ANA CLARA OLIVEIRA LEAL DE CARVALHO[1]
(coautora)
FRANCISCA JULIANA CASTELLO BRANCO EVARISTO DE PAIVA [2]
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo trata sobre o abandono digital e a responsabilização dos pais no ambiente virtual, demonstrando como se dá a responsabilização dos pais diante do abandono digital, considerando a evolução da sociedade e dos novos modelos familiares nos moldes da sociedade moderna. O número reduzido de pesquisas, além dos crescentes casos a respeito do abandono digital, viabilizou a elaboração do presente artigo. A abordagem do referido tema se faz necessária para promover ainda mais o seu debate e auxiliar a evitar as possíveis consequências que podem trazer para o futuro de crianças e adolescentes. No estudo desenvolvido, inicialmente partiu-se das noções gerais trazidas na Constituição Federal, para posteriormente serem analisados os dispositivos infraconstitucionais, e, somente após essas etapas, chegar as considerações finais. Assim, como forma de inibir a ocorrência de abandono digital, o estudo destacou formas de evitar as eventualidades consequências trazidas pelo excesso de tecnologia utilizada pelos menores.
Palavras-chave: abandono digital, responsabilização, obrigações paternas, omissão, consequências.
ABSTRACT: This article deals with digital abandonment and parental accountability in the virtual environment, demonstrating how parents are held responsible in the face of digital abandonment, considering the evolution of society and new family models in the mold of modern society. The reduced number of researches, in addition to the growing cases about digital abandonment, made the elaboration of this article possible. The approach to this theme is necessary to further promote its debate and help to avoid the possible consequences that it can bring to the future of children and adolescents. In the study developed, initially, the general notions introduced in the Federal Constitution were started, and the infra-constitutional provisions were later analyzed and, only after these steps, the final considerations could be reached. Thus, as a way to inhibit the occurrence of digital abandonment, the study highlighted ways to avoid the eventualities and consequences brought about by the excess of technology used by minors.
Keywords: digital abandonment, accountability, parental obligations, omission, consequences.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 O dever de vigilância dos pais em relação às crianças e adolescentes. 2.1 À luz da constituição federal e do código civil. 2.2 À luz do estatuto da criança e do adolescente. 3 As transformações ocorridas nos modelos familiares entre os séculos XIX e XXI. 3.1 O papel dos integrantes do âmbito famílias e a transição da idade média para a moderna. 3.2 O papel dos pais na infância e adolescência. 3.3 A família após avanços tecnológicos. 4 A inserção do abandono digital no ordenamento jurídico. 4.1 A aplicação de medidas protetivas em prol da criança e adolescente. 4.2 A omissão dos pais no dever de cuidado dos filhos e responsabilização através do código penal brasileiro. 5 Consequências do abandono digital. 5.1 Cyberbullyng: responsabilização objetiva dos pais. 5.2 Quanto à prática de sexting. 6 Considerções finais. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O abandono digital é um tema bastante recorrente no presente, em contrapartida, possui pouca abordagem jurídica, assim como ainda existem poucas pesquisas no meio acadêmico relacionadas a esse conteúdo.
O presente estudo foi desenvolvido através de uma revisão bibliográfica, legislação vigente, doutrina e análise de artigos científicos, com abordagem dedutiva. A abordagem dedutiva tem como base o raciocínio lógico, cuja conclusão se dá através de etapas com análise de informações.
No estudo desenvolvido, inicialmente partiu-se das noções gerais trazidas na Constituição Federal (BRASIL,1998), para posteriormente serem analisados os dispositivos infraconstitucionais, e, somente após essas etapas, chegar à conclusão.
O presente artigo está dividido em quatro capítulos, e, por fim, sua conclusão. Em suma, em seu primeiro capítulo foi abordada a obrigação dos pais/responsáveis quanto ao dever de vigilância sobre os filhos, sendo dividida em dois subtópicos, conforme amparo legal disposto na Constituição Federal, Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente, além de bases principiológicas que justificam a referida obrigação.
Em seguida, no segundo capítulo, trata-se das evoluções nos modelos familiares, ocorridas entres os séculos XIX e XXI, em razão das mudanças enfrentadas pela sociedade nos aspectos sociais, econômicos e culturais. Essas evoluções decorrem de alterações estruturais, levando a novos conceitos quanto a criança e ao adolescente. Destaca-se que, após os avanços tecnológicos, surgiram outros tipos de modelos familiares, o que também é debatido no trabalho em questão.
No terceiro capítulo é discutido a possibilidade de aplicação a medidas punitivas para aqueles que praticam o abandono digital, e os dispositivos que podem ser utilizados, havendo inclusive disposição no Código Penal, com pena de detenção.
Para finalizar, são tratados alguns tipos de consequências sofridas pelas crianças e adolescente vítimas de abandono digital, como por exemplo, a prática de cyberbullying e sexting.
O presente trabalho possui como principais objetivos demonstrar a importância do acompanhamento familiar dos pais em relação aos filhos, bem como possível responsabilização dos mesmos no caso de abandono digital, além de apresentar as consequências jurídicas decorrentes da negligência dos pais.
Com o passar do tempo, a família, definida no art. 226 da Constituição Federal (BRASIL, 1998), como “base da sociedade”, tem passado por constantes mudanças e evoluções, principalmente quanto a forma de criar e educar os filhos.
Como uma das consequências dessas mudanças, o abandono digital atualmente vem sendo motivo de debate e estudos científicos, em razão do aumento no número de casos em que ocorre, principalmente com o advento das aulas remotas, onde as crianças e adolescentes tem passado mais tempo que o ideal em contato com a internet, muitas vezes sem a mínima supervisão dos pais.
O abandono digital é caracterizado pela negligência dos pais ou responsáveis, que são omissos quanto ao dever de vigilância em relação aos filhos durante o uso de equipamentos eletrônicos com acesso ao ambiente virtual, gerando efeitos nocivos e até irreversíveis aos menores.
É de extrema relevância destacar que os pais são os principais responsáveis pelos seus filhos, principalmente no ambiente virtual. Sabemos que a internet tem contribuído positivamente para o crescimento e formação da sociedade atual, com apenas um clique podemos navegar e obter informações que percorrem todo o mundo, facilitando nosso acesso sem se quer precisar sair do conforto do nosso lar.
E em relação a esse aspecto, evidencia-se que os pais desempenham o papel essencial na educação dos filhos e, com o advento da Era Virtual, o dever de fiscalização, devidamente amparado pelo art. 932, inciso I, do Código Civil (BRASIL, 2002), sendo responsáveis pelos atos praticados pelos menores e por qualquer dano que eles venham a sofrer.
Nessa era de distanciamento social o acesso a internet tem sido bastante imprescindível para todos, dando um destaque maior para jovens, crianças e adolescentes. Estes últimos necessitam dar continuidade a sua vida acadêmica e o meio mais adequado e eficaz tem sido as aulas a distância disponibilizadas através de plataformas virtuais, permitindo assim um maior acesso desse público não só nas redes sociais, como também ao maquinário digital.
O Estatuto da Criança e do adolescente (Lei 8.069/90) dá atenção não somente as relações de vínculo material, mas especialmente as relações de amorosidade e afetividade, pois essas são pilares para que a estrutura familiar possa fluir e se fortalecer. Com o uso constante e abusivo da tecnologia e seus adereços, se torna cada vez mais perceptível a desconstrução desses laços, um dos pontos que podemos destacar com isso é a falta de diálogo.
É fato que os pais tem outras ocupações diárias, um exemplo delas é o trabalho, até mesmo para que possa contribuir financeiramente na vida dos seus dependentes, mas isso acaba deixando muito a desejar na relação familiar. Na maioria das vezes, os filhos não tem o apoio e direcionamento necessário nessa relação em decorrência da ausência dos pais que não podem dar total apoio. Dessa forma, se refugiam no meio virtual e acabam não tendo o policiamento devido quanto a essa utilização.
2 O DEVER DE VIGILÂNCIA DOS PAIS EM RELAÇÃO ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES.
2.1 À LUZ DA CONSTITUÇÃO FEDERAL E DO CÓDIGO CIVIL
Levando em consideração todas as mudanças ocorridas ao longo dos anos para que crianças e adolescentes possam passar de meros objetos de adultos a sujeitos de direito, a Constituição Federal (BRASIL 1988), atual constituição cidadã, põe a salvo em seu artigo 227, que:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Da mesma forma, o Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002), que trouxe consigo a responsabilidade objetiva dos pais, atua semelhante ao elencar responsabilidades que cabem a família, para que a mesma não se desampare. Dessa forma, o artigo Art. 1.634 do Código Civil de 2002 dispõe:
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Dessa forma, assegura o dever de cuidado dos pais para com os filhos.
2.2 À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Regulamentado pela Lei Federal nº 8.069/1990, o ECA dispõe sobre a proteção integral de crianças e adolescentes. Essa Proteção Integral no ordenamento jurídico brasileiro foi introduzida por meio do artigo 227 da CF/1988 (BRASIL 1998), que sustenta ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, à criança e ao adolescente, com total prioridade os preceitos basilares a todo ser humano.
A doutrina jurídica da proteção integral elencada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente se fundamenta em três princípios, sejam eles: criança e adolescente como sujeitos de direito (deixando de ser objetos passivos para se tornarem titulares de direitos); destinatários de absoluta prioridade e respeitando a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Nessa linha, Amim (2018. p. 62.) refere-se ao tema da seguinte forma:
Pela primeira vez, foi adotada a doutrina de proteção integral fundada em três pilares: 1º) reconhecimento da peculiar condição da criança e jovem como pessoa em desenvolvimento, titular de proteção integral; 2º) crianças e jovens têm direitos à convivencia familiar; 3º) as Nações subscritoras obrigam-se a assegurar os direitos insculpidos na Convenção com absoluta prioridade.
A Constituição Federal objetiva assegurar garantias e direitos a essas crianças e adolescentes. Tendo em vista que o ECA segue o mesmo pressuposto, reconhece-os como pessoas de direito, preservando para que esses direitos não sejam violados.
3 AS TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS NOS MODELOS FAMILIARES ENTRE OS SÉCULOS XIX E XXI
A família considerada atualmente tem diferenças relevantes, quando comparada, por exemplo, com os moldes de família no século XIX. Esse fator decorre das variadas mutações que a sociedade sofre ao longo do tempo, sem contar na adequação que a mesma impõe, principalmente por nos dias atuais apresentar diferentes arranjos familiares. Esse fator decorre principalmente das mudanças nos aspectos sociais, econômicos e culturais.
Acerca das mudanças ocorridas nos moldes familiares, Rolf Madaleno (2020, p.102) se posiciona:
A família matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, biológica, institucional vista como unidade de produção e de reprodução cedeu lugar para uma família pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou socioafetiva, construída com base na afetividade e de caráter instrumental.
A ideia de família agora é pautada nos vínculos afetivos, em valores como respeito, amor, empatia, honestidade e não mais baseada na ideia inicial de casamento apenas entre homem e mulher, com finalidade sexual ou de procriação.
3.1 O PAPEL DOS INTEGRANTES NO ÂMBITO FAMILIAR E A TRANSIÇÃO DA IDADE MÉDIA PARA A MODERNA
A família datada no século XIX era mais hierarquizada, onde atrelava atribuições mais significativas do ponto de vista da época aos seus membros, o pai era a figura mais importante, “economicamente” falando, pois tinha a função de sustentar, gerir e prezar pelo nome, possuindo assim funções sociais mais prestigiadas. A mulher ou esposa, assim como era vista, tinha a responsabilidade de zelar pelo lar e cuidar dos filhos, que preferencialmente deveriam ser do sexo masculino devido ao grande papel do homem no meio social. A educação dos filhos era mais baseada no cotidiano familiar, já eram mais instruídos a suceder e a sua educação era mais voltada para assumir grandes papéis no meio social.
No século XX os papéis perdem um pouco mais a sua importância, afinal a família se torna mais egocêntrica, onde a autoridade e hierarquização perdem um pouco o seu valor devido as crescentes contribuições capitalistas. Atualmente, o homem não é mais o único provedor da família. As mulheres ingressam cada vez mais no mercado de trabalho, ainda que em condições de desigualdade salarial. Nesse sentido, além de ter sua importância reconhecida fora do lar, dentro dele, ela é capaz de decidir, inclusive, quantos filhos quer ter.
Segundo (TARTUCE, 2019, p. 1056) as alterações estruturais e funcionais no direito de família podem ser sentidas pelo estudo de seus princípios, muitos deles com previsão na Constituição de 1988. Na atualidade, a família se distingue muito daquela de meados do século XIX, não tem aquela função determinada que cada integrante possuía, hoje pode se dizer e perceber que essas funções são bem distintas ou até mesmo invertidas para cada um. Ocorreram notáveis alterações no conceito de família, esta não mais é a tradicional entendida como “Pai, Mãe e Filhos”. Hoje já temos a união de pessoas do mesmo sexo que inclusive podem adotar seus filhos.
3.2 O PAPEL DOS PAIS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
A infância e a adolescência estão totalmente interligadas, partindo do pressuposto que uma decorre da outra. A infância é a passagem para a adolescência, nesse momento ocorrem mudanças físicas e comportamentais. A figura dos pais não é mais de apenas reprodutores, mas de educadores, pois nessa transição de fase é o momento em que os filhos necessitam de maior atenção, instrução, cuidado e acolhimento.
De acordo com Maruco e Rampazzo (2020, pág 36), em seu artigo sobre “O abandono digital de incapaz e os impactos nocivos pela falta do dever de vigilância parental”:
Os pais são os principais influenciadores das ações das crianças e dos adolescentes, e a eles incumbe o dever de participar e monitorar os filhos para seu crescimento normal, hígido e digno. Isso não é exceção no meio digital, dado que esse é um reflexo do mundo real e possui os mesmos perigos. Um dos maiores desafios do Direito de Família, nos tempos da era digital é a manutenção dos vínculos de afeto e de convivência. A tecnologia que é utilizada para a interação de pessoas acaba por surtir efeito contrário no âmbito familiar.
É notório que cada vez mais os vínculos afetivos se descaracterizam, ficando desabastecidos de afeto e convivência, perdendo espaço para a individualidade de cada integrante da família que tende a pensar apenas em seus anseios e no seu próprio bem estar social.
3.3 A FAMÍLIA APÓS AVANÇOS TECNOLÓGICOS
A tecnologia e suas diversas inovações tem sido grande aliada da sociedade como um todo, facilitando o meio de comunicação de pessoas de diversos locais do mundo. Ultimamente tem sido meio para o trabalho de forma remota de milhares de brasileiros, assim como auxílio na vida de estudantes de todas as idades, que nesse momento de pandemia, decorrente do Covid-19, não querem atrasar seus cursos de formação acadêmica ou até mesmo suas séries escolares e precisam de fato assistir aulas de maneira virtual.
De acordo com todas as mutações que vem ocorrendo ao longo dos anos, no século XXI tem sido perceptível a adequação dos seres humanos aos veículos digitais, sejam eles: Computadores, Smartphones, iPads, Notebooks, Kindles, dentre outros.
Até então os pais detinham controle dessas ferramentas para com os filhos, limitando o uso, mas devido à grande aquisição desses aparelhos pela maioria dos grupos sociais de todas as idades, fica cada vez mais difícil esse controle, até mesmo porque nos dias atuais é praticamente uma necessidade ter acesso a um meio de comunicação compatível com o das outras pessoas para que assim não sejam seres retrógrados, e esse determinado meio dá acesso a várias outras abas.
É importante ressaltar que devido a essas transformações constantes nas agremiações, os pais (pai e mãe) estão cada vez mais ausentes no dia a dia de seus filhos, isso devido aos seus afazeres pra prover o sustento dos mesmos. Em muitos casos os dois integrantes precisam trabalhar, consequentemente não tem como estar policiando os filhos em determinadas ações.
Desse modo, os filhos estão cada vez mais propícios a ter acesso a diversos tipos de conteúdo, sejam eles próprios ou não. De fato, a internet é uma grande aliada, mas, se usada de forma indevida se torna bastante nociva.
Mirian Goldenberg esclareceu sobre as atuais relações familiares:
(...) o retrato familiar que se desenha hoje se baseia na qualidade das relações. Há mais investimento em afeto, tempo e atenção. A divisão doméstica de tarefas decorre de uma negociação permanente. Justamente por isso, o que manterá essa nova família unida é o empenho de todos os envolvidos. Será preciso respeitar a individualidade de cada um e estimular o diálogo e a reciprocidade. Significa aceitar que nem todos os conflitos serão resolvidos e que temos que aprender a conviver com as diferenças. (GOLDENBERG, 2016, p. 1).
É inevitável o aumento de grandes obstáculos para manter uma boa convivência entre os familiares diante de diversas variações nesse meio e diante de tantos obstáculos que a sociedade impõe, mas é preciso para que os filhos tenham uma educação digna, com princípios e valores basilares, que os pais reservem um tempo para conviver com eles. O hábito de almoçar em família, ir ao cinema, o diálogo, dentre outras tarefas realizadas na convivência do pais faz com que seja perceptível conceitos adquiridos pela criança, assim como desenvolve sua concepção de pensamento.
4 A INSERÇÃO DO ABANDONO DIGITAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO.
4.1 A APLICAÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS EM PROL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
O conceito de família mudou consideravelmente ao decorrer dos anos, e com isso também os seus direitos e deveres quanto aos filhos foram sofrendo alterações.
Conforme Gonçalves (2019, p. 315), filiação é definida através de uma relação consanguínea, ligada ou não à aquelas que a geraram ou as receberam como tal. Ainda segundo o autor, esse conceito pode ser subdividido, existindo a filiação em sentido estrito e a filiação propriamente dita, porém atualmente não leva mais em consideração se os filhos foram concebidos dentro ou fora de um casamento, representando uma importante evolução no direito das crianças e adolescentes.
Nesse mesmo sentido, Madaleno (2018, p. 633), conceitua filiação como uma relação que decorre do parentesco, com indivíduos pertencentes ao mesmo vínculo sanguíneo.
Ainda tratando sobre essas evoluções, é válido ressaltar a introdução da Doutrina de Proteção Integral no ordenamento jurídico, através do art. 227 da Constituição Federal (BRASIL 1998), que declarou alguns deveres da sociedade, do Estado, e principalmente da família em relação à criança, ao adolescente e ao jovem, dentre eles pode citar-se o dever de protegê-los de qualquer forma de negligência, exploração e violência.
Essa doutrina também foi um marco para a legislação menorista, pois passava a reconhecer a criança e o adolescente como um sujeito, que também possuem direitos e deveres que, em sua maioria, deverão ser garantidos pelos pais, e não como objetos sujeitos a qualquer tipo de abuso.
Essa obrigação dos pais em relação aos filhos é abordada novamente no artigo 1634 do Código Civil (BRASIL, 2002), sendo mencionada no inciso I a competência de dirigir-lhes à criação:
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Além dos artigos já mencionados, a legislação brasileira possui outros dispositivos que abordam o tema e tratam sobre as obrigações dos pais quanto aos filhos, e ainda, o dever de reparação civil caso não haja o cumprimento dos citados deveres.
Nesse sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 57), abordam que a responsabilidade civil pode ser dividida entre subjetiva e objetiva. A responsabilidade subjetiva decorre quando o agente atua com negligência ou imprudência, e, no caso em que não é necessária a caracterização de culpa, pode-se evidenciar a responsabilidade civil objetiva.
Quando os pais se tornam negligentes quanto ao dever de vigilância em relação os menores, que estão sob sua responsabilidade, no ambiente virtual, podem ser enquadrados em uma situação de omissão, e, dessa forma, podem ainda sofrer punições, em razão das medidas protetivas presentes no ordenamento jurídico.
Como exemplo dessas medidas protetivas, o artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), aborda em seus incisos os casos em que elas são aplicáveis, e no inciso II a omissão dos pais ou responsáveis:
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta.
O citado dispositivo legal, em seu artigo 129, enumera inclusive algumas medidas protetivas que poderão ser aplicadas, também no caso de abandono digital, devendo ser observado o caso concreto para que haja proporcionalidade com a sanção determinada:
Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
I - encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família;
II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar;
VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;
VII - advertência;
VIII - perda da guarda;
IX - destituição da tutela;
X - suspensão ou destituição do pátrio poder familiar.
É válido destacar que ainda é cabível a intervenção estatal, à depender da situação em que a criança ou adolescente se encontre.
4.2 A OMISSÃO DOS PAIS NO DEVER DE CUIDADO DOS FILHOS E A RESPONSABILIZAÇÃO ATRAVÉS DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
Quanto à responsabilização criminal, o artigo 244 do Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940) menciona o crime de abandono material, onde os pais poderão responder penalmente quando se trata de omissão no dever de cuidado
O abandono material é um crime que consiste na recusa, sem justa causa, no provimento necessário para a subsistência da vítima, que poderá ser o cônjuge, o filho, o ascendente, seja ele inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, o credor da pensão alimentícia e o descendente ou ascendente gravemente enfermo.
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.
André Estefam (2020, p. 178) argumenta que esta norma compreende o dever de assistência intergeracional ou entre cônjuges, ou seja, a prestação de auxílio material voltado à subsistência do ente incapaz de sustentar-se, onde poderá ser enquadrado o deve de cuidado.
No mesmo sentido, o art. 246 também do Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940) define o crime de abandono intelectual, sendo mais uma forma de responsabilização criminal dos pais quanto aos filhos, vejamos:
Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Diante disso, a tipificação do crime ocorre quando os pais deixam de tomar as medidas necessárias para a instrução primária dos filhos. Observa-se que, cada vez de forma mais recorrente, que as crianças não possuem acompanhamento escolar, pois estão presas ao uso da tecnologia sem os limites necessários, sendo caracterizada novamente a omissão.
5 CONSEQUÊNCIAS DO ABANDONO DIGITAL
5.1 CYBERBULLYNG: RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA DOS PAIS
O cyberbullying é conhecido como um tipo de violência praticada no âmbito virtual, podendo ser ela com o objetivo de agredir, perseguir, ridicularizar ou assediar alguém, podendo ser considerada também um tipo de violência psicológica. (SILVA. 2018)
Este tipo de bullying já foi compreendido como apenas uma brincadeira entre crianças, distante de se tornar um problema, era aceito como componente da fase escolar. O cyberbullying passou a ser objeto de estudo somente no final da década de 1970, quando o pesquisador Dan Olweus, da Universidade de Bergen, na Noruega, publicou um livro sobre o assunto, sendo considerado o precursor nos estudos deste fenômeno e criou elementos de identificação (LACERDA, 2018, p. 5).
Calhau (2019, p. 120-121) também menciona o período de evolução do conceito de cyberbullying:
A internet é um instrumento muito importante para o desenvolvimento da humanidade e, tal qual o avião, pode ser utilizada tanto para o bem como para o mal. As agressões por meio eletrônico (internet, mensagens via celular ou outros dispositivos eletrônicos) são uma evolução das antigas pichações em muros de colégios, casas ou até nos banheiros das escolas. Eram feitas na calada da noite e causavam grande dor às vítimas, além da impunidade para os seus praticantes. Hoje, os “lobos” mudaram os instrumentos, mas não as práticas. Abrem dolosamente, por exemplo, contas falsas em redes sociais e passam a espalhar mensagens difamatórias ou ameaças contra as vítimas com grande prejuízo para sua honra, saúde emocional e integridade moral.
No Brasil, segundo Lacerda (2018, p. 6), o tema ainda é pouco estudado, o que dificulta a comparação com outros países.
Apesar do número reduzido de discussões, a falta de vigilância e controle dos pais, perante a utilização da internet dos menores pode gerar a responsabilização objetiva dos mesmos.
A responsabilização civil dos pais está disposta no art. 932, inciso I do Código Civil (BRASIL, 2002), e aborda que os pais responderão civilmente pelos danos causados pelos filhos menores, não sendo necessário que haja culpa da sua parte, pois pertence a eles o dever de supervisão e orientação dos filhos:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
Conforme esclarece Domingos e Junior (2019), é plenamente possível a aplicação da analogia a esse e outros dispositivos pátrios em matéria civil, responsabilizando os agressores e os seus responsáveis pela prática de cyberbullying. Os pais não podem alegar que não sabiam que os filhos praticavam atos de cyberbullying gerando danos a terceiros, pois têm o dever de supervisionar os filhos.
Na seara penal, Machado (2021) defende que o cyberbullying nada mais é do que um crime contra a honra praticado em meio virtual, e o Código Penal traz três tipos: calúnia, injúria ou difamação.
Este código já define também o aumento de pena para quando o crime for praticado na presença de várias pessoas, por meio que facilite a divulgação, como ocorre perante as redes sociais.
A lei nº 13.431/2017 (BRASIL, 2017), em seu art. 4º, inciso II, especifica ainda quais os tipos de violência psicológica praticada contra criança e adolescente:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas criminosas, são formas de violência:
I - violência física, entendida como a ação infligida à criança ou ao adolescente que ofenda sua integridade ou saúde corporal ou que lhe cause sofrimento físico;
II - violência psicológica:
a) qualquer conduta de discriminação, depreciação ou desrespeito em relação à criança ou ao adolescente mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal e xingamento, ridicularização, indiferença, exploração ou intimidação sistemática ( bullying ) que possa comprometer seu desenvolvimento psíquico ou emocional;
b) o ato de alienação parental, assim entendido como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este;
c) qualquer conduta que exponha a criança ou o adolescente, direta ou indiretamente, a crime violento contra membro de sua família ou de sua rede de apoio, independentemente do ambiente em que cometido, particularmente quando isto a torna testemunha;
Com o aumento do uso da internet e de aparelhos eletrônicos por crianças e adolescentes, de forma não supervisionada pelos pais, esses menores tem sido expostos aos mais variados tipos de conteúdos, e ainda, a incentivos para a ocorrência desses tipos de violências.
5.2 QUANTO À PRÁTICA DE SEXTING
O sexting ainda é um termo não citado com tanta frequência, porém a sua prática entre crianças e adolescentes tem sido reiterada. Esse termo é utilizado para denominar a exibição de imagens de cunho sexual e seu compartilhamento, através do uso de aplicativos ou qualquer outro meio virtual. (SILVEIRA, 2019)
A prática do sexting se torna preocupante, inclusive para os adultos. Porém, em relação as crianças e adolescentes, que na maioria das vezes não possuem total capacidade de discernimento e, acreditam que nada de ruim pode vir a acontecer, ou acreditando que o pacto será cumprido e nenhuma foto será repassada, entram em um ciclo vicioso. (STASKO, 2017)
É válido ressaltar que essa prática pelos menores, e, por consequência, a falta de vigilância dos pais, fere alguns dispositivos legais, como, por exemplo, o art. 1634, incisos I a V do Código Civil (BRASIL, 2002):
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município.
Knibbs (2020) aborda que o sexting leva a um comportamento autodestrutivo e de alto risco em adolescentes que estão passando por este tipo de experiência, o que os leva a uma situação ainda mais delicada, pois há um considerável risco de compartilhamento das imagens encaminhadas.
Dessa forma, é necessário que os pais supervisionem o uso dessa tecnologia, com o objetivo de evitar as consequências, muitas vezes irreversíveis, que esse excesso poderá trazer.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O abandono digital pode ser considerado como a origem de diversos problemas enfrentados pela população, a depender do caso concreto, pois interfere na formação humana, agregando traumas para os menores que ainda se encontram em desenvolvimento.
Dando prosseguimento, após a parte introdutória, foram expostos os impactos e reflexos do abandono digital na vida das crianças e adolescentes, assim como a responsabilização dos pais frente a tal situação. Depreende-se ainda que há carência de amparar esse público alvo afetado pelo tipo de abandono exposto no presente artigo.
Assim, diante dos pontos explanados, conclui-se que, apesar de o abandono digital se tratar de um instituto recentemente debatido, a sua ocorrência se dá com cada vez mais frequência, o que poderá levar a consequências irreversíveis para a sociedade como todo, principalmente em termos psicológicos.
Além disso, há a possibilidade de sanção para os pais ou responsáveis, funcionando como forma de punição em razão do cometimento deste tipo de abandono, dessa falta de cuidado e omissão, podendo ser no âmbito civil ou penal.
Resta claro que o artigo apresentado não tem como objetivo findar o assunto questionado, mas sim despertar o interesse pelo debate no âmbito acadêmico, social e cientifico como forma de prevenir o aumento de novos casos de abandono digital, apontando assim as principais consequências geradas por ele, tendo em vista buscar formas para solucioná-lo.
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Graduanda em Direito no Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. Atualmente é estagiária no Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, lotada no Juizado Especial da Fazenda Pública em Teresina-PI. Possui grau técnico em Administração pelo Instituto Federal do Piauí- IFPI.
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