Dr. REGINA MARIA DE SOUZA[*]
(orientadora)
RESUMO: O trabalho tem como objetivo analisar a punibilidade do estado nos casos de mistanásia durante a pandemia de COVID-19 de acordo com a Constituição Federal. O conceito citado consiste em uma morte infeliz, imatura e miserável de pessoas que não recebem o tratamento necessário ou não chega a consegui-lo por seu condicionamento político, sociológico ou econômico e pelo fato de depender apenas do atendimento público de saúde. O Estado como agente responsável quanto há omissão, deve sofrer punibilidade por infringir o direito inviolável a vida e a saúde. Houve, desde 2020, a intensificação deste problema, existente desde o início do Sistema Único de Saúde, devido a pandemia acarretando milhares de mortes e pessoas com severas sequelas devido a negligencia do Estado. A metodologia empregada é o método dedutivo através de meios digitais, artigos e legislações relacionadas ao tema. Foi possível notar, após a pesquisa, que o Estado não está cumprindo seu dever de fiscalizar e garantir saúde igualitária para toda a população.
Palavra chave: Direito Fundamental da Vida. Mistanásia. Pandemia da COVID-19. Saúde Pública.
ABSTRATC: The work aims to analyze the state´s punitiveness in cases of mythanasia during the COVID-19 pandemic, according to the Federal Constitution. The concept cited consists of na unhappy, immature and miserable death of people who do not receive the necessary treatment or do not get it due to ther political, sociological or economic conditioning and the fact tha they depend only on public health care. The State as responsible agente when there is omission, must be punished for infringing the inviolable right to life and health. There has been, since 2020, the intensification of this problem, existing since the beginning of the Unifed Health System, due to the pandemic causing thousands of deaths and people with severe consequences due to the negligence of the State. The methodology used is the deductive method through digital media, articles and legislation related to the subject. It was possible to notice, after the research, that the State is not fulfilling its duty to inspect and guarantee equal health for the entire population.
Keywords: Fundamental Right of Life. Mythanasia. COVID-19 pandemic. Public health.
1 INTRODUÇÃO
O tema aqui desenvolvido trata da mistanásia como um grande problema a ser enfrentado ainda mais nos dias atuais, de pandemia, em que se pode acompanhar milhares de pessoas em todo o mundo sofrendo em filas de hospitais, sem sequer serem atendidos, enfrentando uma doença que ninguém no mundo havia se preparado e no nosso país não é diferente.
Veremos no decorrer do artigo que o ordenamento jurídico trata deste assunto, a responsabilidade do Estado da garantia a vida a todos os cidadãos na Constituição Federal, no Código Penal e também no Código Civil, visto que há uma responsabilização do corpo médico, sendo funcionários públicos ou terceirizados pela administração pública municipal, estadual ou federal.
Dentro destes fatos cabe a nós analisar decretos, leis, códigos e até a própria Constituição, pois que direitos e garantias temos enquanto milhares de pessoas estão morrendo em filas de hospitais públicos em busca de atendimento médico, mas que por omissão ou falta de condicionamento não o conseguiram. Trataremos então dos direitos para essas pessoas, de que forma podemos, por exemplo, aplicar a teoria da Culpa Anônima quando não há a prestação do serviço por parte da administração.
O princípio do direito constitucional tem que preservar o direito do cidadão a vida, sendo previsto na CF em seu Título II “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” (BRASIL, 1988), quando o Estado age com omissão em relação ao cidadão há o crime na esfera penal, sendo o agente público a frente da gerência administrativa dos negócios do estado o responsabilizado. Com relação a ação Cível, ela é proposta diretamente contra o Estado, quando o mesmo se omite da prestação do serviço por omissão ou por falta de responsabilidade, por culpa in vigilando ou in elegendo.
Contudo, na realidade atual, esses direitos estão sendo feridos e desrespeitados pelos órgãos públicos de saúde, sendo assim trataremos a seguir a defesa das garantias do cidadão, respondendo o Estado por omissão e por processo crime, se o agente público falhar em sua função de dirigir os negócios do Estado, como veremos a seguir a mistanásia ocorrendo de forma exorbitante em nosso país por consequência dessas falhas do Estado e de seus agentes.
2 CONCEITUAÇÃO DA MISTANÁSIA
Mistanásia origina-se do grego “mis” (miserável) e “thanatos” (morte), tratando-se da “morte miserável” que declara uma morte infeliz, prematura e desamparada. Esse termo é usado para se referir as pessoas que morrem por serem desprovidas de condicionamento social, assim, não tiveram acesso ao sistema de saúde ou o mesmo não tinha recursos para atendê-lo.
Trazendo para a realidade atual, são as pessoas que morrem à espera de atendimento nos corredores, cadeiras da sala de espera, e muitas não conseguem sequer ser pacientes, assim indo a óbito por omissão.
Dentro da grande categoria de mistanásia quero focalizar três situações: primeiro, a grande massa de doentes e deficientes que, por motivos políticos, sociais e econômicos, não chegam a ser pacientes, pois não conseguem ingressar efetivamente no sistema de atendimento médico; segundo, os doentes que conseguem ser pacientes para, em seguida, se tornar vítimas de erro médico e, terceiro, os pacientes que acabam sendo vítimas de má-pratica por motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos. (MASSA; MASSA, 2019, p. 25)
Pode-se constatar que os pacientes que vão a óbito por conta da mistanásia são pessoas sem condições financeiras de custear atendimento particular, assim, dependendo inteiramente da assistência pública, que na maioria das vezes é lenta e ineficaz.
Ressaltando que o termo em estudo não somente se encaixa em pessoa de baixa renda, mas também as que nem sequer possuem uma renda, como moradores de rua que vivem em condições deploráveis, que constantemente são ignorados pelos agentes de saúde devido a sua aparência e pré-conceitos já estabelecidos dessa classe.
Trata-se de um ser humano que na tentativa de restabelecer sua saúde passa por uma situação deplorável, um falecimento prematuro mediante a exclusão social, econômica e política. Essa morte em condição de miséria por indivíduo desfavorecido, reconhecida como mistanásia, é presente na história do mundo e também no Brasil.
3 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A INVIOLABILIDADE DA VIDA COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL DO SER HUMANO
A nossa constituição aborda como tema principal a dignidade humana em decorrência de pós-ditadura, iniciando um novo ciclo com garantias individuais. Em seu artigo quinto, caput, nos garante “[...]a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, a igualdade [...]” como alguns dos direitos fundamentais do ser humano sem qualquer discriminação.
No decorrer do artigo quinto é possível perceber a presença de numeras garantias que oferecer uma vida digna e justa para qualquer ser humano, assim, tem-se a vida como direito fundamental. Igualmente relata Francisco Lavor (2018 p.3) “Assim, conscientes de que a vida é o maior bem que o ser humano pode ter, razão pela qual a Constituição Federal ressalta sua inviolabilidade, o nosso ordenamento jurídico fixou diversas formas de proteção e garantia à vida...”
Mas os noticiários trazem uma realidade diferente do que está previsto em lei, em que a vida é desrespeitada em seu mais alto grau de desumanidade. No âmbito da saúde é negligenciado o direito de tentar sobreviver, com omissão de socorro, falta de preparo dos agentes de saúde ou insuficiência de recursos para o atendimento primordial (LEITE, 2020, p. 2).
Infelizmente a existência da mistanásia é evidente no Brasil, todos os dias vemos inúmeras notícias de pessoas morrendo sem ao menos conseguir ser pacientes dos hospitais, esperando por atendimento em filas gigantes, sendo atendidas nos corredores e nas cadeiras de salas de espera. Quando chegam a ser atendidas, tem-se o tratamento indevido que causam danos irreversíveis ou são mandadas para casa enfermas ainda por falta de recursos.
Como exposto, a mistanásia implica naqueles que são desprovidos de recursos, nem mesmo detêm acesso ao serviço médico básico, assim sendo uma notória violação a um dos direitos fundamentais, previsto no art. 5º, III, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que diz “[...] ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante [...]”, elementos presentes no cotidiano da classe carente sujeitada ao Sistema Único de Saúde.
Pode-se constatar a desordem que o Sistema Único de Saúde se encontra, não se tem investido o necessário na saúde, com isso, não há médicos suficientes ou devidamente capacitados para atender a população, ou não a equipamentos e medicamentos para o tratamento. Sempre há um problema no qual pessoas saem sem seu devido atendimento. (UOL, 2020, p.1)
Os profissionais da saúde perante o quadro de desordem dos hospitais e postos de saúde, em inúmeras ocasiões se encontram na situação de decidir sobre a vida das pessoas, tendo que escolher qual vida salvar, miseravelmente dando relevância de uma vida pela outra, contexto em que se constata a mistanásia.
A Constituição da república Federativa do Brasil, em seu art. 196, dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988, p.49), garantindo assim o acesso a saúde a todos de maneira igualitária.
Dessa forma podemos ver que por inegável rejeição social ocorrem mortes prematuras, essas não podem ser insignificantes em um Estado Democrático de Direito, visto que tem como princípio fundamental a inviolabilidade da vida. Cabe ao Estado fazer cumprir o encargo constitucionalmente acordado de propiciar um sistema de saúde decente para todas as pessoas.
Tendo em vista todos esses fatores de responsabilidade do Estado para com as garantias essenciais, neste caso a garantia à vida, trataremos então o inciso XLI do art. 5º da Constituição Federal (1988) que diz “(...)a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais(...)”, é preciso levar em consideração então, que médicos ou quaisquer profissionais da saúde tenham que “escolher” quem será atendido e logo em seguida a pessoa, que por omissão, não foi atendida vem a óbito, é direito da família que o responsável, no caso do SUS o Estado, seja punido.
Neste mesmo exemplo da punibilidade do Estado encaixa-se a Lei nº 8.080/90 que em seu parágrafo 2º traz o seguinte “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.” (BRASIL, 1990, p.1). Havendo a comprovação de que a vítima evoluiu ao estado de óbito por falta de atendimento médico não prestado, contra o Estado como polo passivo do caso, aplicamos a Teoria da Culpa Anônima e Responsabilidade Subjetiva.
O ordenamento jurídico na teoria do risco administrativo atribui a responsabilidade à pessoa jurídica de direito público nos casos de ação ou omissão de seus agentes no exercício de função pública, segundo o artigo 37, § 6, da CF/88 que dispõe:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (BRASIL, 1988, p.48).
Na responsabilidade civil por descumprimento de seu dever de agir.
4 A PANDEMIA DA COVID-19 E A INTENSIFICAÇÃO DOS PROBLEMAS DO SISTEMA ÚNICO DE SAUDE
Trazendo o tema para a realidade atual, com a pandemia do COVID-19, houve a intensificação deste problema, como resultado de uma questão delicada de uma má administração. Há muito tempo não se investe o mínimo necessário para a saúde, e atualmente houve cortes ainda maiores nessa área. A saúde no Brasil já era um problema e agora está em estado de calamidade.
Todos os dias os noticiários apresentam relatos de hospitais que não possuem leitos de terapia intensiva e de equipamentos de suporte ventilatório, um verdadeiro caos instaurado na saúde pública em alguns casos nem mesmo sabão para lavar as mãos e muito menos máscaras.
O problema começa no salário baixo para os profissionais da saúde, com isso o número insuficiente de especialista na área causando sobrecarga e adicionando obstáculos diários para a linha de frente, a falta de equipamentos e sua precariedade prejudica ainda mais colocando assim em risco a saúde de todos. Isso ocorre em uma das piores formas de processo, onde o abandono na omissão de atendimento sendo ferido o maior princípio da dignidade da pessoa humana.
Na Constituição a garantia a saúde é prevista no nosso artigo 5º, como mencionado anteriormente, mas também dos artigos 196 ao 200, que tratam da seção de saúde e SUS. Em seu artigo 196 diz que a saúde é garantia de todos, dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças e outros agravos, garantindo a promoção, proteção e recuperação.
Há de se concluir assim que todos os brasileiros têm este direito garantido, mas em decorrência do quadro atual, este direito vem sendo omitido, enquanto o Estado como órgão que deveria garantir isto é omisso, visto a demanda nas filas de hospitais, faltando-lhes com a dignidade assim ocorrendo uma eventual mistanásia, de forma em que, em alguns postos e hospitais públicos, estão sendo obrigados a selecionar as pessoas que serão atendidas de acordo com os critérios de emergência médica.
Se em nosso ordenamento Jurídico supremo é garantida a vida e proibido qualquer tipo de abreviação da vida, sendo por meio da eutanásia ou ortotanásia, então o próprio estado que deveria garantir este direito o tira, quando deixa pessoas, de forma indigna, nas filas aguardando um atendimento, em meio a uma pandemia, sendo selecionados quem vai ou não ser atendido, esse mesmo estado que nos garante na própria constituição também deve ser punido como previsto nos artigos seguintes da mesma seção, como por exemplo em seu artigo 197 no caput que trata “cabendo ao Poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle” .
O questionamento que fica é se este mesmo poder está cumprindo com este dever de fiscalizar o que ocorre atualmente no país, e se está fiscalizando e acompanhando a situação de milhares de mortes por COVID-19, visto que os números continuam a crescer. A omissão quanto a sua obrigação de garantir a vida, prevista na constituição, deve ser investigada e não se pode omitir enquanto poderes e muito menos população, já que é a população que tem o dever de escolher e fiscalizar também o serviço dos que foram escolhidos para nos representar, seja nos poderes legislativo ou executivo.
5 DIREITOS FUNDAMENTAIS DO BRASILEIRO E A PRECARIZAÇÃO DO ATENDIMENTO DIANTE DO CRESCIMENTO DA PANDEMIA DA COVID-19
As negligências dos governos e a precarização do SUS fizeram com que houvessem mais de meio milhão de mortos em todo país, ocupando o terceiro lugar no ranking mundial de maior número de mortos em todo mundo. Pode-se acompanhar em todo país o maior e mais trágico exemplo de mistanásia, um número tão alto de mortes deve-se a negligência, a omissão, a incompetência e insuficiência da saúde pública para o tratamento e vacinação.
O quanto o governo federal foi omisso em relação as vacinas, em específico da Pfizer que mandou inúmeros e-mails em agosto do ano passado, sem resposta, para fazer do Brasil vitrine de imunização mundial, somente com essa proposta seria 70 milhões de doses, o que não ocorreu por negligência. Pior que isso foi as omissões, como apresentadas na CPI do COVID, em relação a vacina produzida no país pelo Instituto Butantan. Foram inúmeras as negligências e omissões por parte do governo, todas apresentadas na CPI do COVID (CRUZ, 2021, p.2).
A presença desse vírus no Brasil potencializou problemas e evidencia a existência da mistanásia no cotidiano dos cidadãos lamentavelmente, sendo provado o desrespeito ao direito fundamental.
5.1 DE MANAUS
Durante a chamada terceira onda nos meses de janeiro e fevereiro, Manaus foi o palco de uma lamentável situação, no qual o caos se instalou e a população amedrontada e em desespero era internada, entubada e muitas foram vítimas do covid-19.
O Amazonas vive um caos diante da pandemia, com um número superior a 233 mil infecções por covid-19 e mais de 6,4 mil mortes, parte delas registrada nos últimos dias, quando o estado enfrentou um colapso na oferta de oxigênio hospitalar (SAMPAIO, 2021, p. 2)
A falta de equipamentos, de equipe médica e de leitos, era palpável, nos tornando um epicentro mundial da doença. Com erros aparentemente estratégicos por parte do ministério da saúde.
Mesmo com todos os avisos por parte dos hospitais de Manaus, o governador do Amazonas e o então ministro da saúde, Eduardo Pazuello, disseram não saberem da falta de cilindros de oxigênio, um dos motivos que os levaram a serem investigados posteriormente na CPI do COVID. O que a população de Manaus sofreu, no inicio do ano, com falta de insumos, com a grande propagação da nova cepa que acabara de surgir, a negligência dos governantes. (SENADO, 2021, p.12)
O que a população de Manaus sofreu, no início do ano, com falta de insumos, com a grande propagação da nova cepa que acabara de surgir, a negligência dos governantes.
5.2 FALTA DE OXIGÊNIO
Como já mencionado, no começo de 2021 os pacientes internados por covid-19 ou não, começaram a morrer de asfixia pela falta de cilindros de oxigênio, não só nos hospitais mas os fornecedores também sofriam com a falta do mesmo, situação que poderia ter sido evitada pelo ministério da saúde com mudanças de estratégias e planejamento.
Na CPI do Covid um dos pontos principais que os senadores questionaram foi a irresponsabilidade do ex-ministro da saúde e a secretaria estadual de saúde do Amazonas, que mesmo sendo alertados desde o ano anterior deixou a situação acontecer e milhares de pessoas morreram nos hospitais com esse colapso, segundo o G1 (2021).
O que matou essas pessoas não foi o covid em si, mas a irresponsabilidade, a negligência e a omissão por parte dos governantes, um exemplo claro e evidente de mistanásia.
5.3 KIT ENTUBAÇÃO
No início do ano, também, vários estados do país sofreram com a falta do “kit intubação”, medicamentos de Intubação Orotraqueal (IOT) formado por sedativos, anestésicos e bloqueadores neuro musculares específicos para a intubação dos pacientes.
Diante dessa situação um grupo de empresas decidiu doar 2,3 milhões de doses dos referidos medicamentos, contudo os mesmos vieram com as bulas em chinês e mandarim, mais um problema para a utilização dos insumos, que foi solucionado pelo ministro da saúde com documentos com orientações em português (G1, 2021).
E problemas atrás de problemas, faltaram medicamentos, faltaram cilindros oxigênio, faltou organização do ministério de saúde, que trocou de ministro 3 vezes durante a crise, faltou responsabilização por essas negligências, a única coisa que não faltou foram mortos, e nesse quesito, infelizmente, ficamos em terceiro lugar no ranking mundial.
5.4 DAS MORTES NAS FILAS NA UTI
Cerca de 5065 municípios brasileiros não possuem leitos de Unidade de Terapia intensiva (UTI) segundo estudo do Conselho Federal de Medicina (CFM). A oferta de leitos de Unidade de Terapia intensiva (UTI) em estabelecimentos públicos ou conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) está disponível em somente 505 dos 5570 municípios brasileiros, de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), dados da situação antes da pandemia (CFM, 2016, p.1).
Diante de uma situação de pandemia ter menos de 10% dos municípios do país com equipamentos de tratamento intensivo é uma situação lamentável, e o que mata as pessoas não é o vírus e sim a negligência. Em um país onde a própria constituição garante a direito a vida e garante que o Estado é responsável por essa garantia, na prática milhares de pessoas morreram durante a pandemia na espera de medicamentos e leitos.
5.5 RESPONSABILIDADE DO ESTADO
É de conhecimento dos cidadãos brasileiros a responsabilidade do Estado sobre a saúde, em sua integralidade, sendo um direito fundamental garantido, de maneira igualitária o fornecimento de todos as ações e serviços necessários a adequada assistência a saúde do ser humano de forma digna.
De acordo com a Constituição Brasileira em seu art. 196:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, p. 49).
Os casos de urgência e emergência são de responsabilidade dos Estados e da União, assim funciona o sistema de subfinanciamento que é utilizado no SUS. Tendo em vista que são os municípios e estados que sustentam a união, em contrapartida a União devolve esse dinheiro direcionado para cada secretaria municipal, incluindo a secretaria de saúde que utiliza nas urgências e emergências.
Os Governos Federal, Estadual e Municipal investem cerca de R$ 240 bilhões anualmente na área. No entanto, esse número precisa suprir as necessidades de 150 milhões de brasileiros. Desse modo, ainda que o Estado invista, não é o suficiente para atender a alta demanda. Nesse ponto, há uma sobrecarga dos municípios. Antes eles eram responsáveis somente pela atenção básica, mas agora precisam destinar parte da verba também para atendimentos complexos, já que os repasses dos Governos Federal e Estadual não são suficientes para as duas áreas (LOLATO, 2019, p.3).
Por esses motivos ocorre a mistanásia antes da chegada do covid-19, com a falta de recursos para as necessidades cotidiana das pessoas, um problema existente sendo ignorado a anos e com a pandemia tudo intensificou e virou um caos.
5.6 CPI DA COVID 19
A CPI foi instaurada, segundo Wilson Silva, em 27 de abril de 2021 (2021) e podendo ser estendida por um ano, a CPI, que está sendo realizada pelo Senado Federal com uma comissão parlamentar de inquérito para investigação de políticos, servidores públicos, ministros, secretários, tem como objetivo discutir as ações do governo federal no enfrentamento ao covid-19, principalmente de que o mesmo foi omisso no que se refere as medidas sanitárias de distanciamento social e utilização de máscara.
Alguns pontos principais além da omissão são alegações de que a imunidade de rebanho por infecção funcionaria, discussão esta descartada pelos infectologistas que deixam claro que a vacinação é o único caminho para o controle efetivo da doença e de sua propagação.
Outro ponto, já mencionado, são as suspeitas de corrupção na compra das vacinas por parte do governo federal, que realmente deixam muitas dúvidas para quem acompanha as investigações, o cenário político ou mesmo apenas os jornais, todos viram as notícias de que o Butantan estava tentando uma negociação de financiamento do governo federal para produção das vacinas aqui mesmo no país, desde julho de 2020 para entregar mais de 1 milhão de doses ainda em dezembro do mesmo ano e que não obteve resposta.
Outro caso já retrato acima, muito suspeito e que está em investigação na CPI é o do laboratório Pfizer que enviou vários e-mails para o Brasil na tentativa de negociação das vacinas e assim como o Butantan também não foi respondido.
Até então a comissão já convocou ex-ministros, políticos, secretários, funcionários do ministério da saúde e secretarias de saúde, ouviu e interrogou os que atenderam as convocações, mas o que aparenta é que esta investigação está longe de acabar, no dia 14 de julho houve mais uma prorrogação de 90 dias, estendendo mais ainda o prazo para investigação (SILVA, 2021, p.3)
5.7 VACINA
O atraso na vacinação da população brasileira é uma das pautas que estão sendo investigadas na CPI da covid, já que a grande dúvida é que se o Instituto Butantan e o Laboratório Pfizer se prontificaram e tentaram de várias formas fazer do Brasil uma vitrine da imunização mundial, qual a razão do Ministério da Saúde não os responder e atrasar tanto as vacinas deixando o número de mortos passar dos 560 mil.
Um país que deveria ter começado a vacinação ainda em dezembro está meses atrasado no calendário de vacinação, o que atrasa todo o andamento e a normalização do país.
Pior que um atraso na vacinação é uma política negacionista e de antivacina, que causa medo na população, com teorias da conspiração como a matéria do Folha de São Paulo:
Teorias da conspiração e movimentos antivacinas encontraram espaço para crescer porque se dispuseram a prestar atenção nos medos das pessoas e explorá-los, enquanto cientistas e políticos tratavam a hesitação com ignorância (PINTO, 2021, p.2)
No caso do Brasil os próprios políticos é que causaram essa insegurança e hesitação na população dificultando ainda a imunização desse vírus.
5.8 RAPIDEZ NA H1N1 E NO COVID NÃO
Em 2010 na pandemia da gripe suína o Brasil lançou uma campanha de vacinação que em 3 meses já havia vacinado metade da população, há 10 anos atrás quando mais países foram infectados, quando a facilidade para identificação e contenção do vírus não era tão fácil quanto agora, com a disposição de novas tecnologias. Nenhum país no mundo vacinou tão rápido quanto o Brasil (BARIFOUSE, 2021, p.1)
E desta vez a situação foi totalmente contrária, 3 meses após o início da campanha de vacinação apenas 4% da população estava imunizada, contudo questões políticas e erros de estratégia nos levaram a escassez de vacinas.
Segundo a epidemiologista Carla Domingues (2021):
É lamentável. Temos um programa que é referência, mas estamos na rabeira mundial, junto com países que não têm a menor capacidade de fazer vacinação por causa de questões política e erros estratégicos que levaram à escassez de vacinas (DOMINGUES, 2021, p.3).
Como podemos identificar a mistanásia está presente como um todo, a datar da chegada do vírus até a imunização.
5.9 DEZ 2019 ATE ABRIL 2020 QUE JÁ TINHA A INFORMAÇÃO
Mesmo os primeiros casos da doença terem sido registrado em dezembro, sabendo que era um novo tipo de vírus e a velocidade de propagação, ainda assim, houveram as festas de fim de ano, carnaval, sem prevenção, sem medidas de prevenção em voos internacionais, nada foi adotado para prevenção a pandemia, o que trás mais uma situação de omissão na área da saúde, por parte de um governo, que aparentemente só se importa com o ministério da fazenda, só da a devida importância a arrecadar dinheiro e não a direcioná-lo para as áreas que realmente necessitam.
Esperaram a doença chegar ao país, mesmo sabendo que não tinha, e ainda não tem, estrutura para uma doença com um nível de mortalidade tão alto e de propagação tão rápido, era óbvio que haveria um colapso na saúde pública e privada também, foram milhões de pessoas infectadas por negligência e por uma política negacionista que nunca será esquecida.
6 CONCLUSÃO
Diante do exposto pode-se notar no decorrer do artigo que todos os direitos e garantias nos são dados pela Constituição Federal de 1988, mas o mesmo órgão que nos garante a saúde e a vida, nos deixa à mingua em um momento de maior carência, onde não possuímos leitos suficientes para acolher a todos, não conseguimos que todos os pacientes que possuem o vírus sejam atendidos e assim cometendo uma atrocidade contra nosso próprio povo, a mistanásia à vista de todos, estampada em todos os jornais do país inteiro.
Enquanto nossos direitos são feridos vemos a carência do povo, que deveria estar sendo suprida, por nossos governantes como nos é garantido, mas a grande maioria da população não tem sequer atendimento adequado, os postos não têm medicamentos e nem testes para todos, assim julgando quem terá maior necessidade de receber o tratamento.
Os números de mortos e infectados aumentam a cada dia que passa e há uma omissão nítida por parte do governo que camuflar a realidade do dia a dia que estamos vivendo. Não se tem verba suficiente, fiscalização e competência para se fazer cumprir a legislação vigente no Brasil, bem como o direito fundamental da vida.
Para finalizar, podemos concluir que a mistanásia está presente no Brasil desde sempre e com a chegada da pandemia de COVID-19 esse problema se intensificou, o direito fundamental da vida é violado e essa prática cresce a cada dia, assim é demonstrado que o Estado não tem condições de fiscalizar, e sequer cumprir a lei.
REFERÊNCIAS
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[*] Docente do Curso de Direito, doutora em Direito, Centro Universitário de Santa Fé do Sul/SP, UNIFUNEC
Bacharelanda do curso de Direito do Centro Universitário de Santa Fé do Sul/SP, UNIFUNEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, JULIANA MARIM DOS. A mistanásia no Brasil frente à pandemia da Covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out 2021, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57281/a-mistansia-no-brasil-frente-pandemia-da-covid-19. Acesso em: 23 dez 2024.
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