Ao tomar conhecimento que a OAB discutirá impeachment em sessão extraordinária no próximo dia 20 e das críticas que passou a sofrer por isso, passei a examinar o dever que a advocacia tem de defender a Constituição, o Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis e o aperfeiçoamento das instituições jurídicas, conforme disposto no art. 44, I da Lei 8.906/94.
Estou certo de que essas características finalísticas devem se fazer notar não apenas na defesa dos interesses daqueles que necessitam de um patrono, mas também por meio do engajamento da advocacia nas causas que interessam a polis e a res publica.
Muito se fala que a advocacia está ameaçada pelos “novos tempos”, pelo “novo normal”, pela inteligência artificial, pelo que vem por aí...
Entendo que o perigo maior não provém da tecnologia ou do futuro, exsurge do presente e da história, onde vige uma espécie de lei lamarquista do uso e desuso, tendente a atrofiar os órgãos que não são utilizados ou que não cumprem seu papel.
A missão prevista no Estatuto da advocacia é de alto relevo e envergadura. Como é de esperar, sempre exigiu coragem para sua concretização. Sem coragem o advogado tem a mesma função do apêndice ou do mamilo masculino.
Foi essa consciência que fez Sobral Pinto afirmar que “a advocacia não é profissão de covardes”.
Contudo, é necessário ter clareza que escudar a Constituição significa transcender a defesa de Governos ou de opositores - e seus interesses partidários ou ideológicos - para firmar ponto na defesa dos direitos fundamentais. Não se defende aqui a hipócrita neutralidade, mas uma transcendência, que vai além da luta política de A contra B e se concentra em garantir direitos básicos do ser humano.
Num momento mais difícil que o nosso, Luiz Gama defendeu os direitos fundamentais com as seguintes palavras:
“Os senhores de escravos dominam pela corrupção. Têm ao seu serviço ministros, juízes, legisladores, encaram-nos com soberba e reputam-se invencíveis. A luta promete ser renhida, mas eles hão de cair. Hão de cair sim e o dia da queda se aproxima. A corrupção é como pólvora, se gasta, mas não se reproduz. Hão de cair porque a nação inteira vai se levantar. E no dia em que estivermos todos de pé, os ministros, os juízes, os legisladores estarão todos ao nosso lado. Os próprios senhores na granja, na tenda, no Senado - onde entre anciãos venerandos têm infelizmente entrado alguns prevaricadores -, os próprios senhores hão de apertar a mão ao liberto, nivelados pelo trabalho, pela honra, pela dignidade, pelo direito, pela liberdade. Eles dirão como o imortal filósofo: se fosse possível saber o dia em que se fez o primeiro escravo, ele deveria ser de luto para a humanidade. ”
Defender os direitos humanos não se confina na defesa das vidas e direitos de “Lázaros”. É mais que isso. Pressupõe a primazia do indivíduo sobre o Estado. Implica no reconhecimento de que o ser humano nasce livre e independente, possuindo certos direitos essenciais e naturais que não podem ser desapossados quando da vida em sociedade. Inclusive, ofende os direitos humanos uma organização política cujo fim esteja em conflito com a conservação dos direitos naturais e essenciais. A única limitação admitida nesses direitos é a destinada a garantir o seu gozo para mais humanos.
Disse Heleno Fragoso: “É importante insistir na responsabilidade dos advogados, como homens da lei e do direito, cujo compromisso é a permanente realização da Justiça. Os advogados têm de estar na linha de frente da defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. É esta autêntica responsabilidade histórica que nos cumpre assumir."
A salvaguarda do Estado democrático de direito vai adiante de um Estado sob o império do direito. Deve-se antes de tudo respeitar a soberania popular e garantir que o detentor do Poder não abuse dele. Os valores éticos fundamentais inseridos na Constituição devem guiar governados e governantes, eleitos mediante a participação livre e igualitária dos cidadãos.
Na luta pela justiça social, a advocacia tem o compromisso de reagir contra qualquer forma de seleção, desigualdade, discriminação, privilégios e exclusão que dificulte a emancipação do indivíduo perante o Estado e lhe retire ou diminua a dignidade.
Desta forma, entendo que cabe à OAB sim discutir o assunto, deveras importante para o país. Aliás, é uma responsabilidade institucional. Mas ao fazê-lo deve cuidar para não incorporar nenhum discurso polarizado, centrando-se unicamente em sua tarefa maior, que é fazer a defesa firme e serena da Constituição.
Precisa estar logado para fazer comentários.