KARINA PINHEIRO DE CASTRO[1]
(orientadora)
Resumo: O objetivo do presente estudo é analisar a necessidade do elemento subjetivo para que haja o reconhecimento judicial da legítima defesa. Para que tal objetivo seja alcançado, se fez necessário o estudo sobre a teoria do crime, das causas de excludente de ilicitude, os elementos objetivos da legítima defesa, e, por fim, uma análise das jurisprudências dos Tribunais do Estado de Minas Gerais e do Rio de Janeiro que versem sobre a necessidade do elemento subjetivo de legítima defesa, entre os anos de 2017 a 2019. Foram utilizados métodos de pesquisa jurisprudencial e bibliográfico Com base nas análises feitas pode se perceber, para que a legítima defesa seja caracterizada e reconhecida judicialmente, além dos elementos objetivos – injusta agressão, iminência de agressão, meios necessários a repulsa e uso moderado dos meios –, é necessária a comprovação do elemento subjetivo. Pois, não havendo tal reconhecimento em razão da falta do elemento subjetivo, poderá o agente ter cometido ato ilícito, passível, portanto, de sanção penal.
Palavras-chave: Legitima Defesa. Elemento Subjetivo. Jurisprudência. Minas Gerais. Rio de Janeiro.
Abstract: The aim of this study is to analyze the need for the subjective element so that there is judicial recognition of self-defense. For this objective to be achieved, it was necessary to study on the theory of crime, the causes of exclusion of illegality, the objective elements of self-defense, and, finally, an analysis of the jurisprudence of the Courts of the State of Minas Gerais and Rio de Janeiro that deal with the need for the subjective element of self-defense, between the years 2017 to 2019. Jurisprudential and bibliographic research methods were used. Based on the analyzes made, it can be seen that the legitimate defense is characterized and recognized in court, in addition to the objective elements - unjust aggression, imminent aggression, means necessary for repulsion and moderate use of means - proof of the subjective element is necessary. Because, if there is no such recognition due to the lack of a subjective element, the agent may have committed an unlawful act, subject, therefore, to criminal sanction.
Key-words: Self Defense. Subjective Element. Jurisprudence. Minas Gerais.
Rio de Janeiro.
Sumário: 1 Introdução. 2 Teoria do crime. 2.1 Conceito de crime. 3 Causas de Excludente de Ilicitude. 3.1 Estado de Necessidade. 3.2 Legítima Defesa. 3.3 Em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular do direito. 3.3.1 Estrito cumprimento do dever legal. 3.3.2 Exercício regular do direito. 4 A necessidade do elemento subjetivo para a caracterização da legítima defesa. 4.1 Conceito de elemento subjetivo da legítima defesa. 4.2 Análise doutrinária sobre a necessidade do elemento subjetivo para a caracterização da legítima defesa. 4.3 Entendimento jurisprudencial dos Tribunais de Justiça dos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro sobre a necessidade do elemento subjetivo para a caracterização da legítima defesa. 5 Conclusão. Referências.
1 Introdução
O objetivo do presente estudo é analisar a necessidade do elemento subjetivo para que haja o reconhecimento judicial da legítima defesa.
De acordo com o art. 25 do Código Penal, a legítima defesa é a utilização dos meios necessários, para repelir agressão injusta sua ou de outrem, que seja atual ou imediata. Tendo como elementos caracterizadores: injusta agressão, iminência de agressão, meios necessários à repulsa e uso moderado dos meios. Já o elemento subjetivo seria o conhecimento de que o agente ao repelir injusta agressão, este estaria de tal modo amparado pelo instituto da legítima defesa.
Feita as devidas considerações, o objetivo do presente estudo é analisar a necessidade do elemento subjetivo para que haja o reconhecimento judicial da legítima defesa. Para que tal objetivo seja alcançado, faz-se necessária a abordagem de aspectos como a teoria do crime, as causas de excludente de ilicitude, os elementos objetivos da legítima defesa, e, por fim, uma análise das jurisprudências dos Tribunais do Estado de Minas Gerais e do Rio de Janeiro que versem sobre a necessidade do elemento subjetivo de legítima defesa, entre os anos de 2017 a 2019, para que se possa verificar o entendimento adotado atualmente por estes tribunais.
Desse modo, a presente pesquisa parte do seguinte problema: existe a necessidade de se comprovar o elemento subjetivo para a caracterização da legítima defesa?
Para tal problematização, a hipótese apresentada é a de que para que a legítima defesa seja caracterizada e reconhecida judicialmente, além dos elementos objetivos – injusta agressão, iminência de agressão, meios necessários a repulsa e uso moderado dos meios –, é necessária a comprovação do elemento subjetivo. Pois, não havendo tal reconhecimento em razão da falta do elemento subjetivo, poderá o agente ter cometido ato ilícito, passível, portanto, de sanção penal.
Assim, o presente estudo foi dividido em quatro tópicos. Iniciou-se o estudo pela análise da teoria do crime, tratando sobre os elementos jurídicos do crime, a saber, fato típico, a ilicitude do fato típico e a culpabilidade.
Já o segundo capítulo buscou analisar as causas excludentes de ilicitude, trazendo o conceito, fundamentação legal e modalidades.
Por sua vez, no terceiro tópico foi feita uma análise reflexiva acerca da necessidade do elemento subjetivo para a caracterização da legítima defesa, buscando entender as divergências doutrinárias acerca do tema.
Por fim, o último tópico analisou o entendimento jurisprudencial dos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro sobre a necessidade do elemento subjetivo para a caracterização da legítima defesa.
Para tanto, o presente estudo usou como percurso metodológico a pesquisa documental, bibliográfica e jurisprudencial.
2 Teoria do crime
2.1 Conceito de crime
O Decreto-Lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941, Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro, traz em seu art. 1º, a seguinte definição de crime:
“Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.(BRASIL, 1941)
No ponto de vista de Cezar Roberto Bitencourt:
“Essa lei de introdução, sem nenhuma preocupação científicodoutrinária, limitou-se apenas a destacar as características que distinguem as infrações penais consideradas crimes daquelas que constituem contravenções penais, as quais, como se percebe, restringem-se à natureza da pena de prisão aplicável”.(BITENCOURT, 2012, p. 592)
Rogério Greco por sua vez, explica que:
“Nosso atual Código Penal não nos fornece um conceito de crime, somente dizendo, em sua Lei de Introdução, que ao crime é reservada uma pena de reclusão ou de detenção, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa.
Com essa redação, o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal somente nos trouxe um critério para que, analisando o tipo penal incriminador, pudéssemos distinguir crime de contravenção, mesmo que essa regra tenha sido quebrada pelo art. 28 da Lei nn 11.343/2006. O Código Criminal do Império (1830) e o nosso primeiro Código Penal Republicano (1890) tentaram definir o conceito de crime”. (GRECO, 2016a, p.195)
Buscando entender o conceito de crime, será feita uma breve análise de três sistemas de conceituação do crime, a saber, o sistema formal, o sistema material e o sistema analítico. (JESUS, 2020, p. 213)
Segundo explica Greco (2016, p. 196) na concepção formal de crime, este "seria toda conduta que atentasse, que colidisse frontalmente com a lei penal editada pelo Estado.”
Lado outro, sob o aspecto material, Damásio de Jesus (2020, p. 214) explica que o crime pode ser conceituado como a violação de bens jurídicos que sejam protegidos pelo Direito Penal.
Sobre o conceito material e formal de crime, Rogério Greco explica que:
“Na verdade, os conceitos formal e material não traduzem com precisão o que seja crime. Se há uma lei penal editada pelo Estado, proibindo determinada conduta, e o agente a viola, se ausente qualquer causa de exclusão da ilicitude ou dirimente da culpabilidade, haverá crime. Já o conceito material sobreleva a importância do princípio da intervenção mínima quando aduz que somente haverá crime quando a conduta do agente atentar contra os bens mais importantes. Contudo, mesmo sendo importante e necessário o bem para a manutenção e a subsistência da sociedade, se não houver uma lei penal protegendo-o, por mais relevante que seja, não haverá crime se o agente vier a atacá-lo, em face do princípio da legalidade.
Como se percebe, os conceitos formal e material não traduzem o crime com precisão, pois não conseguem defini-lo”. (GRECO, 2016a, p. 197)
Sobre o conceito analítico de crime os autores Alexandre Salim e Marcelo André Azevedo (2017, p. 143) explicam que o conceito analítico de crime é dividido em duas correntes. Sendo que a primeira considera o conceito bipartido do crime, onde crime é uma conduta típica e ilícita, não considerando a culpabilidade como elemento do crime. Já a segunda corrente considera o conceito tripartido, onde crime é uma conduta típica, ilícita e culpável.
Alexandre Salim e Marcelo André Azevedo (2017, p. 144) destacam que “além de ser majoritário na doutrina, o conceito tripartite é adotado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores”.
3 Causas de Excludente de Ilicitude
Há situações em que uma conduta inicialmente poderia ser considerada ilícita, isto é, eram presumidamente antijurídicas. Contudo, o Código Penal de forma pontual em seu artigo 23, dispõe que o agente ao se encontrar em determinadas situações poderá ter a exclusão de sua ilicitude, assim a conduta que inicialmente era ilícita, passa a ter um caráter lícito, in verbis:
“Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”. (BRASIL, 1940)
Vale ressaltar, que a apesar do legislador excluir a ilicitude do agente que pratica o fato pautado nos incisos do citado artigo. No parágrafo único do artigo 23 do Código Penal, o legislador estabelece que "o agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo". (BRASIL, 1940)
3.1 Estado de Necessidade
De acordo com o artigo 24, do Código Penal "considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se". (BRASIL, 1940)
Imaginemos a seguinte situação: A e B estão em um avião e que está prestes a cair, e há somente um paraquedas. A para se salvar golpeia B que acaba morrendo e pega o paraquedas para se salvar. Seria plausível que A fosse condenada pelo homicídio de B?
Na concepção de Estefam e Gonçalves (2016, p. 400), nesses casos "o direito autoriza uma delas a matar a outra, se isso for preciso para salvar sua própria vida.”
Desse modo, de acordo com Fernando Capez (2018, p. 493) o estado de necessidade é um causa de excludente de ilicitude, no qual o indivíduo em situação de perigo atual "sacrifica um bem jurídico ameaçado por esse perigo para salvar outro, próprio ou alheio, cuja perda não era razoável exigir"
Sobre o tema Rogério Greco explica que:
“Diferentemente da legítima defesa, em que o agente atua defendendo-se de uma agressão injusta, no estado de necessidade a regra é que ambos os bens em conflito estejam amparados pelo ordenamento jurídico. Esse conflito de bens é que levará, em virtude da situação em que se encontravam, à prevalência de um sobre o outro.
Figurativamente, seria como se o ordenamento jurídico colocasse os bens em conflito, cada qual em um dos pratos de uma balança. Ambos estão por ele protegidos. Contudo, em determinadas situações, somente um deles prevalecerá em detrimento do outro”. (GRECO, 2016, p. 424-425)
Salim e Azevedo (2017, p. 425) explicam que para que a conduta do indivíduo se enquadre como estado de necessidade se faz necessário que esteja presente os elementos objetivos presente no artigo 24 do Código Penal, a saber: "perigo atual, ameaça a direito próprio ou alheio, situação não causada voluntariamente pelo sujeito e inexistência de dever legal de enfrentar o perigo". Assim de acordo com Rogério Greco (2016, p. 425) "o elemento de natureza subjetiva, que se configura no fato de saber ou pelo menos acreditar que atua nessa condição” também deverá estar presente.
3.2 Legítima Defesa
Acerca da legítima defesa, o art. 25 do Código Penal estabelece que “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.” (BRASIL, 1940).
De acordo com Luiz Regis Prado
“De acordo com a definição legal e clássica, encontra-se em legítima defesa (vim vi repellere licet) quem repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de terceiro, usando moderadamente dos meios de que dispõe (art. 25, CP)”. (PRADO, 2019, p. 401):
Sobre a legítima defesa, nos ensina Cleber Masson, que:
“Em razão da sua compreensão como direito natural, a legítima defesa sempre foi aceita por praticamente todos os sistemas jurídicos, ainda que muitas vezes não prevista expressamente em lei, constituindo-se, dentre todas, na causa de exclusão de ilicitude mais remota ao longo da história das civilizações.
De fato, o Estado avocou para si a função jurisdicional, proibindo as pessoas a exercerem a autotutela, impedindo-as de fazerem justiça pelas próprias mãos. Seus agentes não podem, contudo, estar presentes simultaneamente em todos os lugares, razão pela qual o Estado autoriza os indivíduos a defenderem direitos em sua ausência, pois não seria correto deles exigir a instantânea submissão a um ato injusto para, somente depois, buscar a reparação do dano perante o Poder Judiciário”. (MASSON, 2017, p. 454)
Para que a legítima defesa esteja caracterizada, são necessários que os requisitos objetivos e, em tese, os subjetivos, estejam presentes.
São elementos objetivos caracterizadores da legítima defesa: injusta agressão, iminência de agressão, meios necessários à repulsa e uso moderado dos meios. Os elementos de caráter objetivo “são aqueles expressos, ou implícitos, mas sempre determinados pela lei penal”. (GRECO, 2017, p. 424).
O elemento subjetivo das causas de excludente de ilicitude estará configurado quando, ao cometimento do ato, o executor “saber que atua amparado por uma causa que exclua a ilicitude de sua conduta”. (GRECO, 2017, p. 424).
3.3 Em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular do direito
De acordo com o penalista Rogério Greco (2016, p. 421) "a lei penal cuidou tão somente de explicitar os conceitos de estado de necessidade e de legítima defesa, ficando as demais definições a cargo de nossa doutrina”. O Código Penal apenas previu que:
“Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
[...]
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”. (BRASIL, 1940)
Em vista disso, passa-se a conceituar o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular do direito de acordo com a doutrina.
3.3.1 Estrito cumprimento do dever legal
Conforme os penalistas Estefam e Gonçalves (2016, 413-414) o estrito cumprimento do dever legal ocorre, em regra quando a lei impõe ao agente público o dever de praticar alguns atos, que podem vim a ser considerado delito, para que este execute algum ato legal. Mas, de acordo com Cézar Roberto Bitencourt, se faz necessário a presença de dois requisitos, a saber:
“a) estrito cumprimento — somente os atos rigorosamente necessários justificam o comportamento permitido;
b) dever legal — é indispensável que o dever seja legal, isto é, decorra de lei, não o caracterizando obrigações de natureza social, moral ou religiosa”. (BITENCOURT, 2012, p. 926)
Estefam e Gonçalves (2016, 414) destacam que existe um terceiro requisito, no qual a "conduta, como regra, de agente público e, excepcionalmente, de particular". A respeito desse requisito, Rogério Greco explica que:
“Há deveres impostos pela lei, contudo, que não são dirigidos àqueles que fazem parte da Administração Pública. O Código Civil, por exemplo, em seu art. 1.634, cuidando do exercício do poder familiar, diz competir aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, dirigir-lhes a criação e a educação. Para tanto, deverão os pais, muitas vezes, tomar atitudes enérgicas na criação e educação dos filhos. Se, porventura, com a finalidade de corrigi-los, vierem a constrangê-los de alguma forma, tal situação, na opinião de Assis Toledo, deverá ser analisada sob a ótica do estrito cumprimento de dever legal”. (GRECO, 2016, p. 471-472)
3.3.2 Exercício regular do direito
O exercício regular do direito pode ser compreendido como a atuação do indivíduo assegurado pela lei. A título de exemplo, temos a prisão em flagrante feita por particular, prevista no artigo 302, inciso III do Código de Processo Penal, o indivíduo que efetuar essa modalidade de prisão não estará praticando ato ilícito, tendo em vista que o legislador autorizou essa conduta, assim, "sua licitude reflete-se na seara penal, configurando excludente de ilicitude: exercício regular de um direito (CP, art. 23, III)." (ESTEFAM; GONÇALVES, 2016, p. 412)
Sobre o tema lecionam Alexandre Salim e Marcelo André de Azevedo:
“Se o agente pratica à. conduta em exercício a um direito (penal ou extrapenal) não há de se falar que essa atuação é contrária ao direito (ilícita). O que é permitido não pode, ao mesmo tempo, ser proibido. Porém, o exercício deve ser "regular", ou seja, deve obedecer às condições objetivas estabelecidas, sob pena de ser abusivo, caso em que o agente poderá responder pelo excesso, doloso ou culposo (CP, art. 23, parágrafo único). o sujeito deve ter consciência de que está exercendo um direito”. (SALIM; AZEVEDO, 2017, p. 293)
Conforme explicam os autores Estefam e Gonçalves (2016, p. 413) caso o indivíduo venha transbordar os limites impostos pela lei, este cometerá o abuso do direito e deverá responder pelos excessos, seja de forma culposa ou dolosa.
4 A necessidade do elemento subjetivo para a caracterização da legítima defesa
4.1 Conceito de elemento subjetivo da legítima defesa
O elemento subjetivo, também conhecido como animus defendendi, está ligado ao "psiquismo interno do agente, que deve ter consciência de que age sob a proteção da justificativa". (MASSON, 2017, p. 425)
Sobre o elemento subjetivo Rogério Greco Explica que:
“[...] o elemento subjetivo foi transportado da culpabilidade para o fato típico, mais precisamente para a conduta do agente, na verdade o foi para o próprio injusto penal. Sim, porque a antijuridicidade é um predicado da conduta típica. O dolo do agente pode ter simplesmente uma finalidade ilícita (matar alguém por motivo fútil), ou uma finalidade amparada pelo ordenamento jurídico (matar alguém para se defender de uma agressão injusta que estava sendo praticada contra a sua pessoa). Essa finalidade jamais poderá ser desprezada, sob pena de regredirmos a conceitos ultrapassados da teoria causal”.(GRECO, 2017, p. 457)
Desse modo, o elemento subjetivo está atrelado ao interesse de agir do agente ou ao fim de agir do agente. Assim, quando se fala em elemento subjetivo da excludente de ilicitude da legitima defesa, significa que o agente ao ter determinada conduta, tem que prever que agiu de tal modo para se defender ou defender a outrem.
Contudo, a doutrina diverge sobre a temática da necessidade do elemento subjetivo para o reconhecimento da legítima defesa, como poderá ser visto nos tópicos que se segue.
4.2 Análise doutrinária sobre a necessidade do elemento subjetivo para a caracterização da legítima defesa
Imaginemos que o individuo está no meio de um protesto e acontece uma confusão e este invade a casa de alguém. Neste caso, ele está diante de uma injusta agressão, iminente e atual, o que restaria configurado os elementos objetivos da legítima defesa, previsto no art. 25, do Código Penal, dessa sorte, em tese não se faz necessário o individuo em sede de ação penal provar que invadiu a residência alheia por medo de se ferir e para se defender.
Acerca dos elementos objetivos os juristas estão de acordo em considerar a necessidade do elemento objetivo para a figuração da legítima defesa. Contudo no tocante, a necessidade do elemento subjetivo é que paira a discussão.
Como analisado, o elemento subjetivo da legítima defesa é quando o agente reconhece que sua conduta ilícita está amparada por uma causa de exclusão de ilicitude. Isto é, o elemento subjetivo está ligado ao pensamento do indivíduo, que no momento que tenta repelir uma injusta agressão deve estar ciente que a faz sob a ótica da legítima defesa.
Sobre o elemento subjetivo da legitima defesa, explica Luiz Regis Prado que o:
“[...] conhecimento da agressão e vontade de defesa. O agente deve ser portador do elemento subjetivo, consistente na ciência da agressão e no ânimo ou vontade de atuar em defesa de direito seu ou de outrem (animus defendi)”. (PRADO, 2019, p. 404)
Souza e Japiassú pontuam que:
“[...] deve estar presente o elemento subjetivo, isto é, o animus deffendendi. O propósito de reagir em autodefesa ou na defesa de terceiro é o que coloca na esfera da licitude um comportamento objetivamente típico”. (SOUZA; JIAPIASSÚ, 2018, p. 265)
No mesmo sentido, Welzel (1997, p. 100 apud SOUZA; JIAPIASSÚ, 2018, p. 265) destaca que “a ação de defesa é aquela executada com o propósito de defender-se da agressão. O que se defende tem que conhecer a agressão atual e ter a vontade de defender-se.”
Contudo, há doutrinadores como Noronha (1997, p. 201 apud NUCCI, 2019, p. 204) que entendem não ser necessário o elemento subjetivo para que seja figurada a legitima defesa. Noronha (1997, p. 201 apud NUCCI, 2019, p. 204) explica que a legitima defesa “situa-se no terreno físico ou material do fato, prescindindo de elementos subjetivos. O que conta é o fim objetivo da ação, e não o fim subjetivo do autor.”
Ainda segundo Noronha:
“É causa objetiva de excludente da antijuridicidade. ‘Objetiva’ porque se reduz à apreciação ‘do fato’, qualquer que seja o estado subjetivo do agente, qualquer que seja sua convicção. Ainda que pense estar praticando um crime, se a ‘situação de fato’ for de legítima defesa, esta não desaparecerá. O que está no psiquismo do agente não pode mudar o que se encontra na realidade do acontecido. A convicção errônea de praticar um delito não impede, fatal e necessariamente, a tutela de fato de um direito”. (NORONHA, 1997, p. 196 apud NUCCI, 2019, p. 204)
Nélson Hungria, por sua vez destaca que:
“O preconizado critério subjetivo, em matéria de legítima defesa, só é compreensível para o efeito do relativismo com que, ocorrendo efetivamente uma agressão ou perigo de agressão, se deve apreciar o ‘erro de cálculo’ do agente, no tocante à gravidade da real agressão ou do real perigo, e consequente excessus no modus da reação. Somente para se saber se o excessus defensionis é doloso, culposo ou isento de qualquer culpabilidade, é que se pode e deve indagar da subjetividade da ação”. (HUNGRIA, 1936, p. 364 apud NUCCI, 2019, p. 204)
Diante dos argumentos apresentados pelos nobres doutrinadores, temos que a legítima defesa será caracterizada e reconhecida judicialmente, se além dos elementos objetivos – injusta agressão, iminência de agressão, meios necessários a repulsa e uso moderado dos meios –, esteja presente o elemento subjetivo. Pois, não havendo tal reconhecimento em razão da falta do elemento subjetivo, poderá o agente ter cometido ato ilícito, passível, portanto, de sanção penal.
Vale ressaltar, que o reconhecimento que se pede aqui por parte do indivíduo se refere a compreender que está agindo para defender a sua integridade ou a de outrem, e não está relacionado ao reconhecimento por parte do indivíduo que sua conduta se configura como ato ilícito.
4.3 Entendimento jurisprudencial dos Tribunais de Justiça dos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro sobre a necessidade do elemento subjetivo para a caracterização da legítima defesa
De acordo como foi exposto anteriormente, por meio de um estudo feito em doutrinas penalistas, a legítima defesa é uma excludente de ilicitude que para ser figurada se faz necessário a presença de dois requisitos, a saber: o objetivo que se encontra de forma explícita no tipo penal da legítima defesa e o subjetivo, que apesar de não está de forma explícita no Código Penal, os doutrinadores entendem que este requisito é necessário para se ter o reconhecimento da legítima defesa.
Para uma profunda análise sobre o tema, se faz necessário um estudo jurisprudencial com o intuito de verificar se o elemento subjetivo é necessário para o reconhecimento da legítima defesa e se os Tribunais tem exigido a presença desse requisito para que conceda a exclusão da ilicitude.
Desse modo, foram feitas pesquisas de jurisprudências dos Tribunais de Justiça dos Estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, entre os anos de 2017 a 2019. Contudo, a presente pesquisa realizada não teve o condão de esgotar o tema, o intuito foi apenas aprofundar sobre o tema para uma melhor compreensão.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro com o passar dos anos, vem sedimentando o entendimento de que para ser configurada a legítima defesa é necessária a presença dos elementos objetivos e do elemento subjetivo, conforme se verifica na decisão abaixo colacionada.
“[...]
Revela-se patente, assim, na espécie, o animus laedendi como força motriz à conduta do agente, em contraposição ao animus defendendi, que desponta como requisito subjetivo da justificante em foco, igualmente não cumprido, de forma que ora se reputa inócuo e insubsistente o anseio de fazer incidir a figura do artigo 25 da Lei Penal. (grifo nosso)
[...]
(0005476-47.2019.8.19.0002 - APELAÇÃO. Des(a). ELIZABETE ALVES DE AGUIAR - Julgamento: 18/09/2019 - OITAVA CÂMARA CRIMINAL)”.
O julgado acima colacionado se trata de apelação criminal, que foi interposta em face de decisão que condenou o réu pelo delito de lesão corporal no âmbito da relação doméstica e familiar. Alegou a parte Ré que agiu sob a égide da legítima defesa, pois apenas estava se defendendo das agressões da vítima.
Contudo, conforme provas acostadas nos autos tal tese defensiva não prosperou, tendo em vista a parte ré não ter conseguido provar que agiu em razão de injusta agressão ou que estava agindo para se defender.
Assim, a Oitava Câmara Criminal negou provimento ao apelo do acusado, por entender que os elementos objetivos e o elemento subjetivo da legítima defesa não estavam presentes, restando comprovado apenas o propósito do acusado em ferir a vítima.
Em sede da Apelação nº 0005146-72.2007.8.19.0066, a Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferiu decisão parecida. Pois, entenderam os nobres julgadores que no caso em tela, o acusado não havia agido em legítima defesa, pois os elementos objetivos e o elemento subjetivo necessários para o reconhecimento da citada excludente de ilicitude, não estavam presentes. Consideram que a intenção do acusado sempre foi de matar a vítima e não se defender.
Seguindo o mesmo entendimento das decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, as decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, também consideram que para a excludente de ilicitude ser reconhecida, não basta que somente os elementos objetivos estejam presentes, se faz necessária à presença do elemento subjetivo – animus defendendi.
A Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, nos autos do processo nº 1.0024.14.064863-5, manteve a condenação do acusado, por entender que não era o caso de reconhecimento da excludente ilicitude - legítima defesa, devido os elementos previstos no art. 25, do Código Penal não estarem presentes.
Na mesma esteira, a decisão abaixo colacionada da Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, manteve a condenação do Tribunal do Júri, por entender que não seria possível o reconhecimento da legítima defesa, pela ausência de seus requisitos.
“[...]
4. Para a configuração da legítima defesa, faz-se mister a presença de quatro requisitos, a saber: agressão injusta, atual ou iminente, por parte da vítima contra o agente; existência de direito próprio ou alheio que o agente vise a resguardar; emprego, pelo agente, dos meios estritamente necessários e suficiente s ao afastamento da agressão, de forma moderada; e, por fim, o "animus defendendi", sendo este último um elemento subjetivo, ao passo que todos os demais são de natureza objetiva. (grifo nosso)
[...]
(TJMG - Apelação Criminal 1.0051.15.000783-2/002, Relator(a): Des.(a) Marcílio Eustáquio Santos , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 18/04/2018, publicação da súmula em 27/04/2018)”.
Diante das análises feitas das decisões dos Tribunais de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e do Estado de Minas Gerais, conclui-se que ambos adotam o mesmo entendimento acerca da necessidade do elemento subjetivo, ou seja, da presença do animus defendendi, para o reconhecimento da legítima defesa e consequente exclusão do crime.
Assim, a corrente doutrinária majoritária e a jurisprudência caminham no mesmo sentido quando se trata do reconhecimento da legítima defesa, dizendo que se faz necessário a presença do elemento/requisito subjetivo, mesmo sendo este um requisito que não está de modo explícito no artigo 25 do Código Penal.
5 Conclusão
O presente estudo buscou, analisar a necessidade do elemento subjetivo para que haja o reconhecimento judicial da legítima defesa.
Para tanto, foi estudado o conceito de crime e as concepções deste. E após a análise a concepção mais usada pela doutrina é a que concerne ao aspecto analítico de crime, onde conceitua-se crime como sendo toda conduta típica, ilícita e culpável.
No que concerne ao estudo das excludentes de ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito) o legislador impõe que, para que o ocorra o seu conhecimento e consequente exclusão do crime, todos os requisitos devem ser preenchidos.
Sobre a necessidade do elemento subjetivo para o reconhecimento da legítima defesa, na doutrina a duas correntes. A corrente minoritária defende que não necessita que o individuo reconheça que está agindo com o ânimo de se defender, basta que ele reconheça que está agindo diante de uma injusta agressão, atual ou iminente, para defender direito seu ou de outrem.
Já a corrente majoritária, mais cabível ao caso, defende que o reconhecimento da legítima só será possível se estiver presente os elementos objetivos e o animus defendendi - elemento subjetivo.
No que concerne ao levantamento do entendimento adotado pelos Tribunais de Justiça do Estado de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, percebe-se que ambos adotam o entendimento de que além dos elementos objetivos, para o reconhecimento da legítima defesa é necessário a presença do elemento subjetivo.
Ante o exposto, conclui-se que para o reconhecimento da legítima defesa é necessário que o elemento subjetivo esteja presente, caso contrário a ilicitude do crime permanecerá, e por consequência não haverá a exclusão do crime.
Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
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[1] Professora de Direito Civil do Centro Universitário UNA (Parte Geral, Obrigações, Contratos, Responsabilidade Civil, Direitos Reais, Família e Sucessões), em Direito Processual Civil (Teoria Geral do Processo e Procedimentos Especiais), professora de Direito Civil de cursos preparatórios para concursos e Exame da OAB, advogada, parecerista da Revista Brasileira de Direito Civil, autora de obra e artigos jurídicos, e-mail: [email protected].
Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário UNA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Fernando. Análise sobre a necessidade do elemento subjetivo para a caracterização da legítima defesa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jul 2021, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57037/anlise-sobre-a-necessidade-do-elemento-subjetivo-para-a-caracterizao-da-legtima-defesa. Acesso em: 23 dez 2024.
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