RESUMO: A presente pesquisa tem como finalidade analisar o conteúdo do princípio da eficiência e o contexto de sua inserção no texto da Constituição Federal de 1988. Neste artigo serão abordados aspectos relacionados à crise da administração pública burocrática e ao advento do modelo gerencial, com destaque para a Emenda Constitucional n° 19 de 1998 e sua repercussão no ordenamento jurídico. Por fim, será estudada a relevância do princípio da eficiência na prestação dos serviços públicos. O presente trabalho foi elaborado a partir de pesquisas bibliográficas, especialmente, obras doutrinárias e artigos científicos sobre o tema, que representam as principais fontes de pesquisa.
Palavras-Chave: Princípios da Administração Pública; Princípio da Eficiência; Reforma Gerencial da Administração Pública; Lei n° 13.460 de 2017; Serviços Públicos.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Considerações sobre os princípios constitucionais da Administração Pública – 3. A Reforma Administrativa da década de 1990 e a Emenda Constitucional n° 19/98 – 4. Conceito e conteúdo do princípio da eficiência – 5. A eficiência no campo dos serviços públicos – 6. Considerações finais – 7. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O princípio da eficiência foi incluído expressamente no rol dos princípios do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 através da Emenda Constitucional n° 19/98, fruto da reforma gerencial, tendo em vista a exigência de um novo perfil estatal. A eficiência representa um vetor jurídico de atuação do Poder Público e busca garantir maior qualidade na atividade administrativa e na prestação dos serviços públicos.
Neste trabalho, inicialmente, serão abordados aspectos relacionados aos princípios constitucionais expressos que norteiam a atuação da Administração Pública e estão previstos no art. 37, caput, da CRFB/88.
O contexto da inclusão do princípio da eficiência no texto constitucional será tratado a partir da análise da crise enfrentada pelo modelo burocrático e da reforma gerencial do Estado, com ênfase nas suas implicações na esfera administrativa e no ordenamento jurídico. Ademais, estudar-se-á o conceito e o conteúdo do referido princípio para, em seguida, relacioná-lo à prestação dos serviços públicos.
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A Constituição Federal consagrou as principais normas que orientam o regime jurídico-administrativo da Administração Pública Direta e Indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Assim, estabeleceu um conjunto de princípios constitucionais a fim de promover o equilíbrio entre os direitos dos administrados e as prerrogativas da Administração.
Nessa perspectiva, o caput do artigo 37 da CRFB/88 faz menção a cinco princípios a serem observados pela Administração Pública, quais sejam: da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Esse catálogo não é taxativo, em razão da existência de outros princípios que, de igual forma, merecem consagração constitucional, seja por constarem de modo expresso no texto da Constituição Federal, embora não citados no art. 37, caput; ou por nele estarem logicamente contidos, como consequência dos princípios mencionados; ou por serem implicações do Estado de Direito e do sistema constitucional (MELLO, 2015).
Desse modo, os princípios orientadores da atividade da Administração Pública podem ser encontrados ao longo do texto constitucional, ainda que implicitamente.
Para Carlos Ari Sundfeld (2009, p. 143) os princípios “são as ideias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se”. Nesse passo, os princípios, tal como as regras, integram o ordenamento jurídico e conhecê-los é condição essencial para aplicação do Direito.
Escrevendo acerca da relevância dos princípios para o direito administrativo, Odete Medauar registra que:
No direito administrativo, os princípios revestem-se de grande importância. Por ser um direito de elaboração recente e não codificado, os princípios auxiliam a compreensão e consolidação de seus institutos. Acrescente-se que, no âmbito administrativo, muitas normas são editadas em vista de circunstâncias de momento, resultando em multiplicidade de textos, sem reunião sistemática. Daí a importância dos princípios, sobretudo para possibilitar a solução de casos não previstos, para permitir melhor compreensão dos textos esparsos e para conferir certa segurança aos cidadãos quanto à extensão dos seus direitos e deveres (MEDAUAR, 2018, p. 115-116).
Com efeito, o princípio da legalidade é um valor específico do Estado de Direito, pois nasceu com o surgimento deste (MELLO, 2015). Em sua acepção tradicional, significa que toda atividade administrativa deve ser autorizada por lei para ser considerada lícita.
Aliás, “constitui uma das principais garantias de respeito dos direitos individuais”, posto que “a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade” (DI PIETRO, 2017, p. 134).
Cumpre destacar, todavia, que, a partir da expansão do pós-positivismo jurídico na segunda metade do século XX e da superação da visão legalista, houve a consagração do princípio da juridicidade, o qual “não aceita a concepção da Administração vinculada exclusivamente às regras prefixadas nas leis, mas sim ao próprio Direito, o que inclui as regras e os princípios previstos na Constituição” (NEVES; OLIVEIRA, 2019).
O princípio da impessoalidade, por sua vez, adquiriu várias interpretações da doutrina brasileira. Nas palavras de Di Pietro (2017, p. 138), “exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração”. No primeiro sentido, o princípio está relacionado à ideia de finalidade pública, ou seja, o interesse público é o que deve orientar o comportamento da Administração Pública. Ademais, no segundo caso, vincula-se à noção de que os atos praticados pela administração são imputáveis ao órgão ou entidade administrativa, não ao agente que os pratica.
No que diz respeito à moralidade administrativa, segundo José dos Santos Carvalho Filho (2018, p. 76), esse princípio “impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta”. Com isso, “deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto”.
O princípio da publicidade impõe a ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública, à exceção das hipóteses de sigilo legal, consagrando o “dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos” (MELLO, 2015, p. 117).
Assinala Medauar (2018) que a atual redação do texto constitucional está alinhada à tendência de publicidade ampla a reger a Administração Pública, afastando a tradição do “secreto” em suas atividades, característica que se mostra contrária ao caráter democrático do Estado. Sendo assim, o princípio da publicidade deve vigorar para todos os setores e âmbitos da atividade administrativa.
Por fim, o princípio da eficiência, igualmente responsável por nortear todo o comportamento da Administração Pública, foi acrescentado expressamente ao rol dos princípios constitucionais do artigo 37 através da Emenda Constitucional n° 19/98, instrumento normativo decorrente do projeto de reforma do aparelho estatal. Com fundamento nesse princípio, exige-se da atuação administrativa que, além de ser legal, moral, impessoal e transparente, também seja eficiente, a fim de possibilitar a desburocratização, a racionalização, a celeridade, a economicidade e a produtividade.
Convém salientar, portanto, que os princípios jurídicos:
não devem ser encarados como compartimentos estanques, incomunicáveis. É preciso que o operador jurídico compreenda que os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência são elementos que devem ser conjugados para o melhor entendimento do regime jurídico-administrativo (FRANÇA, 2000, p. 171).
A fim de compreender os fundamentos do princípio da eficiência, deve-se analisar os principais aspectos da reforma gerencial da administração pública, resultado de inúmeros fatores econômicos, políticos e sociais, e da EC n° 19/1998, responsável por alterar dispositivos da Constituição referentes à Administração Pública e ao servidor público, além de inserir o mencionado princípio, de forma expressa, no catálogo de princípios constitucionais.
3. A REFORMA ADMINISTRATIVA DA DÉCADA DE 1990 E A EMENDA CONSTITUCIONAL N° 19/98
A Reforma Gerencial da administração pública, que teve seu auge na década de 1990, propôs a modernização da estrutura do Estado e da Administração Pública através do discurso de que a atuação estatal deveria estar pautada na eficiência, transparência e imparcialidade, adequando-se às tendências de governabilidade daquele período. Nesse sentido, os pontos essenciais da reforma estavam centrados na “previsão de mecanismos de flexibilização da estabilidade do servidor público; na ênfase gerencial para a melhoria da qualidade, da eficiência e redução de custos na prestação do serviço público; e no estímulo à participação popular” (MENEZES, 2005, p. 57).
Inicialmente, antes de proceder à análise dos principais aspectos da reforma gerencial, convém traçar brevemente o histórico das reformas administrativas para melhor compreensão do cenário nacional durante a última década do século XX.
Nesse passo, foi durante o governo de Getúlio Vargas que teve início a primeira reforma administrativa, conhecida como Reforma Burocrática. Durante essa época, com a implantação do modelo burocrático weberiano, procurou-se eliminar práticas patrimonialistas e antidemocráticas, bem como racionalizar a administração pública, com a finalidade de eliminar o nepotismo e restringir a corrupção (CAPOBIANGO, 2013).
Posteriormente, com o golpe militar de 1964, o modelo anterior foi substituído pelo modelo de “administração para o desenvolvimento”, que “visava essencialmente a expansão da intervenção do Estado na vida econômica e social e a descentralização das atividades do setor público” (CAPOBIANGO, 2013, p. 66). No entanto, a crise do modelo burocrático foi originada ainda no decorrer do regime militar.
Com a redemocratização, entre os anos de 1985 e 1988, essa crise foi agravada, sobretudo, a partir da promulgação da atual Constituição Federal, momento em que a administração pública é tomada pelo enrijecimento burocrático extremo. Essa situação, juntamente com inúmeras práticas patrimonialistas, resultou no alto custo e na baixa qualidade da administração pública brasileira (BRESSER-PEREIRA, 2002).
Assim, constatou-se que a administração pública burocrática, adotada inicialmente no contexto do Estado Liberal, era ineficiente para o modelo de Estado que estava em consolidação: o Estado de Bem-Estar Social. Isso porque o referido modelo, baseado na rigidez organizativa e na obediência à legalidade, não se adequou à intensificação das demandas sociais e econômicas e às transformações da sociedade impulsionadas pelo processo de globalização (CORDEIRO, 2015).
Diante das circunstâncias visualizadas, mormente a ineficiência estatal na garantia dos direitos sociais e na prestação dos serviços públicos, Luiz Carlos Bresser-Pereira, à frente do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) e encarregado de traçar as diretrizes do projeto de funcionalização do aparelho do Estado brasileiro, destacou a relevância e a necessidade da reforma gerencial:
Sua importância deriva da profundidade da mudança institucional envolvida, viabilizando a implementação da Reforma Gerencial. Deriva também de seu caráter emblemático. Com ela, a opinião pública, que tem uma noção vaga do que é uma reforma gerencial, mas que apoiou a mudança de forma inequívoca, manifestou o desejo de ter um Estado mais moderno, ou, mais concretamente, ver os serviços por ele prestados serem realizados de forma mais eficiente. Sua indignação contra os privilégios existentes no setor público, contra a incompetência e desmotivação de uma parte da burocracia, e contra a má qualidade dos serviços públicos se traduziu no apoio à reforma (BRESSER-PEREIRA, 2002, p. 206).
Nessa perspectiva, buscou-se a afirmação da cidadania no Brasil, mediante a adoção de formas modernas de gestão estatal, possibilitando o atendimento de forma democrática e eficiente das demandas sociais, bem como o uso mais eficiente dos recursos disponíveis (BRESSER-PEREIRA, 2002).
Destarte, o ápice das mudanças desencadeadas pelo projeto de reforma estatal foi a aprovação da EC n° 19/1998, que, acompanhando a tendência de outros Estados contemporâneos, promoveu alterações formais nas normas que regulamentam a Administração Pública. Dessa forma, houve a modificação de inúmeros dispositivos do artigo 37 da Constituição Federal e a inclusão do princípio da eficiência no caput do aludido dispositivo.
Com efeito, acerca das principais inovações no texto constitucional, pode-se citar a extinção da obrigatoriedade de adoção de um regime jurídico único para os servidores públicos; a revisão das regras da estabilidade dos servidores e o estabelecimento de normas mais severas para o disciplinamento dos tetos de remuneração na administração pública.
Outro ponto expressivo da emenda foi a alteração da redação do § 3º, do artigo 37, da Constituição, considerado um dos dispositivos constitucionais a consagrar o princípio da participação popular na Administração Pública, pois prevê comando para a elaboração de lei para disciplinar as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (Vide Lei nº 12.527, de 2011)
III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
A aludida mudança é apontada como outro ponto positivo da EC n° 19/1998, tendo em vista que o dispositivo indicado traz previsão para edição de norma essencial para a efetivação de uma prestação mais eficiente do serviço público. Nesse passo, “o direito subjetivo do administrado à participação tem forte ligação com o princípio da eficiência, constituindo sua instituição e as garantias constitucionais nele inspiradas um grande instrumental jurídico para a concretização normativa da eficiência” (MORAES, 2000, p. 172).
Ressalte-se, ainda, a introdução de comando para a edição de lei para defesa do usuário de serviços públicos, conforme art. 27 da Emenda. Apesar da mora legislativa, houve a publicação da Lei n° 13.460 de 2017, dispondo acerca da participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública.
Logo, verifica-se que a referida emenda seguiu o caminho do direito administrativo contemporâneo, que abandona o viés autoritário para evidenciar a participação dos cidadãos na formação da conduta administrativa (FRANÇA, 2000). Essas modificações no texto constitucional se mostraram necessárias em razão da exigência de um novo perfil estatal, baseado no modelo gerencial da Administração Pública e pautado na busca pela eficiência no setor público, com vistas à efetivação da cidadania, ao atendimento do interesse público e à prestação de um serviço público eficiente.
É nesse contexto que o princípio da eficiência é inserido ao caput do art. 37 da Constituição Federal, passando a compor o rol de princípios constitucionais expressos do Direito Administrativo junto aos tradicionais princípios da legalidade da impessoalidade, da moralidade e da publicidade, representando um vetor jurídico de atuação do Poder Público a fim de garantir maior qualidade na atividade pública e na prestação dos serviços públicos.
4. CONCEITO E CONTEÚDO DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Em que pese a comum afirmação de que o princípio da eficiência ingressou no sistema jurídico brasileiro a partir da Emenda Constitucional n° 19/98, pode-se constatar que o ordenamento jurídico já fazia referência à ideia de eficiência como um dever da administração pública.
Exemplo dessa constatação pode ser verificado a partir da leitura do artigo 74, II, da Constituição Federal, que, ao instituir o controle interno dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, previu que esse controle possui a finalidade de comprovar a legalidade e avaliar os resultados da gestão orçamentária, financeira e patrimonial da Administração Federal, no tocante à eficácia e à eficiência (NOBRE JÚNIOR, 2005). Por sua vez, no plano infraconstitucional, o princípio da eficiência estava positivado no Decreto-Lei n° 200/67.
Na doutrina jurídica brasileira, Hely Lopes Meirelles (2016) apontava o denominado “dever de eficiência”, correspondente ao “dever de boa administração” da doutrina italiana, como um dos poderes e deveres do administrador público.
Seguindo o entendimento do referido autor, “o princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional”. O jurista acrescenta que “é o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros” (MEIRELLES, 2016, p. 105).
Para Odete Medauar (2018, p. 127), a eficiência é princípio que norteia toda a atuação da Administração Pública, determinando que esta deve agir de maneira rápida e precisa, com a finalidade de produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população. Com isso, “a eficiência contrapõe-se à lentidão, ao descaso, à negligência, à omissão – características habituais da Administração Pública brasileira, com raras exceções”.
De acordo com Alexandre de Moraes (2017), o princípio da eficiência é composto por oito características básicas: direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum, imparcialidade, neutralidade, transparência, participação e aproximação dos serviços públicos da população, eficácia, desburocratização e busca da qualidade.
A associação do princípio da eficiência à realização do bem comum é fundamental para a compreensão de que tal princípio busca, em sua essência, a melhor forma de atuação do Estado para satisfação do interesse público e das necessidades sociais. Aliás, a promoção do bem comum constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme inciso IV do art. 3°, da CRFB/88. Nessa perspectiva, Moraes (2017, p. 261) ressalta que “a ideia de defesa do bem comum enquanto finalidade básica da atuação da Administração Pública decorre da própria razão de existência do Estado e está prevista implicitamente em todos os ordenamentos jurídicos”.
Frise-se, todavia, que não é incomum que o princípio da eficiência seja resumido à ideia de economicidade no uso dos recursos públicos. Emerson Gabardo critica esse conceito “eficientista” e defende que, na verdade, a economicidade é um critério componente da eficiência; não o contrário. Adverte, ainda, que a vinculação da eficiência a um critério meramente econômico encontra óbice em uma questão terminológa, pois “parece claro que englobam a eficiência vários outros conceitos afins, tais como a eficácia, a efetividade, a racionalização, a produtividade, a economicidade e a celeridade” (GABARDO, 2012, p. 340).
Com efeito, Paulo Modesto (2000, p. 112) admite que esse princípio possui um caráter pluridimensional, na medida em que “a imposição de atuação eficiente, do ponto de vista jurídico, refere a duas dimensões da atividade administrativa indissociáveis: a) a dimensão da racionalidade e otimização no uso dos meios; b) a dimensão da satisfatoriedade dos resultados da atividade administrativa pública”.
Assim, na primeira dimensão está inserida a exigência de economicidade, ou seja, a eficiência é interpretada como qualidade da ação administrativa que maximiza recursos a fim de obter os resultados previstos. Essa primeira face é enfatizada por diversas disposições constitucionais (em especial, o art. 39, § 7°, e art. 74, II, da Constituição Federal).
Na segunda dimensão, “cuida-se da eficiência como qualidade da ação administrativa que obtém resultados satisfatórios ou excelentes, constituindo a obtenção de resultados inúteis ou insatisfatórios uma das formas de contravenção mais comum ao princípio”. Esse segundo aspecto é realçado pelas disposições acerca da “avaliação de resultado”, especialmente o referido no art. 37, § 3°, “avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços”, além da necessidade de lei para disciplinar a “representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública” (MODESTO, 2000, p. 113).
Em suma, Modesto (2000, p. 114) conclui que a obrigação de atuação eficiente impõe uma ação idônea (eficaz), econômica (otimizada) e satisfatória (dotada de qualidade) e destaca que o papel do princípio da eficiência consiste em “revigorar o movimento de atualização do direito público, para mantê-lo dominante no Estado democrático e social, exigindo que este último cumpra efetivamente a tarefa de oferecer utilidades concretas ao cidadão, conjugando equidade e eficiência”.
5. A EFICIÊNCIA NO CAMPO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
O princípio da eficiência também é considerado um juízo abstrato de valor que orienta o serviço público, conforme reconhece a doutrina e a legislação brasileira. Aliás, conforme visto anteriormente, a eficiência foi elevada a um padrão obrigatório na prestação dos serviços públicos antes da EC n° 19/98.
Nesse prisma, Meirelles esclarece que os requisitos dos serviços públicos, atualmente, estão sintetizados em cinco princípios, que devem ser exigidos de quem os preste. Sendo assim, “o princípio da permanência impõe continuidade no serviço; o da generalidade impõe serviço igual para todos; o da eficiência exige atualização do serviço; o da modicidade exige tarifas razoáveis; e o da cortesia traduz-se em bom tratamento para com o público” (MEIRELLES, 2016, p. 427).
Embora o serviço público brasileiro seja associado a aspectos negativos, como ineficiência, lentidão e burocracia, em razão da inobservância das diretrizes constitucionais, a administração pública deve “visar à realização do bem comum e à satisfação dos interesses sociais, conjugando todos os recursos do Estado para a consecução deste fim, otimizando todo o potencial de seus agentes para uma prestação cada vez melhor dos seus serviços” (LEITE, 2001, p. 261).
Acrescente-se, por oportuno, que a Lei n° 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no artigo 175 da Constituição Federal de 1988, também faz expressa menção à eficiência no § 1°, do art. 6:
Art. 6° [...]
§ 1° Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
No tocante às disposições da Lei n° 13.460/2017, denominada de Código de Defesa do Usuário do Serviço Público, que reúnem normas destinadas à tutela dos direitos dos usuários e à definição de parâmetros para uma adequada prestação dos serviços públicos, verifica-se que o legislador optou pela expressão “efetividade” em vez de “eficiência” ao elencar os princípios a serem observados na prestação dos serviços públicos e no atendimento do usuário, previstos no art. 4° do referido marco legal.
A fim de analisar as diferenças entre os termos mencionados para averiguar se a nova Lei n° 13.460/2017 apenas reproduziu as disposições da lei anterior ou inovou quanto aos princípios que regem o serviço público no país, cabe trazer à lume as considerações de Anjuli Tostes Faria Melo, para quem é clara a distinção entre os referidos termos:
A efetividade administrativa diz respeito à capacidade de se promover os resultados pretendidos, no sentido da transformação da realidade. Já o conceito de eficiência é distinto: eficiência administrativa pode ser conceituada como a capacidade que tem o administrador de prestar os serviços e produzir os resultados com dispêndio mínimo de recursos e esforços. Há de se convir, então, que o serviço pode ser eficiente, mas não efetivo. Por exemplo, um administrador pode edificar um equipamento público adequado, com a aplicação da menor quantidade de recursos possível, entretanto, por se situar em local de difícil acesso, ninguém o frequenta. Eficiente e eficaz, mas não efetivo (MELO, 2018, p. 50).
Conclui a autora que o princípio da efetividade é mais abrangente do que o princípio da eficiência, posto que “na promoção dos serviços públicos, ao agente público não basta ‘fazer mais com menos’ (eficiência) - ou ‘fazer melhor’ (eficácia). Haverá de se ‘fazer o que deve ser feito’, pois é disso que se trata a efetividade” (MELO, 2018, p. 51).
Não obstante o pensamento exposto, deve-se esclarecer que o conceito apresentado para o termo “eficiência” abarca, tão somente, seu viés relacionado à economicidade. Porém, como previamente analisado, o princípio da eficiência não deve ser reduzido a esse aspecto, pois sua definição também contempla outros conceitos afins, como “eficácia, efetividade, racionalização, produtividade, economicidade e celeridade”, conforme lições de Emerson Gabardo (2012, p. 340).
Com isso, tem-se que a Lei n° 13.460/2017 não trouxe significativa inovação ao permutar o princípio da eficiência pelo princípio da efetividade, pois aquele primeiro já contempla a ideia de efetividade em seu conceito.
Superada a questão acima, cumpre destacar que a relação entre o princípio da eficiência e a prestação de serviços públicos foi evidenciada por Moraes (2017, p. 263), ao afirmar que a inserção da eficiência no texto constitucional pretendeu solucionar, principalmente, “o clássico defeito da Administração Pública na prestação dos serviços públicos e do Poder judiciário em analisar a eficiência da administração”.
Nesse sentido, “o Estado deve necessariamente visar a qualidade na prestação dos serviços postos à disposição dos cidadãos, quer sejam prestados pela União, Estado ou Município, quer sejam prestados por terceiros em regime de concessão ou permissão” (ANDRADE, 2008, p. 56). A propósito, foi com essa finalidade que a EC n° 19/98 inseriu comando constitucional para a elaboração de lei para disciplinar as formas de participação do usuário na administração pública, vez que a participação cidadã é uma forma concreta de viabilizar um controle social da qualidade e eficiência do serviço público, com a consequente ampliação das possibilidades de controle da atividade administrativa (MENEZES, 2005).
Assim, depreende-se que uma administração pública eficiente deve otimizar os resultados de sua atuação em atenção a todos os princípios constitucionais que norteiam a atividade administrativa, em busca da participação e da satisfação dos usuários dos serviços públicos (MENEZES, 2005).
Portanto, cumpre destacar que a concepção acerca do serviço público no Brasil foi fortemente influenciada pelas transformações do Estado, em razão da evolução social, das inovações tecnológicas, das mudanças do discurso político e do fenômeno da globalização (ANDRADE, 2008). No entanto, independentemente do período a ser estudado, a eficiência na prestação do serviço público é requisito fundamental para a satisfação das necessidades essenciais e secundárias da coletividade.
A partir deste estudo, constatou-se que a eficiência foi formalmente inserida no rol de princípios constitucionais da administração pública com a aprovação da Emenda Constitucional n° 19/98, instrumento normativo que marcou a reforma gerencial do Estado durante a década de 1990 e foi elaborado em razão de fatores econômicos, políticos e sociais. A EC n° 19/98 também foi responsável por prever comando para a edição de lei de defesa do usuário de serviços públicos, o que evidencia a necessidade da participação cidadã para o controle social da qualidade e eficiência desses serviços.
Através da análise do seu conteúdo, verificou-se que o princípio da eficiência impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum. Nessa direção, está associado a diretrizes essenciais para a melhor forma de atuação do Estado, tais como efetividade, participação e aproximação dos serviços públicos da população, economicidade, celeridade e outros conceitos afins. Portanto, em razão do seu caráter pluridimensional, a eficiência administrativa não deve ser reduzida à ideia de “economia de recursos públicos”.
Por fim, pôde-se constatar que uma administração pública eficiente, cuja atuação esteja em consonância com os demais princípios constitucionais que regem a atividade administrativa, é essencial para a prestação adequada dos serviços públicos e satisfação das necessidades sociais.
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Artigo publicado em 06/07/2021 e republicado em 19/08/2024
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Letícia Duarte Falcão. O princípio constitucional da eficiência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 ago 2024, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56946/o-princpio-constitucional-da-eficincia. Acesso em: 22 dez 2024.
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