, previsto para o crime de furto e, no segundo caso, o agente não praticou o verbo matar, previsto para o tipo de homicídio.
Constata-se que a conduta do partícipe, nessa premissa, é atípica por excelência.
Conforme já foi visto, partícipe é aquele que concorre para o crime sem realizar o verbo-núcleo típico, isto é, sem praticar a condita que está proibida no tipo penal. De per si, a ação do partícipe é atípica, por isso é que se dize que, a exemplo da tentativa, a participação é uma ampliação do tipo penal, porque em si mesmo o tipo não prevê a conduta do partícipe. (BRANDÃO, 2019, p. 309)
Assim como a conduta do partícipe, além da tentativa já citada por Brandão, há outras condutas criminosas que em sentido estrito, são atípicas. Veja-se, por exemplo, alguns casos de crimes omissivos.
Os crimes comissivos por omissão, também chamados de crimes de omissão imprópria, tratam, na forma do artigo 13, parágrafo 2º do Código Penal, da chamada omissão penalmente relevante. O omitente, chamado de garantidor, não praticará o verbo-núcleo do tipo, mas responderá a título de coautoria ou participação.
Não sendo típica a conduta do partícipe, como será possível a sua responsabilização pelo Direito Penal?
Como ensinado por Brandão (2019) a participação será uma ampliação do tipo penal. Ela é uma conduta acessória, que gravita em torno da conduta principal (do autor).
A responsabilidade penal do partícipe encontra justificativa na teoria da acessoriedade limitara, adotada pelo Direito Penal brasileiro.
Encontra-se o fundamento para a incriminação do partícipe na chamada teoria da acessoriedade. Há uma regra na teoria geral do direito onde se determina que o acessório segue o principal, destarte, somente há possibilidade de punição do partícipe se houver a conduta de um autor. (BRANDÃO, 2019. P. 309).
A teoria da acessoriedade limitada preconiza que o partícipe terá responsabilidade penal, quando o autor tiver praticado ao menos, um injusto penal.
Nota-se que para a responsabilidade penal do partícipe, não é necessária que a conduta do agente principal seja de fato criminosa, sendo suficiente que ela seja típica e antijurídica. Com isso, se o partícipe auxilia um inimputável à prática de um crime, em que pese este não ser penalmente punível, o partícipe será responsabilizado pelo Direito Penal.
Cumpre ressaltar, conforme a previsão do artigo 31 do Código Penal, que o crime deve ser ao menos tentado.
Código Penal
Art. 31. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.
Para que o crime seja considerado ao menos tentado, é necessário que o agente principal entre na fase de execução delitiva e que o fato não se consume por uma circunstância alheia à sua vontade.
Cumpre ressaltar que a participação inócua, que não é eficiente para contribuir ao resultado, não é punível.
Com isso, considerando o sobredito, é importante dizer que para que a conduta do partícipe seja passível de intervenção penal, são necessários alguns requisitos:
1) Exista um autor principal que pratique o verbo-núcleo do tipo;
2) A conduta do autor principal deve consubstanciar um injusto penal (tipicidade + antijuridicidade);
3) O fato deve ser ao menos tentado pelo autor principal;
4) Exista um acordo de vontades (liame subjetivo) entre o autor e o partícipe para a prática do ato;
5) A participação não deve ser inócua, ou seja, ela é uma das condições para a ocorrência do resultado.
Preenchidas as condições descritas acima, mesmo não sendo uma conduta propriamente típica, estará autorizada a responsabilidade penal do partícipe de acordo com a legislação vigente.
É essencial ressaltar, que em razão da participação ser de importância reduzida, a legislação brasileira prevê no parágrafo 1º do artigo 29 do Código Penal, que a pena será diminuída de um sexto a um terço.
CONCLUSÃO
Como apresentado no texto, pela teoria finalista da ação e a partir do desenvolvimento do conceito analítico tripartido, a dogmática penal passou a definir o crime como sendo um fato típico, antijurídico e culpável.
Estes três elementos, ordenados de forma metodológica, são os fundamentos para a afirmação teórica de um fato como sendo criminoso.
A verificação da tipicidade é o primeiro passo para definir o crime, ocorrendo quando a conduta humana se enquadra na moldura do tipo penal. Somente após essa constatação, passaríamos para a verificação da antijuridicidade e em sequência da culpabilidade.
Assim, se uma conduta não é típica, ela não será considerada como criminosa e por consequência, seria desnecessária a análise da antijuridicidade e da culpabilidade.
Ao examinar a figura do partícipe, prevista no artigo 29, parágrafos 1º e 2º do Código Penal, surge a dúvida sobre a responsabilidade penal desse agente.
Como descrito, a conduta do partícipe não se amolda ao tipo penal, mas a legislação penal brasileira descreve a possibilidade da sua responsabilização penal.
Não praticando uma conduta propriamente típica, o que legitima a responsabilização penal do partícipe seria a constatação de cinco fatores: a) a existência de um autor principal que pratique o verbo-núcleo do tipo; b) o autor principal deve praticar um injusto penal; c) o autor principal deve ao menos tentar praticar um fato típico e antijurídico; d) deve existir um acordo de vontades entre o autor e o partícipe e, e) a participação não deve ser inócua.
Preenchidos estes requisitos, o partícipe poderá ser penalmente responsabilizado, mesmo que a sua conduta não seja propriamente típica.
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Doutorando em Direito Penal pela PUC Minas. Mestre em Filosofia pela FAJE/MG. Advogado Criminalista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Francisco José Vilas Bôas. A atipicidade da conduta do partícipe e os requisitos para sua responsabilização no direito penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2021, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56918/a-atipicidade-da-conduta-do-partcipe-e-os-requisitos-para-sua-responsabilizao-no-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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