RESUMO: No cenário empresarial, a desconsideração da personalidade jurídica é um importante integrante na formação da relação descontinuada, apta a evidenciar empreitadas societárias as quais tem o condão de surrupiar da sociedade a sua segurança jurídica em negociar e estabelecer vínculos obrigacionais entre pessoas físicas, pessoas jurídicas e as repercussões em direito que delas advir. Nessa perspectiva, esse descortinamento deve ser observado com acuidade, haja vista a sua má utilização pode acabar por ferir configurações legítimas. O vertente trabalho científico evidenciou esse aspecto impetuoso do profissional do direito em levar a juízo demanda que vise ruir uma legítima relação, destituindo os sócios indevidamente de seu patrimônio com a finalidade de se garantir uma execução frustrada.
Palavras-chave: Direito Civil, Direito Processual Civil, Desconsideração da personalidade jurídica.
ABSTRACT In the business scenario, the disregard of the legal personality is an important element in the formation of the discontinued relationship, able to highlight corporate undertakings as which have the power to rob the company of its legal security in negotiating and entreabelicerigerig as repercussions on the law arising from them. From this perspective, this unveiling must be carefully observed, given that its misuse can end up hurting legitimate settings. The scientific work aspect evidenced this impetuous aspect of the legal professional in taking a requested court that seeks to collapse a legitimate relationship, unduly depriving the partners of their assets with a technician to ensure a frustrated execution.
Keywords: Civil Law, Civil Procedural Law, Disregard doctrine.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da insubsistência do pedido de desconsideração da personalidade jurídica. 3. Da afetação indevida ao patrimônio dos sócios. 4. Conclusão. 4. Bibliografia.
1.INTRODUÇÃO
O Reclamante requereu ao juízo por meio da petição “Id xxxxx” a desconsideração da personalidade jurídica em razão do insucesso da execução.
A frase inicial é uma solução prática cada vez mais comum nas decisões judiciais, especialmente em decisões judiciais, cujo foco se ajusta neste trabalho.
Improvável que nos dias de hoje, diante da inadimplência trabalhista, por exemplo, não se imponha aos sócios das pessoas jurídicas empregadoras os custos da condenação. É adequado? Há vários posicionamentos a serem considerados, especialmente aqueles tendentes a sobrelevar valores constitucionais a exemplo do direito ao salário frente o direito ao lucro, privilegiando nesta relação o trabalhador em detrimento do empresário. Por outro lado, há quem defenda o primado empresarial da separação patrimonial entre sócios e empresa.
Esta manifestação acadêmica, sem pretender esgotar o relevante tema, visará conceituar os institutos adjacentes à matéria processual e trazer o posicionamento pessoal do autor corroborado pela abalizada doutrina e jurisprudência.
Visará demonstrar que a abertura de um incidente processual em face dos sócios de uma pessoa jurídica Reclamada é medida juridicamente inapropriada quando destituída dos requisitos impostos pela Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, Lei nº 13.874, 20 de setembro de 2019[1], que alterou o artigo 50, do Código Civil.
2. DA INSUBSISTÊNCIA DO PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Antes mesmo de ingressar na matéria de direito do instituto trazido à baila, vê-se que é necessário apresentar fatos que corroborem que as atividades empresariais foram desempenhadas com os predicados do abuso da personalidade jurídica (má-fé no âmbito empresarial e trabalhista), caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
Sem estar, pelo menos, minimamente demonstrado, evidenciaria a utilização de um importante instituto jurídico como medida executiva desproporcional, que não satisfaz aos próprios fins colimados pela lei.
Ora, a desconsideração da personalidade jurídica visa, sobretudo, descortinar o véu ilegal da constituição de uma empresa e afetar-lhe quanto aos sócios porque o ordenamento jurídico fora violado, e não porque não fora satisfatória uma execução.
De acordo com a doutrina do empresalista SANTA CRUZ[2]:
“O princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, consagrado no art. 1.024 do Código Civil, constitui uma importantíssima ferramenta jurídica de incentivo ao empreendedorismo, na medida em que consagra a limitação de responsabilidade – a depender do tipo societário adotado – e, consequentemente, atua como importante redutor do risco empresarial.
[...]
Essa ideia de que a desconsideração da personalidade jurídica só deve ser decretada quando houver a caracterização do abuso de personalidade jurídica é, pois, a noção que representa o ideal originário da disregard doctrine. Com efeito, somente nos casos de abuso de personalidade jurídica deve ser admitida a desconsideração. Tradicionalmente, esse abuso de personalidade jurídica que admite a sua desconsideração só se caracterizava quando houvesse a prova efetiva da fraude, ou seja, da atuação dolosa, maliciosa, desonesta dos sócios em detrimento dos credores da sociedade. Adotava-se, pois, uma concepção subjetivista da disregard doctrine, que exigia a prova da fraude como elemento imprescindível à sua aplicação, isto é, era imprescindível a demonstração inequívoca de uma intenção (elemento subjetivo) de prejudicar credores. Hodiernamente, todavia, tem-se tentado estabelecer critérios mais seguros para a aplicação da teoria da desconsideração, sem que seja necessária a prova da fraude, ou seja, sem que seja preciso demonstrar a intenção de usar a pessoa jurídica de forma fraudulenta. Adota-se, pois, uma concepção objetivista da disregard doctrine, segundo a qual a caracterização do abuso de personalidade pode ser verificada por meio da análise de dados estritamente objetivos, como o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.
Ainda deve privilegiar a autonomia empresarial como instituto a ser restritivamente interpretado sob pena de infringir normas comerciais conhecidas internacionalmente e na legislação de regência; e aqui refira-se especificamente ao princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, consagrado no art. 1.024, do Código Civil[3]:
Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.
Nos dizeres do art. 49-A, do Código Civil[4], introduzido pela Lei de Liberdade Econômica, esse citado princípio alçou a condição de regra jurídica ao normatizar a distinção legítima e assim querida pela lei da pessoa jurídica dos seus sócios que a compõe:
Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.
Reforça-se, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica não é medida executiva propriamente dita, mas instrumento de realização da função social das empresas.
E conforme já restou assentado pela jurisprudência nacional, tratando-se de regra de exceção, de restrição ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, interpretação que melhor se coaduna com o art. 50, do Código Civil é a que rege sua aplicação a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido mero instrumento para fins fraudulentos por aqueles que a idealizaram, valendo-se dela para encobrir os ilícitos que propugnam seus sócios ou administradores (STJ, Embargos de Divergência no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.306.553/SC, 2.ª Seção, j. 10.12.2014, DJe 12.12.2014)[5]:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 1.306.553-SC (2013/0022044-4) Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti
Embargante: Comércio de Carnes Vale Verde Ltda e outros Advogado: Robson Tibúrcio Minotto
Embargado: Frigorífico Rost S/A Advogado: Carlos Alberto de Assis Goes e outro(s)
EMENTA
Embargos de divergência. Artigo 50, do CC. Desconsideração da personalidade jurídica. Requisitos. Encerramento das atividades ou dissolução irregulares da sociedade. Insuficiência. Desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Dolo. Necessidade. Interpretação restritiva. Acolhimento.
1. A criação teórica da pessoa jurídica foi avanço que permitiu o desenvolvimento da atividade econômica, ensejando a limitação dos riscos do empreendedor ao patrimônio destacado para tal fim. Abusos no uso da personalidade jurídica justificaram, em lenta evolução jurisprudencial, posteriormente incorporada ao direito positivo brasileiro, a tipificação de hipóteses em que se autoriza o levantamento do véu da personalidade jurídica para atingir o patrimônio de sócios que dela dolosamente se prevaleceram para finalidades ilícitas. Tratando-se de regra de exceção, de restrição ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a interpretação que melhor se coaduna com o art. 50 do Código Civil é a que relega sua aplicação a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial.
2. O encerramento das atividades ou dissolução, ainda que irregulares, da sociedade não são causas, por si só, para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do Código Civil.
3. Embargos de divergência acolhidos [grifos nossos].
Entendimento diverso conduziria, no limite, em termos práticos, ao fim da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, ou seja, regresso histórico incompatível com a segurança jurídica e com o vigor da atividade econômica.
Por relevante, mister também refletir sobre a aplicação da Teoria Ultra vires no direito brasileiro, aquela que, acolhida pelo art. 1.015, do Código Civil[6], ensina que os deveres dos sócios (especialmente os administradores) faltosos com as obrigações sociais só responderam se essa falta, à título de culpa, for extravagante ao objeto do contrato social, ensejando a nulidade em relação a pessoa jurídica daqueles atos jurídicos ora praticados (sejam trabalhistas, civis, ambientais, consumeiristas etc).
Vale a citação do mencionado dispositivo:
Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.
Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;
II - provando-se que era conhecida do terceiro;
III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
Isto é, interpretando o dispositivo civilista, pela teoria da ultra vires a sociedade não responderá por atos de seus sócios quando extrapolam os limites do estatuto ou do contrato social, situação de dependência probatória.
É necessário enveredar-se nesse debate em juízo e não reter a discussão no plano hipotético e acadêmico, dada a legitimidade das atividades da pessoa jurídica alinhada ao plano de desenvolvimento econômico que exercia naquele momento. Impossível haver por bem julgar procedente demanda que pleiteie o vertente incidente que se infirma contra os sócios que compõem a pessoa jurídica sem um juízo de cognição exauriente.
Não sendo o caso uma das hipóteses alhures descritas, resta a isenção de responsabilidade com fulcro nos artigos 50 e 1.016, ambos do Código Civil, isto é, os sócios não deverão responder por atos legítimos da sociedade objurgada se:
· Não agiram com excesso ao contrato social;
· Não era uma atividade desconhecida por terceiros;
· Não atuaram com desvio de finalidade dos negócios preponderantes da sociedade;
· Não houve qualquer abuso do direito da personalidade jurídica; e
· Não houve benefício aos sócios decorrente de atos ilícitos.
Destarte, é de suma importância a categórica análise da demanda a qual deverá, por estes motivos, ser julgada improcedente quanto à desconsideração da personalidade jurídica que vise alcançar qualquer dos sócios, sejam eles os atuais ou os retirantes, pois se não há requisitos legais que sustente a operação processual, não há superação irresponsabilidade limitada de tais integrantes.
3.DA AFETAÇÃO INDEVIDA AO PATRIMÔNIO DOS SÓCIOS
Considerando a desconsideração como medida extrema e restritiva, se cabível fosse no caso a ser analisado em Juízo, cominaria suas consequências apenas em face do sócio beneficiado pelo abuso do direito, conforme preconiza o art. 50, do Código Civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
(...)
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
E retoma-se aqui a ideia da cognição exauriente, pois se nem menos fora ilustrado e singularizado pela petição do interessado na desconstituição pontual qual dos sócios fora o supostamente beneficiado, impossível determinar qual deles é o responsável legal, diga-se, o destinatário da desconsideração da personalidade jurídica, pois não haveria possibilidade de se analisar faticamente o contexto da situação, já que foi suprimido o princípio da verificação das provas e o necessário e robusto contraditório para que o Juízo pudesse determinar com segurança jurídica a excepcional medida.
Não há, pois, que se iniciar um drástico procedimento sem provas ou elementos mínimos capazes de deflagrá-lo.
Nesse sentido, imprudente e desprendida de boa técnica jurídica (além de ser uma conduta que não prima pelo princípio da cooperação assentado no art. 6º, do Código de Processo Civil[7]) será a atitude que do advogado que arrolar todo histórico societário como pessoas físicas a serem afetadas pela medida, até mesmo aquelas não mais presentes nos quadros sociais da pessoa jurídica ao tempo da inicial ou flagrantemente superado pela prescrição.
4.CONCLUSÃO
A matéria em comento é de sua importância para salvaguardar os direitos das pessoas lesadas por sócios que se utilizam das pessoas jurídicas que integram para lesar o trabalhador, consumidor, meio ambiente e toda e qualquer espécie de relação jurídica obrigacional.
Importante e eficaz instrumento que auxilia o Juízo na concretude de suas decisões. Todavia, o uso imoderado acaba funcionando com subterfúgio para o operador do direito alcançar seu intento por vias transversas. Se as regras do jogo são a lei, a sua manipulação verificada em concreto com alargadas e abstratas interpretações lesarão substancialmente o ato jurídico perfeito e a segurança jurídica.
Destarte, cumpre ao Judiciário, como última trincheira da imprudência da sociedade, se autoconter em situações pouco fundamentadas ou provadas, determinando uma concisa fase contraditória, muito mais profunda que a mera instalação desta fase dialética.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Dispõe sobre o Código Civil Brasileiro;
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.306.553/SC.
SANTA CRUZ, André. DIREITO EMPRESARIAL: volume único. 9. ed. Rio de Janeiro: 2019.
[1] BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado
[2] SANTA CRUZ, André. DIREITO EMPRESARIAL: volume único. 9. ed. Rio de Janeiro: 2019.
[3] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Dispõe sobre o Código Civil Brasileiro.
[4] Idem. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Dispõe sobre o Código Civil Brasileiro.
[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.306.553/SC.
[6] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Dispõe sobre o Código Civil Brasileiro.
[7] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil
Advogado; graduado em Direito no Centro Universitário do Espírito Santo – UNESC; especialista em Direito Tributário e Gestão Empresarial na Fundação Getúlio Vargas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Rhuan Carlos Duarte. A desconsideração da personalidade jurídica utilizada em favor da sociedade empresarial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 set 2021, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57199/a-desconsiderao-da-personalidade-jurdica-utilizada-em-favor-da-sociedade-empresarial. Acesso em: 23 dez 2024.
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