GUSTAVO FARIA SILVA[1]
(coautor)
VIRGÍLIO QUEIROZ
(orientador)
RESUMO: O presente tema tem grande relevância, por se tratar de benefício exposto na constituição federal, e, à vista disso, trataremos de conceitualizar e caracterizar a transação penal, as suas competências e os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Desta forma, o presente artigo objetiva pesquisar acerca da inconstitucionalidade do momento processual do oferecimento do instituto da transação penal, mostrando que não é entregue no momento do oferecimento do benefício a devida oportunidade para que o indiciado possa se defender e contrariar sobre as acusações feita contra ele, e ter conhecimento de todos os atos e informações processuais, para que, desta forma, possa aceitar o que lhe for mais benéfico, e, consequentemente, mostrar também o desrespeito a princípios básicos e norteadores da constituição. Ao final, conclui-se que o momento processual adequado para o oferecimento do instituto da transação penal é após o oferecimento das alegações finais, o que está em consonância com os princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. A metodologia utilizada foi a doutrinária, sob o método sistemático-bibliográfico.
Palavras-chave: Inconstitucionalidade, transação penal, devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
ABSTRACT: This theme is highly relevant, as it is a benefit exposed in the federal constitution, and, in view of this, we will try to conceptualize and characterize the criminal transaction, its competences and the principles that guide it. Thus, this article aims to research about the unconstitutionality of the procedural moment of the offering of the institute of the criminal transaction, showing that the opportunity is not delivered at the moment of offering the benefit so that the accused may have knowledge of all acts and procedural information opportunity to defend himself, so that, in this way, he can accept whatever is most beneficial to him, and, consequently, also show disrespect to basic and guiding principles of the constitution. In the end, it is concluded that the appropriate procedural moment for the offer of the institute of the criminal transaction is after the offer of the final allegations, which is in line with the constitutional principles of due, contradictory and ample defense.The methodology used was doctrinal, under the systematic-bibliographic method.
Keywords: Unconstitutionality, criminal transaction, due to legal, contradictory process and wide defense.
SUMÁRIO: Sumário: Introdução. 1. Competência dos Juizados especiais criminais. 2. Transação penal. 2.1 Conceito; 2.2 Natureza jurídica; 2.3 Aceitação da transação penal e homologação do acordo; 2.4 Efeitos do cumprimento ou descumprimento da transação penal; 3. Lei 9099/1995. 4. Princípios. 4.1. Conceito. 4.2. Devido processo legal; 4.3. Contraditório; 4.4. Ampla defesa. 5 Inconstitucionalidade do artigo 76 da lei nº 9099/1995; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
A transação penal foi o meio pelo qual o legislador procurou acelerar o processo, desafogar os tribunais e despenalizar o agente que pratica crime de menor potencial ofensivo, estando prevista na Constituição Federal de 1988, em seu art. 98, inciso I.
Apesar da previsão, a Carta Magna não estabelece de que forma os tribunais vão proceder em relação ao benefício, e, sendo assim, a Lei nº 9.099/1995, mais especificamente em seu artigo 76, traz regramentos para o oferecimento da mesma.
Tal ato, é formulado nos moldes da lei pelo representante do Ministério Público, sendo esse oferecimento pré-processual, antes mesmo da produção de provas ou mesmo da oitiva das testemunhas.
AMORIM (2007, s/p), em seu artigo denominado “Considerações sobre a (in)constitucionalidade da transação penal”, diz que:
No momento da homologação da transação penal, o réu é impelido a aceitar a retirada dos seus direitos para não ter que enfrentar o processo, mesmo que ainda não tenha apresentado sua defesa ou tenha produzido provas contra si.
Então, nesta perspectiva, diante do momento processual do oferecimento do benefício, percebe-se que não existe nenhum tipo de oportunidade ou mesmo informações suficientes, para que possa, ou não, escolher o que lhe é mais benéfico, ou muito menos de se defender. Sendo assim, não são respeitados os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
Portanto indaga-se: o momento processual do oferecimento da transação penal é inconstitucional?
Deste modo, o objetivo geral vem avaliar a inconstitucionalidade da transação penal no que tange ao momento do seu oferecimento.
Para tanto, foram delineadas os seguintes objetivos específicos: descrever a competência dos juizados e do benefício da transação penal, como também o momento de seu oferecimento; conceitualizar os princípios constitucionais do devido processo legal contraditório e ampla defesa; identificar a existência ou não da inconstitucionalidade do benefício citado.
Portanto, parte-se da hipótese de que o momento atual do oferecimento da transação penal é infrutífero, tendo em vista que não existem oportunidades suficientes, para que o indiciado se defenda ou contrarie as alegações feitas contra ele, ou mesmo que tenha conhecimento total dos autos, e que possa escolher o que lhe for mais benéfico, ferindo então princípios básicos do nosso ordenamento jurídico.
Assim, a opção processual nesse momento desrespeita princípios constitucionais, sendo assim, o mais adequado para o oferecimento deste instituto, seria após o oferecimento das alegações finais, o que daria oportunidade ao indiciado de se informar sobre os autos, de oferecer a sua defesa, e escolher o que lhe for mais benéfico, o que estaria em consonância com os princípios constitucionais.
Desta forma, para viabilizar o teste da hipótese, realizou-se uma pesquisa com finalidades doutrinárias, sob o método sistemático-bibliográfico.
Na primeira seção, são descritos as competências dos juizados especiais, bem como, descrever o benefício da transação penal e o momento de seu oferecimento, diante do acusado.
Na segunda seção, realiza-se a conceitualização dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
Na terceira seção, faz-se uma identificação da existência ou não da inconstitucionalidade do benefício, diante do devido processo legal, contraditório e ampla defesa .
Ao final, concluiu-se que os objetivos foram atendidos e a pergunta-problema foi respondida com a confirmação da hipótese trazida ao artigo, indicando que se faz necessário a utilização de um novo momento processual para o oferecimento do benefício da transação penal, sendo ele após as alegações finais, permitindo com que o parquet tenha condições de avaliar se o indiciado está apto para o oferecimento do benefício da transação penal, evitando que o mesmo seja considerado culpado sem os trâmites legais estipulados em lei, dando também oportunidade ao indiciado para que saiba de todas as alegações feitas contra ele, e permitindo nas alegações finais a oportunidade de contrariar e se defender das alegações feitas contra ele, e só assim, escolher o que lhe foi mais benéfico, sanando assim a inconstitucionalidade do momento do oferecimento do benefício.
1 COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
Os Juizados Especiais foram criados com base no artigo 98, I, da Constituição Federal de 1988:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (CF, 1988).
Desta forma, com base na determinação da Carta Maior, foram criados os Juizados Especiais Criminais, através da lei infraconstitucional 9.099/1995, em seu artigo 76, com competência para processar e julgar infrações penais de menor complexidade, traduzidos como aqueles crimes ou contravenções penais nas quais as penas máximas não superem aos 2 (dois) anos de reclusão.
Sendo assim, COUTO, (2017, s/p), diz que:
(...) a realidade não é tão simples assim, se levarmos em conta que o parquet, ao sugerir a transação penal, por algumas vezes não faz um estudo mais aprofundado do caso, fazendo-o somente depois que a transação penal é recusada. Só então é que o Ministério Público decide pelo não oferecimento da denúncia, visto que não foram encontrados elementos que a justifiquem. Ou seja, o acusado, sabendo da sua condição, vai aceitar a transação penal quando se considerar culpado e julgá-la mais benéfica para si. Por outro lado, o tão alardeado fato de não produzir nenhum efeito em desfavor do acusado, pode terminar por não se cumprir, em consequência de certas mazelas do nosso sistema jurídico, que não consegue garantir efetivamente o sigilo que esse processo merece.
Com a transação penal, o legislador buscou um meio para dar celeridade ao processo penal, desafogando os tribunais e despenalizado o agente que pratica crimes de pequeno potencial ofensivo, evitando o aumento do encarceramento, que deixa o autor de delito à margem da sociedade, dificultando a sua reinserção no convívio social, já que o fato de possuir antecedentes, priva o indivíduo de oportunidades no futuro.
2. TRANSAÇÃO PENAL
2.1 CONCEITO DO INSTITUTO DA TRANSAÇÃO PENAL
O instituto da transação penal está previsto na nossa constituição federal em seu Art. 98, I, mas quem trará os regramentos para esse instituto será a Lei nº 9.099/1995, mais especificamente em seu artigo 76.
Desta forma, dispõe o artigo 76 da lei nº 9.099/1995:
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
Para Aury Lopes Jr. (2020, p.1196), a transação penal consiste no oferecimento ao acusado, por parte do Ministério Público, de pena antecipada, de multa ou restritiva de direitos. Não há, ainda, oferecimento de denúncia.
Nesse mesmo sentido, Luiz Antônio Francisco Pinto (2015), em seu artigo denominado “O que é transação penal” diz que:
(...) a transação penal tem o objetivo de desburocratizar o processo penal; fazendo com que a justiça criminal seja mais célere; evitando que o suposto infrator enfrente um processo criminal que poderá culminar com uma condenação, com todas as consequências negativas que uma condenação criminal podendo trazer a um indivíduo, como gerar maus antecedentes e reincidência, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cumprimento da pena; etc.
Em outras palavras, o instituto da transação penal se iguala a um benefício, sendo que para aqueles que cometerem crimes de menor potencial, não cominando pena máxima não superior a 2 (anos), ou mesmo que se encaixam nos moldes do artigo 76 da lei nº 9.099/1995, será oferecido esse instituto pelo representante do Ministério Público, fazendo com que seja resolvido a infração da forma mais rápida possível, não sofrendo a instauração do processo e muito menos gerando antecedentes criminais.
2.2 NATUREZA JURÍDICA
Matéria importante é a distinção da natureza jurídica do instituto da transação penal. Nota-se que logo após sua homologação ela já produz uma sentença que põe fim ao procedimento, enquanto ainda está na sua fase preliminar, mas que, contudo, não tem uma clara definição da sua natureza jurídica, para o caso de seu descumprimento. Assim sendo, e para uma melhor compreensão, vamos voltar um pouco e conhecer as suas bases, pois, como ensina César Fiuza (2002, p.146), “para que se entenda a natureza jurídica de um instituto é preciso conhecer a sua essência”, e neste diapasão, partindo do direito comparado, vamos analisar as diferenças entre o plea bargaining e o guilty plea, no intuito de que se possa formular uma concepção mais abrangente.
Ambos institutos pertencem ao sistema jurídico norte americano. O chamado plea bargaining acontece com a intenção de se barganhar com o acusado, baseado no princípio da oportunidade, no qual é possível a exclusão dos delitos do denunciado. Todavia, por lá, acusação e defesa podem negociar com uma abrangência maior sobre os fatos, a conduta, tipicidade e pena, sendo aplicada sobre qualquer delito, e, inclusive, também feito extrajudicialmente. Já o guilty plea, é um verdadeiro reconhecimento de culpa sem processo, pois nele não existe nenhum acordo, onde o réu concorde com a acusação. Quando a defesa admite a culpa, o julgamento acontece imediatamente, sem processo, abrindo mão de alguns direitos constitucionais, mas observando-se que a confissão precisa ser voluntária.
Isto posto, fica claramente perceptível a influência desses institutos jurídicos norte americanos na essência da elaboração da transação penal tupiniquim, sendo a nossa mais restritiva que a plea bargaining e diferente também do guilty plea, pela não exigência da confissão do acusado.
Conhecendo-se suas bases, ou seja, de onde veio a inspiração, vamos agora analisar a natureza jurídica do instituto da transação penal do ponto de vista da controvérsia criada em torno da hipótese do não cumprimento, por parte do acusado, da transação penal acordada. Essa controvérsia divide-se basicamente em duas correntes que serão aqui apresentadas a fim de que se possa compreender a direção que o processo seguirá , de acordo com a corrente adotada pelo julgador.
A primeira corrente, minoritária, tem o entendimento de que aquilo que ficou ajustado entre as partes e foi ratificado pelo julgador, é meramente homologatório e não possui natureza condenatória. Entre seus defensores, temos Ada Pellegrini Grinover (2005, p.167), para quem a natureza jurídica da sentença não pode ser considerada condenatória, já que não houve acusação e a aceitação da imposição da pena não tem consequências no campo criminal.
Sendo essa também a linha adotada por Guilherme Nucci (2006, p.393). Para ele, a transação penal é apenas uma decisão homologatória, porque não houve o devido processo legal.
Para estes, “a decisão após homologada é terminativa e, após transitada em julgado, não há como ser revista, nem mesmo para o oferecimento da denúncia ou queixa com intenção de dar prosseguimento no processo.”
Como consequência dessa linha de pensamento, não havendo outra solução jurídica para forçar a execução do que foi acordado, a solução seria o arquivamento do termo circunstanciado no qual a ação corretiva foi descumprida.
A outra corrente, que é majoritária, entende que essa homologação tem uma natureza condenatória. E é assim que entende Fernando Capez (2006, p.558), que a natureza jurídica da transação penal é condenatória, porque faz coisa julgada formal e material.
Corroborando com ele temos a 5° e 6° turmas do STJ, que tem ido no mesmo sentido em suas decisões, entendendo que a homologação da transação penal tem natureza condenatória, gerando eficácia de coisa julgada formal e material.
A consequência dessa linha de pensamento é de que, se houver o descumprimento da ação corretiva adotada na transação penal, essa deverá ser desconstituída, dando a chance ao Ministério Público de oferecer a denúncia criminal.
2.3 ACEITAÇÃO DA TRANSAÇÃO PENAL E HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO
Após todos os trâmites pré-processuais, os autos chegam para análise do representante do Ministério Público, sendo que os processos que não forem arquivados, serão encaminhados para secretaria, sendo assim marcadas as audiências preliminares para o oferecimento do instituto da transação penal.
Para Vinicius Borges Meschick da Silva (2016, s/p) que em seu artigo denominado “Lei 9.099/95 e o instituto da Transação Penal”, traz que:
(...)a proposta ocorrerá quando o Ministério Público entender que deva o processo penal ser instaurado, ou seja, nos casos de ação penal pública incondicionada ou condicionada (caso haja representação da vítima) e, nesse último caso, logo após infrutífera tentativa de conciliação entre as partes.
Para Alexandre Lima (2016), o procedimento após oferecimento de tal benefício se da seguinte forma:
(...) depois de feita a composição será homologada pelo magistrado, reduzida a termo e valerá como título executivo. O Ministério Público poderá se manifestar e requerer o arquivamento, se não existir indícios suficientes de autoria e de materialidade ou propor pena de multa ou restritiva de direitos (transação penal), caso presentes os requisitos legais necessários. Caso o infrator aceite a proposta feita pelo MP, ela será homologada pelo juiz, sem nenhuma alteração, a não ser que entender incabível a transação. Nesse caso, irá remeter ao procurador-geral da justiça, que poderá concordar com o juiz ou insistir na proposta (o juiz será obrigado a homologar).
Melhor dizendo, após o trâmites pré- processual e a avalição dos autos pelo representante do Ministério Público, as audiências preliminares são marcadas nos processos nos quais não coube arquivamento, desta forma, no momento da audiência o representante do Ministério Público fará oferecimento da prestação pecuniária ou da prestação de serviços comunitário.
Nesse mesmo sentido, em casos de ação pública incondicionada ou condicionada, sendo que a condicionada à prévia representação da vítima, o magistrado deverá tentar a composição entre as partes, sendo ela negativa, o mesmo partirá para o oferecimento da transação penal.
Diante disso, após o oferecimento da transação penal e o aceite do mesmo, o representante do Ministério Público, redigirá os termos em ata, valendo como título executivo e encaminhando-o para a devida homologação feita pelo Magistrado após a assinatura de todos os presentes em audiência. Já no caso do não aceite da transação penal, cabe ao representante do Ministério Público receber a denúncia para os devidos procedimentos legais.
2.4 Efeitos do cumprimento ou descumprimento da transação penal.
Quanto à transação penal, os efeitos do seu cumprimento serão aqueles onde o processo é extinto e o autor do fato não será considerado culpado. A transação penal não irá gerar reincidência e nem poderá figurar como maus antecedentes para o autor. Ou seja, ele sai teoricamente ileso, sem nenhuma mancha em seu histórico, a não ser o registro da pena de restrição de direitos, tão somente para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.
Quanto ao seu descumprimento, apesar de que não existe ainda uma clara posição da lei, o posicionamento majoritário concorda que a mera homologação da transação penal pelo juiz não faz coisa julgada, e, dessa forma, o seu descumprimento autoriza o Ministério Público a dar prosseguimento no processo contra o autor. Neste sentido, a súmula vinculante 35 do STF estabelece, textualmente:
A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial.
Sabe-se que ainda existem correntes divergentes, com relação ao resultado do descumprimento da transação, mas que são posições minoritárias e que portanto não prevalecem perante à maioria.
3. Lei 9099/1995.
A constituição federal brasileira, expõe em seu artigo 98, I, a criação dos Juizados Especiais, mas quem trará todos os regramentos dos atos processuais será a lei nº 9099/1995, mais conhecida como Lei dos Juizados Especiais.
Em termos gerais, para Danilo Alves da Silva em seu artigo denominado “ Principais aspectos da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (9.099/95)”, diz que:
(...) a Lei nº 9099/05 é um instrumento normativo que institui e disciplina o funcionamento dos Juizados Cíveis e Criminais na esfera Estadual da Justiça brasileira. Estes são órgãos do poder Judiciário que se constituem em um verdadeiro microssistema e possuem a finalidade de processar e julgar questões de menor complexidade.
Nesse sentido, Aury Lopes Jr (2020, p. 1188), discorre sobre a inovação da lei 9.099 da seguinte forma:
(...) a Lei n. 9.099/95 não inovou apenas na criação dos Juizados Especiais Criminais (JECrim). Junto com eles, outros institutos importantes foram inseridos no sistema processual penal brasileiro, como a composição dos danos civis, a transação penal e a suspensão condicional do processo, que serão abordados a seu tempo.
Em outros termos, a lei nº 9.099/1995 foi um marco para a justiça penal, não só apenas por se tratar de trazer os regramentos dos Juizados Especiais, julgando infrações de menor potencial, e desafogando a Justiça comum de casos de menor complexidade. Além disso, ainda traz novos institutos, tais como o que estamos falando no presente artigo, e os institutos da Composição Cível e Suspensão Condicional do Processo (Suspro).
4. Princípios.
4.1. Conceito.
Um princípio é a base fundamental de uma norma jurídica. É o alicerce onde toda norma jurídica encontra a sua sustentação.
Nesse sentido, Miguel Reale (2003, apud CASTRO, 2012, sp), aduz que:
Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.
Os princípios são a fonte de inspiração onde legisladores e juristas vão se basear para a criação de leis e de normas.
Corroborando com esse entendimento, Carem Barbosa de Castro (2012, sp) declara que um princípio sempre será o primeiro degrau na escada da construção de uma nova normatização, ao passo que outros deverão segui-lo.
Um princípio não se trata de uma regra simplesmente, pois vai muito além, posto que limita e provê as diretrizes que vão delinear uma exata compreensão e interpretação das normas.
Complementando, essa idéia, Frederico Fernandes dos Santos (2015, sp), leciona que:
(...) o princípio não proíbe nem obriga, ele deixa o sistema aberto – visando um determinado estado de coisas - sem informar como se chega a esse resultado. Deixa margem para que a situação concreta demonstre o que é melhor. Ele está em consonância com o ordenamento vigente como um todo. E, sendo este alterado, seguindo uma evolução social, o seu entendimento pode levar a uma nova interpretação do princípio. E o princípio, como conceito aberto que é, consegue perpetuar a norma que dele se extrai.
Como foi dito, um princípio é passível de interpretações, de acordo com a conjuntura do momento, seguindo a evolução social e podendo ter um novo entendimento.
4.2. Devido processo legal.
O Princípio do devido processo legal e uns dos mais importantes princípios que regem todo arcabouço processual, sendo ele o principal princípio que assegura a todo cidadão a um processo, contendo todas as etapas processuais asseguradas em lei.
O referido princípio tem previsão constitucional no artigo 5º, LVI, que diz:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
Em características históricas, Guilherme de Souza Nucci (2020, p.129), traz que:
(...) o princípio regente concentra-se no devido processo legal, cuja raiz remonta à Magna Carta de 1215 (“Nenhum homem pode ser preso ou privado de sua propriedade a não ser pelo julgamento de seus pares ou pela lei da terra”). A célebre expressão “by the lay of the land” (lei da terra), que inicialmente constou da redação desse documento histórico, transmudou-se para “due process of law” (devido processo legal).
Já em aspectos específicos, Guilherme de Souza Nucci (2020, p. 143), diz que o devido processo legal, no âmbito do direito penal, delineia-se pela aplicação efetiva dos princípios penais, mormente os de alçada constitucional, interligando-se a aspectos fundamentais do conceito de crime.
Nesse mesmo sentido, Paulo Rangel (2019 p. 57), traz que o princípio significa dizer que se devem respeitar todas as formalidades previstas em lei para que haja cerceamento da liberdade (seja ela qual for) ou para que alguém seja privado de seus bens.
À vista disso, podemos dizer que o princípio referido tem uma grande importância do mundo processual penal, trazendo garantia de que todos os procedimentos legais e princípios penais sejam assegurados a ambas as partes. Esse princípio tem como função garantir procedimentos como: à citação, à comunicação eficiente acerca dos fundamentos da instauração do processo, à ampla defesa, à defesa oral, à apresentação de provas na defesa de seus interesses, como outros.
Desta forma, vale salientar que o não respeito a esse princípio pode acarretar diretamente o percurso processual até a sentença e não ocasionando o encontro de uma sentença justa.
4.3. Contraditório.
Nem sempre o princípio do contraditório foi tão abrangente, englobando o direito processual e o administrativo, já que na constituição federal de 1969 essa garantia só estendia suas asas ao direito penal. Mas, graças às manifestações em sentido contrário, esse direito foi estendido aos demais ramos do direito, como está ratificado na Carta Maior de 1988, em seu artigo 5°, LV:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
A garantia constitucional do contraditório assegura que todos terão direito de conhecer os atos das partes no processo, dando-lhes a possibilidade de reagir aos atos contra si.
Validando, menciona Gabriela dos Santos Barros (2021, sp), que o princípio do contraditório é fundamental para o direito de informação, para todos os eventos processuais e para o direito de se manifestar no processo.
Reafirmando essa posição, o Novo Código de Processo Civil, em seus artigos 7°, 9° e 10° expõe que:
Art. 7º – É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 9º – Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Art. 10 – O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
Sendo assim, no caso da transação penal, o autor da conduta não tem a oportunidade de apresentar a sua versão dos fatos, sendo induzido a decidir entre o aceite ou um tenebroso processo que, muitas vezes, até poderia não resultar em condenação, mas que acaba não sendo escolhido por falta de oportunidade do contraditório.
Portanto, fica aqui demonstrado que o juiz, ao formar a sua decisão, tem o dever de analisar as provas e argumentos jurídicos trazidos pelas partes, desde que sejam pertinentes, trazendo dessa forma, uma lisura ao processo.
4.4. Ampla defesa.
O princípio da ampla defesa é não menos importante que os demais princípios, e uma garantia constitucional que traz ao acusado a oportunidade de se defender das acusações feitas contra ele. Tal defesa poderá ser feita pelo advogado ou mesmo exercida pelo próprio acusado.
Tal garantia tem previsão constitucional, prevista em seu artigo 5°, LV, que diz:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Desta forma, Guilherme de Souza Nucci (2020, p. 155), traz que:
(...) a ampla defesa, isto é, vasta possibilidade de se defender, propondo provas, questionando dados, contestando alegações, enfim, oferecendo os dados técnicos suficientes para que o magistrado possa considerar equilibrada a demanda, estando de um lado o órgão acusador e de outro uma defesa eficiente.
Nesse sentido, vale dizer que “deve ser assegurada a ampla possibilidade de defesa, lançando-se mão dos meios e recursos disponíveis e a ela inerentes (art. 5°, LV, CF), sendo, ademais, dever do Estado "prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (art. 5°, LXXIV, CF)”.TAVORA(2013.p.59).
Mas nesta perspectiva, o direito à defesa inclui a defesa técnica feita pelo advogado, impedindo que colidem interesses dos réus, garantido assim a ampla defesa a todos aqueles que comiam como réus no processo judicial.
A vista disso Eugênio Pacelli (2021, p.77),dispõe:
(...) E, exatamente por isso, não temos dúvidas em ver incluído, no princípio da ampla defesa, o direito à participação da defesa técnica – do advogado – de corréu durante o interrogatório de todos os acusados. Isso porque, em tese, é perfeitamente possível a colisão de interesses entre os réus, o que, por si só, justificaria a participação do defensor daquele corréu sobre quem recairiam acusações por parte de outro, por ocasião do interrogatório.
Deste modo, ainda garante a ampla defesa o art. 8º, 1, do Pacto de San José da Costa Rica – Decreto nº 678/92, que diz:
Art. 8º, 1 - Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”
Desta forma, e não obstantes dos demais princípios referidos neste artigo, é importante dizer que o não cumprimento desse princípio, fere diretamente a justiça, impedindo com que aquele processo tenha uma sentença justa, ainda mais se tratando de garantia assegurada na constituição.
5. Inconstitucionalidade do artigo 76 da lei nº 9099/1995
Em se tratando da transação penal nos Juizados Especiais Criminais, sob uma visão constitucional, ela é maculada de inconstitucionalidade, já que não permite o contraditório, o devido processo legal e a ampla defesa, aplicando-se a pena sem antes mesmo ter analisado os fatos e o mérito da acusação.
Apesar da celeridade que oferece ao sistema judiciário, a transação penal desde sempre sofre com questionamentos por parte de ilustres juristas e doutrinadores, acerca da inconstitucionalidade do seu artigo 76, onde autoriza que o Ministério Público possa propor a aplicação imediata da pena, atropelando os direitos fundamentais do cidadão, garantidos no artigo 5°, LV, da constituição federal, já que no instituto supracitado não existe o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal e a presunção de inocência.
Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV. aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Dessa forma, de acordo com Corteletti (2019, sp):
O artigo 76 da lei 9.099/95 merece ser objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), por parte do Supremo Tribunal Federal, pois é incontestável o seu desalinho com a nossa Carta Maior, culminando com condenações impostas antecipadamente, sem que o autor do fato possa ter o mérito das acusações lhe impostas analisadas no processo.
A solução para esse imbróglio foi apresentada por Amorim (2007, apud Corteletti, 2019, sp) e Piva (2016, apud Corteletti, 2019, sp), onde defendem que:
O momento ideal para a apresentação da proposta da transação penal seria no momento da manifestação das alegações finais feitas pelo Ministério Público, quando, após a instrução processual, terá condições de avaliar se o acusado merece a culpa, e então o parquet estará apto para o oferecimento da proposta de transação, a fim de evitar-se a condenação do mesmo.
Diante disso, vale salientar também, que esse novo momento processual do oferecimento da proposta da transação penal, permite que o indiciado tenha conhecimento de todos os atos processual e se informe sobre o processo como um todo, como também permite oferecer nas alegações finais a sua ampla defesa e o seu contraditório, trazendo assim um total respeito aos princípios que estão sendo feridos pelo pela transação penal nos moldes atuais.
Conclusão.
Quando iniciou-se o artigo científico, constatou que o momento do oferecimento do benefício da transação penal não é propício para o devido prosseguimento do processo e que por isso foi importante o estudo sobre inconstitucionalidade do art. 76 da Lei nº 9.099/1995 no que tange ao momento de oferecimento do benefício da transação penal.
Diante disso, a pesquisa teve como objetivo geral, identificar a inconstitucionalidade da transação penal no que tange ao momento do seu oferecimento, e constou-se que o objetivo geral foi atendido, trazendo efetivamente identificar que o momento estipulado para o oferecimento da transação penal pelo art. 76 da Lei 9.099/95, fere integralmente princípios constitucionais.
Para tanto, a pesquisa também teve como objetivo específico, descrever a competência dos juizados e do benefício da transação penal, como também o momento de seu oferecimento, sendo ele atendido, mostrando a grande importância da lei nº 9099/1995 para os juizados especiais, e também a grande importância do Juizados especiais e do benefício da transação penal em si, desafogando a justiça comum de crimes de menor complexidade.
Já no segundo objetivo específico, teve como meta conceitualizar princípios constitucionais que norteiam o benefício da transação penal, sendo ele também atendido, explicando a grande importância do respeito às garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, como também a importância de cada princípio citado para o encontro da justiça ao final do processo.
No terceiro e último, teve como propósito analisar a existência ou não da inconstitucionalidade do benefício citado, sendo ele também atendido, mostrando que princípios constitucionais, como devido processo legal, contraditório e ampla defesa não estão sendo respeitados pelo benefício da transação penal.
Diante disso, a pesquisa partiu da hipótese de que o momento atual do oferecimento da transação penal é infrutífero, tendo em vista que não existem oportunidades suficientes naquele momento, para que o indiciado possa ser defender, ou mesmo que tenha conhecimento total dos autos, ferindo então princípios básicos do nosso ordenamento jurídico.
A vista disso, foi feito o teste da hipótese, e durante o trabalho verificou-se que no momento do oferecimento do benefício da transação penal, estipulado no artigo 76 da lei nº 9.099/1995, sendo ele ao início do processo, não traz ao parquet as condições suficiente para avaliar se o indiciado seja culpado ou não, permitindo também que o indiciado fique praticamente às cegas, não sabendo por inteiro as afirmações feitas contra ele e muito menos tendo a oportunidade de se defender sem que o mesmo perca a possibilidade do benefício, ferindo diretamente princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, sendo assim, confirmada a hipótese.
Desta forma, a partir do problema apresentado, foi entendido a necessidade da utilização de um novo momento processual para o oferecimento do benefício da transação penal, sendo ele após as alegações finais, permitindo primeiramente ao parquet condições de avaliar se o indiciado está apto para o oferecimento do benefício da transação penal, evitando que o mesmo seja considerado culpado sem os trâmites legais estipulados em lei, permite também ao indiciado a possibilidade de saber sobre todos os trâmites e de todas as alegações feitas contra ele, como também ter nas alegações finais a oportunidade de contrariar e se defender das alegações feitas contra ele, e só assim, escolher o que lhe foi mais benéfico, sanando assim a inconstitucionalidade de tal benefício.
Vale dizer, que esse estudo procurou fazer apenas uma discussão prévia à inconstitucionalidade do momento do oferecimento da transação penal, diante do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
Sugere-se que estudos posteriores, especialmente aqueles aplicados possam se interessar por este artigo, introduzindo a transação penal como figura inconstitucional.
Para conclusão desse artigo, foi utilizado pesquisas com finalidades doutrinárias, sob o método sistemático-bibliográfico.
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Bacharelando em Direito pelo Centro universitário UNA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Marcos Taumaturgo de. Da inconstitucionalidade do art. 76 da Lei nº 9.099/1995 no que tange ao momento de oferecimento do benefício da transação penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jul 2021, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57011/da-inconstitucionalidade-do-art-76-da-lei-n-9-099-1995-no-que-tange-ao-momento-de-oferecimento-do-benefcio-da-transao-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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