RESUMO: Os métodos adequados de resolução de conflitos buscam a cultura da paz. Em temos práticos, são respostas aos atuais processos adversariais, que “prestigiam” apenas o “tratamento” das posições em detrimento dos conflitos, resultando em insatisfações daqueles que buscam o Poder Judiciário, não sendo raro o retorno das partes. O instituto da Conciliação, método desenhado para situações que, de forma geral, não envolvam relacionamentos anteriores entre os sujeitos do processo, se traduz em um diálogo intermediado por um terceiro imparcial que lança mão de inúmeras ferramentas voltadas ao acolhimento, empatia e fluidez dos diálogos. O uso da Conciliação judicial ou extrajudicial deve guardar relação com os postulados das normas aplicáveis, traduzindo-se em tempo hábil para seu uso efetivo nas sessões, e não de mero cumprimento de dispositivo legal. Nesse sentido, serão apresentadas as etapas de uma sessão conciliatória, ressaltando-se a importância de seu planejamento.
Palavras-chave: Conciliação. Sessão. Planejamento.
ABSTRACT: Appropriate methods of conflict resolution seek the culture of peace. In practical terms, they are responses to current adversarial processes, which “reward” only the “handling” of positions to the detriment of conflicts, resulting in dissatisfaction of those who seek the Judiciary, with the return of the parties not being rare. The Conciliation Institute, a method designed for situations that, in general, do not involve previous relationships between the subjects of the process, translates into a dialogue mediated by an impartial third party that makes use of numerous tools aimed at welcoming, empathy and fluidity of the dialogues. The use of judicial or extrajudicial Conciliation must be related to the postulates of the applicable rules, translating in a timely manner for its effective use in sessions, and not mere compliance with a legal provision. In this sense, the steps of a conciliation session will be presented, emphasizing the importance of its planning.
Keywords: Conciliation. Session. Planning.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO DE UMA SESSÃO (OU AUDIÊNCIA?) DE CONCILIAÇÃO. 3. ETAPAS DE UMA SESSÃO DE CONCILIAÇÃO 3.1 PRIMEIRA E SEGUNDA ETAPAS DA SESSÃO DE CONCILIAÇÃO: ABERTURA E INVESTIGAÇÃO INICIAL DO CONFLITO. 3.2 TERCEIRA ETAPA DA SESSÃO DE CONCILIAÇÃO: DESENVOLVIMENTO. 3.3 QUARTA ETAPA DA SESSÃO DE CONCILIAÇÃO: REDAÇÃO DO TERMO E ENCERRAMENTO. 4. MEDIAÇÃO, CONCILIAÇÃO E NEGOCIAÇÃO: COMPARAÇÃO DAS ETAPAS DE UMA SESSÃO. 5. CONCLUSÃO. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
A sessão de conciliação precisa ter algum balizamento para que, senão alcance seus propósitos originários, tenha êxito na criação de uma atmosfera acolhedora e de confiança mútua entre a figura do conciliador e as partes em conflito. É natural que se criem expectativas, receios e ansiedades durante o “processo”, seja em virtude do espaço formal em que ocorrerá, pelo fato do agente conciliador não ser conhecido dos sujeitos, por fatores relacionados aos interesses subjacentes que nem sempre se mostram facilmente entre uma parte e outra etc. Dessa forma, delineando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada, insertos no artigo 166 do Código de Processo Civil Brasileiro – Lei nº 13.105/15 -, a doutrina organizou as sessões de conciliação nas seguintes etapas: Abertura, Investigação Inicial do Conflito, Desenvolvimento e Encerramento, com a elaboração do Termo. Sobre as fases, ponderam Lia Regina Castaldi Sampaio e Adolfo Braga Neto, tal fluxograma não deve ser interpretado como uma “receita culinária”[1].
Partindo disso, através de revisão bibliográfica, o objetivo principal do estudo é analisar a importância prática das etapas de uma sessão de conciliação, tendo como objetivos específicos apresentar a diferença conceitual dos termos “audiência” e “sessão”; conhecer as etapas práticas de uma sessão de conciliação e comparar os procedimentos da conciliação, mediação e negociação.
Nesse sentido, no segundo capítulo, serão apresentadas as distinções conceituais dos termos “audiência” e “sessão”, uma reflexão sobre o planejamento prévio das etapas da sessão de conciliação, pois são muitas as variáveis e sentimentos envolvidos. Ademais, há que se ter um tempo para a organização do lay out (espaço físico), da disposição das cadeiras das partes com relação entre si e o terceiro conciliador, além de aspectos do lado externo ao recinto em que se dará a sessão, minimizando a chance de ruídos e/ou outras distrações que possam ocorrer.
No terceiro capítulo, serão debatidas as etapas práticas de uma sessão de conciliação: a abertura, momento em que o conciliador se apresenta e pede as partes e aos seus respectivos representantes que também o façam, identifica os papéis de cada um dos envolvidos, verifica a representação das partes, diferencia o encargo do conciliador com o de juiz e explica, em linhas gerais, como se dará o procedimento; a investigação inicial do conflito, instante em que o conciliador solicita que as partes relatem o caso dentro de suas perspectivas, com suas próprias palavras; o desenvolvimento da sessão em si, onde as trocas de informações, discussão sobre os “interesses”, a criatividade em criar caminhos alternativos de solução, dentre outros, de fato ocorrem. Ainda, as distinções de posturas do conciliador em “informar”, “sugerir” e “avaliar” as falas das partes e os comentários de Bruno Takahashi sobre o tema no livro “Desequilíbrio de poder e conciliação: o papel do conciliador em conflitos previdenciários” (2016), no qual discorre, entre outros aspectos, sobre as gradações de intervenção dessas figuras e o que se deve evitar em uma sessão de conciliação; Por fim, a última etapa consignada na redação do termo e encerramento que, independentemente do resultado da sessão, deverá será lavrado.
No último capítulo, serão comparadas as etapas práticas das sessões de mediação, conciliação e negociação, pois, em verdade, apesar das diferenças conceituais entre um instituto e outro, não poucas vezes se tangenciam. Para tanto, serão utilizadas as nomenclaturas de Carlos Eduardo de Vasconcelos, na obra “Mediação de conflitos e práticas restaurativas” (2018), Dirceu Fiorentino, em “Mediação, conciliação e arbitragem para solução de conflitos sem intervenção do poder judiciário” (2020), dentre outros.
O trabalho assume grande relevância, pois o mundo passa por uma reformulação na maneira como lida com seus dilemas sociais, apresentando meios alternativos de resolução de conflitos – conciliação, negociação e arbitragem -, dentro de uma cultura de paz. Sendo a conciliação o método voltado para casos em que não há um relacionamento prévio ou subjacente entre as partes, em outras palavras, em situações cujos atores envolvidos não objetivam (necessariamente) manter um relacionamento futuro, assume caraterísticas próprias em suas etapas práticas e o modus operandi da figura do terceiro. Assim, para aumentar as chances de sucesso, é essencial que as sessões de conciliação sigam etapas didática e racionalmente organizadas, pois, se não representam “ingredientes de uma receita culinária”, certamente servem para facilitar a condução dos trabalhos. É sob essa perspectiva que enfrentaremos o tema proposto nos tópicos que se seguem.
2. A IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO DE UMA SESSÃO (OU AUDIÊNCIA?) DE CONCILIAÇÃO.
Antes de explanarmos sobre o planejamento em si, trago a questão de qual o tratamento correto ao nos referirmos a uma conciliação: sessão ou audiência? Por audiência, remonta-se aos tempos da Idade Antiga, em que aqueles envolvidos em alguma disputa, ou para fins de sanção penal, eram submetidos ao pretório, a fim de lhes dar audiência (ouvir), em seguida, julgava o mérito da questão. Com o aperfeiçoamento das instituições, ao longo do tempo, a corroborar o atual Código de Processo Civil – lei nº 13.105/15[2], o termo “audiência” é facilmente relacionado, não somente às atividades jurisdicionais, mas afeita a todo o sistema judicial, marcadamente, espaço para a resolução contenciosa de conflitos, em que uma autoridade, o juiz, ouve os interlocutores, faz o acolhimento de provas e diz o direito.
Para a professora Fernanda Tartuce (2018), ao se referir a um encontro em que o método usado para resolver o conflito é autocompositivo (mediação ou negociação, por exemplo), o mais adequado é o uso da expressão “sessão”. “É mais apropriado e recorrente o uso da expressão “sessão” para designar os encontros pautados pela consensualidade”[3] (p.300). A autora justifica que o uso da palavra “audiência” em ambientes extrajudiciais (câmaras privadas, por exemplo), poderia resultar em “confusão” entre se está diante de uma instituição estatal ou de natureza privada. Nesse sentido, menciona a escritora, questão semelhante já foi feita pelo Ministério Público junto à justiça, em que demandou contra instituição arbitral que fazia o uso da expressão “tribunal”, além de usar logotipos próprios da República. Citamos, na mesma linha, o enunciado 72[4] do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, I Jornada “Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios”, ocorrida nos dias 22 e 23 de agosto de 2016, na cidade de Brasília/DF, em que ficou consignada tal proibitiva, e art.12-F[5], caput, da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça.
No tocante ao planejamento de uma sessão de conciliação, não diferente como quaisquer outras atividades que nos propomos realizar, planejar é fundamental. Com isso, não significa garantir o “sucesso” de um determinando empreendido ou projeto, por exemplo, porém, certamente maximiza as chances de êxito.
Sem adentrar no mérito se a conciliação é um instituto de resolução consensual de conflito autônomo, ou espécie de mediação (modalidade avaliativa), é inegável que tal instrumento possui particularidades que o distingue, em maior ou em menor medida, dos demais métodos autocompositivos, devendo essas singularidades serem levadas em conta nas execução das etapas de uma sessão de conciliação, mais adiante analisadas.
Antes de se iniciar as fases de uma sessão de conciliação, há que se ter em mente uma série de medidas prévias, que vão da organização do espaço (escolha e disposição da mesa e cadeiras confortáveis, luminosidade do ambiente, cores das paredes, ruídos etc..) à coleta e divulgação de informações (local, dia e horário, anotação de dados cadastrais, existência de terceiros, definição de honorários etc.). Como se trata de um método colaborativo, de boa fé e consensual, é elementar criar um ambiente amistoso e uma atmosfera acolhedora, que na presteza do primeiro atendimento, as partes sintam-se confiantes em dar andamento ao procedimento conciliatório propriamente dito[6]. (Takahashi, B., & et al., 2019, p.63).
Carlos Eduardo de Vasconcelos, em sua obra Mediação de conflitos e práticas restaurativas[7], explica que a separação da sessão de conciliação da fase do planejamento prévio não é uma imposição, todavia, de acordo com que tem constatado em sua experiência enquanto “conciliador”, é que nesse momento há um empoderamento dos “mediandos”, quanto ao seu protagonismo no processo. Além do mais, pode-se constatar questões ilegais e contrárias à ordem pública, requerendo, assim, encaminhamentos mais adequados por parte do terceiro facilitador. Procede-se ainda, com as anotações dos nomes das partes, endereços e contatos telefônicos dos solicitantes e solicitados, informações quanto às custas do procedimento e honorários, bem como, acrescenta o autor, ser uma das oportunidades de desconstrução de narrativas pessoais, fazendo referência a casos realizados por meio de dinâmicas transdisciplinares, organizadas em Grupos de Pré-Mediação (GPMs).
3. ETAPAS DE UMA SESSÃO DE CONCILIAÇÃO.
3.1 PRIMEIRA E SEGUNDA ETAPAS DA SESSÃO DE CONCILIAÇÃO: ABERTURA E INVESTIGAÇÃO INICIAL DO CONFLITO.
Definida a Câmara Privada ou o Conciliador autônomo, dar-se-á início a sessão conciliatória. De acordo com Lia Regina Castaldi e Adolfo Braga Neto (2007, p.32) são etapas de uma sessão de conciliação: pré-mediação, abertura, investigação, agenda, criação de opções, avaliação de opções, escolha de opções e solução[8]. Para Daniela Monteiro Gabbay, Diego Falek e Fernanda Tartuce (2013, p.63), o processo conciliatório divide-se em abertura; relato do conflito; agenda, opções e negociação; finalização.[9] Adotaremos, dado o caráter holístico, a divisão proposta por Bruno T., Daldice M. S. A., Daniela M. G. e Maria C. A. A. no Manual de mediação e conciliação da justiça federal (2019, p.64-77), a saber: abertura, investigação inicial do conflito, desenvolvimento, redação do termo e encerramento.[10]
Vale ressalvar que o objetivo precípuo é criar uma ambiência que inspire acolhimento e confiança, devendo as etapas serem compreendidas como um caminho/roteiro, sem deixar de lado a sensibilidade do conciliador frente às relações intersubjetivas presentes nos interlocutores, que não, necessariamente, seguirão a programação, ante o princípio da autonomia da vontade.[11]
No dia da sessão de conciliação, o facilitador do diálogo deverá chegar antes das partes, procedendo com a memorização dos nomes e a organização dos conteúdos. Todos presentes, o facilitar procederá a abertura de forma a inspirar cordialidade, confirmando os nomes e como cada um gostaria de ser chamado. Sempre atento ao protagonismo das partes, o conciliador, sentando-se equidistante delas, explica como se desenvolverá a sessão, esclarecendo-lhes não ser juiz, não lhe cabendo, portanto, identificar a culpa ou decidir o conflito, mas facilitar o diálogo e fornecer alternativas/ideias.
Leciona Carlos Eduardo de Vasconcelos (2018) ser esse o momento em que o conciliador acolhe, de forma respeitosa e informal os conciliandos e advogados, com certo nível de senso de humor; enaltece a postura das partes e advogados, dirigindo-lhes, individualmente, a palavra; esclarece o instituto da conciliação, deixando claro que sua função é colaborar para o diálogo; combina o tempo de duração da sessão; declara sua independência e imparcialidade funcional; esclarece sobre o aspecto sigiloso das falas e provas argumentadas na sessão; destaca que todos terão, em igualdade de condições, tempo para as suas falas, chamando atenção para o respeito mútuo e a proibitiva de se interromper quando o outro estiver com a palavra; e finalmente, expor a possibilidade de caucus[12], a depender das circunstâncias e prévia condescendência dos conciliandos.[13] (p. 200-201).
Em sequência a abertura, feitos os esclarecimentos, passa-se a investigação inicial da controversa. É nesse momento que o conciliador solicita que cada um dos conciliandos, expresse, sob perspectiva própria, o conflito. A ordem, via de regra, é de o solicitante iniciar a fala, mas que pode ser questionado a ambos quem gostaria de começar. Por “investigar”, significa um papel ativo do conciliador em fazer perguntas. Entretanto, durante as narrativas, a postura é ouvir ativamente, não interrompendo, e sim observar as falas e seus significados nas verbalizações, nos sinais corporais e nas emoções à baila através do tom da voz. De acordo com Antonio Donizete Souza (2015), pode ocorrer que em determinando momento um dos interlocutores deixe dúvidas em suas falas, o que autoriza, segundo o autor, o conciliador a fazer perguntas no sentido de facilitar a comunicação, além de favorecer uma atmosfera amistosa e de recíproca cooperação. Exemplos de perguntas: “Deixe-me ver se entendi”, ou “o que você quer dizer é...”.[14] (p.106).
As perguntas devem ser do tipo fechada, fazendo sempre referência às narrativas anteriores, objetivando a normalização dos discursos agressivos e/ou vexatórios. Afinal, a “posição” nem sempre espelha o “conflito”. A investigação inicial do conflito é a oportunidade para humanizar as interações intersubjetivas das partes, pois nem sempre o que se diz, é o que de fato se quis dizer. O feedback é importante para evitar ou eliminar ambiguidades, e assim poderem identificar as necessidades reais que, em geral, afirmam Roger Fischer, William Ury e Bruce Patton (1994), estão ligadas à segurança, bem-estar econômico, sensação de pertencimento, reconhecimento e controle sobre a própria vida.[15] (p.40).
3.2 TERCEIRA ETAPA DA SESSÃO DE CONCILIAÇÃO: DESENVOLVIMENTO.
Nessa etapa, os conciliandos, empoderados de sua autonomia e conscientes de seu protagonismo, estão preparados para apresentar propostas e aprofundar o diálogo através de uma comunicação prospectiva. Antes de se passar ao momento de apresentação de ideias e alternativas, Carlos Eduardo de Vasconcelos (2018) chama a atenção para a realização e compartilhamento de um resumo. Caberá ao conciliador, em “linguagem apreciativa”[16], dar o início, através de colocações como “pelo que entendi, as questões que precisamos cuidar são as seguintes...”, ou seja, haverá a justaposição (e não aglutinação) das narrativas em uma.[17] (p.204).
Resguardadas a ordem pública e a legalidade das propostas, é nesse momento que as partes terão espaço para a criatividade. Um convite ao “camarote”[18]: mudança da forma de enxergar a situação, exercício da empatia e validação de sentimentos são concretizados em alternativas para a resolução do conflito. Nessa quadra, o conciliador atuará informando, sugerindo e, quando previamente autorizado pelos conciliandos, avaliando as opções. Bruno Takahashi em sua obra Desequilíbrio de poder e conciliação: o papel do conciliador em conflitos previdenciários (2016) apresenta as diferenças em cada uma dessas condutas, concluindo que o trabalho do terceiro deve restringir-se a informar e sugerir, pois ao proceder a avaliação das alternativas, de certa forma sairá da posição horizontal (igualdade) em relação as partes, assumindo uma posição vertical, de modo que, ao externalizar sua opinião, estará ultrapassando o limite da neutralidade, contaminando sua atuação com parcialidade[19], posto que influenciará, quer queira, ou não, as partes a aceitar determinada alternativa, em detrimento de outras.[20]
E nessa etapa da sessão de conciliação que deverá haver o agendamento dos temas, partindo da consensualidade. Por consenso, entenda-se a concordância das partes quanto a prioridade de se discutir esse ou aquele tema inicialmente. Para Gabbay, Falek e Tartuce (2013), a agenda serve para “...ordenar os assuntos para ficar claro o objeto...”[21]. (p.65). Em outra abordagem, a simplificação dos diálogos, partindo dos mais “simples” aos mais “complexos”.
Formatada a agenda de resolução ou transformação dos conflitos, o conciliador passará a estimular as partes a criarem opções de respostas, de forma que quanto maior o número de alternativas (brainstorming), melhores as chances de se chegar ao acordo. Em seguida, faz-se a avaliação de cada uma das ideias, instante em que se efetua uma projeção, analisando-se, pormenorizadamente, cada uma das possibilidades levantadas. Encerradas as análises, passa-se ao momento da escolha das sugestões que melhor se adequem às especificidades do conflito e das motivações dos conciliados. (SAMPAIO, NETO, 2007, p.33).[22]
Em verdade, a etapa do desenvolvimento é onde de fato a negociação, etimologicamente considerada, ocorre. Até aqui, as falas foram intercaladas, mantidos pelo conciliador a ordem, o respeito e o espírito colaborativo das partes. Ao se verbalizar as posições, o terreno tende a se tornar fértil para o afloramento das emoções, dificultando a comunicação, enfim, a compreensão e apropriação dos reais interesses de uma e outra parte – diálogo. Destarte, é necessário que o conciliador trabalhe as emoções a fim de que estas sejam percebidas e acolhidas, não significando, porém, ponderam Sampaio e Neto, que o facilitador deverá “...concordar ou apreciar, mas trata-se de reconhecer o direito de cada um de ter sentimentos específicos”. (2007, p.29).
Para finalizar o tópico, é importante que as partes costurem uma Melhor Alternativa em Caso de Não Acordo – MACNA, recurso utilizado considerando a não convergência de propostas, ou seja, ausência de acordo sobre o conflito, levando-se em conta a seguinte pergunta: “...qual seria o melhor ou o pior cenário caso não se chegue a um acordo?”.[23] (2019). Apenas para efeito de se visualizar o uso desse recurso, imaginemos um empregado que se sente desprestigiado, financeiramente, por seu empregador. O pior cenário possível seria, como resposta a um pedido de aumento salarial, o empregador simplesmente demitir esse empregado. Nesse exemplo, como MACNA desse empregado, poderiam ser o prévio acerto de ser contratado em outra empresa, ou mesmo proceder a abertura do próprio negócio.
3.3 QUARTA ETAPA DA SESSÃO DE CONCILIAÇÃO: REDAÇÃO DO TERMO E ENCERRAMENTO.
Narrados os fatos, discutidas as propostas e obtido (ou não) o consenso, a etapa seguinte será a redação do termo final de conciliação, devendo ocorrer neste momento a validação da alternativa de resolução do conflito acordada, a consignação de assinaturas, encerramento da sessão e congratulações.
Essa fase é tão importante quanto todas as demais, demandando grande esforço ao conciliador, a fim de transcrever de forma coerente, e clara, os termos do acordo, em observância ao princípio da decisão informada[24]. É um dever do conciliador manter as partes sempre informadas (princípio da informação[25]), e, em relação simétrica, fazer com que os conciliandos compreendam suas posições quanto aos compromissos firmados, se exequíveis ou não.
Ressalva-se que nem tudo o que foi colocado na sessão de conciliação deve ser transcrito no termo, em atenção ao princípio da confidencialidade[26], dados relativos às falas e provas são sigilosos, não podendo, dessa forma, serem utilizados em processos judiciais e/ou administrativo, ressalvados os casos de crime ou afrontamento à ordem pública. Destarte, o conteúdo deve restringir-se a responder às qualificações das partes, advogados e prepostos, exposição suscinta do conflito, resumo da proposta, obrigações assumidas pelas respectivas partes, local e data, assinaturas. De acordo com Vasconcelos (2018), sendo o acordo um contrato, com força de título extrajudicial, devem constar nele também as consequências do inadimplemento contratual, o foro competente para a execução judicial de suas cláusulas e o modo como será feito o seu cumprimento.[27] (p.208).
O encerramento da sessão de conciliação dever ocorrer, independentemente do resultado, exatamente da mesma forma que iniciou: com gentileza, dentro de uma atmosfera cordial. Nem sempre um bom procedimento autocompositivo é aquele que terminou com consenso, com um acordo, mas, sobretudo, quando o diálogo respeitoso, a validação mútua de sentimentos e a empatia se fizeram presentes.
A postura consensual que as partes tiveram de submeter seus conflitos a um terceiro deve ser ressaltada, parabenizando-se não apenas aos conciliandos, mais também aos advogados, aos representantes legais, aos prepostos, enfim, todos os atores da sessão de conciliação.
4. MEDIAÇÃO, CONCILIAÇÃO E NEGOCIAÇÃO: COMPARAÇÃO DAS ETAPAS PRÁTICAS DE UMA SESSÃO.
Neste tópico, serão comparadas as etapas práticas de uma sessão de mediação, conciliação e negociação, estas (etapas) arquitetadas pela doutrina, através do empirismo, pois, sabe-se, ainda inexiste instrumento legal tecendo todas as fases dos procedimentos de resolução consensual de conflitos.
Nesse sentido, na obra Negociação, mediação, conciliação e arbitragem: curso de métodos adequados de solução de controvérsias(2020, p.62), coordenado por Carlos Alberto de Salles, Marco Antônio Garcia Lopes Lorencini e Paulo Eduardo Alves da Silva, os autores esclarecem, a título de exemplo, que a Lei de Mediação não elencou as etapas do procedimento, abordando apenas regras gerais e sobre determinados pontos, como o convite, a possibilidade da inserção de cláusula de mediação extrajudicial nos contratos, homologação de acordos – em procedimentos judicializados -, e orientações sobre prazos totais para a finalização da mediação.[28]
Em rápida síntese, a palavra Mediação deriva, etimologicamente, do latim Mediatio, ato de “intervir, colocar-se entre duas partes”, de Medius, “meio”.[29] Por sua vez, o vocábulo Negociação, derivado do termo “negócio” – do latim “Negotium” (Nec = advérbio de negação + Otium = folga, ócio), significa não ser dado ao ócio, mas dedicar-se em algo.[30] Já por Conciliação, do latim conciliatio, quer dizer, dentre outras denotações, o ato de “harmonizar pessoas divergentes; reconciliação. Acordo entre demandantes para encerrar uma demanda legal.[31]
Como se observa, tanto na conciliação, quanto na mediação, há a presença de um terceiro estranho à demanda, ao conflito. A esse caberá o papel de fazer o elo entre as partes no cumprimento das etapas da sessão respectiva. Por seu turno, na negociação, a dedicação no processo de busca pela “paz” dar-se-á a cargo exclusivo de seus interlocutores, em diálogo direto entre si. Para isso, a doutrina também roteirizou um caminho de fases e técnicas voltadas a uma sessão de negociação.
Tendo em vista o tema deste artigo versar sobre as etapas de um procedimento conciliatório (abertura, investigação inicial do conflito, desenvolvimento, redação do termo e encerramento – já discorridas), passemos as etapas, de forma detida, das sessões de mediação e negociação, em seguida, comparando suas especificidades.
Dirceu Fiorentino (2020, p.53), em mediação envolvendo relações familiares, divide as etapas de uma sessão de mediação em 9 (noves): preparação, abertura, narrativas, levantamento de dados, reuniões privadas, criação de opções, teste de realidade, acordo e fechamento.[32] No tocante a uma sessão de negociação de conflitos, Vasconcelos (2018, p.173-174) organiza o procedimento em planejamento, execução e controle. No planejamento, conhecer o outro interlocutor (sua origem cultural, formação acadêmica, situação financeira, simular seus interesses, estilos, necessidades etc.,) é tão importante quanto o autoconhecimento sobre esses mesmos pontos. Na fase de execução, ocorrem os encontros, sempre pautados em princípios de colaboração mútua, dentro de uma abordagem “ganha-ganha” (negociação principiológica), em detrimento da “perde-ganha” (negociação posicional). No encerramento, última fase, há o monitoramento, avaliação dos resultados, ajustes e/ou retomadas do diálogo e implantações. [33]
Como se verificou, tanto a conciliação, quanto a mediação e negociação, são métodos de resolução de conflito, dentro de uma cultura de paz. Todos têm em comum o diálogo e o protagonismo das partes na procura de uma resposta construída consensualmente.
A diferença entre um método e outro reside na presença, ou não, de um terceiro; no grau de abordagem desse agente; nas técnicas utilizadas e no grau de apaziguamento que se pretende. Em todos os métodos, a execução seguirá o rito do pré-atendimento, seguida pela abertura, desenvolvimento e encerramento. Entretanto, a depender do caso em concreto, eles poderão se comunicar, tangenciando as técnicas de um e outro, pois o comportamento humano é cheio de imprevisões, dado os aspectos intersubjetivos da pessoa humana e abrangência interdisciplinar desses instrumentos alternativos de resolução de conflitos.
5. CONCLUSÃO
O planejamento de uma sessão de conciliação carrega em si grande importância na prática de suas etapas, pois é nesse momento que as partes se sentam para dialogar, razão por que não deve ser relegado ao improviso do conciliador, mas organizado técnica e didaticamente.
A conciliação é uma realidade contemporânea, sendo vivenciada no ordenamento jurídico pátrio, através da aprovação do Código de Processo Civil vigente e da lei de mediação (nº 13.140/15), por exemplo, em que os métodos alternativos de resolução de conflitos assumem um papel importante, como instrumentos de resposta a, de uma lado, um judiciário assoberbado de demandas, culminando em uma demora desmedida para julgar; de outro, o constante retorno a esse método de resolução contencioso, pois não se resolve, efetivamente, o “conflito”.
Desde a segunda década do século passado, o mundo passa por uma importante reformulação na maneira como tem lhe dado com seus conflitos. O desafio agora é, para além das incorporações jurídicas, transmudar do plano positivado, para o comportamento humano. A ideia é, diante de uma disputa, em vez de recorrer primeiramente ao estado-juiz, optar pela promoção do diálogo, direta (negociação), ou indiretamente (com a presença de um terceiro facilitador).
Destarte, reconhecer que a conciliação é um valioso método de solução de controvérsia, sendo o mais largamente utilizado, inclusive, em disputas já judicializadas, é um passo importante. Entretanto, iniciar e terminar perguntando se as partes têm ou não um acordo (como tem ocorrido na praxe forense) não é, certamente, dar a merecida importância prática de cada uma das etapas de uma sessão conciliatória.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] “...em que são usados determinados ingredientes e marcas que resultarão, na maioria das vezes, se bem seguidas pelo usuário, em um alimento a ser consumido” (SAMPAIO; BRAGA NETO, 2007, p. 46-47).
[2]Brasil. Lei n. 13.105/15. Consultado em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/I1305.htm Acesso em 10.Mar.2020.
[3] Tartuce, F. (2018). Mediação nos conflitos civis (4ª ed.V. 01). Rio de Janeiro, RJ: MÉTODO. pág.300.
[4] As instituições privadas que lidarem com mediação, conciliação e arbitragem, bem como com demais métodos adequados de solução de conflitos, não deverão conter, tanto no título de estabelecimento, marca ou nome, dentre outros, nomenclaturas e figuras que se assimilem à ideia de Poder Judiciário.
[5] Art. 12-F. Fica vedado o uso de brasão e demais signos da República Federativa do Brasil pelos órgãos referidos nesta Seção, bem como a denominação de “tribunal” ou expressão semelhante para a entidade e a de “Juiz” ou equivalente para seus membros.
[6] Takahashi, B., & et al. (2019). Manual de mediação e conciliação na Justiça Federal. Brasília, DF: Conselho da Justiça Federal. Pág. 63.
[7] Vasconcelos, C. E. (2018). Mediação de conflitos e práticas restaurativas (6ª ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense. Pág. 198 – 199.
[8] Sampaio, L. R. C., & Neto, B. A. (2007). O que é mediação de conflitos. São Paulo, SP: Brasiliense. Pág. 32.
[9] Gabbay, D., Falek, D., & Tartuce, F. (2013). Meios alternativos de solução de conflitos. Rio de Janeiro. RJ: FGV. Pág. 63.
[10] TAKAHASHI, B., & et al., 2019, p. 64-77.
[11] Cf. inciso V, art. 1º da Res. 125/2010 do CNJ. Independência e autonomia - dever de atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento, tampouco havendo dever de redigir acordo ilegal ou inexequível.
[12] Reunião privada, e individual, do conciliador com as partes.
[13] VASCONCELOS, 2018, p. 200-201.
[14] Souza, A. D. E., & SOUZA, T. (2015). Manual de mediação e conciliação – eficaz para soluções e acordos (1ª ed. V. 01). São Paulo, SP: Clube dos autores. p. 106.
[15] Fisher, R., Ury, W., & Patton, B. (1994). Como Chegar ao Sim. Rio de Janeiro: IMAGO. p. 40.
[16] Caspersen, D. (2016). Mudando o tom da conversa 17 princípios para resolver conflitos. Rio de Janeiro, RJ: Sextante. p. 210.
[17] VASCONCELOS, 2018, p. 204.
[18] Cf. a obra Como chegar ao sim com você mesmo, de William Ury. O camarote é uma metáfora de um espaço racional e emocional em que você assume uma perspectiva abrangente e mantém a calma e o autocontrole. Se a vida é um palco e todos somos atores, o camarote de um teatro é um posto de observação privilegiado, de onde assistimos a todo o espetáculo com mais clareza. Definição de William Ury no livro Como chegar ao sim com você mesmo.
[19] Imparcialidade é uma exigência ética e legal da conduta de qualquer “conciliador” (sentido lato), diferentemente da neutralidade, pois faz parte do ser humano.
[20] Takahashi, B. (2016). Desequilíbrio de poder e conciliação: o papel do conciliador em conflitos previdenciários. Brasília, DF: Gazeta. Pág. 127.
[21] GABBAY, FALEK, TARTUCE, 2013, p. 65.
[22] CASTALDI SAMPAIO, BRAGA NETO, 2007, p. 33.
[23] TAKAHASHI, B., & et al., 2019, p. 73.
[24] Cf. Inciso II, art. 1º da Resolução 125/2010 do CNJ.
[25] Cf. Inciso I, art. 2º da Resolução 125/2010 do CNJ.
[26] Cf. Inciso I, art. 1º da Resolução 125/2010 do CNJ.
[27] VASCONCELOS, 2018, p. 208.
[28] Salles, C. A., Lorencini, M. A. G. L., & Silva, P. E. A. (2020). Negociação, mediação, conciliação e arbitragem: curso de métodos adequados de solução de controvérsias (3ª ed). Rio de Janeiro/RJ: Forense. P.62.
[29] Consultado em https://origemdapalavra.com.br/palavras/mediacao/ Acesso em 30.mar.2020.
[30] Consultado em https://www.gramatica.net.br/origem-das-palavras/etimologia-de-negocio/ Acesso em 30.mar.2020.
[31] Consultado em http://michaelis.uol.com.br/busca?id=ab0L Acesso em 30.mar.2020.
[32] Fiorentino, D. (2020). Mediação, Conciliação e Arbitragem. Leme, SP: Rumo Jurídico Editora de Livros. Pág. 53.
[33] VASCONCELOS, 2018, p.173-174.
Analista Judiciário (Oficial de Justiça) do TJ/AM. Mestre em Ciências Jurídicas pela Ambra University - U.S.A. Bacharel em Direito (UEA). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (CIESA). Licenciado em História (UEA).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, JARDEL ULISSES ALVES DE. O planejamento de uma sessão de conciliação: importância prática de cada etapa. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 set 2021, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57175/o-planejamento-de-uma-sesso-de-conciliao-importncia-prtica-de-cada-etapa. Acesso em: 23 dez 2024.
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