Resumo: Dentre as propostas apresentadas para solucionar a denominada crise do Poder Judiciário, sem dúvida alguma, a do efeito vinculante das decisões judiciais, ou simplesmente Súmula Vinculante, vislumbra-se como a mais polêmica. A emenda constitucional nº 45/04 que acrescentou o artigo 103-A ao texto da Lei Excelsa, embora possa contribuir para a redução dos processos que afogam o Poder Judiciário, é gerador de discussões, mormente a grande preocupação por parte dos juristas de que a adoção de tal efeito vinculante amordaçará os juízes de primeira instância, impedindo uma renovação do entendimento jurisprudencial sobre a lei brasileira, o que culminaria a estagnação do Direito Nacional, e ainda acreditam serem afrontados diversos princípios constitucionais, entre eles o da Livre Convicção do Juiz. No entanto, os defensores do referido dispositivo afirmam que a não observância das decisões do Supremo Tribunal enfraquece a força normativa da Constituição, alegam não ser ferido o Princípio da Livre Convicção Judicial e a prerrogativa do juiz dizer o direito conforme a sua consciência, sendo certo que a força vinculante somente incide sobre a interpretação do direito e não sobre a apreciação dos fatos.
Abstract: Amongst the proposals presented to solve the called crisis of the Judiciary, without a doubt, that of the binding effect of judicial decisions, or simply Binding Precedent, is seen as the most controversial. The Constitutional Emendation nº 45/04, which added article 103-A to the text of the Excelsa Law, although it may contribute to the reduction of cases that drown the Judiciary Power, generates discussions, especially the great concern on the part of jurists that the adoption of such binding effect will muzzle the lower court judges, preventing a renewal of the jurisprudential understanding of Brazilian law, which would culminate the stagnation of National Law, and they still believe that various constitutional principles, including the Free Belief of the Judge, are affronted. However, the defenders of the aforementioned provision claim that failure to comply with the decisions of the Supreme Court weakens the normative force of the Constitution, they claim that the Principle of Free Judicial Belief and the prerogative of the judge to say the law according to their conscience, being true that the binding force applies only to the interpretation of the law and not to the assessment of the facts.
Palavras-chaves: Súmula. Vinculante. Excesso. Sistemática
Keywords: Abridgement. Binding. Excess. Syztematics
1. Introdução à questão
A Constituição da República abriu para o cidadão brasileiro um leque de direitos basilares completamente imprescindíveis à viabilização do fenômeno social que “ressurgia”, marcado pela transição de um estrutura de Estado, anteriormente ditatorial, para outra, sensivelmente democrático.
Desta feita, a nova ordem constitucional instaurada representou para a sociedade brasileira uma perspectiva de acesso eficaz a defesa de defesa dos direitos fundamentais, assim o número de demandas judicias cresceu vertiginosamente, de outro lado, o serviço judiciário não se mostrou preparado para atender na mesma proporção os jurisdicionados. E aqui está o cerne da questão.
A crise do judiciário brasileiro tem levantado inúmeros questionamentos a respeito de uma medida suficientemente capaz de contribuir para o desafogamento da máquina judiciária.
E nesse levante de opiniões parte da doutrina e jurisprudência afirma que a atribuição do efeito vinculante às Súmulas e aos Enunciados revela-se importante meio propiciador de um Judiciário mais eficiente e de uma justiça mais célere, para milhares de ações judiciais proposta diariamente no país.
Em seu Dicionário Jurídico, Maria Helena Diniz apresenta o significado de súmula:
“1. Direito processual. a) Conjunto de teses jurídicas reveladoras de jurisprudência predominantemente no tribunal, traduzida em forma de verbetes sintéticos numerados (Nelson Nery Jr.); b) resumo de decisão judicial colegiada (Othon Sidou); c) ementa reveladora da orientação jurisprudencial de um tribunal pra casos análogos (Marcus Cláudio Acquaviva); d) ementa de sentenças ou acórdão (De Plácido e Silva); e) tradução de orientação da jurisprudência predominante do tribunal (José de Moura Rocha)...”[sic] (Op. Cit., vocábulo “Súmula”, pág. 463), e mais adiante complementa a definição ao trazer o significado de súmula da jurisprudência: “Teoria geral do direito e direito processual. 1. Norma consuetudinária que uniformiza a jurisprudência, constituindo fonte de direito, atuando como norma aplicável aos casos que caírem sob sua égide, enquanto não houver norma que os regule ou uma modificação na orientação jurisprudencial, já que é suscetível de revisão. 2. Enunciado que resume uma tendência sobre determinada matéria, decidida contínua e reiteradamente pelo tribunal; constitui uma forma de expressão jurídica, por dar certeza a determinada maneira de decidir. 3. Condensação de no mínimo três acórdãos do mesmo tribunal, adotando igual interpretação de preceito jurídico em tese, sem efeito obrigatório, mas apenas persuasivo, publicado com numeração em repertórios oficiais do órgão (Othon Sidou).” [sic](Op. cit., vocábulo “Súmula da Jurisprudência”, pág. 463).
Em assim sendo as vozes mais retumbantes do direito nacional afirmam que “não mais se questiona sobre o efeito vinculante das súmulas do Supremo Tribunal Federal”[1], contudo encontramos correntes que se contrapõem a vinculação e que vêm solenemente repudiando tal questão desde que o projeto de emenda constitucional tramitava no Congresso Nacional.
Uma das pioneiras a tratar com seriedade o tema no direito moderno foi a atual ministra do STF a professora Carmem Lúcia Antunes Rocha que na época escreveu que “a Súmula Vinculante é no Direito o silêncio obsequioso imposto nas religiões sem democracia”.
Vale ressaltar que no período imperial ao tempo da Ordenações Filipinas, era atribuído à Casa de Suplicação de Lisboa o poder de baixar assentos a respeito das interpelações das ditas ordenações, com força vinculante para as relações e os juízes de direito, para estes era cominada pena de suspensão em caso de desobediência.
No Brasil, o Decreto Imperial 2.684 de 23 de outubro de 1875 determinava que os assentos da Casa de Suplicação de Lisboa tomados até a Independência tivessem força de lei no Brasil. Após a independência, conferia ao Supremo Tribunal de Justiça a atribuição de baixar assentos obrigatórios para a inteligência das leis, sendo tais normas abolidas com a República.
Entretanto, já nos “tempos modernos” nos deparamos com o desenvolvimento de estudos para introduzir a súmula (instituto do commom law) no nosso ordenamento jurídico (civil law), como o do ex-ministro, Victor Nunes Leal, que, em meados de 1963, com o intuito de definir em pequenos enunciados o que o STF vinha decidindo de modo reiterado sobre temas que repetiam constantemente em seus julgamentos, inseriu o conceito de súmula de jurisprudência. Sua proposta era a de criar, por meio de emenda ao regimento interno, “súmula de jurisprudência dominante do STF”.
Uma medida de natureza regimental a súmula vinculante consistia em especialmente descongestionar os trabalhos do tribunal possibilitando que a ação de seus juízes se tornasse mais célere. Segundo o citado jurista a súmula informaria os magistrados do país e aos advogados qual a orientação da Corte Suprema nas questões mais frequentes. O instituto ressurgido uniformizaria decisões que reiteradamente viam se repetindo em semelhantes julgados. Não teria a súmula qualquer caráter impositivo ou obrigatório, não sendo imutável para o tribunal que a editou ou para as instâncias, segundo o ex-ministro, Victor Nunes Leal, elas poderiam então ser alteradas, conforme a necessidade, por sugestão dos ministros ou das partes, ou ainda, por meio de agravo contra o despacho de arquivamento de recurso extraordinário ou do agravo de instrumento.
Assim, no sistema jurídico brasileiro vigente desde o advento da República, as Súmulas tinham apenas caráter persuasivo e não vinculante, com mera finalidade de conferir estabilidade à jurisprudência dominante, facilitando o julgamento das questões mais frequentes.
Por isso não é difícil encontra diversos artigos que ao criticarem o “noveo” dispositivo ousam dizer que “rebatizado de Súmula Vinculante, o velho e rançoso assento regimental, instrumento de caráter autoritário, usurpador da função legislativa, volta a integrar nosso direito”.[2]
Nesta esteira os contrários a adoção da Súmula Vinculante defendem a tese de que a mesma é incompatível com uma infinidade de Princípio Processuais, e, sobretudo constitucionais, argumentando que não há como se construir ou se promover qualquer inovação na sistemática processual que não se paute no respeito aos Princípios Constitucionais, haja vista ser a Constituição a expressão máxima do paradigma do Estado Democrático de Direito.
Na prática, em decorrência de uma tendência constatada dos magistrados em julgar pautando-se na jurisprudência dominante dos tribunais superiores, as súmulas mesmo sem previsão de obrigatoriedade tinham efeito quase vinculante, uma vez que a uniformização da Jurisprudência sempre se conduziu para a busca maior da segurança jurídica e colaborando para a promoção da justiça com a igualdade de decisões em casos semelhantes.
2. A Súmula Vinculante
A emenda constitucional nº 45/04 instituiu assim a Súmula Vinculante com a inserção do art. 103-A à Carta Magna. Vejamos o teor do dispositivo:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006).
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Determina ainda a EC nº 45/04 em seu artigo 8º que “as atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial”.
Nos termos da emenda foi atribuída privativamente ao Supremo Tribunal Federal a aprovação de Súmula que, depois de publicada, será investida de força vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário, bem como em relação à administração pública em todas as esferas, procedendo-se tal adoção por provocação (provocada através da atividade processual em outras esferas) ou de ofício (fruto de atividade espontânea do próprio STF).
Para conferir a citada eficácia vinculante a súmula do pretório excelso, exige o texto constitucional o preenchimento de pressupostos formais – a decisão tomada por, ao menos, dois terços dos membros daquela corte, quorum qualificado (oito ministros do STF) – e materiais – consubstanciados na exigência de preexistência de reiteradas decisões no sentido da súmula proposta – bem como se tratar de matéria constitucional.
A Constituição exige que a súmula tenha por objeto a validade, a interpretação ou eficácia de normas determinadas, e que sobre estas haja controvérsia atual entre órgãos judiciários, ou entre estes e a administração pública, há de ser extremamente relevante no momento da criação da súmula. Além disso, a controvérsia deverá ser tal que acarrete grave insegurança jurídica, certamente causando prejuízos diversos, e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica, girando em torno da mesma norma constitucional controvertida.
Está previsto igualmente a possibilidade de revisão ou cancelamento das súmulas assim aprovadas. Um meio assecuratório da eficácia da súmula consiste na denominada reclamação, a ser manejada pelo interessado contra decisão judicial ou ato administrativo que desrespeite a súmula –seja não aplicando quando cabível, seja aplicando-a quando incabível.
E recentemente sob aplausos de uns e vaias de outros, entrou em vigor, já no apagar das luzes de 2006, precisamente em 19 de dezembro, publicada no Diário Oficial da União no dia 20 de dezembro, a Lei nº 11.417 que regulamenta o supra citado art. 103-A da CF, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal.
A lei reproduz os ensinamentos do texto constitucional, quanto à edição da súmula, a matéria que deverá ser exclusivamente constitucional, publicação, validade, interpretação, eficácia e seu caraterístico efeito vinculante em relação aos órgãos judicantes e da administração pública em todas as esferas.
A publicação da súmula deverá ser no prazo de 10 dias após a sessão em que editar, rever ou cancelar tal enunciado feita em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União.
Serão legitimados à propositura de súmula, à sua revisão ou cancelamento os legitimados ativos às Ações Diretas de Inconstitucionalidade, tendo a lei ampliado o rol, como já havia previsto a Magna Carta acrescentando o Defensor Público-Geral da União, e os tribunais Superiores, o Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho e os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.
Assim, poder-se-á classificar os legitimados ativos para propositura de Súmula com efeito vinculante em:
a) Legitimados universais ou neutros: todos aqueles que atuam na defesa geral dos interesse da Nação, que não precisam demonstrar relação de pertinência objetiva na fixação obrigatória do entendimento jurisprudencial do Pretório Excelso. Esta categoria, no ato da propositura, deverá tão somente, ater-se a demonstração de existência dos requisitos previstos no art. 2º, §1º da Lei nº 11.417/06, para conhecimento do pedido de edição, revisão ou cancelamento, a saber, dano potencial ou efetivo à segurança jurídica e à celeridade processual. São estes o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem das Advogados do Brasil; o Defensor-Público Geral da União; e partido político com representação no Congresso Nacional;
b) Legitimados especiais ou sectários: todos aqueles que atuam, na defesa específica de interesses inerentes à determinada categoria ou população restrita à determinada base territorial, necessitando demonstrar, além dos requisitos do art. 2º, § 1º da Lei nº 11.417/06, relação de pertinência objetiva na fixação obrigatória do entendimento sumulado do Pretório Excelso. São estes a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; a mesa de Assembleia Legislativa ou Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estados ou do Distrito Federal; e os Tribunais Superiores, o Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho e os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.
Fora os legitimados acima, a lei regulamentadora da súmula vinculante trouxe a possibilidade de formulação de proposta de súmula por parte do município, desde que seja efetuada incidentalmente ao curso de ação em que seja arte, além de comprovação de dano potencial ou efetivo à segurança jurídica e à celeridade processual, bem como da demonstração de pertinência objetiva.
Permite-se a participação de terceiros, denominando-a de manifestação, a teor de seu art. 3º, §2º, in fine, da Lei nº 11.17/06. Inicialmente, há que e ter em mente que não se trata da figura processual da intervenção de terceiros, uma vez que procedimento para edição, revisão ou cancelamento de súmula se trata de procedimento objetivo do pretório excelso, a manifestação de terceiros deve ser limitada, tão somente, à exposição de tese de direito sobre a validade, a interpretação e a eficácia das normas jurídicas confrontadas com o texto constitucional, cuja admissão dependerá de prudente juízo do relator, não havendo que se falar em defesa de interesses subjetivos.
Conforme acontece no procedimento de ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade, o Procurador-geral da República quando não houver formulado a proposta da edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante manifestar-se-á previamente.
A norma regulamentadora registra que a eficácia da súmula com efeito vinculante será imediata, podendo a corte suprema, por decisão de 2/3 de seus membros restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse público.
Salutar informar que se for revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição da de enunciado do STF de ofício ou por provocação procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.
Igualmente, menciona que a decisão judicial ou ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplica-lo indevidamente caberá reclamação ao STF, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação, devendo no que pertine ao ato da administração pública esgotar as vias administrativas para o uso da reclamação, sendo procedente a reclamação o ato administrativo será anulado, e, cassada a decisão judicial impugnada, determinando-se que outra seja proferida.
Por reclamação, nos termos da lei acima mencionada, entende-se o procedimento que objetiva a preservação da competência da Suprema Corte Federal e da Corte Superior de Justiça ou a garantia da autoridade das decisões. Via de regra, é instaurada por ato do membro do Ministério Público ou do próprio interessado, perante o órgão fracionário ou o pleno, conforme o caso, sendo distribuído a um relator que irá requisitar informações ao órgão competente em decêndio legal e ouvido o parquet, tão somente nas reclamações não propostas pelo mesmo. Do julgamento por parte do STF poderá resultar, nos termos do art. 161 de seu regimento interno, a avocação do processo em que houve usurpação de competência, ordem de remessa dos autos do recurso para ele interposto; cassação da decisão exorbitante; ou determinação das medidas adequadas para a observância de sua jurisdição. Por fim, cabe ressaltar que, nos casos de a reclamação se fundar em jurisprudência consolidada do Pretório Excelso, é facultado ao relator julgar monocraticamente a reclamação (art. 161, parágrafo único do Regimento Interno do STF).
A norma impõe responsabilidade, tanto na esfera cível, quanto na penal e administrativa para os órgãos da administração pública que não aplicarem a determinação. Entretanto, não há previsão de responsabilidade aos membros do Poder Judiciário, sob pena de estar punindo o juiz por exercer algo inerente a sua profissão, ou seja, a interpretação das leis.
3. A questão problema
A adoção das súmulas de efeito vinculante no sistema jurídico brasileiro tem por base os Princípios da Celeridade e da Economia Processual, em nome da agilização dos processos e da garantia de um processo justo, partindo-se da premissa de que não é racional obrigar as partes suportarem a demora do processo quando há abuso do direito de defesa ou quando parcela da demanda pode ser definida no curso do processo, e tal tempestividade deve ser analisada a partir da utilização racional do tempo do processo pelo réu e pelo juiz. Se o réu tem direito à defesa, não é justo que o seu exercício extrapole os limites do razoável. Da mesma forma, haverá lesão ao direito à tempestividade caso o juiz entregue a prestação jurisdicional em tempo injustificável diante as circunstâncias do processo e da estrutura do órgão jurisdicional.
Assim em nome da necessidade do descongestionamento da máquina jurídica, que como é sabido encontra-se caótica, em virtude da numerosidade de processos a serem julgados, aposta-se na capacidade da súmula reduzir o então comum números de recursos que abarrotam as estantes dos tribunais, evitando especialmente os meramente protelatórios e emperradores de todo o processo.
Em contraponto a natureza vinculante da súmula acarreta inúmeras discussões, os opositores da proposta refutam-na, sobretudo por discordarem dos mecanismos de garantia da vinculação concreta, tendo em vista que acabariam por comprometer a autonomia e a possibilidade de livre formação do convencimento dos juízes, e assim a independência do Poder Judiciário. Preocupação, aliás, inteiramente justiçável em razão do progressivo e agigantamento do Executivo.
Conforme o ensaio de Luís Fernando Sgarbossa e Geziela Jensem a respeito da Emenda Constitucional nº 45/04:
Vige em nosso sistema jurídico o Princípio do Livre Convencimento Motivado do Juiz, segundo o qual o juiz tem a liberdade para dar a determinado litígio a solução que lhe pareça mais adequada, conforme seu convencimento, dentro dos limites impostos pela lei e pela Constituição, e motivando sua decisão – fundamentação -. Cabe-lhe, à luz das provas e argumentos colacionados pelas partes – Persuasão Racional – decidir a lide.
Os contrários ao dispositivo em tela anotam que está sendo mitigado ou até mesmo suprimido o dever de julgar do juiz, tornando-o um simples autômato para cumprir as normas ditadas pelo grau superior. Rubens Approbato Machado afirma que o Juiz não poderá mais julgar, através de sua livre convicção matéria sumulada, acrescenta que sem julgar, a natural e benfazeja criação e evolução da jurisprudência deixa de existir, não havendo mais nada para ser criado ou modificado, inibindo a livre apreciação dos fatos e do direito postos ao juiz, que segundo as palavras do referido jurista: “Não é mais juiz. É um mero burocrata que passa a desempenhar um papel subalterno de reprodutor de decisões superiores”[3].
Assim, se protestava que conotar como crime de responsabilidade a interpretação divergente do magistrado de instância inferior é destruir a própria essência do Judiciário, a douta professora mineira e hoje ministra do STF no artigo supra citado apontava que do “crime de hermenêutica para o crime de liberdade é um passo”[4].
Decerto que a liberdade hermenêutica do julgador constitui verdadeiro corolário ao devido processo legal, constitucionalmente consagrado, jamais se devendo cercear o julgador de lançar mão de todos os métodos interpretativos necessários à solução da lide. Carlos Maximiliano ensina:
A jurisprudência auxilia o trabalho do intérprete: mas não o substitui, nem dispensa. Tem, porém, valor relativo. Deve ser observada quando acorde com a doutrina. ‘Procure-se reduzir os arestos aos princípios jurídicos ao invés de subordinar estes àqueles’”.
Alexandre Nery de Oliveira tem pensamento semelhante e interroga para que a servirão os juízes, já que funcionários poderão abrir catálogos de enunciados e marcar, até em formulários padrões, o que se adequem à hipótese.
Outra consequência que se entrever é uma afronta clara ao disposto no artigo 2º da Constituição Federal que salvaguarda a independência entre os poderes da União, haja vista ser atingido o Princípio da Separação do Poderes, no que tange ao fato do Poder Judiciário estar usurpando a função legislativa, própria de outro poder da União, o que significa uma desconsideração à tripartição dos poderes e suas atribuições precípuas, violando as chamadas limitações constitucionais explícitas, popularmente denominadas cláusulas pétreas.
No magistério de Zuenir de Oliveira Neves[5]:
“Ainda, no contexto da separação das funções, a inserção da Súmula de efeito vinculante cria uma situação, no mínimo, estranha. Permite, em termos práticos, e com muito mais facilidade, o controle difuso de constitucionalidade das leis e atos normativos, mas dificulta esse mesmo controle em relação às súmulas do STF, órgão máximo da organização judiciária brasileira, o qual, a medida em que sendo o único constitucionalmente autorizado à emanação de Súmulas com efeito vinculante, obviamente, não admite o controle incidental por parte dos demais órgãos. Seria a instauração do império dos juízes em detrimento do entendimento dos juízos inferiores, da Administração Pública e, principalmente, do Poder constitucionalmente imbuído da função de criar leis?”
Comenta ainda que a violação à concepção tripartite das funções do Estado torna-se patente se notarmos que a Emenda nº 45/04 não chegou a prever a revogação automática dos conteúdo normativo da súmula de efeito vinculante pela eventual promulgação de lei que trate do mesmo tema afeto ao precedente, igualmente, a Lei nº 11.417/06 que regulamentou o artigo constitucional não abordou tal assunto.
E neste ponto é feita uma ligação direta com o Princípio da Legalidade, afirmando-se que a garantia constitucional de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” se acha completamente ameaçada, visto que a súmula não terá apenas “força de lei”, mas “força de norma constitucional” somente modificável pelo Poder Legislativo por Emenda Constitucional. Assim o Supremo Tribunal Federal estaria se transformando em verdadeiro “poder constituinte reformador”.
Registre-se, no entanto, que a própria Constituição autoriza, obviamente em determinados e adstritos casos, o Executivo a legislar: é o que ocorre quando o Presidente da República edita uma medida provisória. Do mesmo modo, o texto constitucional autoriza o legislativo a julgar o Presidente da República nos casos de crimes de responsabilidade. Assim, não se pode vislumbrar exagerada relevância no argumento de que a súmula vinculante violaria a divisão das funções estatais. De fato, nada impediria, em situações excepcionais e autorizados, que o Judiciário legislasse.
Outros princípios que mencionam estarem em vias de lesão é o da Recorribilidade e o do Duplo grau de Jurisdição, pois se entende que a parte tem direito de, uma vez lhe parecendo injusta ou ilegal a decisão, buscar sua anulação ou reforma, ou seja, que lhe seja a pretensão conhecida e julgada por juízo distintos.
Crê-se que se aniquilando está o interesse de interpor um recurso se sabidamente náufrago, mas que, no entanto, se não houvesse tal súmula instituída lhe seria serenamente prolatada decisão favorável, e se mesmo assim ousasse em interpor tal recurso correria o risco de ser condenado por litigância de má-fé, pois mesmo que estribado no voto vencido, declarado na edição da súmula, enquadrar-se-ia perfeitamente na disposição do artigo Art. 17 do Código de Processo Civil, segundo o qual: “reputa-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesas contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;” não olvidando assim da enorme força normativa da súmula.
Ressaltam que o argumento da necessidade da inserção da Súmula Vinculante se deve à quantidade excessiva de recursos não se sustenta, desta feita afirma que os defensores cegos da súmula vinculante estão esquecendo que alguém haverá que controlar o acerto de sua aplicação, e que igualmente teremos os Tribunais agora a verificar milhares e milhares de processos cada qual com a parte se insurgindo contra a aplicação sumular procedida, num exame que passa a ser de mérito e não de cunho processual, a permitir, assim que o STF continue com a carga excessiva para julgar, embora sem mais o relevo de discutir teses novas, mas meras confirmações do que antes julgado.
Esforçam-se em demonstrar que os tribunais não terão diminuídos seus trabalhos, apenas alterada a forma de insurgências das partes irresignadas, ao invés de recursos ou agravos, os tribunais passarão a examinar reclamações originárias, a dispensar inclusive o crivo primeiro de admissibilidade perpetrado pelos Presidentes do Tribunais das decisões impugnadas.
Algo que é extremamente intrigante para seus opositores é o critério subjetivo levado em consideração para se admitir a identidade fático-jurídica entre os precedentes que originaram a súmula e o caso sub judice. Portanto, a aplicação de jurisprudência, sumulada ou não, a determinado caso pressupõe, inexoravelmente, a identidade no plano dos fatos, bem como do direito. Ausente algum desses pressupostos, torna-se ilegítima e inconstitucional a pretendida aplicação. E da mesma forma paira no ar para eles o número de decisões que serão qualificadas como reiteradas, indubitavelmente dotadas de uniformidade e essencial identidade de fundo – fático-jurídica.
Data Vênia, as opiniões de ilustres, e até mesmo anônimos estudiosos do direito que se mostram terminantemente contrários à adoção da súmula vinculante (muito embora todas bem fundamentadas), compreendemos que o dispositivo aqui vergastado, que sempre se propôs a conferir racionalidade e celeridade à prestação jurisdicional, é uma solução mais que razoável e viável para criar a possibilidade de uma definição célere de processo.
4. A solidez da questão
Destarte a inflamada resistência à Súmula Vinculante soa como uma força reacionária à inovação processual, assim como uma lamentável rebeldia, uma vez que é realmente despropositado que juízos e tribunais inferiores ao STF continuem julgando contrariamente ao julgado em abstrato pela corte suprema no resultado da mais expressão de sua qualidade de Corte Constitucional.
E como a palavra de ordem é a efetividade da tutela jurisdicional, produzida logo, dentro de uma segurança jurídica, revestida de qualidade na prestação dos serviços, dado o princípio da eficiência que deve reger fundamentalmente todos os poderes da União, haverá de figurar no cenário da consecução desses objetivos os efeitos vinculantes das súmulas dos órgãos de cúpula.
Ao adentramos na questão da segurança jurídica nos deparamos com uma pequena dificuldade, posto que dos milhares de processos submetidos à apreciação das cortes superiores, grande parte veiculam matérias incessantemente discutidas donde já se extraiu uma solução, muitas vezes até sumulada, no entanto os posicionamentos uniformizados não são de observância obrigatória o que impossibilita os tribunais ad quem a delimitarem suas atribuições constitucionais e com eficiência e prontidão solverem as demandas.
Devemos aceitar e adequar-se ao fato, e é natural que assim seja, de que a unidade de entendimento deva ser garantida nacionalmente, mormente por sermos uma união federativa, pelo órgão que tem competência para tato.
E ao analisarmos a teoria das súmulas do sistema brasileiro rebatemos as ideias de esdrúxulas comparações com o stare decisis norte americano. Insta salientar que no caso dos Estados Unidos que adota o sistema consuetudinário com produção legislativa escassa, é admitido a subsunção de um julgado emanado de qualquer órgão judiciário para qualquer outro, ou seja, o magistrado que recebe o case, verificada a especificidade, a ele se vincula, existindo a possibilidade de uma decisão de qualquer que seja, mesmo advinda de um tribunal de igual nível hierárquico ou grau inferior tenha mais valor do que o convencimento a ser esposado em outro julgamento.
O direito sumular como se quer ver impulsionado o Brasil, nada tem a haver, portanto com o stare decisis do Commum law, pois se trata de um ajuntamento de reiteradas decisões, sendo as súmulas um processo final de formação de uma construção jurisprudencial que ganha relevância no seio de um órgão judiciário hierarquicamente inferior, nada mais que um instrumento de respeito à estrutura hierárquica do Poder Judiciário, e não de limitação ao subsídio de convencimento do magistrado.
Deste modo podemos concluir que acima de tido a cautela e a racionalidade podem determinar o “x” da questão. Certo que é dever do órgão judicante ser criterioso na aplicação da súmula – vinculante ou não – realizando meticulosa verificação da identidade ou similitude entre o acaso concreto e o preceituado por aquela. Ausente tal identidade de fundo entre os pressupostos fático-jurídico da súmula e os do caso sub-judice impõem-se a sua não aplicação.
O que igualmente se vislumbra impressionante é a insubordinação da própria administração pública aso julgados nos quais sucumbe, mormente aqueles resultantes de ações individuais e coletivas em série, nos quais a Administração Pública, em geral é ré. Manifesta o Estado (sentido lato) a todo instante sua recusa às decisões colegiadas, através de recursos contra matéria já pacificada pelos tribunais, muitas vezes pelo puro espírito de emulação, em que estão cristalinamente e constitucionalmente comprovados os direitos das pessoas físicas.
Ao discursar na abertura do ano legislativo no dia 02 de fevereiro de 2007, a ministra Presidenta do STF Ellen Gracie, afirmou que a Lei nº 11.417/06, que estabeleceu a súmula vinculante, “terá reflexos de profunda repercussão no modo como a sociedade, os poderes de Estado e o próprio judiciário se relacionam com o ordenamento jurídico em sua interpretação última”.
Segundo ela, ao aplicar o efeito vinculante por meio de súmula, o Supremo Tribunal Federal pacifica a discussão nos juízos inferiores, e todos os agentes públicos deverão respeitar a interpretação fixada, evitando-se o surgimento de novas ações. Assim, as causa de massa, que tenham por núcleo uma mesma questão de direito, ficarão definidas, se já ajuizadas, ou serão estancadas na instância inicial.
Ademais, como destacou Evandro Lins e Silva, a Constituição é aquilo que o Supremo Tribunal Federal diz que ela é. Não pode, assim, um magistrado de instância inferior discordar da decisão prolatada pelo STF. E isso se dá por uma razão muito simples: trata-se de uma decisão da instância máxima do Poder Judiciário de nosso país, a qual, por força do disposto no art. 102, caput, da CF, compete precipuamente a guarda da Constituição.
5. A nova sistemática processual
Como já vastamente mencionado acima, o Judiciário passa por uma momento de crise quanto à sua verdadeira legitimidade. A jurisdição moderna está em crise. A lentidão dos processos, a morosidade da Justiça e a ineficácia de muitos provimentos judiciais estão conduzindo os jurisdicionados a uma verdadeira descrença no Poder Judiciário. Percebeu-se, a disparidade existente entre a estrutura do Judiciário e os avanços sociais, a necessidade de ser realizada uma mudança mais abrupta, com a reforma não apenas da legislação infraconstitucional, mas do próprio texto constitucional. Tal tarefa foi realizada pelo constituinte derivado que elaborou a emenda constitucional 45, como já mencionado supra, a qual foi promulgada em 08.12.2004.
A reforma do judiciário se propôs a essencialmente dar mais efetividade a prestação jurisdicional, tendo como tônica a ostensiva insatisfação dos jurisdicionados, quanto ao processo judicial. A morosidade dos processos, 2que chegam ao lapso temporal de 5,10,15 anos, implica verdadeira denegação da justiça. É nesse contexto, portanto, que devem ser buscadas as premissas hermenêuticas da emenda da reforma do judiciário.
As reformas vêm atingir substancialmente a população, os jurisdicionados; e a proposta daquela é constituir um processo mais participativo, uma justiça acessível a todos os grupos sociais e desburocratizada, imprimindo ao máximo a ideia de que o direito trilhará novos caminhos.
É recorrente a ideia de que a possibilidade de serem impetrados os mais diversos tipos de recursos, no processo civil, é a principal causa da morosidade da justiça, assim os trabalhos realizados pela Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiçam foram no sentido de transformações acentuadas no sistema recursal, tanto em sede constitucional, como infraconstitucional, tornando o mais homogêneo, célere e eficaz o processo judicial.
Nesta linha, posteriormente a EC 45, foram promulgadas algumas leis que tendem implementar a nova processualística civil. A exposição de motivos do projeto de lei da Câmara nº 72/2005, promulgada como nº 11.187/2005, que dá nova redação aos artigos 522, 523 e 527 do CPC/1973, destaca o intuito de se imprimir celeridade aos processo, realçando-se o trecho a seguir:
“(...) Sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma da Justiça, faz-se necessária a alteração do sistema processual brasileiro com o escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa (...) Manifestações de entidades representativas, como o Instituto Brasileiro de Direito Processual, a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juízes Federais do Brasil, de órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do próprio Poder Executivo são acorde em afirmar a necessidade de alteração de dispositivos do Código de Processo Civil e da lei de juizados especiais, para conferir eficiência à tramitação de feitos e evitar a morosidade que atualmente caracteriza a atividade em questão (...)
A preocupação com a celeridade se materializa, nesta Lei, através da limitação do cabimento do recurso de agravo de instrumento, passando a ser regra geral de impugnação de decisões interlocutórias, o agravo retido.
Igualmente a Lei 11.276/05 que passou a viger a partir de maio de 2006 trouxe dentre outras providências, a instituição da súmula impeditiva de recursos, a norma modificou a redação dos artigos 504, 506, 515, e 518 do Código de Processo Civil. A exposição de motivos do projeto de lei é praticamente igual à lei anteriormente citada (Lei 11.187/2005), utilizando como justificativa precípua a busca pela celeridade processual, a ser atingida através da “redução do número excessivo de impugnações sem possibilidades de êxito”, o que se efetivaria em decorrência da nova redação do art. 5189 do CPC, uma das grandes inovações do dispositivo legal.
O art. 518, § 1º fala que o recurso de apelação não deve ser recebido quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal, a norma não diz que o juiz está obrigado a decidir de acordo com a súmula, é uma opção, mas não pode admitir o recurso de apelação caso decida em conformidade com a súmula, havendo uma ressalva para a decisão obrigatória de conformidade com a súmula vinculante do STF, por força da previsão legal. Conforme já analisado acima.
A unidade que se orienta na uniformização da jurisprudência por vinculação a preceitos gerais e abstratos de origem judicial compreende o direito como um sistema normativo, formalmente fechado e lógico-dedutivamente estruturado, e assim capaz de oferecer as premissas normativas a partir das quais, conjugadas às premissas de fato, a jurisprudência aplicaria silogisticamente aquele direito, pressuposto e integralmente pré-determinado em abstrato, eliminando divergências e garantindo a identidade das decisões sempre que equivalessem as premissas relativas ao fatos.
Aqui fazemos um aparte para lembramos os Princípios da Razoabilidade onde as medidas adotadas serão aquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse coletivo, sem exageros, usando sempre a lógica, a razão, a ponderação, utilizando-se da proporcionalidade entre os meios e os fins que se deseja alcançar, bem como o princípio da Eficiência caracterizado pela obtenção do melhor resultado como uso racional dos meios, logo a edição de súmulas com efeito vinculante evidentemente perpassará pela obediência aos referidos princípios.
E assim buscando a previsibilidade e a segurança do sistema processual foi ainda sancionada a Lei nº 11. 277 de 7 de Fevereiro de 2006 que acresceu o art 285-A ao Código de Processo Civil, o mesmo preconiza que quando a matéria for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e preferida a sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
Nos dizeres de Marinoni[6] “tal instituto busca eliminar a possibilidade da propositura de ações que objetivem pronunciamentos sobre tema pacificados em decisões reiteradas do próprio juízo de primeiro grau ou dos tribunais em “casos idênticos””.
É absolutamente racional que um processo que verse sobre matéria de direito e o juiz já tenha firmado posição em processo anterior seja desde logo encerrado, evitando maiores gastos de energia, e até mesmo monetários para se obter uma decisão em um “caso idêntico” ao já solucionado. Representando o “processo repetitivo” um formalismo desnecessário, pois tramita somente para autorizar o juiz a expedir a decisão cujo conteúdo já foi definido no primeiro processo.
E por último se juntou aos trabalhos realizados no processo de Reforma do Judiciário a Lei 11.417/2006 que regulamentou o art. 103-A da CF, tratando especificamente da Súmula Vinculante.
O secretário da Reforma do Judiciário, Pierpaolo Bottini acredita que a súmula vinculante vai resolver de maneira definitiva os casos repetitivos que correm na Justiça, o mesmo afirma que “hoje, temos um excesso de demandas no Judiciário brasileiro de casos idênticos e absolutamente repetitivos”.
Para o secretário, a aplicação da súmula deve desafogar o Judiciário e facilitar o trabalho do STF. O trabalho dos ministros poderá chegar ao ideal em que cada um deles seja responsável por, no máximo, mil processos ao ano. Atualmente cada ministro julga cerca de 10 mil processos.
Concluir a reforma constitucional e fazer a reforma infraconstitucional do Judiciário são duas das sugestões apresentadas como prioritárias pelo Congresso Nacional de Justiça (CNJ) ao Congresso Nacional. As recomendações estão em relatório de atividades do Conselho, entregue ao Congresso no dia 2 de fevereiro pela presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, a ministra Ellen Gracie. A finalidade das recomendações, segundo o relatório do CNJ, “é a modernização normativa para que o Judiciário seja uma instituição mais eficiente e monos morosa, observados o devido processo lega e as garantias constitucionais individuais e coletivas”.
O relatório do CNJ aponta como prioritário para a Justiça brasileira os investimentos nos juizados especiais, a implantação da Justiça de Conciliação e do processo virtual e a busca de soluções para a ineficiência administrativa e o anacronismo organizacional, entre outros pontos.
O relatório apresenta, ainda, as estatísticas do Conselho, desde sua instalação, em 14 de junho de 2005, até 31 de dezembro de 2006. “Cumpre ressaltar que o volume de processos em 2006 aumentou 334,10% em relação ao ano de 2005”, diz o texto apresentado pela ministra Ellen Gracie. A média mensal de processos recebidos no período foi de 180, enquanto a média de processos baixados foi de 120. Analisando-se todo o período desde a instalação do CNJ, a produtividade média de processos baixados em relação aos processos recebidos foi de 55.47%.
Para argumentarmos um pouco mais não podemos esquecer que entre as grandes mudanças que a Emenda Constitucional 45 trouxe, uma delas foi o seguinte dispositivo do art. 5º: “LXXVIII -todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Neste diapasão a celeridade no trâmite dos processos é princípio explícito na Constituição. Por isso, deve ser conjugada com a independência dos poderes, contraditório e acesso ao judiciário. Acreditamos plenamente que a Súmula Vinculante tem elementos para concretizar a celeridade processual sem desrespeitar qualquer princípio da Constituição. Ao acelera o julgamento dos processos repetitivos e eliminar a proliferação do mesmo, transformará o Supremo Tribunal Federal em verdadeiro guardião da Constituição brasileiro e os juízes em instrumentos de pacificação social.
Da maneira como está redigida a Emenda Constitucional nº 45, nenhuma matéria será sumulada sem antes passar por todas as instâncias do judiciário brasileiro.
Ora, se, somente após reiteradas decisões em matéria constitucional, o STF poderá editar uma Súmula, sabendo que uma matéria constitucional, em regra, só alcança o STF após esgotados todos os recursos nas instâncias inferiores, seria impossível a imposição de uma Súmula por vontade unilateral do Supremo.
O temor de criação de súmulas genéricas com características de lei está afastado pelo simples fato de que a súmula terá como objetivo interpretação de normas determinadas, o que impossibilitará o conflito de atribuições entre o judiciário e o legislativo.
Enfim, conforme afirmou o Ministro Sepúlveda Pertence:
“O efeito vinculante teve o grande valor de realizar a isonomia, às vezes contra o cidadão, muitas vezes a favor do cidadão desamado, desinformado de seus direitos e sem capacidade para postular perante uma jurisdição cara e, sobretudo, tão demorada. Certo é que, muitas vezes e em certas conjunturas, o controle difuso amplo parece ser mais democrático, mais é ilusório porque, no final das contas, apenas vais expor o usuário a uma das duas possibilidades: ou a correr por anos as vias da jurisdição originária até chegar à solução já prevista, e já imposta erga omnes, ou, o que é pior, ficar pelo caminho entre uma perda de prazo no preclusão de um recurso, enfim, entre acidentes processuais. ”
E assim compreendo que o direito é um sistema, não podemos nos opor ao novo harmônico, promissor e já positivado ramo que as normas processuais estão trilhando após as grandes inovações contemporâneas, restando claro que, em especial o instituto da súmula vinculante, que é o objeto deste estudo, é de uma relevância ímpar, e resumidamente tem como função garantir o respeito à segurança jurídica e a celeridade processual, tendo, ainda, como por corolário, a missão de resgatar a credibilidade do Poder Judiciário perante a sociedade.
Finalizamos trazendo à guisa de ilustração comentários inseridos em um trabalho semelhante realizado por uma academia de direito da UNIFOR[7], no qual traz uma pesquisa de opinião com magistrados sobre a aceitação da súmula vinculante, onde contatamos que em sua maioria os magistrados, em especial os estaduais e federais, mesmo com certo receio colocaram-se visivelmente contrários à efetivação da medida. Ressalvam ainda, que o que não poderia acontecer era que fossem editadas súmulas, que não resultassem de um amadurecimento jurídico suficiente.
A pesquisa supramencionada foi realizada por meio de entrevistas, de forma presencial, e de aplicação de questionários abertos, perguntando de forma sucinta as diversas opiniões sobre os pontos mais importantes implementados pela Reforma do Judiciário. Foram, também, questionados, na visão dos participantes enquanto operadores do Direito, sobre quais pontos deveriam ainda ser abordados na Reforma do Judiciário.
6. Considerações Finais
Ante o exposto, cumpre-nos concluir que o efeito vinculante se propôs a eliminar ou ao menos amenizar a crise na demanda judiciária, e os infindáveis processos, que se arrastam por anos nos Tribunais, notadamente àqueles que tratam exclusivamente de questão de direito, proporcionando uma justiça mais rápida, justa e satisfatória, dando um caráter uno ao sistema jurídico brasileiro, mormente a força normativa da Constituição.
Em verdade a assertiva de que a introdução da Súmula Vinculante solucionará o excesso de serviço judiciário ainda é duvidosa, nos dizeres de Paulo de Tarso, Juiz do Estado do Pernambuco:
“Quando à redução do serviço judiciário, só o tempo vai dizer, pois o sistema processual, conforme resta montado no Brasil, é retroalimentável, ou seja, no caso em espécie, poderão surgir muitas reclamações remetidas diretamente ao STF, com a alegação de descumprimento de súmula, assoberbando ainda mais a Corte Máxima de Justiça. ”
Decerto o tempo irá construir uma justiça mais próxima daquela que os cidadãos brasileiros esperam, e as inúmeras tentativas tanto políticas, legislativas e jurídicas terão sua parcela de contribuição no empreendimento denominado “pacificação dos conflitos”.
Assim, esperamos que os dispositivos introduzidos pela reforma, particularmente a Súmula com Efeito Vinculante, resultado de uniformização de jurisprudência, justamente fundamentada e norteada pela observância aos princípios constitucionais, imprima uma perspectiva de segurança jurídica com medidas efetivas no processo brasileiro e na consequente solução das demandas judiciais.
7. Referências Bibliográficas
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[3] MACHADO, Rubens Approbato. Súmula Vinculante, Revista da Associação Paulista do Ministério Público de São Paulo, Ano I – nº 7 – junho de 1997.
[4] ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. “Sobre a Súmula Vinculante” (Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, ano XXIX, nº 85, 2º Semestre de 1996)
[5] NEVES, Zuenir de Oliveira. Sumarização do processo: o advento da súmula de efeito vinculante em face das garantias constitucionais processuais.
Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça do Piauí, Bacharel em Direito pela Universidade Regional do Cariri - URCA, especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Leão Sampaio – Juazeiro do Norte-CE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DANTAS, Isys Gabriela Leite Martins. Súmula Vinculante: a questão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jul 2021, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57047/smula-vinculante-a-questo. Acesso em: 22 dez 2024.
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