NARJARA KOCH[1]
(coautor)
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo expor a Teoria da Norma Jurídica, conceituando-a em seus diversos âmbitos, especialmente no que tange a sua validade, vigência e eficácia. Diferenciando-as sistematicamente, conclui que o estudo da norma é deveras relevante não só academicamente, mas para o concreto melhoramento e organização social que busca o Direito. Diante das premissas, conceituações e vertentes expostas acerca da Teoria da Norma Jurídica, cumpre expor que o presente trabalho buscou, precipuamente, situar o leitor em face de tão relevante tema para a compreensão do ordenamento jurídico posto.
Palavras-chave: Norma Jurídica. Teoria. Validade. Existência. Vigência. Vigor. Eficácia. Espécies. Legislação Tributária.
Abstract: The present work aims to expose the Legal Norm Theory, conceptualizing it in its various spheres, especially with regard to its validity, validity and effectiveness. Systematically differentiating them, he concludes that the study of the norm is really relevant not only academically, but for the concrete improvement and social organization that Law seeks. Given the premises, concepts and aspects exposed about the Theory of Legal Norm, it is necessary to show that the present work sought, above all, to situate the reader in the face of such a relevant topic for the understanding of the legal system in place.
Keywords: Legal Standard. Theory. Shelf life. Existence. Validity. Force. Efficiency. Species. Tax Legislation.
Sumário: 1.Introdução. 2.Validade da norma jurídica.Validade como sinônimo de existência da norma. Vigência e Vigor da norma jurídica. 3.Eficácia da norma jurídica. Espécies de Eficácia. 4.Noções sobre legislação tributária 5.Conclusão. 6.Referências Bibliográficas.
O Juspositivismo surge como uma escola jusfilosófica de resposta ao Jusnaturalismo, tendo por objetivo também conceituar o que é o direito. Dois são os autores de referência dessa corrente, Hans Kelsen, com sua famosa obra ‘’Teoria Pura do Direito’’ (1934 e 1960) e Herbert Hart com ‘’O Conceito de Direito’’ (1960). A preocupação do Juspositivismo é escapar a confusão feita pelo Jusnaturalista sobre direito como algo que se confunde com a moral, efetivamente dizendo o que é, especificamente, o direito. Para isso, recobrar a noção de Direito Positivo como o direito posto, criado por uma autoridade competente e, por isso, válido, vigente e obrigatório, é essencial.
Dito isso, o Juspositivismo traz à tona a necessidade de estabelecer critérios objetivos de identificação do conceito de direito, pois até o início do século XX o direito não era visto como um campo autônomo, sendo confundido com outras áreas, sem nenhuma independência. Assim, o objetivo era garantir certeza e segurança, na medida em que aplicar o direito não mais dependeria de um critério valorativo, não existindo, portanto, dificuldade em dizer o que é e o que não é direito tendo-se diante de si critérios objetivos de análise. Há de se reconhecer, então, que condicionar o critério de validação do direito positivo ao direito natural, ou seja, a sua noção de justiça, lançavam o direito ao âmbito da subjetividade e incerteza, tudo o que o Positivismo busca repreender. O ponto em questão é compreender que o direito positivo, portanto, busca sua validade no próprio direito positivo, ou seja, uma norma injusta não perde a sua qualidade de norma jurídica por ser injusta.
Hans Kelsen, em “Teoria Pura do Direito”, expressa interesses expressa a preocupação de tratar o Direito como campo autônomo. Daí a necessidade de uma pureza metodológica, ou seja, de que o direito seja purificado da interferência e ingerência das outras áreas, elevando-o, finalmente, a categoria de ciência jurídica (pretensão de cientificidade), a qual deve se pautar, precipuamente, por previsibilidade, segurança e certeza.
Nessa toada, talvez o valor mais basilar e imediato da lógica do Estado de Direito seja o da Segurança Jurídica, e com esta quer-se enfatizar o compromisso que esse Estado possui em tornar suas ações previsíveis, de maneira que todas as regras sobre o que pode e não pode ser feito estejam postas, assim, de antemão e, mais do que isso, não se possa mudá-las arbitrariamente. E mesmo quando altera-se regras, como, por exemplo, tornando-se crime algo que antes não o era, a lógica a se aplicar é a de que a regra alcança o que vem do momento de sua vigência em diante, não podendo alcançar situações passadas.
A expectativa resultante de se colocar as regras previamente postas é a de que não apenas um, mas todos serão conformados pelas leis, pois se não o fizerem serão coibidos por um aparato estatal (Estado como garantidor do cumprimento). Tal conformação é esperada porque não se poderia argumentar, nessa lógica, que se foi informado apenas depois do fato se o mesmo era lícito ou não, ou seja, não se poderia argumentar desconhecimento prévio das regras (Insegurança Jurídica).
Sobre a norma que prescreve uma conduta, seja obrigando, facultando ou proibindo, mais do que ser previamente estabelecida, deve ser uma norma válida, e com válida quer-se dizer que foi criada pela autoridade competente de acordo com todo um processo legislativo (validade formal). É nesse sentido que o Estado de Direito e sua preocupação com a segurança jurídica vai ao perfeito encontro do Positivismo Jurídico, na medida que para o último o mais importante é a segurança jurídica, entendendo que se deve ater a autoridade competente para saber quais são as normas válidas.
Desse modo, deve-se esclarecer que estabelecer corretamente aspectos como a validade da norma, sua vigência e eficácia se mostram não só como premissas teóricas relevantes para o Direito, mas verdadeiros vetores de cumprimento de suas funções primordiais, quais sejam a pacificação social, a manutenção da ordem e do Estado Democrático de Direito. Ainda, cumpre abordar pontos tangentes às normas tributárias, as quais possuem certa especificidade quanto à aplicação dos já citados critérios da Teoria da Norma.
O atributo de validade faz referência ao fato de uma lei ser constituída de acordo com um procedimento previsto numa lei hierarquicamente superior para sua elaboração, indicando, então, o pertencimento daquela a um ordenamento jurídico posto. Nesse sentido, esclareça-se que é o processo legislativo previsto na constituição que válida as leis e, uma vez válida, se entende que a mesma é parte do ordenamento jurídico e que, portanto, está apta a produzir efeitos jurídicos válidos.
A esse teor, ressalte-se que uma norma é válida quando seu processo de formação é juridicamente hígido, isto é, quando forem observados os requisitos procedimentais exigidos pelo ordenamento (aspecto formal), bem como ela seja compatível com o conteúdo da Constituição vigente no momento em que foi editada (aspecto material), tendo em vista que a Constituição é o fundamento máximo de validade de todo o ordenamento jurídico. Em suma, pode ser denominada “válida” a norma editada em conformidade com a forma e o conteúdo que foram estabelecidos e/ou balizados pelo legislador constituinte, ou seja, válida é a norma formal e materialmente constitucional.
Ademais, esse tipo de lógica na qual tudo produzido de acordo com uma lei inválida não tem validade jurídica traria um grande problema para o ordenamento jurídico: insegurança jurídica. É nesse sentido que Hans Kelsen explica que uma lei que não foi feita de acordo com um processo legislativo apresenta uma condição para sua invalidade, ou seja, não é que a lei seja inválida, mas sim que tenha condição para ser inválida. No entanto, é o tribunal constitucional que vai dizer se a referida lei é ou não inválida.
A validade é um gênero que se subdivide em validade formal e validade material. A validade formal é obtida pela observância da competência para propor a lei e na forma que tal lei deve ser proposta. Ou seja, falar em validade formal significa falar em quem pode e como se pode propor uma lei. Como exemplos, podem ser citados quórum necessário para a votação e aprovação de uma lei; ou ao órgão ou à autoridade competente para a edição de determinado normativo, como é o caso das medidas provisórias, que somente podem ser editadas pelo Presidente da República. Já a validade material decorre do respeito aos limites de conteúdo previstos para o emissor da norma jurídica e é neste ponto que se observa a compatibilidade de conteúdo entre a lei produzida e as leis hierarquicamente superiores. Como exemplo, pode-se expor que há temas que podem e que não podem ser tratado em determinado normativo, como é o caso da instituição de impostos residuais, já que estes somente podem ser instituídos por lei complementar, e desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos já discriminados na Constituição. A esse teor, esclarece o ilustre professor Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, 2008, p. 79-80):
[...] o próprio sistema determina o modo de criação de sua linguagem ao prescrever quais pessoas estão aptas a produzirem normas jurídicas e quais os procedimentos a serem realizados para este fim, pelas denominadas “normas de produção” ou “de competência” (regras de estruturas). Nesta linha de raciocínio, para identificarmos se uma regra pertence ou não ao ordenamento, utilizamo-nos de dois critérios: (i) a autoridade competente; e (ii) o procedimento próprio;
Basicamente, portanto, a validade da norma está intrinsecamente ligada a um processo legislativo, o qual, ao chegar ao fim, passando por todas as fases indispensáveis (iniciativa legislativa, discussões e votações no Poder Legislativo, sanção ou veto do Poder Executivo, promulgação e publicação), a norma completou aquilo que a doutrina elenca como “ciclo de formação”, a partir da qual já se presume válida.
Validade como sinônimo de existência da norma
Como já bem exposto, uma norma é dita válida quando pertence ao sistema do direito posto, sendo tal critério de validade um vínculo estabelecido entre a norma e o ordenamento jurídico. Nesse sentido, leciona Paulo de Barros Carvalho(CARVALHO, 2010, p. 95):
Se partirmos do postulado segundo o qual o sistema é formado pelo conjunto das normas válidas, a validade passou a ser critério indispensável para pensar-se o sistema de direito positivo.
De semelhante modo trata Hans Kelsen acerca da validade da norma. O jus-filósofo alemão aduz em sua majestosa obra que a norma já é válida automaticamente a partir do momento que é posta no ordenamento jurídico. Basicamente, portanto, a partir do instante em que uma norma é introduzida no sistema jurídico, não há nem pode haver qualquer outro critério ou condição para que se opere sua completa validade. Portanto, se esta estabelecida é norma e é válida Nesse sentido, dispõe o autor Hans (KELSEN, 1986, p. 215-216) que:
“Para valer, uma norma precisa ser estabelecida. Se ela não é estabelecida, não vale; e somente se ela é estabelecida, é que vale; se ela não vale, o estabelecido não é norma. Pois a validade de uma norma é – como já observado - sua específica existência. Não a existência de um fato do ser, mas a existência, i.e., a existência de um sentido (ou do conteúdo do sentido), do sentido de um fato, do real ato de estabelecimento. A existência de um sentido constitui uma existência “ideal”, e não “real”. Que uma norma que prescreve certa conduta vale, significa que tal norma existe. Uma norma “entra em validade”, quer dizer: entra em sua específica existência, começa a valer. Uma norma “sai de validade”, quer dizer: sai de existência, cessa de valer.”
Seguindo tal linha de pensamento, ambos os autores entendem que a validade da norma não é um atributo que a qualifica, mas sinônimo de sua existência, visto que validade e existência não são institutos incongruentes e apartados, mas, pelo contrário, conexos, visto que a norma, ao ser inserida no sistema jurídico já se torna válida e, portanto, existente, sendo estes operados concomitantemente. A esse teor, salienta Paulo de Barros,(CARVALHO, 2010, p. 95-96) que:
A validade não deve ser tida como predicado monádico, como propriedade ou como atributo que qualifica a norma jurídica. Tem status de relação: é o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa, considerada na sua inteireza lógico- sintática e o sistema do direito posto, de tal sorte que ao dizermos que u´a norma “n” é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema “S”. Ser norma é pertencer ao sistema, o ‘existir jurídico específico’ a que alude Kelsen. Antes de sua admissibilidade, falemos de outra entidade, porque norma jurídica ainda não será.
O referido autor aduz, ainda, que, assim que reconhecida a validade da norma jurídica através de sua entrada no ordenamento posto, ela há de ser válida até que deixe de pertencer ao sistema. Em suas palavras Paulo de Barros (CARVALHO, 2010, p. 97):
[...] ingressando no ordenamento pela satisfação dos requisitos que se fizerem necessários, identificamos a validade da norma jurídica, que assim se manterá até que deixe de pertencer ao sistema.
Acerca desse pertencimento ou não da norma ao sistema jurídico como forma de reconhecimento de sua validade, o autor também entende que a ab-rogação (que consiste na revogação total de uma lei ou decreto, de uma regra ou regulamento, por uma nova lei, decreto ou regulamento ou, ainda, a ação de cassar, revogar, tornar nulo ou sem efeito um ato anterior) não afasta a validade da norma ou ato ab-rogado, tendo em vista que esta permanece ainda aplicável para determinados casos, sendo que somente após sua efetiva impossibilidade de aplicação e sua completa extinção do ordenamento jurídico é que se poderá falar em invalidade. Demonstrando conhecimento profundo e crítico acerca do tema, leciona Paulo de Barros(CARVALHO, 2010, p. 97-98) que:
[...] Muitos são os autores que apontam a ab-rogação como o preciso instante em que a validade desaparece, deixando a norma de estar incluída no ordenamento do direito positivo. Como explicar, então, que a norma ab-rogada continue sendo aplicada para situações de fato anteriores à sua ab-rogação? Estariam os órgãos aplicando regras que não pertencem ao sistema? Obviamente que não. O conceito de ab-rogação como forma de cortar-se a validade da norma é que precisa ser repensado. Tenho pra mim que a regra ab-rogada permanece válida no sistema até que se cumpra o tempo de sua possível aplicação. Vencido o trato de tempo, pela ocorrência dos fatos extintivos que a legislação prevê, agora sim poderemos falar em desaparecimento da validade.
Vigência e Vigor da norma jurídica
Entende-se por vigência a aptidão em abstrato que uma lei tem para produzir efeitos. Basicamente, portanto, se refere a um requisito interno da norma, segundo o qual lei vigente é lei obrigatória, passando a ser exigível. A principal condição de vigência é a publicidade oficial, pois para uma lei ser exigível a mesma tem de ter sido divulgada, à medida que com a divulgação há a presunção de que as pessoas estão informadas sobre a mesma, não podendo estas, posteriormente, alegar desconhecimento da lei quando a elas for imputado o seu descumprimento.
Há de se enfatizar, ainda, a chamada Vacatio Legis, período entre a validade e vigência da lei, a qual serve para que a sociedade tome conhecimento das disposições da nova lei. Nesse período, a lei, por não ser ainda vigente (ressalte-se, exigível), não é aplicável, e, por isso, não produz efeitos. No entanto, a esse teor deve-se considerar a hipótese em que a lei é omissa acerca do início de sua vigência, tendo de se observar o artigo 1º da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, o qual expõe que, ipsis litteris, ‘’Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. Mas há de se ressaltar que tal hipótese de omissão da lei sobre seu início de vigência não deveria ocorrer, pois, como explicita a Lei Complementar nº 95 de 1998, ‘’A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula ‘entra em vigor na data de sua publicação’ para as leis de pequena repercussão’’.
Seguindo tal entendimento, doutrina o professor Paulo de Barros(CARVALHO, 2010, p. 99) que:
Viger é ter força para disciplinar, para reger, para regular as condutas inter-humanas sobre as quais a norma incide, cumprindo, desse modo, seus objetivos finais. É, agora sim, uma propriedade de certas regras jurídicas que estão prontas para propagar efeitos, tão logo aconteçam, no mundo social, os fatos descritos em seus antecedentes. Na verdade, existem normas que pertencem ao ordenamento positivo e, portanto, são válidas, mas não dispõem dessa aptidão. A despeito de ocorrerem os fatos previstos em suas hipóteses, não irradiam os efeitos estipulados nos consequentes. Tais regras de direito não têm vigor, seja porque já o perderam, seja porque ainda não o adquiriram. Na vacatio legis, por exemplo, há norma válida sem ser vigente, de tal forma que, mesmo acontecendo os fatos previstos no suposto, estes não ficam juridicizados, deixando de surtir os resultados previstos. De ver está que, nesse sentido, “vigência significa o atributo da norma que está preparada para incidir no mundo social, regulando deonticamente as condutas intersubjetivas.
Como já bem elencado, o Direito necessita de regras claras para atingir seus objetivos primordiais. Nesse sentido, tendo em vista as recorrentes mudanças pelas quais as normas jurídicas passam, é necessário que haja mecanismos eficientes para definir sua aplicabilidade. Nesse sentido, até mesmo certas diferenciações teóricas e semânticas se mostram relevantes. Dentre estas, pode-se citar a diferença entre vigência e vigor da norma jurídica.
A esse respeito, importante é a distinção trazida por Tércio Sampaio(FERRAZ JR, 1991, p.180-181). Para o autor, “vigência” pode ser compreendida como “o intervalo de tempo em que a norma atua, podendo ser invocada para produzir efeitos”, enquanto “vigor” é entendido como “a força vinculante que a norma tem ou mantém, mesmo não sendo mais vigente”.
Nessa toada, há de se salientar que a distinção se dá em virtude do fato de que a revogação da norma não tem o condão de retirá-la do sistema, nem sua vigência por completo, especialmente em razão do princípio da irretroatividade, segundo o qual a norma revogada continua sendo aplicada aos fatos que se sucederam antes de sua revogação.
Paulo de Barros(CARVALHO, 2010, p.100) aceita a diferenciação entre vigência e vigor da norma, no entanto faz uma ressalva de que a elas não deve ser dado conteúdo semântico diverso, sendo que, em verdade, tratam-se hipóteses de vigência plena e vigência parcial da norma. Nesse sentido, dispõe:
Fico com a distinção, que a entendo útil e relevante, mas sem dar conteúdos semânticos diversos às palavras “vigência” e “vigor”. A regra revogada não terá vigência para fatos futuros, conservando, porém, a vigência para os casos acontecidos anteriormente à revogação. Haverá uma vigência plena (passado e futuro) e outra parcial (passada, havendo revogação, ou futura, quando a vigência for nova).
Nesse sentido, a já exposta diferenciação acerca da vigência plena e parcial da norma estabelece que a vigência plena se dá quando a norma tem aptidão para desencadear efeitos sobre acontecimentos futuros e passados de forma concomitante, enquanto a vigência parcial ocorre quando a norma tem aptidão para produzir efeitos somente sobre acontecimentos passados (no caso de revogação), ou sobre acontecimentos futuros (quando a vigência for nova). A esse teor, um dos casos em que a norma tem vigência parcial, produzindo efeitos apenas em relação a acontecimentos passados é aquele em que ela sofre ab-rogação, a qual já foi definida no capítulo 2 do presente trabalho (página 14). Acerca da vigência da norma ab-rogada, Paulo de Barros (CARVALHO, 2010, p. 98) expõe que:
[...] Com a regra ab-rogatória, corta-se a vigência da norma por ela alcançada, de tal arte que não terá mais força para juridicizar os fatos que vierem a ocorrer depois da ab-rogação. Continua, porém, vigente para os casos anteriores, sendo-lhes perfeitamente aplicável.
A eficácia de uma norma jurídica é a aptidão que ela tem para produzir efeitos jurídicos em concreto. Desse modo, quando se fala em eficácia da norma, está-se falando de um requisito externo da lei.
Diz-se que a norma é “eficaz” a partir do momento em que ela, de fato, produz os efeitos para os quais foi criada, isto é, aqueles efeitos que justificam a sua própria existência no ordenamento jurídico, já estando apta a produzir os efeitos jurídicos que lhe são próprios.
Desse modo, eficaz é a norma válida, vigente e que produz efeitos na prática, em outras palavras, é a norma formal e materialmente constitucional que não só alcançou o momento necessário para a produção de efeitos jurídicos, mas também os produz no mundo concreto.
Seguindo esse entendimento, bem salienta Aurora Tomazini(CARVALHO, 2009, p. 553):
A palavra eficácia, no âmbito jurídico, está relacionada à produção de efeitos normativos, isto é, à efetiva irradiação das consequências próprias à norma. Muitos juristas a utilizam 554 como sinônimo de vigência, denotando a qualidade da norma de produzir efeitos, mas, vigência e eficácia não se confundem. Uma coisa é a norma estar apta a produzir as consequências que lhe são próprias, outra coisa é a produção destas consequências. Existem regras jurídicas que gozam de tal aptidão, mas efetivamente não produzem qualquer efeito na ordem do direito, nem na ordem social, porque não incidem, ou porque não são cumpridas por seus destinatários.
Espécies de Eficácia
No que tange à eficácia da norma jurídica, ela pode ser dividida em três espécies, quais sejam a eficácia técnica, a eficácia jurídica e a eficácia social.
A eficácia técnica consiste, basicamente, na característica de uma norma de irradiar efeitos no mundo jurídico. No entanto, deve-se atentar para a diferença que há entre ter a possibilidade de geração desses efeitos e a efetiva modificação no mundo do direito positivo. Tal diferenciação é relevante ao passo que não são todas as normas que estão aptas a juridicizar os fatos que descrevem, visto que têm impedimentos a sua efetiva produção de efeitos. Portanto, pode uma norma estar totalmente apta a produção de efeitos pois, além de válida, descreve fatos e seus consequentes efeitos, mas no entanto, não os produz em decorrências de obstáculos ainda não sanados. Só passam a ter eficácia, portanto, quando, já vigentes, não se depararem com quaisquer obstáculos tendentes a impedir a irradiação de seus efeitos. Nesse limiar, esclarece o eminente professor Paulo de Barros(CARVALHO, 2010, p. 102):
‘Eficácia técnica’ é a qualidade que a norma ostenta, no sentido de descrever fatos que, uma vez ocorridos, tenham aptidão de irradiar efeitos jurídicos, já removidos os obstáculos materiais ou as impossibilidades sintáticas (na terminologia de Tércio).
Já a eficácia jurídica diz respeito não a uma propriedade da norma, mas do fato em si. Nesse sentido, instala-se a relação jurídica a partir do momento em que o fato descrito na hipótese normativa se desencadeia no mundo social, propagando os efeitos que lhe são próprios na ordem jurídica. Assim, as consequências previstas pela norma só ocorreram se o fato que esta prevê de fato ocorrer. Desse entendimento também corrobora Paulo de Barros(CARVALHO, 2010, p. 102):
‘Eficácia jurídica’ é a propriedade do fato jurídico de provocar os efeitos que lhe são próprios (‘a relação de causalidade jurídica’, na linguagem de Lourival Vilanova). Não seria, portanto, atributo da norma, mas sim do fato previsto pela norma. [...]
[...] a ‘eficácia jurídica’, expressa na potencialidade inerente aos fatos juridicizados de provocarem o nascimento de relações deonticamente modalizadas [...].
‘Eficácia jurídica’ é o predicado dos fatos jurídicos de desencadearem as consequências que o ordenamento prevê.
Por fim, temos que a “eficácia social” consiste na aceitação e adimplemento da norma por seus destinatários. Basicamente, uma norma busca regular as condutas de indivíduos em um grupo social, utilizando-se da enunciação normativa de valores cristalizados naquela sociedade. No entanto, por vezes, a premissa trazida pela norma não gera a observação que tinha como objetivo, sendo desrespeitada constantemente, carecendo, desse modo, de eficácia social. No saber de Paulo de Barros(CARVALHO, 2010, p. 101):
[...] ‘eficácia social’, consubstanciada na produção concreta de efeitos enre os indivíduos da sociedade. A eficácia social ou efetividade diz com a produção das consequências desejadas pelo elaborador das normas, verificando-se toda vez que a conduta prefixada for cumprida pelo destinatário. Caso se dê o descumprimento da conduta, de maneira reiterada, frustar-se-ão as expectativas normativas e a eficácia social ficará comprometida.
4. Noções sobre legislação tributária
Há de se salientar, ante todo o exposto, que os supramencionados conceitos da validade, vigência e eficácia das normas em geral possuem, em relação à legislação tributária, certas especificidades em face das outras normas que compõem o ordenamento jurídico.
Inicialmente, no que tange à vigência da lei tributária, deve-se ressaltar que a própria Constituição da República faz ressalvas à regra geral de que a própria lei irá determinar seu período de vacatio legis e que, no silêncio desta, esse prazo seria de 45 (quarenta e cinco) dias, conforme expõe o artigo 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Tais regramentos estabelecem, em verdade, um impedimento para que a lei tributária já vigente produza efeitos imediatos.
Não basta, portanto, a publicação de uma lei tributária e sua vigência para que sua força cogente seja eficaz: toda lei que instituir ou aumentar tributos terá sua eficácia subordinada ao Princípio da Anterioridade (ou Princípio da ‘’Eficácia Diferida”). Nesse sentido, pode-se citar como exemplos a previsão de impossibilidade de se cobrar um tributo (i) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, consagrando o princípio específico da “anterioridade do exercício financeiro” e (ii) antes de decorridos noventa dias da data da publicação da lei que os instituiu ou aumentou, o que traduz o princípio da anterioridade nonagesimal, estando ambos expostos nos termos do artigo 150, III, alíneas ‘b’ e ‘c’, da Constituição:
Art. 150, CRFB/88:. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
III - cobrar tributos:
[...]
a) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
b) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
Nesse sentido, verifica-se a possibilidade de uma norma ter vigência e, de forma concomitante, não produzir efeitos, isto é, não estar dotada de eficácia.
No entanto, há de se esclarecer que, em seara tributária, embora não tão comum quanto à hipótese supracitada, a recíproca também é verdadeira, havendo casos em que há eficácia da norma sem que ela esteja vigente, como bem expõe o artigo 144 do Código Tributário Nacional:
Art. 144, CTN: O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
Tal dispositivo legal estabelece, basicamente, que, mesmo que uma lei tributária seja revogada, estando, desse modo, já sem vigência, pode ainda regular uma situação ocorrida no passado, visto que ela é dotada, por força da disposição legal, de ultra-atividade para a situação específica que abarca, qual seja o ato de lançamento.
Diante das premissas, conceituações e vertentes expostas acerca da Teoria da Norma Jurídica, cumpre expor que o presente trabalho buscou, precipuamente, situar o leitor em face de tão relevante tema para a compreensão do ordenamento jurídico posto.
Inicialmente, tratando da validade da norma, expôs que aquela não é mero atributo desta, mas, em verdade, sinônimo de sua existência, afinal a partir do momento em que a norma se insere no sistema jurídico ela é válida e existente de forma concomitante. Desse modo, atingidos e cumpridos os requisitos exigidos pelo direito positivo vigente, especialmente pelo legislador constituinte, válida pode ser considerada a norma. A esse teor, bem sintetiza Paulo de Barros Carvalho (2010, p. 101):
Firmemos estes conceitos: “validade” é relação de pertinencialidade de uma norma “n” com o sistema jurídico “S”.
No que concerne à vigência da norma jurídica, esta é assim considerada ao passo que está apta para produzir efeitos, sendo um requisito interno da norma e confirmando sua exigibilidade. Desse modo, há a possibilidade de que se cobre de seus destinatários o seu cumprimento, não podendo estes alegar desconhecimento, tendo em vista que toda lei, para que passe a ter vigência, deve, necessariamente, ser objeto de publicização oficial, isto é, de comunicação aos por ela jurisdicionados. A respeito da vigência da norma, também é relevante tecer as palavras de Paulo de Barros Carvalho (2010, p. 101-102):
“Vigência” é atributo de norma válida (norma jurídica), consistente na prontidão de produzir os efeitos para os quais está preordenada, tão logo aconteçam os fatos nela descritos, podendo ser plena ou parcial (só para fatos passados ou só para fatos futuros, no caso de regra nova).
Em semelhante sentido, isto é, buscando esclarecer e estabelecer os principais conceitos e características da norma jurídica, também é tratada a questão de sua eficácia. Consistente na característica da norma de produzir efeitos no mundo jurídico, a eficácia é abordada sob três diferentes âmbitos. O primeiro deles expõe a eficácia jurídica da norma, sendo esta uma propriedade do fato em si, afinal só será dotada de eficácia jurídica o fato que desencadear no mundo social as consequências previstas pela hipótese normativa. Já a eficácia técnica é a qualidade da norma de juridicizar os fatos que descrevem, vez que sem qualquer impedimento para tanto. Por fim, traz a conceituação de eficácia social, sendo esta a qualidade da norma que tem aceitabilidade e respeitabilidade perante a sociedade, que a cumpre e torna seu enunciado objeto de resultados concretos no mundo fático. Conforme ensina Pedro de Barros Carvalho (2010, p. 102), os conceitos de eficácia jurídica e técnica interessam mais à Dogmática, enquanto o de eficácia social é objeto de estudo da Sociologia, especificamente da Sociologia Jurídica, a qual.
Por fim, há a abordagem de especificidades da norma tributária, a qual é tratada com muito cuidado pelo ordenamento jurídico, em especial pela Lei Maior, tendo em vista a necessidade de proteção daqueles que são pelo Estado cobrados: em um país que passou por desastrosas experiências ditatoriais, fez-se mister que a Constituição de 1988 traçasse certas limitações ao poder estatal, dentre as quais se encontram as “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, tais como aquelas presentes nas alíneas “b” e “c” do artigo 150, inciso III. De semelhante modo, o Código Tributário Nacional revela preceitos de proteção à segurança jurídica e à expectativa social legítima acerca do modo em que sofrerá a cobrança de tributos.
6. Referências Bibliográficas
CARVALHO, A. T. Teoria Geral do Direito: o Construtivismo Lógico-Semântico. São Paulo, 2009.
CARVALHO, P. B. Curso de direito tributário. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
CARVALHO, P. B. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência tributária. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
FERRAZ JR, T. S. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 1991.
KELSEN, H. Teoria Geral das Normas. Porto Alegre: Fabris, 1986.
[1] Advogada, Mestranda do Programa de Pós-graduação do Curso de Direito Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, no programa de Direito que tem como linha de pesquisa: A efetividade do Direito Público e Limitações da Intervenção Estatal. Especialização em Direito tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC/Rio. Advogado
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