Resumo: O presente artigo tem objetivo de analisar o dano extrapatrimonial sob a perspectiva da (in)constitucionalidade da tarifação adotada pela reforma trabalhista. Para a elaboração do presente artigo foram utilizados os métodos de pesquisa jurisprudencial e bibliográfico. Para tanto foram abordados temas relativos a reforma trabalhista, responsabilidade civil e dano extrapatrimonial. Com base nos estudos realizados, pode concluir que o modelo de tarifação adotado pela reforma trabalhista é inconstitucional, por ferir normas e princípios constitucionais no tocante à isonomia e dignidade da pessoa humana.
Palavras-chaves: Dano Extrapatrimonial. Inconstitucionalidade. Reforma Trabalhista. Responsabilidade Civil.
Abstract: This article aims to analyze off-balance sheet damage from the perspective of the (in) constitutionality of the pricing adopted by the labor reform. For the preparation of this article, the jurisprudential and bibliographic research methods were used. To this end, issues related to labor reform, civil liability and off-balance sheet damage were addressed. Based on the studies carried out, it can be concluded that the pricing model adopted by the labor reform is unconstitutional, as it violates constitutional norms and principles with respect to human equality and dignity.
Keywords: Off-balance sheet damage. Unconstitutionality. Labor Reform. Civil responsability.
Sumário: Introdução. 1 A reforma trabalhista e a supressão de direitos. 1.1 Breve histórico sobre o Direito do Trabalho. 1.2 Reforma Trabalhista. 2 Responsabilidade Civil. 2.1 Conceito. 2.2 Elementos da Responsabilidade Civil. 2.2 Elementos da Responsabilidade Civil. 2.2.1 Conduta. 2.2.2 Nexo de causalidade. 2.2.3 Dano. 2.2.3.1 Dano Material. 2.2.3.2 Dano Moral. 3 Dano extrapatrimonial no Direito do Trabalho. 3.1 Conceito e noções gerais. 3.2 Aplicação exclusiva da CLT. 3.3 A titularidade do direito à reparação e quem deve reparar o dano. 3.4 Tarifação do dano extrapatrimonial. 4 (In)constitucionalidade da tarifação do dano patrimonial na esfera trabalhista. Conclusão. Referências.
Introdução
A Constituição Federal de 1988 é clara ao destacar em seu artigo 5º, que todos as pessoas são iguais perante a lei. Nesse sentido, o citado artigo consagra o princípio da isonomia. Outrossim, o mesmo artigo, em seus incisos V e X, estabelece que é assegurado o direito a resposta jurisdicional proporcional ao agravo sofrido, assim como o direito à indenização decorrente da violação da intimidade, da honra ou da imagem.
Contudo, nos parece que a Reforma Trabalhista ao inserir o Título II – Dano Extrapatrimonial, que vai do art. 223-A ao 223-G, não se ateve as normas e princípios constitucionais ao tratar sobre o tema. Isto porque, há grande controvérsia entre as disposições estabelecidas na Reforma Trabalhista e na nossa Carta Magna.
Assim, o presente estudo parte da seguinte indagação: o modelo de tarifação da indenização do Dano Extrapatrimonial adotado pela Reforma Trabalhista é inconstitucional?
Partindo da indagação realizada, a hipótese inicial apresentada foi de que o modelo de tarifação adotado para quantificar a indenização em decorrência de Dano Extrapatrimonial Trabalhista seria inconstitucional por violar normas e princípios esculpidos na Constituição Federal de 1988, no que se refere à reparação de danos de mesma natureza.
Para uma melhor compreensão acerca do tema, no presente estudo foram analisados o instituto da Responsabilidade Civil, do Dano Extrapatrimonial no Direito do Trabalho, precedentes judiciais acerca de modelo de tarifação de indenização e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.050.
Para tanto, buscou-se no presente estudo uma análise documental, bibliográfica e jurisprudencial, como métodos de pesquisa científica, no intuito de se analisar as divergências existentes acerca do tema.
1 A reforma trabalhista e a supressão de direitos
1.1 Breve histórico sobre o Direito do Trabalho
Antes mesmo de se ter a concepção hodierna do Direito Trabalho, como um conjunto de normas que regulamentam as relações trabalhistas com o condão de garantir aos trabalhadores os seus direitos e também suas obrigações, só existia, até então, a concepção de trabalho como forma de exploração e punição do homem.
Nesse sentido elucida Vólia Bomfim Cassar:
“Do ponto de vista histórico a palavra trabalho decorre de algo desagradável: dor, castigo, sofrimento, tortura. O termo trabalho tem origem no latim - tripalium. Espécie de instrumento de tortura ou canga que pesava sobre os animais. Por isso, os nobres, os senhores feudais ou os vencedores não trabalhavam, pois consideravam o trabalho uma espécie de castigo. A partir daí, decorreram variações como tripaliare (trabalhar) e trepalium (cavalete de três paus usado para aplicar ferradura aos cavalos)”. (CASSAR, 2009, p. 3)
O Direito do Trabalho no Brasil começou a ter forma depois da Revolução Francesa e, a partir da quarta fase, também conhecida de fase da autonomia, quando foram criadas as Constituições da Alemanha e do México, onde traziam em seus textos, direitos inerentes a classe trabalhadora.
Foi somente em 1930, que políticas voltadas para o trabalho foram introduzidas no Brasil. Getúlio Vargas criou o chamado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio que visava a garantir os mínimos direitos aos trabalhadores no território brasileiro.
A Constituição de 1934 foi a primeira a trazer em seu texto, direitos voltados ao trabalho, que segundo Luz e Santin foram:
“Salário mínimo, jornada de oito horas, proteção ao trabalho a menores de 14 anos, férias anuais remuneradas; indenização ao trabalhador despedido e assistência médica e sanitária ao trabalhador. Outros pontos importantes foram a criação da representação profissional na Câmara dos Deputados (...), a afirmação do princípio da pluralidade e autonomia sindical (...) e a criação da Justiça do Trabalho, à qual, entretanto, não se aplicariam as disposições pertinentes ao Poder Judiciário”. (LUIZ; SANTIN 2009 apud GALVÃO 1981)
Contudo, a Constituição promulgada em 1937, trouxe em seu texto vários retrocessos referentes aos direitos trabalhistas. Esse retrocesso se deu especialmente em razão do até então Presidente da época, Getúlio Vargas. (LUZ; SANTIN 2009 apud GALVÃO 1981)
Só então, em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho, que de fato o Direito do Trabalho se viu sedimentado, por desta, foram sistematizadas todas as leis esparsas existentes no ordenamento jurídico, com vistas a garantir cada vez mais os direitos e garantias dos trabalhadores (LUZ; SANTIN 2009 apud GALVÃO 1981).
Outro marco importante para o Direito do Trabalho no Brasil, foi a promulgação da Constituição de 1988, também conhecida de Constituição Cidadã. Os direitos trabalhistas adquiriram status Constitucional, sendo estes consagrados no ordenamento jurídico brasileiro.
Percebe-se que o trabalho, desde os primórdios até os dias atuais, sofreu várias mudanças. Foram perdas e ganhos de direitos, até que passou a existir, o que hoje chamamos de Direito do Trabalho.
1.2 Reforma Trabalhista
A reforma trabalhista no Brasil teve seu tramite em 2016, quando o nosso país passava por um processo de impeachment da Presidente Dilma Roussef, e nesse mesmo momento, quando houve a derrubada do governo, o Presidente substituto Michel Temer começou a articular demasiadas reformas jurídicas, que desencadearam perdas e substituições de direitos (DELGADO, 2019, p. 121).
Conforme explica Maurício Godinho Delgado (2019, p. 121) a reforma trabalhista teve seu tramite de forma rápida, pois entre o prazo em que se foi apresentado o projeto original de alteração da Consolidação das Leis do Trabalho até o momento de sua promulgação foram apenas cerca de 6 meses.
“[…] elaborou-se, em poucos meses, a Lei da Reforma Trabalhista no País: o projeto de lei foi enviado pela Presidência da República ao Parlamento nos últimos dias de 2016, transformando-se, em exíguos meses de tramitação - de fevereiro a julho – na Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, vigorante desde o dia 11 de novembro do mesmo ano. Em 14 de novembro, recebeu o novo diploma legal pontuais alterações, por intermédio da Medida Provisória n. 808, de 14.11.2017 – cujas regras vigoraram, porém, apenas de 14.11.2017 até 23.04.2018”. (DELGADO, 2019, p. 121)
Delgado (2019, p. 157) ainda explica que a reforma trabalhista “de maneira célere e compulsiva, deflagrou agressivo processo de desregulamentação e flexibilização trabalhistas, completado por severas restrições ao acesso à Justiça do Trabalho por parte do trabalhador brasileiro”.
2 Responsabilidade Civil
Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p. 1 apud DIAS, 1994, p.1) destacam que “toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade”. De fato, qualquer que seja a atitude humana vai invadir, ou ao menos, passar perto do campo da responsabilidade.
Do latim respondere, a palavra responsabilidade, significa a obrigação que uma pessoa tem de assumir, em razão das consequências jurídicas de suas condutas. (STOCO, 2007, p. 114)
Para o Direito, a responsabilidade é uma obrigação derivada de arcar com as consequências jurídicas de um fato, que podem ter variantes – que vai desde punição pessoal daquele que lesionou e/ou obrigação de reparação dos danosconforme os interesses daquele que foi lesionado. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2016, p. 3).
Segundo Rui Stoco, responsabilidade civil pode ser definida como:
“A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana”. (STOCO, 2007, p. 114)
Viegas e Barros (2016, p. 186 apud SAVATIER, 2005) conceituam a responsabilidade civil como sendo “a obrigação de alguém reparar dano causado a outrem por fato seu, ou pelo fato das pessoas ou coisas que dele dependam”.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho assinalam que:
“Na responsabilidade civil, o agente que cometeu o ato ilícito tem a obrigação de reparar o dano patrimonial ou moral causado, buscando restaurar o status quo ante a obrigação, esta que, se não for mais possível, é convertida no pagamento de uma indenização (na possibilidade de avaliação pecuniária do dano) ou de uma compensação (na hipótese de não se poder estimar patrimonialmente este dano)”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2016, p. 46).
É certo dizer, que ao haver um dano, ocorrerá um desequilíbrio social que deverá ser reparado, para que se retorne à normalidade, ou seja, para haver a restauração do status quo ante. Havendo, pois, o dever de reparar o dano, surgirá a responsabilidade civil, para aquele que o ocasionou.
Ao analisar o art. 186 do Código Civil de 2002, pilar fundamental da responsabilidade civil, que consagra o princípio neminem laedere – que a ninguém é dado causar prejuízo a outrem –, podemos extrair três elementos da responsabilidade civil, a saber, a conduta, o nexo de causalidade e o dano.
2.2.1 Conduta
Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p.27) por conduta, entende-se que é a exteriorização da vontade humana que resulta da liberdade do agente imputável em escolher, com juízo necessário para ter consciência daquilo que faz. E ocasionando algum dano, há a incidência da responsabilidade civil, para que o agente ofensor repare o dano sofrido pela vítima.
2.2.2 Nexo de causalidade
Para que haja a responsabilidade civil, é necessário que haja relação entre ação e o dano causado, ou seja, para que se figure a responsabilidade civil é necessário que exista o nexo de causalidade.
Segundo Diniz (2008, p. 108) “o vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se nexo causal, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível”.
2.2.3 Dano
O direito a indenização requer a existência de um dano, devidamente comprovado, a um interesse ou bem jurídico, seja este dano de natureza moral ou patrimonial.
Indenizar significa reparar outrem o dano causado, de forma integral, se possível, restabelecendo o “status quo ante”, ou seja, deverá por meio da indenização devolver o bem ou o interesse jurídico, ao estado em que se encontrava, antes da ocorrência do dano. Todavia, nas maiorias dos casos é impossível que o bem ou o interesse jurídico retorne ao que era antes do fato danoso, sendo assim a indenização monetária visa compensar o dano ocorrido.
2.2.3.1 Dano Material
“Os danos patrimoniais ou materiais constituem prejuízos, perdas que atingem o patrimônio corpóreo de uma pessoa natural, pessoa jurídica ou ente despersonalizado”. (TARTUCE, 2019, p. 427)
Dessa forma, temos que o dano material atinge de forma direta o patrimônio da vítima, possibilitando nesse caso se mensurar qual foi a extensão do dano sofrido, para que este possa ser reparado.
2.2.3.2 Dano Moral
O dano moral está previsto no art. 5°, V e X da Constituição Federal de 1988, in verbis:
“Art. 5º Todo são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V - e assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou a imagem;
[...]
X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando a indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação.” (BRASIL, 1988)
Por dano moral, pode se conceituar como sendo lesão aos direitos de personalidade do indivíduo, compreendendo lesão a sua liberdade, a solidariedade, a igualdade e a sua integridade psicofísica.
Mello e Godinho, ao citarem Cahali elucidam que o dano moral pode ser conceituado como:
“Tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; [...] na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral”. (CAHALI, 2005, p. 22-23. apud MELLO; GODINHO. 2018, p. 210)
Para acarretar o dever de indenização por dano moral, não basta que haja o mero dissabor da vida cotidiana. É necessário que se extrapole o mero aborrecimento, para que esteja caracterizado o direito de requerer a indenização por dano moral.
3 Dano extrapatrimonial no Direito do Trabalho
3.1 Conceito e noções gerais
Com a Reforma Trabalhista, os danos extrapatrimoniais e a reparação destes diante das relações de trabalho, passaram a ser regulados na Consolidação das Leis do Trabalho. Desse modo, foi inserido o Título II-A na CLT (“Do Dano Extrapatrimonial”), que vai do artigo 223-A ao 223-G, in verbis:
“Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.
Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.
Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.
Art. 223-D. A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.
Art. 223-E. São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão
Art. 223-F. A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.
§ 1o Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os valores das indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de natureza extrapatrimonial.
§ 2o A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os danos emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais.
Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:
I - a natureza do bem jurídico tutelado;
II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação;
III - a possibilidade de superação física ou psicológica;
IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;
V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;
VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;
VII - o grau de dolo ou culpa;
VIII - a ocorrência de retratação espontânea;
IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa;
X - o perdão, tácito ou expresso
XI - a situação social e econômica das partes envolvidas;
XII - o grau de publicidade da ofensa.
§ 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;
II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;
IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.
§ 2o Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1o deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.
§ 3o Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização”. (BRASIL, 2017)
Antes que se passe a análise dos dispositivos acerca dos danos extrapatrimoniais, se faz necessário, antes de tudo, conceituar o dano extrapatrimonial na esfera trabalhista. Segundo Ferreira e Quadros (2019, p. 655) o "dano extrapatrimonial é aquele que se opõe ao dano material, não afetando os bens patrimoniais propriamente ditos, mas atingindo os bens de ordem moral". Ainda segundo aos autores o dano extrapatrimonial pode também ser denominado de dano moral, e acerca dessa modalidade de dano, explicam que:
“[...] são danos morais aqueles que se qualificam em razão da esfera da subjetividade ou plano valorativo da pessoa na sociedade, havendo, necessariamente, que atingir o foro íntimo da pessoa humana ou o da própria valoração pessoal no meio em que vive, atua ou que possa de alguma forma repercutir. Cumpre ressaltar que os danos morais, de modo semelhante aos danos materiais, somente serão reparados quando ilícitos e após a sua caracterização (dano experimentado)”. (FERREIRA; QUADROS, 2019, p. 655-656)
Maurício Godinho Delgado (2019, p. 785) lecionada que não seja possível dizer que dano moral seja sinônimo de dano extrapatrimonial, mas sim que o dano moral seja uma espécie e o dano extrapatrimonial seja o gênero. Isto porque na visão de Godinho (2019, p. 785) com "a literalidade da nova Lei, não cabe mais falar em dano moral, dano estético e correlatos: simplesmente despontam os danos extrapatrimoniais".
Desse modo, o dano extrapatrimonial compreenderá os danos causados aos bens jurídicos tutelados previstos nos artigos 223-C e 223-D, da CLT, inerentes às pessoas físicas ou pessoas jurídicas, in verbis:
“Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.
Art. 223-D. A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica”. (BRASIL, 2017)
No que tange ao artigo 223-C, da CLT, os autores Ferreira e Quadros (2019, p. 657) destacam que o rol trazido é taxativo, e desse modo não comportaria violação a outros bens jurídicos da pessoa física, como por exemplo a morte e a liberdade religiosa.
Maurício Godinho Delgado em sentido contrário destaca que
“[...] o rol de ‘bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa natural’ fixado no art. 223-C da Consolidação não é, de forma alguma, exaustivo, porém apenas exemplificativo. É que os elencos de fatores antidiscriminatórios são, regra geral, meramente ilustrativos, por força da própria Constituição de 1988 (art. 3º, IV, in fine, CF). A interpretação literalista conduziria à absurda conclusão de que o art. 223-C não respeitaria o fator ‘deficiência’, embora seja expressamente enfatizado pela Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência, art. 1º) e pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, da ONU, ratificada pelo Brasil pelo Decreto Legislativo n. 186/2008 — e que ostenta status de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, CF)”.(GODINHO, 2019, P. 787)
Cassar e Borges (2017, p. 41) explicam que, por mais que o legislador infraconstitucional quisesse instituir um rol taxativo, a interpretação não poderia permanecer. Pois, vários outros bens jurídicos sedimentados na Constituição Federal de 1988 deixaram de ser tutelados, assim a Consolidação das Leis do Trabalho não pode querer limitar um direito que a própria Constituição protege (CASSAR; BORGES, 2017, p. 41).
Dallegrave Neto (2017, p. 194) explica que a Constituição Federal apresenta diversas diretivas para com os danos morais e dessa forma "todo direito infraconstitucional, CLT inclusive, submete-se a essas diretivas proeminentes que conferem eficácia ao sistema jurídico". Desse modo, na visão do autor os dispositivos acerca dos danos extrapatrimoniais trabalhistas devem seguir as normas previstas na Constituição Federa de 1988.
Diante das limitações da incidência dos danos extrapatrimoniais trabalhistas por parte do legislador, Francisco Ferreira e Jouberto de Quadros destacam que:
“[...] o magistrado trabalhista, diante do caso concreto, deverá apreciar toda e qualquer hipótese ofensiva à personalidade do trabalhador, como possível de plena reparação em nível de dano moral e também material”. (FERREIRA; QUADROS, 2019, p. 657-658)
Assim, o magistrado deverá interpretar o rol dos artigos 223-C e 223-D, como sendo exemplificativo. Isto porque, uma interpretação restritiva e literária de tais dispositivos não abarcaria demais direitos de personalidade previstos na Constituição Federal e seria flagrantemente considerada inconstitucional.
3.2 Aplicação exclusiva da CLT
De acordo com o art. 223-A, da Lei nº 13.467 “aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título” (BRASIL, 2017). Nesse dispositivo, ao se fazer uma análise literal, se percebe que ele restringe o uso somente da lei celetista para dirimir os conflitos de danos extrapatrimoniais que decorrem da relação de emprego. Assim, de acordo com Brito:
“Tentou o legislador elevar o novo diploma legal a um patamar normativo supra hierárquico e exclusivo; isto é, estaria acima da Constituição da República, dos tratados internacionais e não se comunicaria com outras leis de mesma natureza hierárquica, como o Código Civil”. (BRITO, 2018, p. 3)
No mesmo sentido, afirma Cassar e Borges (2017, p. 40) que o art. 223-A, da Lei nº 13.467 visa restringir a aplicação de outras normas acerca do dano extrapatrimonial na seara trabalhista, e acima de tudo afirma que é uma tentativa de restringir a proteção do trabalhador.
“A expressão ‘apenas’ contida no caput do art. 223-A da CLT deixa clara a intenção do legislador da não aplicação de outras normas de mesma hierarquia acerca do dano extrapatrimonial trabalhista. Por esse motivo, a reparação de dano decorrente de responsabilidade objetiva, que está regulada genericamente no Código Civil, não será aplicada por alguns. Muitos defenderão que as lesões morais trabalhistas ocorridas após a vigência da Lei 13.467/2017, decorrentes de responsabilidade objetiva, não comportam reparação”. (CASSAR; BORGES, 2017, p. 40)
Dallegrave Neto (2017, p. 194) pontua que cabe ao legislador infraconstitucional restringir a incidência do texto constitucional na Consolidação das Leis do Trabalho. Ademais o autor explica que:
“O sistema jurídico contém regras próprias de integração, revogação e harmonização. Uma delas é justamente a submissão das leis ordinárias à Lei Maior. Não existe microssistema jurídico (CLT, CDC, CC, CPC) divorciado do sistema constitucional. Vale dizer, assim como o sistema solar tem o sol em seu centro, cujas luzes alumiam os demais planetas, o sistema jurídico tem a Constituição Federal em seu centro, iluminando e influenciando todos os microssistemas que orbitam em torno dela”. (DALLEGRAVE NETO, 2017, p. 194)
Ante o exposto, fica claro, que a restrição de outras normas, e acima de tudo a restrição da aplicação da Constituição Federal de 1988, para dirimir conflitos trabalhistas acerca de danos extrapatrimoniais, viola à Constituição Federal. Tendo em vista, que o art. 223-A, da Lei nº 13.467, restringiria acima de tudo a proteção do trabalhador à luz da Constituição, ficando assim demonstrada clara inconstitucionalidade desse dispositivo.
3.3 A titularidade do direito à reparação e quem deve reparar o dano
O art. 223-E, da Lei nº 13.467 estabelece que "são responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão”. (BRASIL, 2017)
A titularidade de que tem o dever de reparar é um tema pacífico na doutrina, tendo em vista, que autores como Delgado (2019, p. 788), Ferreira e Quadros (2019, p. 658) e Calvo (2020, p. 510) enfatizam que o dever de indenizar é de todos aqueles que tenham contribuído para a ocorrência do dano.
A regra contida no art. 223-E, da Lei nº 13.467 é a mesma estabelecida no art. 942, parágrafo único, do Código Civil, na qual estabelece a responsabilidade solidária de todas as pessoas que contribuíram para a ocorrência do dano. (CALVO, 2020, p. 510)
No que tange a titularidade do direito à reparação, existe divergência no sentido de que o art. 223-B, da Lei nº 13.467, limitaria a legitimidade de quem teria direito a ter seu dano reparado. O art. 223-B, da Lei nº 13.467 estabelece que “causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação”. (BRASIL, 2017)
De acordo com a autora Adriana Calvo (2020, p. 508), tal dispositivo vem sendo criticado pela doutrina pelo fato de "não inclui, por exemplo, os danos morais sofridos por terceiros (dano em ricochete) e os danos morais coletivos".
Sobre as limitações contidas no art. 223-B, da Lei nº 13.467, Maurício Godinho Delgado, destaca que:
“As omissões do novo Título II-A da CLT, por outro lado, não traduzem ausência do direito protegido pelo ordenamento jurídico, porém mera atecnia legislativa, a ser corrigida pelo procedimento hermenêutico. Ilustrativamente, o dano moral em ricochete (por exemplo, indenização pleiteada pelo filho, em face da perda do pai ou da mãe, em decorrência de acidente do trabalho; ou reparação pleiteada pela esposa ou companheira, em face da perda acidentária de seu esposo ou companheiro) não se tornou infenso às indenizações constitucionais e legais. É evidente que esse tipo de dano e suas indenizações se preservam regulados pela ordem jurídica, uma vez que sua tutela deriva diretamente da Constituição da República (art. 5º, V e X, CF). Nesse quadro, a ideia de titularidade exclusiva do direito à reparação, contida no art. 223-B, in fine, da CLT, tem de ser objeto de adequada interpretação, obviamente”. (DELGADO, 2019, P. 787)
A Lei nº 13. Lei nº 13.467, novamente, tem evidências de violação as disposições contidas na Constituição Federal, no que concerne a proteção do trabalhador e as limitações impostas à titularidade do direito à reparação reforça que existe traços de inconstitucionalidade na redação da Lei nº 13.467.
3.4 Tarifação do dano extrapatrimonial
O art. 223-G, da CLT, estabelece critérios e parâmetros que deverão ser seguidos pelos magistrados no momento em que arbitrarem a condenação da indenização de reparação de danos extrapatrimoniais decorrentes das relações de trabalho, in verbis:
“Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará.
I - a natureza do bem jurídico tutelado.
II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação;
III - a possibilidade de superação física ou psicológica;
IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;
V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;
VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;
VII - o grau de dolo ou culpa;
VIII - a ocorrência de retratação espontânea;
IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa;
X - o perdão, tácito ou expresso
XI - a situação social e econômica das partes envolvidas;
XII - o grau de publicidade da ofensa.
§ 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;
II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;
IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.
§ 2o Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1o deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.
§ 3o Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização”. (BRASIL, 2017)
Conforme observado na primeira parte do art. 223-G, mais especificamente no caput e nos incisos de I a XII, o legislador elencou 12 elementos que deverão ser analisados pelos magistrados quando estiverem diante de um pedido de indenização por danos extrapatrimoniais. Tais elementos constituem o juízo de equidade que deverá ser realizado pelos magistrados no momento do julgamento. Contudo, conforme explica Maurício Godinho Delgado:
“A nova lei, contudo, não observou na integralidade a noção constitucional de juízo de equidade para a análise dos fatos danosos e da decisão indenizatória, uma vez que preferiu retomar o antigo critério do tarifamento do valor da reparação”. (DELGADO, 2019, p. 788)
De acordo com a autora Adriana Calvo, o art. 223-G, da CLT:
“[...] tem sido um dos mais criticados da Reforma Trabalhista, tendo em vista sua flagrante inconstitucionalidade por ter introduzido no Direito do Trabalho o sistema tarifário de fixação dos danos morais, além de utilizar critério discriminatório de parâmetro do valor (o salário do ofendido)”. (2020, p. 512)
Já o modelo de tarifação do dano extrapatrimonial na esfera trabalhista está previsto nos § § 1º a 3º, do artigo 223-G, da CLT, que traz como parâmetro para a fixação da indenização, o último salário do empregado.
4 (In)constitucionalidade da tarifação do dano patrimonial na esfera trabalhista
Como visto alhures, o art. 223-G, da CLT fixa critérios e parâmetros que deverão ser seguidos pelos magistrados no momento de fixar o valor da indenização de reparação de danos extrapatrimoniais.
O modelo de tarifação adotado pelo legislador da Reforma Trabalhista traz grandes semelhanças com o modelo de tarifação adotado na Lei de Imprensa, in verbis:
“Art . 51. A responsabilidade civil do jornalista profissional que concorre para o dano por negligência, imperícia ou imprudência, é limitada, em cada escrito, transmissão ou notícia:
I - a 2 salários-mínimos da região, no caso de publicação ou transmissão de notícia falsa, ou divulgação de fato verdadeiro truncado ou deturpado (art. 16, ns. II e IV).
II - a cinco salários-mínimos da região, nos casos de publicação ou transmissão que ofenda a dignidade ou decoro de alguém;
III - a 10 salários-mínimos da região, nos casos de imputação de fato ofensivo à reputação de alguém;
IV - a 20 salários-mínimos da região, nos casos de falsa imputação de crime a alguém, ou de imputação de crime verdadeiro, nos casos em que a lei não admite a exceção da verdade (art. 49, § 1º).
Parágrafo único. Consideram-se jornalistas profissionais, para os efeitos deste artigo:
a) os jornalistas que mantêm relações de emprego com a empresa que explora o meio de informação ou divulgação ou que produz programas de radiodifusão;
b) os que, embora sem relação de emprego, produzem regularmente artigos ou programas publicados ou transmitidos;
c) o redator, o diretor ou redator-chefe do jornal ou periódico, a editor ou produtor de programa e o diretor referido na letra b , nº III, do artigo 9º, do permissionário ou concessionário de serviço de radiodifusão; e o gerente e o diretor da agência noticiosa.
Art . 52. A responsabilidade civil da empresa que explora o meio de informação ou divulgação é limitada a dez vezes as importâncias referidas no artigo anterior, se resulta de ato culposo de algumas das pessoas referidas no art. 50.
Art . 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente:
I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;
II - A intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação;
III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido”. (BRASIL, 1967)
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 281, já se posicionou no sentido de que "a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa". (BRASIL, 2004)
Posteriormente, no ano de 2008, em sede de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº130, a Suprema Corte firmou tese no sentido de que o modelo de tarifação do dano moral adotado pela Lei de Imprensa não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, em razão dos dispositivos da Lei de Imprensa violarem os direitos de personalidade das pessoas (BRASIL, 2009).
Ante a semelhança entre o modelo de tarifação adotado pela Lei de Imprensa e pela Reforma Trabalhista, pode-se concluir que, o art. 223-G, §1º deve ser declarado inconstitucional, assim como ocorreu com o modelo de tarifação adotado pela Lei de Imprensa.
De forma majoritária, a doutrina compreende que o modelo de tarifação adotado pela Reforma Trabalhista viola o disposto no artigo 5º, incisos V e X e artigo 7º, inciso XXVIII, ambos da Constituição Federal. A Constituição Federal, em seus artigos 5º, incisos V e X e 7º, inciso XXVIII, dispõe acerca da reparação integral dos danos, in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”. (BRASIL, 1988)
Sobre a inconstitucionalidade do modelo de tarifação adotado pela Reforma Trabalhista, Mauricio Godinho Delgado explica que:
“O tarifamento está explicitado no art. 223-G, § 1º, incisos I, II, III e IV, a par dos §§ 2º e 3º do mesmo art. 223-G. Se não bastasse a incompatibilidade desse critério de fi xação da indenização com a Constituição de 1988 — conforme exaustivamente explicado -, o diploma legal agregou fator adicional de incompatibilidade, ou seja, o parâmetro do salário contratual do ofendido como regra geral para cômputo da indenização. Tal parâmetro propicia injusta diferenciação entre o patrimônio moral de seres humanos com renda diversa - circunstância que acentua o desajuste da lei nova à matriz humanista e social da Constituição e da ordem jurídica internacional regente dos Direitos Humanos no País”. (DELGADO, 2019, p. 788)
A seu turno Adriana Calvo, explica que:
“[...] tentou o legislador elevar o novo diploma legal a um patamar normativo supra hierárquico e exclusivo; acima da Constituição da República, dos tratados internacionais e não dialogando com outras leis de mesma natureza hierárquica, como o Código Civil.
Patente que a Reforma Trabalhista faltou neste aspecto pela falta de técnica e coerência do sistema. Mais ainda: tentou construir um verdadeiro regime jurídico de exceção ao mundo do trabalho ao tentar excluir a incidência de outras normas do ordenamento jurídico, inclusive de natureza hierárquica superior, repise-se, a exemplo da Constituição da República”. (CALVO, 2020, p. 512-513)
Ademais, percebe-se que o modelo atual de tarifação presente na CLT, viola o princípio da igualdade. Sobre o princípio da igualdade leciona Maria Berenice Dias:
“A ideia central é garantir a igualdade, o que interessa particularmente ao direito, pois está ligada à ideia de justiça. Os conceitos de igualdade e de justiça evoluíram. Justiça formal identifica-se com igualdade formal: conceder aos seres de uma mesma categoria idêntico tratamento. Mas não basta que a lei seja aplicada igualmente para todos. Aspira-se à igualdade material precisamente porque existem desigualdades. Também existe a igualdade como reconhecimento, que significa o respeito devido às minorias, sua identidade e suas diferenças, sejam elas quais forem. Nada mais do que o respeito à diferença” (DIAS, 2016, p. 76-77).
A violação que aqui se destaca é no sentido de que o modelo de tarifação do dano extrapatrimonial pode trazer indenizações discrepantes, tendo em vista que o mesmo fato gerador pode gerar indenizações diferentes, uma vez que o último salário do empregado será utilizado como base para se fixar o quantum a indenizar.
Nesse sentido, Adriana Calvo (2020, p. 512) explica que o modelo de tarifação adotado pela Reforma Trabalhista utilizou um "critério discriminatório de parâmetro do valor (o salário do ofendido)".
Em recente decisão, o Tribunal Regional do Trabalho da 3º Região do Estado de Minas Gerais declarou a inconstitucionalidade do modelo de tarifação previsto nos §§ 1º ao 3º, sob o fundamento de que o modelo adotado pelo legislador da Reforma Trabalhista fere o disposto no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal (TRT3, 2020).
No mesmo sentido, foi a decisão de incidente de arguição de inconstitucionalidade do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região do Estado do Mato Grosso, que considerou inconstitucional a limitação imposta pelo art. 223-G, §1º, da CLT, por expressa violação ao princípio da reparação integral do dano previsto no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal. Tal entendimento foi sedimentado na Súmula 48, do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, in verbis:
“SÚMULA Nº 48 - ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 223- G, PARÁGRAFO 1º, I A IV, DA CLT. LIMITAÇÃO PARA O ARBITRAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. INCOMPATIBILIDADE MATERIAL COM A CR/88. INCONSTITUCIONALIDADE. É inconstitucional a limitação imposta para o arbitramento dos danos extrapatrimoniais na seara trabalhista pelo parágrafo 1º, incisos I a IV, do artigo 223-G da CLT, por ser materialmente incompatível com os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, acabando por malferir também os intuitos pedagógicos e de Reparação integral do dano, em cristalina ofensa ao artigo 5º, V e X, da CR/88.(TRT ArgInc 0000239-76.2019.5.23.0000)”.
Nesse sentido, o modelo de tarifação adotado pelo legislador na Reforma Trabalhista se mostra inconstitucional por violar a Constituição Federal, e por não priorizar a reparação integral do dano.
Conclusão
Com a Reforma Trabalhista, a Consolidação das Leis do Trabalho sofreu várias mudanças, dentre as quais se destaca a inserção do Título II-A na CLT (“Do Dano Extrapatrimonial”), que vai do artigo 223-A ao 223-G.
Percebeu-se que o legislador em vários pontos do título que trata sobre os danos extrapatrimoniais, não levou em consideração as normas e princípios presentes na Constituição Federal de 1988, o que levou a considerar que as alterações trazidas apresentam desconformidade com a Carta Magna, e por consequência, podem ser consideradas inconstitucionais.
O primeiro ponto analisado foi o constante no art. 223-A, em que restringe o uso somente da lei celetista para dirimir os conflitos de danos extrapatrimoniais que decorrem da relação de emprego, excluindo-se a aplicação, por exemplo, da Constituição Federal.
Outro ponto de maior discussão foi acerca do modelo de tarifação adotado pelo legislador para quantificar o valor da indenização de reparação dos danos extrapatrimoniais, tendo em vista que o art. 223-G está em desconformidade com a Constituição Federal de 1988, pois viola os princípios da isonomia e da reparação integral do dano, previstos no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal.
Outrossim, levando em consideração a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº130, a Suprema Corte firmou tese no sentido de que o modelo de tarifação do dano moral adotado pela Lei de Imprensa não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
Não se pode olvidar que o modelo de tarifação adotado pelo legislador na Reforma Trabalhista é flagrantemente inconstitucional por violar o disposto no art. 5º, incisos V e X, bem como no art. 7º, inciso XVIII, ambos da Constituição Federal.
Desse modo, o magistrado ao analisar o caso concreto, deverá priorizar a reparação integral do dano e primar sempre pelo juízo da equidade no momento de fixar o quantum indenizatório.
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Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário UNA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Suzana Rodrigues da. Dano extrapatrimonial na esfera trabalhista: análise sob a perspectiva da (in)constitucionalidade da tarifação adotada pela reforma trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jul 2021, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56998/dano-extrapatrimonial-na-esfera-trabalhista-anlise-sob-a-perspectiva-da-in-constitucionalidade-da-tarifao-adotada-pela-reforma-trabalhista. Acesso em: 23 dez 2024.
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