RESUMO: Neste artigo buscou-se fazer uma análise sobre alguns pontos relevantes sobre os fundamentos da pena. O estudo debruçou-se pela origem histórica do instituto, passando pelas escolas penais e o que seus principais expoentes pensavam sobre o tema. Descreveu-se também as principais teorias que buscam explicar sua função, justificando assim a relevância do tema.
PALAVRAS-CHAVES: execução penal; fundamentos da pena.
ABSTRACT: In this article, an attempt was made to analyze some relevant points about the fundamentals of punishment. The study looked at the historical origin of the institute, going through penal schools and what its main exponents thought about the theme. The main theories that seek to explain its function were also described, thus justifying the relevance of the theme.
KEYWORD: Penal Execution; fundamentals of the penalty.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Fundamentos Jurídicos-Históricos da Pena. 2. Teorias sobre os fins da pena. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A falta do cumprimento das políticas públicas que efetivamente reprimam o crime e a inflação legislativa gera uma sensação de insegurança na sociedade brasileira.
A situação caótica (e inconstitucional) das penitenciárias é muitas vezes aclamada pela população que desconhece os preceitos da Lei de Execução Penal, bem como o papel do Poder Judiciário e do Executivo na execução de sanções penais.
A análise dos fundamentos jurídicos da pena, cumpre papel importante na elucidação desses equívocos quanto a finalidade do cárcere e como a execução da pena, em especial a pena de reclusão, foi pensada pelo legislador.
A natureza jurídica é outro tema importante, uma vez que se trata de um dos poucos institutos em que parte da sua efetivação é incumbida à administração pública, enquanto que outros meandros são de competência do Estado-juiz.
1. Fundamentos jurídicos-históricos da pena
Para Kant o direito é uma coação universal, que protege a liberdade de todos. Stuart Mill dizia que o direito é uma liberdade limitada por outra liberdade.
É quase unânime, no mundo da ciência do direito penal, a afirmação de que a pena justifica-se por sua necessidade.
Muñoz Conde acredita que sem a pena não seria possível a convivência na sociedade de nossos dias, e ainda, que a justificativa da pena não é uma questão religiosa nem filosófica, e sim, uma amarga necessidade de seres imperfeitos como são os homens, coincidindo com Gimbernart Ordeig¸ entende que a pena constitui um recurso elementar com que conta o Estado, e ao qual recorre, quando necessário, para tornar possível a convivência ente os homens.
Destaca-se a utilização que o Estado faz do direito penal, isto é, da pena, para facilitar e regulamentar a convivência dos homens em sociedade. Apesar de existirem outras formas de controle social, algumas mais sutis e difíceis de limitar que o próprio direito penal, o Estado, então, utiliza a pena para proteger de eventuais lesões determinados bens jurídicos, assim considerados em uma organização socio-econômica específica.[1]
A origem da pena é a vindita. Nos povos primitivos a ideia da pena nasceu do sentimento de vingança, inicialmente na forma privada, e posteriormente foi alçada à categoria de direito.
Segundo René Ariel Dotti.[2] “é generalizada a opinião de que a pena deita raízes no instinto de conservação individual movimentado pela vingança. Tal conclusão, porém, é contestada diante da afirmação segundo a qual tanto a vingança de sangue como a perda da paz não caracterizavam reações singulares, mas a revolta coletiva”. A vingança perdurou até ser substituída pelas penas públicas.
Para o referido doutrinador “a ideia da pena como instituição de garantia foi obtendo disciplina através da evolução política da comunidade (grupo, cidade, Estado) e o reconhecimento da autoridade de um chefe a quem era deferido o poder de castigar em nome dos súditos. É a pena pública que, embora impregnada pela vingança, penetra nos costumes sociais e procura alcançar a proporcionalidade através das formas do talião e da composição. A expulsão da comunidade é substituída pela morte, mutilação, banimento temporário ou perdimento de bens”.[3]
Não se deve confundir a origem histórica da pena com sua origem jurídica.
A partir do século XV, a elaboração das ideias liberais, condicionada pela renovação de conceitos a respeito do mundo e do destino do ser humano, acentua-se, concretizada, afinal, no século XVIII, com os postulados da Revolução Francesa. Novas concepções surgem, então, no campo penal e, com elas, as doutrinas acerca do fundamento do direito de punir. A abordagem do tema impõe destacar, desde logo, a figura de Cesare Beccaria, a quem se tem atribuído a criação da ideia utilitarista e o movimento de renovação do Direito Penal da época, que deu origem à Escola Clássica, de que fizeram parte Carmignani, Carrara, Feuerbach, Filangieri, Pessina, Romagnosi, entre outros.[4]
Após a contribuição de Beccaria, sob a égide das ideias iluministas, desenvolve-se a Escola Clássica Criminal, cujas características são o livre-arbítrio, o individualismo e o liberalismo, considerando o crime, fenômeno jurídico e a pena meio retributivo.
Nos ensinamentos de Roberto Lyra,[5] os adeptos à Escola Clássica são contratualistas e racionalistas; foram, inicialmente, inclinadas ao jusnaturalismo, aceitando, em regra, o predomínio de normas absolutas e eternas sobre as leis positivas.
Para Francesco Carrara[6] a pena é um conteúdo necessário do direito. É o mal que a autoridade pública inflige a um culpado por causa de seu delito. Mais exatamente, a pena é um mal que, de conformidade com a lei do Estado, infligem os juízes aos que são tidos culpados de um delito, havendo-se observado as devidas formalidades. Assevera ainda o doutrinador: “A pena não é simples necessidade de justiça que exija a expiação do mal moral, pois só Deus tem a medida e a potestade de exigir a expiação devida, tampouco é uma mera defesa que procura o interesse dos homens às expensas dos demais; nem é fruto de um sentimento dos homens, que procuram tranquilizar seus ânimos frente ao perigo de ofensas futuras. A pena não é senão a sanção do preceito ditado pela lei eterna, que sempre tende à conservação da humanidade e a proteção de seus direitos, que sempre procede com observância às normas de Justiça, e sempre responde ao sentimento da consciência universal”.
Desta forma, para a Escola Clássica a pena é um mal imposto ao indivíduo que merece um castigo, pela falta considerada crime, que voluntária e conscientemente cometeu, e a finalidade da pena é o restabelecimento da ordem externa na sociedade.
Cesare Lombroso foi o fundador da Escola Positiva. Tendo como precursores Bentham (Inglaterra, 1748-1832) e Romagnosi (Itália, 1761-1835), entre outros.
Segundo Roberto Lyra[7] “a Escola Positiva, também chamada italiana, nova, moderna ou antropológica (Lombroso, Ferri, Garofalo, Fioretti), é determinista e defensivista, encarando o crime como fenômeno social e a pena como meio de defesa da sociedade e de recuperação do indivíduo. Chama-se positiva, não porque aceite o sistema filosófico mais ou menos comteano, porém, pelo método. Inicialmente, sofreu a influência de Darwin, Spencer e Haeckel, com as novas concepções da natureza, do homem e da sociedade, mormente a doutrina da evolução”.
Para a Escola Positiva o crime é um fenômeno natural e social, e a pena meio de defesa social. Enquanto os clássicos aceitam a responsabilidade moral, para os positivistas todo homem é responsável, porque vive e enquanto vive em sociedade (responsabilidade legal ou social). Para os positivistas o Direito Penal deveria subordinar-se ora à Antropologia Criminal (Lombroso) ora à Sociologia Criminal (Ferri) ora à Criminologia (Garofalo). Cesare Beccaria disse ao homem: conhece a Justiça; Cesare Lombroso disse à Justiça: conhece o homem.[8]
Em meio aos extremos bem definidos das Escolas Clássica e Positiva, surgiram ao longo dos tempos posições conciliatórias. A primeira dessas correntes surge com a publicação, na Itália, de um artigo de Manuel Carnevale, denominado “Una Terza Scuola di Diritto Penale in Itália”, em 1891, que assinala o início do que se convencionou denominar positivismo crítico. Comportam destaque, nesta fase, a obra de Bernardino Alimena (Naturalismo crítico e diritto penale) e Impallomeni (Instituizioni di diritto penale).[9]
Surgiram, depois, posições críticas, ecléticas e, finalmente, unitárias. São dignas de menção: a Escola Técnico-Jurídica, chamada por Ugo Spirito de Concepção Técnico-Jurídica (Rocco, Manzini, Massari, Battaglini, Paoli, Saltelli, Di Falco, Finzi); a Escola do Idealismo Atualístico (Groce, Gentile, Costa, Spirito, Maggiore); e a Escola Penal Humanista (Lanza, Falchi, Montalbano, Pappalargo).Visa-se a reatar os vínculos do Direito Penal com a Filosofia e a Moral. O campo da penalidade deve ser idêntico ao da moralidade (Lanza). O movimento unitário mais significativo foi o da União Internacional do Direito Penal (Von Liszt, Von Hamel e Prins).[10]
Depois da Segunda Guerra Mundial, reagindo ao sistema unicamente retributivo, surge a Escola do Neodefensivismo Social, liderada por Marc Ancel, na França, e por Filippo Grammatica, na Itália, que segundo seus postulados não visa punir a culpa do agente criminoso, apenas proteger a sociedade das ações delituosas. Essa concepção rechaça a ideia de um direito penal repressivo, que deve ser substituído por sistemas preventivos e por intervenções educativas e reeducativas, postulando não uma pena para cada delito, mas uma medida para cada pessoa.
Conforme ensina Damásio Evangelista de Jesus,[11] "para a Defesa Social, a pena tem três finalidades: não é exclusivamente de natureza retributiva, visando também a tutelar os membros da sociedade; é imposta para a ressocialização do criminoso; a máquina judiciária criminal deve ter em mira o homem, no sentido de que a execução da pena tenha um conteúdo humano".
Assim o crime é considerado uma doença, e o criminoso, portanto, um doente, e a sociedade tem o dever de se defender das ofensas aos bens e interesses juridicamente tutelados. Todavia, a palavra pena deveria ser substituída pela expressão medida de defesa social, ou outra equivalente, afastando-se do sentido de castigo, e o Direito Penal passaria a ser Direito de Defesa Social; o Código Penal, então, seria denominado Código de Defesa Social. Os presídios já não seriam prisões, e sim casas de tratamento.[12]
Destacava em seus respeitáveis ensinamentos o renomado penalista, como tríplice objetivo da Defesa Social: a pena não tem somente caráter expiatório, mas interessa também para a proteção da sociedade; a pena, além de ser exemplar a retributiva, tem um escopo de melhoramento senão mesmo de uma reeducação do delinquente; a justiça penal deve ter sempre presente a pessoa humana, além das simples exigências da técnica processual, a fim de que o tratamento penal seja sempre humano".
2. Teorias sobre os fins da pena
Após esta sucinta análise sobre as escolas penais cumpre examinar, ainda que também de forma breve, as principais teorias sobre os fins da pena.
Foram defensores das teorias absolutas ou de justiça, entre outros, Carrara, Petrocelli, Maggiore e Bettiol na Itália, Binding, Maurach, Welzel e Mezger na Alemanha, mas, principalmente, Kant e Hegel. Para Kant a fundamentação é de ordem ética, para Hegel é de ordem jurídica.
Para as teorias absolutas a pena é a retaliação e a expiação, uma exigência absoluta de justiça, com fins aflitivos e retributivos, opondo-se a qualquer finalidade utilitária.
Segundo Cezar Roberto Bitencourt[13] ocorre nesse período o aumento da burguesia e um considerável acúmulo de capital. Nesse sentido, a pena não podia ter senão as mesmas características e constituir um meio a mais para realizar o objetivo capitalista. Por isso a execução das penas ao longo desse período, consistia, principalmente, na exploração da mão de obra, por meio do internamento dos indivíduos em cárceres, casas de trabalho (workhouses), hospitais gerais etc.
Mais adiante, entende o doutrinador que, “segundo o esquema retribucionista, é atribuída à pena, exclusivamente, a difícil incumbência de realizar a Justiça. A pena tem como fim fazer Justiça, nada mais. A culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena, e o fundamento da sanção estatal está no questionável livre arbítrio, entendido como a capacidade de decisão do homem para distinguir entre o justo e o injusto”.[14]
As chamadas teorias absolutas, melhor chamadas de teorias da pena conforme a Justiça, apoiam-se na filosofia do idealismo alemão, especialmente em Kant e Hegel. A pena encontra seu fundamento somente em sua referência ao delito; segundo sua gravidade determina-se sua quantia como que se satisfazem as exigências do ordenamento jurídico e a Justiça. Assim como a boa ação merece reconhecimento, a má ação requer reprovação e compensação.
Em síntese, Kant entende que o réu deve ser castigado apenas por ter delinquido, não estabelece nenhuma consideração sobre a utilidade da pena para ele ou para a sociedade, retirando toda e qualquer função preventiva - especial ou geral - da pena. “A aplicação da pena decorre da simples infringência da lei penal, isto é, da simples prática do delito”. Hegel também é partidário de uma teoria retributiva da pena. Sua tese resume-se em sua conhecida frase: “A pena é a negação da negação do Direito”. Em verdade, Kant e Hegel atribuem à pena um conteúdo talional.[15]
O fundamento da pena em Hegel é jurídico, já que ela se destina a restabelecer a vigência da vontade geral, que é a lei, negada que fora pela vontade do delinquente. Fundando-se exclusivamente na retribuição, como um fim em si mesma, sem outro não propósito que não seja o de recompensar o mal com o mal (fundamento metafísico Kantiano). Não tem, pois, uma finalidade, se considerada objetivamente.
Na interpretação de Claus Roxin,[16] são três os inconvenientes que podem ser apresentados na análise da teoria da retribuição.
O primeiro decorre do fato de que a referida teoria pressupõe já a necessidade da pena, que deveria fundamentar, pois se o seu significado assenta na compensação da culpa humana, não se pode com isso pretender que o Estado tenha de retribuir com a pena toda a culpa. Cada um de nós considera-se culpado perante o próximo de muitas maneiras, mas não somos, por isso, puníveis.
O segundo, é que a liberdade humana pressupõe a liberdade de vontade (o livre-arbítrio), e a sua existência, como os próprios partidários da ideia da retribuição concordam, é indemonstrável. Por fim, o terceiro argumento é no sentido de que, mesmo quando se considere que o alcance das penas estatais e a culpa humana se encontram suficientemente fundamentadas com a teoria da expiação, colocar-se-ia sempre uma terceira objeção: a própria ideia de retribuição compensadora só pode ser plausível mediante um ato de fé. Pois, considerando-o racionalmente, não se compreende como se pode pagar um mal cometido, acrescentando-lhe um segundo mal: sofrer a pena.
É claro que tal procedimento corresponde ao arraigado impulso de vingança humana, do qual surgiu historicamente a pena; mas considerar que a assunção da retribuição pelo Estado seja algo qualitativamente distinto da vingança, e que a retribuição tome a seu cargo ‘a culpa de sangue do povo’, expie o delinquente etc., tudo isto é concebível apenas por um ato de fé, que, segundo a nossa Constituição, não pode ser imposto a ninguém, e não é válido para uma fundamentação, vinculante para todos, da pena estatal.
Feitas, em síntese, tais considerações, conclui o jurista: “A teoria da retribuição não nos serve, porque deixa na obscuridade os pressupostos da punibilidade, porque não estão comprovados os seus fundamentos e porque, como profissão de fé irracional e além do mais contestável, não é vinculante. Nada se altera com a substituição, que amiúde se encontra em exposições recentes, da ideia de retribuição (que recorda em demasia o arcaico princípio de talião), pelo conceito dúbio de ‘expiação’, na medida em que, se com ele se alude apenas a uma ‘compensação da culpa’ legitimada estatalmente, subsistem integralmente as objeções contra uma ‘expiação’ deste tipo. Se, pelo contrário, se entende a expiação no sentido de uma purificação interior conseguida mediante o arrependimento do delinquente, trata-se então de um resultado moral, que por meio da imposição de um mal mais facilmente se pode evitar mas que, em qualquer caso, se não pode obter pela força”.[17]
Embora entendendo que a retribuição compensadora não é condizente com o Estado Democrático de Direito por não respeitar o princípio da dignidade humana, Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Correa Junior destacam que a teoria retributiva apresenta uma grande qualidade quando propõe a ideia de medição da pena, que atende ao princípio da proporcionalidade, “dado informativo de qualquer moderna legislação penal”.[18]
Como prevenção geral se entende intimidação de todos os membros da comunidade jurídica pela ameaça da pena. Destacam-se entre os defensores da teoria da prevenção geral da pena, entre outros, Beccaria, Bentham, Feuerbach, Filangieri e Schopenhauer.
Fueurbach foi quem formulou a teoria da coação psicológica, expressão jurídico-científica da prevenção geral, segundo a qual “é através do Direito Penal que se pode dar uma solução ao problema da criminalidade”.[19]
Claus Roxin,[20] entretanto, contraria a teoria da prevenção geral nos seguintes termos: “Em primeiro lugar, permanece em aberto a questão de saber face a que comportamentos possui o Estado a faculdade de intimidar. A ela se acrescenta uma ulterior objeção: não é delimitável a duração do tratamento terapêutico-social, podendo no caso concreto ultrapassar a medida do defensável numa ordem jurídico-liberal, o ponto de partida da prevenção geral possui normalmente uma tendência para o terror estatal. Quem pretender intimidar mediante a pena tenderá a reforçar esse efeito, castigando tão duramente quanto possível. Outro argumento reside no fato de que, em muitos grupos de crimes e de delinquentes, não se conseguiu provar até agora o efeito de prevenção geral da pena. Por fim, uma última objeção: Como pode justificar-se que se castigue um indivíduo não em consideração a ele próprio, mas em consideração a outros? Mesmo quando seja eficaz a intimidação, é difícil compreender que possa ser justo que se imponha um mal a alguém para que outros omitam cometer um mal. A teoria da prevenção geral encontra-se, assim, exposta a objeções de princípio semelhante às outras duas: não pode fundamentar o poder punitivo do Estado nos seus pressupostos, nem limitá-lo nas suas consequências; é político-criminalmente discutível e carece de legitimação que esteja em consonância com os fundamentos do ordenamento jurídico”.
A pena, como instrumento de prevenção, deve atuar social e pedagogicamente sobre a coletividade (prevenção geral) e deve proteger a coletividade ante o condenado e corrigir a este (prevenção especial).
A prevenção especial postulada da moderna política criminal, cuida-se da prevenção do delito por atuação sobre o autor. Dirige-se exclusivamente ao delinquente, para que este não volte a delinquir.
Conforme Jescheck, citado por Cezar Roberto Bitencourt,[21] várias correntes defendem uma postura preventivo-especial da pena. Na França, por exemplo, pode-se destacar a teoria da Nova Defesa Social, de Marc Ancel; na Alemanha, a prevenção especial é conhecida desde os tempos de Von Liszt, e, na Espanha, foi a Escola Correcionalista, de inspiração Krausista, a postulante da prevenção especial. Independentemente do interesse que possa despertar cada uma destas correntes, foi o pensamento de Von Liszt que deu origem, na atualidade, a comentários de alguns penalistas sobre um “retorno a Von Liszt”.
A prevenção especial está orientada a desenvolver uma influência inibitória do delito no autor. Dividida em três fins da pena: intimidação (preventivo individual), daquele indivíduo que já delinquiu para fazer com que não volte a transgredir as normas jurídico-penais, a ressocialização (correção), busca reincorporar o agente à sociedade, ou bem mantê-lo nela, e o asseguramento da recuperação do autor para a comunidade. Os adeptos desta teoria preferem falar de medidas e não de penas.
Para Claus Roxin,[22] a teoria da prevenção especial tende, mais que um Direito Penal da culpa retributivo, a deixar o particular ilimitadamente à mercê da intervenção estatal. A teoria da prevenção especial não é idônea para fundamentar o Direito Penal, porque não pode delimitar os seus pressupostos e consequências, porque não explica a punibilidade de crimes sem perigo de repetição e porque a ideia de adaptação social coativa, mediante a pena, não se legitima por si própria, necessitando de uma legitimação jurídica que se baseia noutro tipo de considerações.
Sem desprezar as teorias absolutas e relativas, as teorias mistas ou unificadoras buscam reunir em um conceito único os fins da pena, defendendo que a retribuição e a prevenção, geral e especial, são distintos aspectos de um mesmo fenômeno que é a pena.
Em resumo, as teorias unificadoras acolhem a retribuição e o princípio da culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena.
As teorias unificadoras não obtiveram o êxito desejado junto aos doutrinadores da época, que continuaram os estudos e pesquisas para uma perfeita teoria sobre os fins da pena.[23]
Surge posteriormente a teoria da prevenção geral positiva, que se apresenta com duas subdivisões: prevenção geral positiva fundamentadora e prevenção geral positiva limitadora.
A primeira não visa a intimidação ou a proteção de bens jurídicos. Busca, apenas, a afirmação de vigência da norma perante a sociedade.
Para a segunda, a prevenção geral deve expressar-se com sentido limitador do poder punitivo do Estado.[24]
Quanto as teorias apresentadas chega Renato Marcão[25] a seguinte, conclusão, “punir é retribuir uma violação da norma de conduta, com a consequência legal que a própria sociedade houve por bem estabelecer, direta ou indiretamente. A essência é a retribuição. Agregada a ideia de retribuição, não como finalidade primeira, segue a ideia de estímulo a que o criminoso se autodetermine em conformidade com os padrões vigentes de conduta social. Assim, a prevenção especial é secundária e não deve integrar, na essência, os fins da pena. A prevenção geral é apenas uma ambição remota”.
Diante dessa conclusão, de que as teorias até então apresentadas falham, em seus fins quando colocadas em prática, é que surge o garantismo defendido na doutrina estrangeira primordialmente por Zaffaroni e no Brasil por Salo de Carvalho. Este último propõe a teoria agnóstica.
Conforme expõe em seu livro Pena e Garantia, que “fundamental, pois, (re)fundar o direito penal a partir de uma teoria agnóstica da pena, teoria que denuncia, segundo Zaffaroni, que tudo o que foi dito sobre a punição é falso e irreal, principalmente sua finalidade medicinal. (..). O discurso esquizofrênico que durante séculos intentou buscar legitimação possível à pena atingiu seu ponto de convergência nas teorias ressocializantes. A gênese do modelo advém da criminologia etiológica, mas é recapacitada pelo falso discurso ‘humanizador’ da Nova (novíssima) Defesa Social. Dito discurso orientou todas as modificações legislativas ocidentais, desde a década de setenta, quanto à execução da pena e, atualmente, é revigorado nas legislações que introduzem, a partir do 8º Congresso da ONU, em dezembro de 1990, as regras mínimas para elaboração de medidas não-privativas de liberdade”.[26]
E assim arremata: “Abandonar o modelo ressocializador é o primeiro efeito da teoria agnóstica (garantista) da pena. Ensina Adauto Suannes, que os propósitos reeducacionais ou recuperadores da pena são absolutamente incompatíveis com o saber criminológico contemporâneo e em relação aquilo que, na prática, ela (pena) realmente é: uma retribuição por aquilo que se fez. A propósito, nesse sentido alertava Luiz Alberto Machado, já na década de setenta, que a pena é imposta como castigo, devendo estar livre de preocupações metafísicas de prevenção do crime e ressocialização do criminoso. Aliás, percebe o autor que, sobre a hipócrita afirmativa da recuperação, são mantidos os mais desumanos e medievais suplícios. (...). Permite, finalmente, ao operador da execução, atuar ciente da institucionalização deteriorante do cárcere, voltando sua ação a neutralizar ao máximo o efeito da prisionalização e a vulnerabilidade do indivíduo ao sistema executivo. Tais premissas, como pondera Zaffaroni, seriam orientadoras de uma prática sem pretensões impossíveis e/ou utópicas”.[27]
CONCLUSÃO
A sociedade e a comunidade jurídica reclamam resultados ainda não alcançados pelo Direito Penal, quanto identificar os fins da pena, já que este tem sido avaliado por aquilo que se entende deva ser seu resultado, que é buscado, com a pena.
Espera-se também que o Direito Penal e Processual Penal, através da imposição de penas, contenha a criminalidade, os índices de reincidência, e resolva as graves questões que envolvem a segurança pública.
Outrossim, seja qual for o suporte filosófico, é inafastável a utilidade da pena, pela intimidação que a sanção penal possa ter na consciência do indivíduo, e a tripartição das funções da pena em retributiva, humanitária e ressocializadora.
Na prática, o Direito Penal brasileiro enfrenta uma enorme antinomia entre o desejo do legislador e a realidade. Os fundamentos filosóficos determinantes da prática legislativa não alcançam a finalidade, nem se concretizam na aplicação e execução das penas.
REFERÊNCIAS
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ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa : Vega, 2002.
[1] BITTENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 102.
[2] DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. 2. ed. São Paulo: RT, 1998, p. 31.
[3] Ibid.
[4] MARCÃO, Renato. Rediscutindo os fins da pena. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2661&p=2>. Acesso em: 21.04.2020.
[5] LYRA, Roberto. Novíssimas escolas penais. Rio de Janeiro: Borsi, 1956, p. 6.
[6] CARRARA, Francesco apud MARCÃO, Renato, op. cit.
[7] LYRA, op. cit., p. 28.
[8] MARCÃO, Renato. Rediscutindo os fins da pena. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2661&p=2>. Acesso em: 21.04.2020.
[9] Ibid.
[10] Ibid.
[11] JESUS, Damásio E. de. O novo sistema penal. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 34.
[12] Ibid.
[13] BITTENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 106.
[14] Ibid.
[15] Ibid., p. 107.
[16] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Vega, 2002, p. 20.
[17]Idem.
[18] SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORREA JUNIOR, Alceu apud MARCÃO, Renato. Rediscutindo os fins da pena. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2661&p=2>. Acesso em: 21.04.2020.
[19] BITTENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 122.
[20] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Vega, 2002, p. 23.
[21] BITTENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 129.
[22] BITTENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 129.
[23] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 02.
[24] Ibid.
[25] Ibid.
[26] CARVALHO, Salo. Pena e Garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 145.
[27] Idem.
Assessora Jurídica de Procurador de Justiça junto ao Ministério Público do Estado do Paraná; Especialista em Direito e Processo Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitucional e em Ministério Público – Estado Democrático de Direito pela Fundação Escola do Ministério Público do Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Cristiane Pereira. Breves apontamentos sobre os fundamentos da pena Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 ago 2021, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57069/breves-apontamentos-sobre-os-fundamentos-da-pena. Acesso em: 23 dez 2024.
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