RESUMO: O presente artigo visa explanar de que forma se dá a subsidiariedade dos alimentos avoengos na obrigação de prestar alimentos. Aqui, parte-se da premissa de que a obrigação alimentar avoenga se funda na solidariedade familiar, o que não se confunde com solidariedade obrigacional no sentido jurídico. Pretende-se discutir as questões pertinentes ao dever de prover alimentos em contrapartida à possibilidade de transmissão da obrigação alimentar para terceiros como forma garantista e de proteção máxima à subsistência do alimentando. Para a elaboração do presente trabalho, realizou-se pesquisas bibliográficas, tendo como referência os materiais de cunho principiológico, jurisprudencial e do ramo de direito de família, procurando evidenciar a importância da prestação alimentícia em seu caráter principal e subsidiário.
Palavras-chave: Alimentos Avoengos. Subsidiariedade. Solidariedade Familiar. Alimentando.
O presente trabalho tem como tema o caráter subsidiário dos alimentos avoengos na prestação de caráter alimentar. O objetivo central do presente artigo situa-se em torno dos pressupostos da obrigação alimentar dos avós, em face do disposto no art. 1696 do Código Civil, que leciona que o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros (BRASIL, 2002, on-line).
Maria Aracy Menezes da Costa, em obra específica acerca da obrigação alimentar avoenga (Os limites da obrigação alimentar dos avós), afirma o seguinte:
A doutrina brasileira é unânime ao se posicionar em torno de uma premissa básica: em primeiro lugar, a obrigação alimentar é recíproca entre pais e filhos, e secundariamente - suplementarmente - extensiva aos demais ascendentes, recaindo nos ascendentes mais próximos e, somente depois que devem ser chamados os mais remotos. A jurisprudência tem confirmado, de forma veemente, a suplementação dos alimentos pelos avós, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, mas de forma excepcional e transitória, "de modo a não estimular a inércia ou acomodação dos pais, sempre primeiros responsáveis". (COSTA, 2011, p. 114)
Dessa forma, é possível denotar que pondera que o artigo 1.696 do Código Civil dispõe que a obrigação alimentar recai nos parentes "mais próximos em grau, uns em falta de outros". Somente após demonstrada a impossibilidade de todos os mais próximos em suportar o encargo alimentar é que se pode configurar a obrigação dos ascendentes mais remotos.
Neste contexto, a luz do novo Código Civil, frustrada a obrigação alimentar principal, de responsabilidade dos pais, a obrigação subsidiaria deve ser diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos, diante de sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento. A necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga, mas sim por quem recebe, representando para o alimentado maior provisionamento tantos quantos coobrigados houver no polo passivo da demanda.
Dessa forma, o presente artigo visa explanar as decisões das Cortes Superiores de Justiça sobre o tema, destacando os principais aspectos abordados, os princípios por elas ponderados, bem como os seus objetivos na análise de decisões a respeito dessa temática.
Sabe-se que a obrigação de alimentar é a atribuição dada pela lei à determinados indivíduos de prestar alimentos para outro que se encontra impossibilitado de prover por si próprio a sua mantença.
Essa obrigação, é imposta à indivíduos que possuem determinado grau de parentesco com aquele que se encontra em situação de vulnerabilidade, reforçando a garantia constitucional da dignidade da pessoa humana e da responsabilidade entre familiares.
Nesse aspecto, o doutrinador Flávio Tartuce leciona:
O pagamento desses alimentos visa à pacificação social, estando amparado no princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, ambos de índole constitucional. No plano conceitual em sentido amplo, os alimentos devem compreender as necessidades vitais da pessoa, cujo o objetivo é a manutenção da sua dignidade: a alimentação, a saúde, a moradia, o vestuário, o lazer, a educação, entre outros. Em suma, os alimentos devem ser concebidos dentro da ideia do patrimônio mínimo. (TARTUCE, 2020, p. 1336)
Ante a busca pela garantia máxima à proteção humana, a Constituição Federal salvaguardou expressamente em seu artigo 6º a alimentação como um direito social, bem como a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, etc. Ressalta-se que a inclusão da alimentação no rol dos direitos sociais somente se deu com a emenda Constitucional n. 64 de 4 de fevereiro de 2010.
O artigo 1.694 do Código Civil leciona que podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. Mais adiante, o artigo 1.695 afirma que os alimentos são devidos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Dessa forma, da inteligência dos artigos, nota-se que a prestação alimentar cinge-se na no binômio da necessidade/possibilidade. Para além disso, a doutrina, bem como, as jurisprudências têm elencado um terceiro fator nessa prestação, sendo possível agora falar-se de um trinômio com a inserção do quesito da proporcionalidade à essas exigências.
A Constituição Federal leciona em seu artigo 227 que é dever primeiramente da família assegurar, aos filhos, o direito à vida, saúde, educação, alimentação e todos os demais direitos inerentes a todos os cidadãos, com vistas a lhes oferecer uma existência digna e humana e, mais a diante, na primeira parte do artigo 229, esta prevê que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores.
Porém, não deve ser confundido o dever de sustento previsto na Constituição Federal, com a obrigação alimentar decorrente do artigo 1.694 Código Civil, que é fundada no parentesco, a qual fica delgada aos ascendentes, descendentes e colaterais, até o segundo grau, com reciprocidade. Aqui, a obrigação recai, primeiramente, aos ascendentes, nos mais próximos em grau. Na sua falta, cabe aos descendentes, e, faltando estes, aos irmãos nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Dessa forma, estando o filho em situação de vulnerabilidade, cabe aos pais, sendo os primeiros na lista da obrigação de prestar alimentos, o dever de manter os filhos.
Assim, entende-se que obrigação de prestar alimentos é recíproca entre pais e filhos. A família é a gênese da sociedade, e, uma vez que é formada, surge o dever dos pais em alimentar os filhos menores e incapazes, e estes, de socorrer os pais por motivo de idade avançada ou outra razão, que não tenham condições de prover sua subsistência sozinha.
Os alimentos avoengos são aqueles prestados pelos avós ao neto que se encontra em situação de vulnerabilidade. Essa prestação alimentícia funda-se na solidariedade familiar, bem como no dever de assistência mútua.
Sabe-se que manutenção do filho incumbe primeiramente aos pais e, somente na ausência dos genitores ou quando devidamente demonstrado que não podem contribuir com quantia capaz de suprir as necessidades do herdeiro, é que germina a obrigação dos avós, que, derivada do dever de assistência recíproca que junge os parentes em linha reta. Ou seja, a obrigação alimentar avoenga é subsidiária e complementar e somente se descortina quando patenteada a incapacidade de os genitores assumirem os ônus pecuniários decorrente da criação e educação dos filhos.
Nesse aspecto, o Código Civil leciona em seu artigo 1698:
Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
Esse tema, já foi motivo de muitos debates nos tribunais de todo o país, visto que uma parte dos julgadores entendiam ser uma responsabilidade de caráter solidária, e não subsidiária, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça, para pacificar o entendimento sobre o tema, editou a súmula número 596 com a seguinte redação:
A obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, somente se configurando no caso de impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais. (STJ, 2017, on-line)
Dessa forma, restou entendido que a obrigação alimentar avoenga se funda na solidariedade familiar, o que não se pode confundir com a solidariedade obrigacional no sentido jurídico, sendo neste aspecto apenas subsidiária, de modo que, ao ingressar com a ação de alimentos, esta deve ser ajuizada primeiro contra os pais, mesmo que tenham capacidade contributiva reduzida. Somente depois, quando demonstrada a extensão da capacidade financeira dos pais (ainda que ínfima), será possível demandar os avós, subsidiária e complementarmente.
Importa frisar que isso não impede que o demandado, em caso de impossibilidade de suportar sozinho o encargo alimentar, possa de chamar ao processo os corresponsáveis da obrigação alimentar, de modo que a criação de um litisconsorte passivo na demanda será permitida.
Neste contexto, a luz do novo Código Civil, frustrada a obrigação alimentar principal, de responsabilidade dos pais, a obrigação subsidiaria deve ser diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos, diante de sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento. A necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga, mas sim por quem recebe, representando para o alimentado maior provisionamento tantos quantos coobrigados houver no polo passivo da demanda.
O presente artigo abordou temática relacionada ao dever de prestar alimentos, podendo-se concluir que a obrigação alimentar é salvaguardada pela Constituição Federal e que possui múnus público regulado pela própria lei, de forma que os parentes estão obrigados a prestar alimentos uns aos outros, de forma mútua, de acordo com os critérios da necessidade, possibilidade e proporcionalidade.
A obrigação alimentar é fundada na solidariedade familiar, pois isto constitui ou, pelo menos, deveria constituir um dever intrínseco que decorre naturalmente das relações de parentesco, no entanto, no cenário fático, isso nem sempre ocorre, razão pela qual, coube ao legislador criar regras específicas para este fim, de modo a proporcionar segurança jurídica àqueles que necessitam de amparo e encontram-se em situação de vulnerabilidade.
Nos casos em que o sujeito ativo da ação de alimento for um menor incapaz, a obrigação de prestar alimentos será sempre dos pais, pois estes, além de possuir o dever sustento dos filhos, possuem ainda a obrigação alimentar decorrente do ordenamento jurídico.
Ainda, na possibilidade de os pais não poderem arcar com a obrigação de prestar alimentos, pode-se ingressar com ação em face aos avós, configurando assim os chamados alimentos avoengos.
Frisa-se que, embora os alimentos sejam pautados na solidariedade familiar, não se pode confundi-la com a solidariedade jurídica, de forma que a atuação dos avós nos encargos alimentares dos netos somente se dará de forma subsidiária e solidária, devendo o juízo, ao analisar o caso concreto, verificar se os alimentos foram pleiteados primeiro em face dos pais e somente depois em face dos avós, sendo este um requisito de procedibilidade da ação.
Essa exigência visa resguardar a ordem preferencial trazida pelo próprio Código Civil, além de evitar que ocorra lesão ao patrimônio de terceiros por mera deliberação e sem razão de ser, de forma que, nem restará desamparado o alimentando na hipótese de seus pais não puderem cumprir o encargo alimentar, nem os avós serão lesados na hipótese se os pais puderem arcar com os alimentos, mas por vontade própria decidirem não arcar com a sua obrigação.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: DF, Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
BRASIL. Lei n º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: DF, Presidência da República [2009]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 15/04/2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2º Seção). Súmula nº 596. 2ª Seção. Aprovada em 08/10/2017, Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2017/2017-11-10_09-49_STJ-edita-tres-novas-sumulas.aspx. Acesso em: 20 jun. 2021.
COSTA, Maria Aracy Menezes da. Os limites da obrigação alimentar dos avós. – 1 ed. – Livraria do Advogado; São Paulo, 2011.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MAYTê FONTES AMBRóSIO, . O dever de alimentar e o caráter subsidiário dos alimentos avoengos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jul 2021, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56966/o-dever-de-alimentar-e-o-carter-subsidirio-dos-alimentos-avoengos. Acesso em: 23 dez 2024.
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