Resumo: O presente trabalho segue os esforços recentes em delinear, nas mais diversas searas, as consequências da atual quadra histórica de crise democrática. Desta forma, busca-se, num primeiro momento, avaliar brevemente no que consiste, na seara jurídico-constitucional, a noção de crise democrática a partir das formulações de constitucionalismo abusivo e retrocesso democrático. Em seguida, serão examinadas em detalhes as formas pelas quais referido fenômeno vem se expressando na atividade de fomento à cultura no Brasil. Para concluir, elaboram-se sugestões para minimizar o risco de tal patologia se repetir no futuro.
Palavras-chave: retrocesso constitucional; ANCINE; fomento à cultura; constitucionalismo abusivo
Abstract: The present work follows the steps of recent scholars on describing the consequences of contemporary crises of democracy. Therefore, it firstly seeks to briefly analyze the notion of democratic crises under the lights of concepts such as abusive constitutionalism and constitutional retrogression. Moreover, it examines the forms by which this phenomenon has been expressing itself on public policy regarding cultural grants in Brazil. Lastly, a few suggestions are made in order to minimize the risk of such pathology repeating itself in the future.
Keywords: constitutional retrogression; ANCINE; cultural grants; abusive constitutionalism
Sumário: 1- Introdução; 2 – Constitucionalismo abusivo e retrocesso constitucional – conceitos para compreender a dinâmica política contemporânea; 3 – O retrocesso constitucional na ANCINE e nos Conselhos participativos: a subversão dos fins constitucionais e o contra-ataque do Ministério Público Federal; 4 – A construção de instituições participativas e responsivas: uma resposta possível ; 5 – Conclusão
1 – Introdução
Nos últimos cinco anos, os estudos acadêmicos a respeito da crise democrática experimentada na contemporaneidade se avolumaram. São muitos os esforços de consolidação das condições e das práticas dos governantes que buscam se valer de expedientes para sabotar a democracia, radicalizar o governo e se perpetuar no poder.
O propósito deste trabalho é mais modesto: adota-se referido pano de fundo, que será exposto de forma sintética na seção seguinte, para abordar o seu impacto no fomento à cultura no cenário brasileiro. Ainda nesta primeira etapa, será desenvolvida a fundamentação e o contexto fático subjacente à importante decisão do Supremo Tribunal Federal, que se valeu dos conceitos atinentes à crise democrática para reverter o sucateamento de políticas para infância e adolescência.
Fixado este panorama, volta-se à análise do fomento à cultura a partir da exposição de sua estrutura institucional de governança, de modo a estabelecer as linhas gerais do que seria o seu funcionamento em circunstâncias de normalidade para, em seguida, tratar do seu sucateamento neste período de retrocesso democrático.
Ao final, com o intuito prescritivo, traçam-se algumas alternativas para enfrentar o cenário de crise democrática no fomento à cultura, bem como propostas de alteração de seu arquétipo legal para garantir um funcionamento menos vulnerável a capturas autoritárias futuras.
2 – Constitucionalismo abusivo e retrocesso constitucional – conceitos para compreender a dinâmica política contemporânea
A guinada autoritária dada pelo país no último ciclo eleitoral é perceptível, com o Chefe do Poder Executivo se valendo de discurso de ódio às elites e da polarização para manter sua base política fidelizada.[1] Em paralelo, o projeto de desmantelamento das instituições é colocado a toda marcha, sendo adotado, em meio a calculada aparência de inércia gerencial, script de outros países que seguiram o mesmo rumo.[2]
Neste sentido, as práticas consolidadas de sucateamento da democracia são sistematizadas por David Landau, ao trazer o conceito de constitucionalismo abusivo, no qual mostra como autocratas se valem de mecanismos constitucionais formais para mudar o cenário institucional – constantemente atacado como bode expiatório na figura do establishment -, ameaçando a imparcialidade do sistema eleitoral e a própria possibilidade de alternância de poder. Venezuela, Hungria e Polônia são alguns países que, para além de terem seguido itinerário semelhante, demonstram a falta de crença dos líderes no jogo democrático: a vitória nas eleições gera a ocupação permanente do espaço de poder.[3]
As medidas vão desde a criminalização de movimentos sociais, até o empacotamento de Cortes Constitucionais – por meio da substituição de ministros ou a manipulação das regras de quórum mínimo de instalação. Além disso, o recurso a mecanismos diretos de participação popular é recorrentemente adotado, mormente no caso de populistas latino-americanos, para conferir verniz de legitimidade à alteração constitucional: trata-se, novamente, de artifício ilusionista, tendo em vista que o líder controla o timing e o conteúdo da pauta submetida à apreciação popular.[4]
A taxonomia adotada por Huq e Ginsburg é diferente, mas seu conteúdo é análogo. Em apertada síntese, o retrocesso democrático teria duas formas: a reversão autoritária, mais súbita e geralmente acompanhada de golpes militares; e o retrocesso constitucional, por meio do qual mudanças incrementais são feitas até o ponto em que o regime não mais se identifica como democrático.[5] Estas últimas são as mais adotadas no dia de hoje e contra elas há pouco resguardo institucional, principalmente se o cenário que antecede as investidas populistas é de verdadeira degradação constitucional.[6]
No cenário brasileiro, o boicote progressivo às instituições democráticas pode ser exemplificado por meio da edição do Decreto federal n° 10.003/19, com o intuito aparentemente inofensivo de alteração das normas sobre constituição e o funcionamento do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente – CONANDA. Sob esta premissa, ocorreu a destituição imotivada de diversos membros no curso do mandato, assim como a redução e verticalização das escolhas dos membros da sociedade civil, que passaria a se submeter ao crivo da Administração Pública federal.
Em face de referido ato normativo, houve propositura da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 622. Embora ainda não tenha sido submetida a julgamento pelo colegiado do Supremo Tribunal Federal, o ministro Barroso concedeu parcialmente a liminar para suspender a eficácia de algumas alterações,[7] sendo valiosas, para os fins aqui propostos, as ilações delineadas na sua ratio decidendi, a saber:
“12. O constitucionalismo e as democracias ocidentais têm se deparado com um fenômeno razoavelmente novo: os retrocessos democráticos, no mundo atual, não decorrem mais de golpes de estado com o uso das armas. Ao contrário, as maiores ameaças à democracia e ao constitucionalismo são resultado de alterações normativas pontuais, aparentemente válidas do ponto de vista formal, que, se examinadas isoladamente, deixam dúvidas quanto à sua inconstitucionalidade. Porém, em seu conjunto, expressam a adoção de medidas que vão progressivamente corroendo a tutela de direitos e o regime democrático[1].
13. Esse fenômeno tem recebido, na ordem internacional, diversas denominações, entre as quais: “constitucionalismo abusivo”, “legalismo autocrático” e “democracia iliberal”[2]. Todos esses conceitos aludem a experiências estrangeiras que têm em comum a atuação de líderes carismáticos, eleitos pelo voto popular, que, uma vez no poder, modificam o ordenamento jurídico, com o propósito de assegurar a sua permanência no poder. O modo de atuar de tais líderes abrange: (i) a tentativa de esvaziamento ou enfraquecimento dos demais Poderes, sempre que não compactuem com seus propósitos, com ataques ao Congresso Nacional e às cortes; (ii) o desmonte ou a captura de órgãos ou instituições de controle, como conselhos, agências reguladoras, instituições de combate à corrupção, Ministério Público etc; (iii) o combate a organizações da sociedade civil, que atuem em prol da defesa de direitos no espaço público; (iv) a rejeição a discursos protetivos de direitos fundamentais, sobretudo no que respeita a grupos minoritários e vulneráveis – como negros, mulheres, população LGBTI e indígenas; (v) o ataque à imprensa, sempre que leve ao público informações incômodas para o governo[3].
(...) 16. Compete ao Presidente da República exercer a direção superior da administração pública federal, bem como dispor sobre a organização e o funcionamento dos órgãos do Executivo, nos termos necessários a viabilizar a sua gestão. Trata-se de competência discricionária, que integra a ideia de separação de poderes e que assegura que o Poder Executivo funcione sem interferências indevidas (art. 2º, CF). O Supremo Tribunal Federal reconhece e respeita tal competência, de modo que eventuais intervenções nesse tema devem ser reservadas para situações excepcionais.
17. Entretanto, os atos discricionários do Presidente da República encontram limite na Constituição e nas leis. A inobservância de tal limite autoriza o Poder Judiciário a revisá-los porque, nessa hipótese, o Judiciário não realiza um juízo político quanto às escolhas efetuadas pelo Presidente, mas sim um juízo quanto à constitucionalidade ou à legalidade do ato, o qual constitui a essência da sua missão institucional. A questão está, portanto, no caso presente, e com absoluto respeito às competências do Chefe do Executivo, em saber se o Decreto 10.003/2019 está ou não em acordo com as normas constitucionais e legais que tratam da matéria”.
Da leitura do excerto da decisão, podemos extrair duas ordens de fundamentos distintos. A primeira consiste na classificação de uma alteração normativa como potencialmente suspeita, de sorte a justificar uma atuação menos autocontida do Poder Judiciário. Trata-se de situações em que há forte plausibilidade de se estar diante de um uso do poder político-normativo com o intuito de minar as próprias conquistas do constitucionalismo.
O segundo passo do ministro relator consiste na conhecida superação da insindicabilidade de atos discricionários. De fato, todo ato normativo possui vinculação – em maior ou menor medida - à lei e ao direito, no que se convencionou denominar princípio da juridicidade.[8] Assim, a mera remissão a uma regra de competência não ilide potencial controle judicial, que deve ser mais ativista na hipótese em questão por se tratar de potencial reprodução de constitucionalismo abusivo.
Aliás, a doutrina há muito consagra a teoria do desvio de poder,[9] consistente no uso de competência prevista em lei em desacordo com a finalidade que lhe oferece sustentação axiológica. A legislação pátria, desde meados do século passado, incorpora o conceito no art. 2°, parágrafo único, ‘e’ da Lei de Ação Popular.
Como lembra Bandeira de Mello, não há, na hipótese, abalo a discricionariedade do agente, nem avanço sob o mérito, eis que se trata de exame de mera legalidade, sendo, em verdade, um estreitamento do mérito administrativo.[10]
Pois bem, os atos que boicotam a participação republicana da sociedade civil no CONANDA não podem ser tutelados pela ordem jurídica vigente. Em muitos destes casos, a suposta discricionariedade do agente público esbarra num verdadeiro dever-poder de agir,[11] que consiste na obrigatoriedade de não violar, na sua conduta, uma pauta pública prevista na Constituição Federal.
Traçadas as principais questões subjacentes ao retrocesso constitucional no sucateamento de instituições participativas, cumpre avançar para a análise de como a empreitada autoritária vem ocorrendo governança do fomento social à cultura.
3 – O retrocesso constitucional na ANCINE e nos Conselhos participativos: a subversão dos fins constitucionais e o contra-ataque do Ministério Público Federal
O incentivo no setor do audiovisual[12] é exercido de forma peculiar pela ANCINE - agência reguladora que possui, dentre suas funções, a atividade de fomento.[13]
Como destaca Aragão, o fato de a ANCINE deter atribuição de fomento e possuir menos competências regulatórias vis-à-vis as demais agências, não a desqualifica como agência reguladora, eis que estas não exercem exclusivamente competências regulatórias.[14] Mendonça, após enunciar classificação de Marques Neto a respeito dos poderes atribuídos às agências – (i) normativo, (ii) de outorga, (iii) de fiscalização, (iv) sancionatório, (v) de conciliação, e (vi) de recomendação -,[15] sendo o normativo sua espécie mais relevante, também entende ser a ANCINE agência reguladora.[16]
Em oportunidade recente, o legislador brasileiro confirmou tal natureza jurídica, ao incluir a ANCINE no inciso IX, do art. 2° da Lei federal n° 13.848/19, marco normativo das agências reguladoras. Desta forma, a ANCINE seria, a princípio, dotada de autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira, bem como seus dirigentes teriam estabilidade durante o mandato, na forma do art. 3°, caput da Lei federal n° 13.848/19: atributos inerentes à autonomia reforçada de uma autarquia em regime especial.[17]
Na prática, entretanto, sabe-se que, no Brasil, a ingerência do Poder Executivo nas agências reguladoras é traço cultural siamês à própria criação destas entidades administrativas. Com efeito, não são poucos os episódios de interferência nos mandatos de dirigentes, a ameaça de contingenciamento de recursos como forma de chantagem, e o manejo de recursos hierárquicos impróprios de modo a mitigar sua autonomia decisória e normativa.[18]
Com a ANCINE não é diferente. Como mostra Martins, a ANCINE não possui taxa regulatória, proveniente do exercício de poder polícia, que seria importante instrumento de autonomia financeira – e, consequentemente, funcional -, visto que constituiria receita própria da agência, independente do Tesouro, para custear as despesas administrativas.[19]
Com efeito, a Condecine, espécie de contribuição de intervenção no domínio econômico, não compõe a receita da ANCINE, em razão da revogação dos incisos I e II do artigo 11 da Medida Provisória n° 2.228-1/01. Decerto, não há como admitir que uma CIDE venha a custear despesas administrativas da agência, devendo, em seu lugar, fomentar as estruturas regulatórias do setor econômico em questão ou propiciar o seu desenvolvimento. A conformação atual da Condecine segue este figurino, devendo ser destinada ao Fundo Nacional da Cultura – FNC e alocado em categoria de programação específica denominada Fundo Setorial do Audiovisual – FSA -, na forma do art. 34 da Medida Provisória n° 2.228-1/01.[20]
No tocante aos seus dirigentes, a Lei federal n° 13.848/19 inaugurou sistemática de reforço do insulamento político, mediante alterações à Lei federal n° 9.986/00, estabelecendo mandatos não coincidentes entre os membros do Conselho Diretor e regras estritas de quarentena.
Estas disposições devem ser compreendidas conjuntamente com os artigos 17 a 21 da Lei federal n° 13.848/19, que estabelecem obrigatoriedade de planos estratégicos quadrienais, plano de gestão anual e agenda regulatória. Em outras palavras, os mandatos fixos não coincidentes entre os dirigentes e a obrigatoriedade de planejamento periódico fortalecem a independência política da agência com o intuito de criar uma estrutura de incentivos apta a promover os mandamentos constitucionais e legais setoriais numa perspectiva de longo prazo.
Ocorre que, com o intuito de garantir a continuidade da atividade regulatória e sabendo de risco ao quórum na demora no processo de indicação, sabatina no Senado e nomeação pelo Chefe do Poder Executivo, a Lei federal n° 13.848/19 acrescentou o art. 10 à Lei federal n° 9.986/00, que traz uma lista de substituição.
Tal lista de substituição, verdadeiros “mandatos-tampão”, servem para cobrir o período de vacância que anteceder a nomeação do novo titular do Conselho Diretor, devendo ser composta por 3 (três) servidores da agência, escolhidos e designados pelo Presidente da República entre os indicados pelo Conselho Diretor.
Embora a intenção do dispositivo seja nobre, fato é que sua aplicação vem sendo desvirtuada na prática: de 10 de julho de 2019, data em que o Senado aprovou Diretor da ANVISA, até janeiro de 2020 não houve nova indicação de dirigente pelo Poder Executivo para qualquer uma das onze agências reguladoras. O resultado é uma estrutura de incentivos que reduz a independência da agência.
Feita esta breve digressão sobre os dirigentes das agências, cabe-nos retomar ao caso da ANCINE, em que o último titular foi nomeado em 19 de outubro de 2017, sendo os demais membros da Diretoria colegiada representantes da lista de substituição.
Tal fato, aliado à ausência de autonomia financeira, aumenta perigosamente o potencial de intervenção da Administração Pública central na agenda regulatória da ANCINE, o que se mostra ainda mais sensível em se tratando de entidade que congrega funções regulatórias e de fomento.
Aliás, desde o início de 2019 a própria existência da ANCINE encontra-se ameaçada. A intenção do atual mandatário da Chefia do Poder Executivo consiste na extinção da ANCINE e em rearranjar as funções de fomento ao setor cultural mediante transferência a órgãos diretamente subordinados à Presidência.[21]
Na mesma linha, o Projeto de Lei Orçamentária anual enviada ao Congresso relativo ao exercício de 2020 previu redução do orçamento do FSA – Fundo Setorial do Audiovisual – em 43%, o que vai na contramão não só dos dispositivos constitucionais que demandam promoção da cultura, mas também da tendência global de promoção da economia criativa.[22]
Ademais, embora os recursos do FSA sejam geridos pela ANCINE, fato é que desde 2019 houve paralisação no seu emprego para novos projetos,[23] o que aumenta a suspeita de intervenção da agenda da Administração Pública central na agência reguladora.
Para além desta possibilidade, houve, igualmente, decisão em sede de auditoria realizada no âmbito do TCU, no processo n° TC 017.413/2017-6, que buscou avaliar a conformidade da metodologia ‘Ancine+Simples’ para análise das prestações de contas de recursos públicos destinados ao fomento direto e indireto. Inobstante a auditoria tenha se iniciado em 2017, apenas em 2019 houve a prolação do Acórdão n° 721/2019,[24] o qual continha, entre outras, as seguintes determinações:
“(...) 9.4. determinar que o Ministério da Cidadania, como sucessor do Ministério da Cultura, e a Ancine atentem para a necessidade de só celebrarem novos acordos para a destinação de recursos públicos ao setor audiovisual, quando dispuserem de condições técnico-financeiro-operacionais para analisar as respectivas prestações de contas e, também, para efetivamente fiscalizar a execução de cada ajuste, ante a possibilidade de responsabilização pessoal do agente público pelas eventuais irregularidades perpetrada, com ou sem dano ao erário, em desfavor da administração pública (Achado III.3);
9.5. determinar, nos termos do art. 250, III, do RITCU, que, como integrantes do Comitê Gestor do FSA, o Ministério da Cidadania, o Ministério da Educação, a Casa Civil da Presidência da República e a Agência Nacional do Cinema dimensionem a quantidade de convênios e instrumentos congêneres para o eventual repasse de recursos federais ao setor audiovisual, em patamar compatível com a respectiva capacidade operacional e, especialmente, com a efetiva capacidade de fiscalização sobre os beneficiários e a análise das respectivas prestações de contas, entre outros elementos, para o aporte de fomento às atividades audiovisuais (Achado III.3);”.
As determinações em questão redundaram não só num esforço de restruturação da ANCINE no tocante a sua governança interna de prestação de contas, mas também – e mais importante – constituíram óbice em abertura de novos editais de seleção para fins de fomento direto.
Não tardou, entretanto, para que a Corte de Contas percebesse o equívoco da redação sobreinclusiva de sua determinação e, em 19 de junho de 2019, mediante provocação do Ministério Público junto ao TCU, proferiu o Acórdão n° 1.417/2019 para tornar insubsistentes referidas determinações.[25]
Em seu voto vencedor, o ministro Bruno Dantas refletiu sobre o item 9.4 da determinação, concluindo tratar-se de “um obstáculo à política pública da Ancine, ao impossibilitar a formação de um juízo objetivo daquilo que a entidade deveria cumprir, elemento inerente e indispensável a esse tipo de deliberação”. De igual modo, ressalvou que “as determinações não podem ser genéricas ao ponto de impedir que o gestor, em observância ao dever de cautela, execute a política pública por receio de ser penalizado por esta Corte”.
Sucede, todavia, que a política de fomento da ANCINE não foi retomada adequadamente desde então, visto que, num período de 10 (dez) meses – entre agosto de 2019 a janeiro de 2020 – apenas um projeto foi aprovado com recursos do FSA.
A justificativa mais plausível para a letargia da ANCINE no exercício das suas atribuições de fomento, no ano de 2019, está relacionada a uma agenda contrária do atual mandatário da Chefia do Poder Executivo. Trata-se da única mudança institucional relevante no período, sendo certo que, como apontado, as declarações do Presidente da República corroboram esta impressão, tendo em vista sua intenção de extinguir a agência.
Aqui, cabe destacar a postura da atual Administração Pública central de interromper até mesmo certames de 2018. Em 21 agosto de 2019, quando a ANCINE ainda estava vinculada ao Ministério da Cidadania, o então Ministro publicou Portaria n° 1.576/19 determinando suspensão da “Chamada Pública BRDE/FSA – PRODAV – TVs Públicas”, lançada em 13 de março de 2018 e voltada ao financiamento de obras audiovisuais com recursos do FSA. Tal ato teve por motivação a suposta “necessidade de recompor os membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual – CGFSA”, tendo sido editada 6 (seis) dias após o Presidente da República tecer as seguintes críticas em rede social:
“Outro filme aqui: “Afronte”. Mostrando a realidade vivida por [ênfase] NEGROS, HOMOSSEXUAIS no DISTRITO FEDERAL. Não entendi nada, confesso. (...) Olha, a vida particular de quem quer que seja não tem nada a ver com isso. Agora, fazer um filme sobre NEGROS, HOMOSSEXUAIS no DF [ênfase], confesso que não dá pra entender. Então mais um filme que foi para o saco aí.
Se a ANCINE não tivesse a sua cabeça toda, mandato, já tinha degolado todo mundo.
Mais um filme aqui. Este aqui é de cair para trás. Você é evangélica? Eu sou cristão, a minha esposa é evangélica. Vamos lá. O nome é “Religare Queer”. O filme é sobre uma EX-FREIRA LÉSBICA [ênfase]! Tá oquei. Daí são vários episódios, são dez episódios. Tem a ver com religiões tradicionalmente homofóbicas e transfóbicas. Tudo tem a ver sexualidade LGBT com evangélicos, católicos, espíritas, testemunha de Jeová, umbanda, budismo, candomblé, islamismo e Santo Daime. Confesso que não entendi por que gastar dinheiro público com um filme desse. O que que vai agregar no tocante à nossa cultura, às nossas tradições no Brasil? Não tô perseguindo ninguém, cada um faça o que bem entender no seu clube, vá ser feliz. Agora, gastar dinheiro público para fazer esse tipo de filme...
Esses filmes aí a iniciativa privada não vai investir, porque não têm plateia, não têm audiência. É jogar dinheiro fora, além de divulgar...... isso aí não tem cabimento”[26] Grifos no original
Diante do possível desvirtuamento finalístico da atividade estatal, a Procuradoria Geral da República ingressou com ação civil pública por ato de improbidade administrativa n° 5067900-76.2019.4.02.5101 e demonstrou, em fundamentada petição inicial, que a motivação da Portaria constituiu cortina de fumaça para ocultar a agenda de perseguição a minorias perpetrada da Administração Pública central.[27]
Isto porque o processo de seleção já se encontrava em estágio avançado e sequer se cogitava de ato a ser praticado pelo Comitê Gestor do FSA. Além disso, o MPF colacionou entrevistas do então Ministro da Cidadania que refletiam o desvio de poder da Portaria. Finalmente, a suspensão do certame acarretaria enormes prejuízos para o erário público, contabilizados em R$ 1.786.067,44, referentes ao pagamento das despesas administrativas e financeiras com a sua realização.
Como destacado pelo MPF, houve evidente confusão do interesse público e as vontades pessoais do governante, sendo certo que a discricionariedade conferida por Lei não permite ofensa ao princípio da isonomia e ao estabelecimento de tratamento discriminatório, mormente em face de minorias já estigmatizadas. Além disso, a medida configura forma de censura prévia ao não dar os meios para que vozes sub-representadas no âmbito social obtenham meios materiais de se fazerem ver e ouvir, mediante política pública de fomento constitucionalmente adequada.
Binenbojm, ao comentar os recentes cancelamentos de exposições em museus e a criação de CPI para investigar supostos crimes perpetrados por artistas em performances com corpos nus, crianças e símbolos litúrgicos, afirma tratar-se de retomada atávica do conceito de “arte degenerada”, expressão em voga na época do regime nazista alemão que impunha padrões estéticos racistas e preconceituosos.[28] Nada inserido, portanto, no espírito republicano da Constituição Federal.
Em tempo, a liminar no âmbito da ação civil pública em questão foi deferida, determinando a suspensão dos efeitos da Portaria em questão e a continuidade do certame segundo as regras do edital.[29] A decisão se valeu como fundamento, para além da teoria dos motivos determinantes, de importantes julgados do STF na Medida Cautelar na Suspensão de Liminar n° 1248 e da Medida Cautelar na Reclamação n° 36.742 que determinaram a cessação de atos contrários à liberdade de expressão ocorridos na Bienal do Livro do Rio de Janeiro.[30]
A partir da consulta ao sítio eletrônico do BRDE – agente financeiro do FNC, na forma do art. 5°, caput da Lei federal n° 11.437/06 -,[31] a “Chamada Pública BRDE/FSA – PRODAV – TVs Públicas” foi devidamente concluída em 21 de janeiro de 2020, com a seleção de 79 (setenta e nove) projetos por todo país, totalizando a distribuição de R$ 68.950.000,00 em recursos do FSA, o que demonstra a eficácia e a importância da atuação do MPF e do Poder Judiciário a tempo e modo.
Da leitura de todo esse cenário recente envolvendo a ANCINE, percebe-se que os órgãos de controle – Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União - e o Poder Judiciário vêm exercendo o seu papel. No entanto, o sucateamento do fomento à cultura não parece apresentar melhora significativa. O que fazer, então?
4 – A construção de instituições participativas e responsivas: uma resposta possível
O início de uma solução para a construção de um fomento adequado à cultura, orientado aos valores constitucionais, passa por mudanças estruturais no seu funcionamento, mediante alteração na importância relativa dos atores do concerto institucional e redução da influência e de poder de veto que muitos deles possuem atualmente.
Uma resposta que pense apenas em termos da dogmática do direito administrativo - de modo a delimitar limites substantivos à atividade de fomento -, acaba por ter visão parcial da questão[32] e só funcionaria em um ambiente institucional minimamente adequado, o que não se verifica.
Em outras palavras, é preciso buscar um modelo que dependa menos da atuação diligente e comprometida dos órgãos de controle e do Poder Judiciário, sendo necessário que o fomento adequado à cultura seja empregado por desenho (by default), de sorte que aqueles órgãos se apresentem apenas para corrigir abusos e equívocos eventuais.
Neste sentido, é de se destacar que a própria Constituição Federal prevê, em seu art. 216-A, inserido pela EC n° 71/12,[33] a criação de um Sistema Nacional de Cultura, descentralizado entre os entes da Federação, e participativo, de modo a garantir a promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes.
Merecem atenção, ainda, alguns princípios do Sistema Nacional de Cultura, previstos nos incisos §1°, do art. 216-A da CRFB, tais como: (i) a diversidade das expressões culturais – inciso I; (ii) o fomento à produção, difusão e circulação de conhecimentos e bens culturais – inciso III; (iii) a transparência e compartilhamento das informações – inciso IX; (iv) a democratização dos processos decisórios com a participação e controle social – inciso X; e (v) a ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura – inciso XII. Em seu §2°, o dispositivo traz a estrutura do SNC, dos quais sobressaem o Conselho Nacional de Política Cultural – inciso II – e as Conferências Nacionais de Cultura – inciso III.
O direito à cultura, por sua vez, reveste-se de status materialmente fundamental, visto que não se encontra previsto apenas nos arts. 23, V e 215 CRFB, mas está igualmente relacionado a um feixe de garantias, tais como: à vedação de censura política, ideológica e artística – art. 220, §2° CRFB – e ao livre desenvolvimento da personalidade, elemento indissociável do princípio da dignidade da pessoa humana – arts. 1°, III, 3°, I e 5°, IV e IX CRFB. Como explicitam Dantas e Molinaro:
“A cultura e os direitos culturais são na sistemática constitucional brasileira, direitos fundamentais, individuais e sociais, neste sentido gozam da perenidade que lhes empresta à cláusula de vedação contida no inciso III do art. 60 da CF. A expressão cultura utilizada pelo constituinte de 1988 tem endereço certo, dirigindo imediatamente a significação das capacidades do fazer humano e todas as suas manifestações, espirituais, artísticas, intelectuais e científicas, bem como a formatação de uma subconstituição cultural, que pode inclusive caracterizar um Estado de Cultura, onde a expressão máxima está vinculada ao acervo comum da identidade de cada um dos grupos que coopera para a identidade nacional, desde suas memórias históricas, condições étnicas, produção artística, intelectual, filosófica e sociológica. Os princípios de interpretação do sintagma cultura protegida não está divorciada da intenção do constituinte impressa no preâmbulo constitucional, e especialmente do programa que desenho o art. 3°, I, pois uma sociedade justa livre e solidária é uma sociedade mediada pela cultura, portanto, é neste sentido que os direitos culturais são direitos humanos e são direitos fundamentais sociais, sendo que o amplo e complexo conjunto de suas manifestações conforma os fundamentos da nacionalidade”.[34] Grifos no original
No atendimento ao direito fundamental à cultura, deve o Estado cultivar e incentivar, com especial zelo, a cultura tradicional e contra-hegemônica, o que se extrai da leitura conjugada dos arts. 215, §1°, 216, §1° e 216-A, §1°, I da CRFB. Este dever decorre não apenas da obrigação de tratar cada pessoa com igual respeito e consideração - o que implica levar a sério o papel de cada forma cultural no desenvolvimento da personalidade do indivíduo -, mas da constatação de que, numa sociedade em que as relações privadas são mercantilizadas, serão as formas culturais minoritárias que não conseguirão apoio junto ao mercado privado para se reproduzir.
Neste sentido, o fomento social à cultura não pode ser interpretado sob uma ótica puramente econômica, na medida em que se presta a preservação de valores constitucionais de repercussão existencial. É dizer: o Estado como mecenas da arte deve privilegiar o experimentalismo e a diferença, o que evidentemente pode não gerar retorno financeiro aos cofres públicos, nem ser autossustentável, mas irá preservar formas de vida que são constitutivas da identidade das pessoas integrantes da sociedade pluralista em que vivemos.
Na moldura constitucional, afora as diretrizes gerais elencadas no art. 216-A, não há alocação rígida de atribuições entre os diversos órgãos setoriais de promoção da política pública de cultura, adotando-se sistemática descentralizada comum do federalismo cooperativo, que deve ser harmonizada mediante legislação infraconstitucional.
Neste sentido, mesmo antes da existência do art. 216-A, o Decreto federal n° 5.520/05 já havia instituído o Sistema Federal de Cultura – do qual a ANCINE faz parte, ex vi do seu art. 2°, I, ‘b’ – e que também criava o Conselho Nacional de Política Cultural. Este Decreto também previu a Conferência Nacional de Cultura como integrante do Conselho Nacional de Política Cultural e responsável por avaliar a execução das metas concernentes ao Plano Nacional de Cultura – arts. 6°, V e 11.
Em seguida, com o escopo de regulamentar o art. 215, §3° da Constituição Federal, que reserva à Lei a criação do Plano Nacional de Cultura - PNC, foi editada a Lei federal n° 12.343/10, que conferiu institucionalidade ao direito à cultura, além de instituir o PNC em seu anexo. A Lei federal n° 12.343/10 confere especial destaque à diversidade cultural – art. 1°, II e 2°, I -, à crítica cultural e à reflexão em torno dos valores simbólicos – art. 1°, V e 2° VII -, ao papel da cultura no desenvolvimento sustentável e à criação de um mercado interno cultural em colaboração entre agentes públicos e privados – art. 1°, VIII e XI e 2° IX - e à participação, controle social e democratização na formulação e acompanhamento das políticas culturais – art. 1°, IX e XII e 2°, XIV.
No tocante às atribuições do Poder Público, a Lei federal n° 12.343/10 traz expressamente o papel de fomentar a cultura de forma ampla, por meio da concessão de apoio financeiro, fiscal e subsídios econômicos – art. 3°, III -, a necessidade de mensuração do atingimento das metas do PNC – art. 3°, II – e organizar instâncias consultivas e participativas da sociedade para debater estratégias de execução das políticas públicas de cultura – art. 3°, IX. O principal instrumento elencado para fomento às políticas culturais decorre do Fundo Nacional da Cultura, na forma do art. 5°, no qual, recorde-se, o Fundo Setorial do Audiovisual figura com programação específica.
Como demonstra Zimbrão, a dinâmica da I e da II Conferência Nacional de Cultura – CNC – realizadas, respectivamente, em 2005 e em 2010, muito confirma as conclusões de Pogrebinschi e Santos supramencionadas de entrelaçamento entre os debates nestes órgãos de participação e a pauta legiferante do Poderes Executivo e Legislativo. Com uma peculiaridade: o impulso do extinto Ministério da Cultura foi primordial para estabelecimento da interlocução inicial com os órgãos de participação social e a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados.[35] Além disso, a atuação conjunta do Ministério da Cultura e do IBGE resultou, em 2004-2005, na criação do Sistema de Informações e Indicadores Culturais, que viria a se tornar o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais – SNIIC, na forma do art. 9° da Lei federal n° 12.343/10,[36] importante ferramenta de planejamento e controle ex post do fomento.
Não se pode, entretanto, pensar que o Ministério da Cultura atuava como mero mensageiro entre o terceiro setor e o Parlamento. Mais do que agir como o deus Hermes, existia uma influência recíproca entre a sociedade civil – participante nas Conferências – e a agenda pré-estabelecida do órgão do Poder Executivo.[37] Nada obstante, este padrão regulatório apresenta significativa legitimidade democrática e republicana, pois empodera a sociedade civil como coprodutoras e destinatárias da produção normativa que for proposta ao Poder Legislativo como resultado das Conferências.
Ocorre que a efetividade do Conselho Nacional de Política Cultural – CNPC, como órgão deliberativo, consultivo e propositivo, se viu extremamente ameaçada no ano de 2019. Com efeito, após a edição do Decreto federal n° 9.759/19 - que promoveu ampla extinção de colegiados da sociedade civil junto à Administração Pública federal e cujos efeitos o STF reduziu, no bojo da ADI 6.121, àqueles que não tinham sido criados por lei -, houve edição do Decreto federal n° 9.891/19, que revogou a parte do Decreto federal n° 5.520/05 relativa ao CNPC e trouxe novas disposições institucionais ao Conselho.
Na prática, o Decreto federal n° 9.891/19 está para o CNPC, tal como o Decreto federal n° 10.003/19 está para o CONANDA: trata-se de medida de redução e verticalização das escolhas dos membros da sociedade civil com sérios prejuízos ao princípio da paridade e da representatividade, submissão da escolha dos membros da sociedade civil ao crivo discricionário da Secretaria Especial da Cultura – art. 4°, §§2° e 3° do Decreto -, circunscrição do CNPC ao caráter meramente consultivo – retirando seus atributos deliberativos e propositivos – e exclusão da população LGBT do Conselho.[38] A diferença primordial é que não houve, em face do Decreto federal n° 9.891/19, ajuizamento de ação em controle concentrado – como houve a ADPF n° 622 em face do Decreto federal n° 10.003/19, que sucateava o CONANDA.
A reação ao Decreto federal n° 9.891/19 veio do Parlamento. A Deputada Federal Benedita da Silva, Presidente da Comissão de Cultura, apresentou, em plenário, a Proposta de Decreto Legislativo n° 451/2019, que, na forma do art. 49, V, X e XI da CRFB, buscava sustar os efeitos do diploma normativo em questão.[39] Dentre os argumentos apresentados pelo Decreto Legislativo para declaração de inconstitucionalidade da medida, destacam-se a redução do caráter participativo do Conselho, em violação ao art. 216-A da CRFB, a redução da participação de membros dos diversos entes da Federação, o que reduz a representatividade regional do Conselho, a exclusão de representantes da comunidade LGBT em frontal violação à desigualdade de gênero, e os fundamentos apresentados pelo ministro Fachin na liminar da ADI 6.121 que se pautou no retrocesso democrático da extinção generalizada dos Conselhos perpetrada pelo Decreto federal n° 9.759/19 impugnado à época.
A Proposta de Decreto Legislativo foi aprovada na Comissão de Cultura e, após parecer favorável da relatora na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, foi retirado de pauta em 05 de novembro de 2019 por requerimento dos Deputados Federais Luiz Phillipe de Orleans e Bragança e Herculano Passos.[40] A alteração da estrutura do CNPC parece ter se tornado, por ora, fato consumado.
Embora o imbróglio relativo ao CNPC seja grave, os Conselhos não são os únicos espaços que se tornariam mais responsivos com aumento da participação de setores da sociedade. Retornando ao fomento à cultura realizado pela ANCINE, cabe-nos atentar a um aspecto até então negligenciado: há sobrerrepresentação da Administração Pública central no Conselho que detém a ‘chave do cofre’ para o Fundo Setorial do Audiovisual – FSA.
Vejamos o plexo normativo da matéria: o art. 34 da Medida Provisória n° 2.228-1/01 destina a CONDECINE ao FSA para aplicação nas atividades de fomento listadas no art. 47 daquela MP, quais sejam: o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Brasileiro – PRODECINE; o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro – PROADV; e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Infraestrutura do Cinema e do Audiovisual – PRÓ-INFRA. Por sua vez, a Lei federal n° 11.437/06, que se reserva exclusivamente a fixar a destinação de receitas da CONDENCINE para o FSA, estabelece a criação do Comitê Gestor do FSA em seu art. 5°, cujo §1° afirma que sua composição se dará por “representantes do Ministério da Cultura, da Ancine, das instituições financeiras credenciadas e do setor audiovisual, observada a composição conforme disposto em regulamento”. Finalmente, o Decreto federal n° 6.299/07 traz a composição do Comitê Gestor, cuja atribuição é de “definir as diretrizes e o plano anual de investimentos, acompanhar a implementação das ações e avaliar anualmente os resultados alcançados”, com o total de 9 (nove) membros: 4 (quatro) da Administração Pública direta, 1 (um) da ANCINE, 1 (um) da instituição financeira credenciada pelo Comitê Gestor, e 3 (três) representantes do setor audiovisual.
Além disso, os 3 (três) representantes do setor audiovisual, que supostamente deveriam oferecer maiores influxos da sociedade civil com relativa independência do Poder Público, devem ser designados pelo Ministro do Turismo a partir de lista tríplice encaminhada pelo Conselho Superior de Cinema – art. 5°, §§1° e 2° do Decreto federal n° 6.299/07. De acordo com Ikeda, o Conselho Superior de Cinema - CSC, criado e regulamentado pelos arts. 2° e 3° da MP n° 2.228-1/01, tem como função primordial a formulação da política nacional de cinema, com perfil desenvolvimentista e industrialista.[41] Sua composição, inicialmente prevista no art. 4° da MP n° 2.228-1/01, foi alterada pelo Decreto federal n° 4.858/03, única oportunidade em que houve paridade entre representantes governamentais e não governamentais, totalizando 18 (dezoito) membros.
No curso da primeira década do século XXI, não obstante sua relevante função, bem como a circunstancial paridade em sua composição, o CSC não desempenhou papel ativo na formulação de políticas públicas do setor, funcionando mais como instrumento de legitimidade para aprovação de medidas gestadas pelo próprio Ministério da Cultura. Soma-se a isto a ausência de periodicidade das suas reuniões, o que fez com que houvesse redução do “seu poder efetivo, tornando-o, de fato, mais propriamente um conselho consultivo do que efetivamente uma instância programática de formulação de políticas”.[42]
Atualmente, o CSC é regulamentado pelo Decreto federal n° 9.919/19, com as alterações promovidas pelo Decreto federal n° 9.993/19, não mais possuindo composição paritária – ao todo, são 8 (oito) membros do Poder Executivo e 5 (cinco) membros da sociedade civil. Houve, contudo, fixação de periodicidade quadrimestral das suas reuniões, o que pode vir a desobstruir um gargalo de efetividade.
O aumento de membros do Poder Executivo, entretanto, não é promissor. Como afirma Ikeda com relação à participação do então Ministério da Justiça, da Fazenda e das Relações Exteriores, o “cinema possui um interesse de participação dessas pastas, mas que a recíproca não necessariamente é verdadeira, e certamente não com a mesma intensidade”.[43]
Sucede que, retornando ao Comitê Gestor do FSA, os 3 (três) membros do setor do audiovisual são indicados pelo CSC que, atualmente, possui composição majoritária de órgãos do Poder Executivo. Em outras palavras, a representatividade destes membros para falar em nome da sociedade civil possui vício genético de legitimidade.
Ora, a falta de paridade no Comitê – e, pior, a ausência de qualquer membro diretamente indicado pela sociedade civil - que define as regras de financiamento de uma das modalidades de fomento cultural, decerto aumenta a opacidade do setor. Em geral, portanto, a governança pública do setor cultural apresenta pouca porosidade à sociedade civil.
5 – Conclusão
As condições de possibilidade de um fomento à cultura adequado decorrem, primeiramente, de uma estrutura institucional plural e inclusiva, tal como determinado pelo art. 216-A da Constituição da República. É preciso ir além dos procedimentos tradicionais de participação, tais como as consultas e audiências públicas junto a agências reguladoras – art. 9° e 10 da Lei federal n° 13.848/19 -, e lutar por modificações nas composições dos órgãos de participação, as quais podem ser feitas mediante simples Decreto.
Não se olvida da importância de resgatar a ANCINE do evidente sucateamento, haja vista sua relevante função de executar[44] a regulação e o fomento no setor cultural, mas sim de apresentar, sob uma perspectiva institucional, todos os ambientes em que se deve buscar maior abertura à sociedade – sendo a ANCINE um deles, mas não o único.
No atual cenário, temos a pauta anticultural do Poder Público hegemonizando e sabotando o funcionamento dos órgãos participativos e da agência reguladora responsáveis pelo fomento à cultura, por meio da sua paralisia e burocratização excessiva. É necessário, portanto, tornar nossas instituições de apoio à cultura mais resilientes a investidas futuras, o que, decerto, implica a adoção de estrutura de governança inclusiva, tal como delineado no presente estudo.
6 - Referências
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ZIMBRÃO, Adélia. Conferências Nacionais de Cultura e seus desdobramentos em políticas públicas. IV Seminário Internacional – Políticas Culturais. Fundação Casa Rui Barbosa. Rio de Janeiro, 2013
[1] ALONSO, Angela. A comunidade moral bolsonarista. In: ABRANCHES, Sérgio et al. Democracia em Risco? 22 ensaios sobre o Brasil hoje. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. ABRANCHES, Sérgio. Polarização radicalizada e ruptura eleitoral. In: ABRANCHES, Sérgio et al. Democracia em Risco? 22 ensaios sobre o Brasil hoje. São Paulo: Companhia das Letras, 2019
[2] HUQ, Aziz; GINSBURG, Tom. How to lose a constitutional democracy. 65 UCLA Law Review 78, 2018 78-169. pp. 92-104
[3] LANDAU, David. Abusive Constitutionalism. UCDavis Law Review, vol 47: 189, 2013 189-260. pp. 191-195 e 211-215.
[4] Ibid. 196-210.
[5] HUQ, Aziz; GINSBURG, Tom. How to lose a constitutional democracy. 65 UCLA Law Review 78, 2018 78-169. pp. 92-104
[6] Vargas define a degradação constitucional brasileira como um processo histórico progressivo de erosão dos valores, da cultura e da autoridade da Constituição de 1988. VARGAS, Daniel. A Degradação constitucional brasileira. In: Constitucionalismo de Realidade: Democracia, direitos e instituições. Editora Fórum, 2019. pp. 207-208 e 218-220.
[7] STF, ADPF 622, Decisão Monocrática, min. Luís Roberto Barroso, j. 19.12.2019
[8] Ao enunciar a crise da discricionariedade e a superação da dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, Gustavo Binenbojm propõe uma tipologia de atos a partir de seus graus de vinculação à juridicidade, a saber: atos vinculados por regras; atos vinculados por conceitos jurídicos indeterminados; e atos vinculados diretamente por princípios. BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo – Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. 3ª edição, rev. ampl. Editora Renovar, 2014. pp. 221-222.
[9] Seabra Fagundes é considerado pioneiro no direito brasileiro em propor o controle de finalidade dos atos administrativos, com o intuito de estreitar a discricionariedade e conter o arbítrio estatal. Cf: FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Ed: Forense, 8ª Edição, 2010.
[10] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 142
[11] Ibid. p. 118.
[12] A atividade de fomento, no âmbito audiovisual, pode ser dividida em direta e indireta. O fomento será direto quando as decisões sobre o investimento dos recursos passam diretamente por órgão público ou entidades, tais como as provenientes de recursos alocados para o Prêmio Adicional de Receita – PAR, Prêmio de Incentivo à Qualidade – PAQ ou Fundo Setorial do Audiovisual – FSA. Já o fomento indireto é eminentemente fiscal – envolve incentivo fiscal ou renúncia fiscal – e a decisão dos recursos a serem investidos é delegada a agentes privados, dentro da moldura permitida pela legislação, tais como o previsto no art. 39, X da Medida Provisória n° 2.228-1/01 e nos arts. 3° e 3°-A da Lei federal n° 8.685/93. Cf: MARTINS, Vinícius Alves Portela. Agência Nacional do Cinema – ANCINE: comentários à Medida Provisória n° 2.228-1/01, ao Decreto n° 4.121/02 e à Lei n° 12.485/11. São Paulo: Atlas, 2015. pp 62-63.
[13] Vejamos, aqui, síntese de Aragão a respeito das competências da ANCINE: “Entre as atribuições mais relevantes da ANCINE, todas a serem exercidas de acordo com a Política traçada pelo Conselho Superior do Cinema (art. 3o), podemos destacar as de estabelecer as normas de adaptação de obras cinematográficas ou videofonográficas publicitárias estrangeiras para que sejam divulgadas no país (art. 25); promover a integração de atividades governamentais relacionadas à indústria cinematográfica e videofonográfica; aumentar a competitividade da indústria cinematográfica e videofonográfica nacional por meio do fomento à produção, à distribuição e à exibição nos diversos segmentos de mercado; estimular a diversificação da produção cinematográfica e videofonográfica nacional e o fortalecimento da produção independente e das produções regionais; garantir a participação diversificada de obras cinematográficas e videofonográficas estrangeiras no mercado brasileiro; garantir a participação das obras cinematográficas e videofonográficas de produção nacional em todos os segmentos do mercado interno e estimulá-la no mercado externo; executar a política nacional de fomento ao cinema; fiscalizar o cumprimento da legislação referente à atividade cinematográfica e videofonográfica nacional e estrangeira nos diversos segmentos de mercados, na forma do regulamento; promover o combate à pirataria de obras audiovisuais; aplicar multas e sanções, na forma da lei; regular, na forma da lei, as atividades de fomento e proteção à indústria cinematográfica e videofonográfica nacional, resguardando a livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação; e estabelecer critérios para a aplicação de recursos de fomento e financiamento à indústria cinematográfica e videofonográfica nacional (arts. 6o e 7o)”. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3ª edição, rev e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 295.
[14] Além disso, como compete à ANCINE executar e implementar a Política Nacional de Cinema, é forçoso reconhecer, pela teoria dos poderes implícitos, que ela deverá possuir funções regulatórias. Ibid. pp. 295-296.
[15] Apud MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito Constitucional Econômico. 2ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2014. pp. 317-318.
[16] Ibid.
[17] Sobre a autonomia reforçada das agências reguladoras, cf: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3ª edição, rev e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013, pp. 351-402.
[18] Ibid. pp. 365-375
[19] MARTINS, Vinícius Alves Portela. Agência Nacional do Cinema – ANCINE: comentários à Medida Provisória n° 2.228-1/01, ao Decreto n° 4.121/02 e à Lei n° 12.485/11. São Paulo: Atlas, 2015. p. 137.
[20] Ibid. p. 138.
[21]Sobre a notícia a respeito da intenção do Governo federal de extinção da ANCINE, cf. https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/07/governo-avalia-distribuir-funcoes-e-acabar-com-regulacao-da-ancine.shtml
[22] Para a projeção do corte orçamentário destinado ao FSA em 2020 cf. https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/09/em-ofensiva-contra-ancine-bolsonaro-corta-43-de-fundo-do-audiovisual.shtml
[23] Sobre a paralisia dos projetos no setor, cf: https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/293411/ancine-tem-cinco-mil-projetos-parados-desde-2018.htm
[24] TCU, Acórdão n° 721/2019, Plenário, rel. Min. André de Carvalho, j. 27.03.2019
[25] TCU, Acórdão n° 2.417/2019, Plenário, rel. Min. André de Carvalho, j. 19.06.2019.
[26] MPF, ação civil pública n° 5067900-76.2019.4.02.5101, petição inicial. pp. 04-05. Disponível em: ACP - Ancine — Procuradoria da República no Rio de Janeiro (mpf.mp.br)
[27] Para a notícia institucional do ajuizamento da ação civil pública em questão, cf. MPF/RJ move ação de improbidade por censura em edital da Ancine — Procuradoria da República no Rio de Janeiro
[28] BINENBOJM, Gustavo; BINENBOJM, Letícia. Quando a defesa da liberdade de expressão só vale para os iguais. Portal eletrônico Conjur. Disponível em: ConJur - Gustavo e Leticia Binenbojm: a liberdade degenerada
[29] TRF-2, medida cautelar em ação civil pública n° 5067900-76.2019.4.02.5101, 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro, j. 07.10.2019.
[30] Verifica-se trecho especialmente relevante das decisões do STF em questão, que pedimos vênia para transcrever:
A decisão ora reclamada, ao taxar que publicações relacionadas à temática homossexual podem ser consideradas “conteúdos impróprios” ou “potencialmente indutor e potencialmente nocivo à criança e ao adolescente”, tenta atribuir um desvalor a imagens que envolvem personagens homossexuais. Salienta-se que em nenhum momento cogitou-se de impor as mesmas restrições a publicações que veiculassem imagens de beijo entre casais heterossexual.
(...) O entendimento de que a veiculação de imagens homoafetivas é “não corriqueiro” ou “avesso ao campo semântico de histórias de ficção” reproduz um viés de anormalidade e discriminação que é atribuído às relações homossexuais. Tal interpretação revela-se totalmente incompatível com o texto constitucional e com a jurisprudência desta Suprema Corte, na medida em que diminui e menospreza a dignidade humana e o direito à autodeterminação individual”. Grifos nossos
[31] Cf: https://www.brde.com.br/chamada-publica-brde-fsa-prodav-tvs-publicas-2018/
[32] Num cenário hipotético, após o ajuizamento de inúmeras ações populares, ações civis públicas e ações de improbidade administrativa, poder-se-ia reconhecer a falência decorrente da disfuncionalidade sistema de fomento à cultura, o que ensejaria o manejo de arguição de descumprimento de preceito fundamental para que se declare o estado de coisas inconstitucional na promoção dos direitos fundamentais correlatos e para que sejam adotadas as medidas estruturantes necessárias a sanar o quadro. Sobre o conceito do estado de coisas inconstitucional, esclarece Campos: “A configuração do estado de coisas inconstitucional possui quatro pressupostos: o primeiro é o da constatação de um quadro não simplesmente de proteção deficiente, e sim de violação massiva e generalizada de direitos fundamentais que afeta a um número amplo de pessoas; o segundo é o da omissão reiterada e persistente das autoridades públicas no cumprimento de suas obrigações de defesa e promoção dos direitos fundamentais; com relação ao terceiro pressuposto, haverá o estado de coisas inconstitucional quando a superação de violações de direitos exigir a expedição de remédios e ordens dirigidas não apenas a um órgão, e sim a uma pluralidade destes; o quarto tem natureza puramente quantitativa e diz respeito à potencialidade de um número elevado de afetados transformarem a violação de direitos em demandas judiciais, o que produziria grave congestionamento da máquina judiciária”. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Da inconstitucionalidade por omissão ao “Estado de Coisas Inconstitucional”. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2015. p. 229.
[33] Como será demonstrado a seguir, a EC n° 71/12 buscou entrincheirar na Constituição Federal a existência de órgãos já previstos na legislação federal que lhe precedia.
[34] MOLINARO, Carlos Alberto; DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Comentários ao art. Art. 215. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1982
[35] ZIMBRÃO, Adélia. Conferências Nacionais de Cultura e seus desdobramentos em políticas públicas. IV Seminário Internacional – Políticas Culturais. Fundação Casa Rui Barbosa. Rio de Janeiro, 2013. pp. 06-10
[36] Ibid. p. 08-09
[37] Ibid. pp. 10-13
[38] AGUIAR, Mariana de Araujo; RISCADO, Júlia Erminia. Participação social nas políticas culturais: o Conselho Nacional de Políticas Culturais e o contexto de crise democrática. Pol. Cult. Rev., Salvador, v. 12, n° 2, 2019 50-71. pp. 66-67
[39] Ibid. p. 67.
[40] Para acompanhamento da tramitação deste PL, cf.: Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)
[41] IKEDA, Marcelo. As políticas públicas cinematográficas no início dos anos 2000: o papel da ANCINE no ‘tripé institucional’ previsto pela MP 2.228-1/01. VIII ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Salvador, 2012. pp. 3-4
[42] Ibid. pp. 10-11
[43] Ibid. p. 10.
[44] Para uma crítica ao desempenho até então apresentado pela ANCINE, haja vista não estar atuando para um efetivo desenvolvimento do setor, cf: IKEDA, Marcelo. As políticas públicas cinematográficas no início dos anos 2000: o papel da ANCINE no ‘tripé institucional’ previsto pela MP 2.228-1/01. VIII ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Salvador, 2012. pp. 12-13.
mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Assessor Jurídico Especial na Secretaria de Estado da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Rafael Cascardo Cardoso dos. O retrocesso constitucional no âmbito cultural: um estudo a partir do caso brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 out 2021, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57299/o-retrocesso-constitucional-no-mbito-cultural-um-estudo-a-partir-do-caso-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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