RESUMO: O presente artigo, a partir de análise bibliográfica e legislativa, objetivou analisar o contexto atual do Poder Judiciário no que tange à análise de casos criminais e o consequente impacto na liberdade de indivíduos que se encontram privados de sua liberdade. Apresentou-se, inicialmente, um breve contexto constitucional a respeito do devido processo legal e seus respectivos desdobramentos, sendo pontuada a previsão constitucional de fundamentação das decisões judiciais e o problema do constante agravamento da sobrecarga dos tribunais, a partir da análise de estatísticas constantes do relatório Justiça em Números, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça. O tema foi analisado em cotejo com o direito ao acesso à justiça e à liberdade individual, em observância, outrossim, à problemática decorrente da morosidade da Justiça. Concluiu-se, por fim, que o problema da morosidade gera impactos extremamente relevantes sobre a vida dos acusados, eis que afeta, diretamente, o direito fundamental à liberdade.
Palavras-chave: Fundamentação das decisões judiciais. Acesso à justiça. Sobrecarga do Poder Judiciário. Morosidade da justiça. Direito à liberdade individual.
ABSTRACT: The article presents a brief constitutional context about the principal of the due process of law and its developments. Then, expatiate about the justification of court decisions in the face of constitutional command imposed to the judges, as well as the problem of the constant escalation of the judicial system’s overload, from the analysis of statistics presented in the report “Justiça em Números”, made by the National Council of Justice. It was also analyzed the theme in the scope of the access to justice and the individual liberty related to the problem of the slowness of justice. It was concluded that the matter has an extremely relevant impact in the lives of people under accusation as it affects, directly, the fundamental right of liberty.
Key-words: Justification of court decisions. Access to justice. Overload of the justice system. Slowness of justice. Individual right of freedom.
Sumário: 1. Introdução 2. Da necessidade de fundamentação das decisões judiciais. 3. O acesso à justiça, a sobrecarga do sistema judiciário e os processos criminais. 4. Do impacto à liberdade individual. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográficas.
1.INTRODUÇÃO
O tema abordado é de grande relevância no âmbito do sistema jurídico e da efetivação de direitos fundamentais, principalmente o da liberdade individual. Sabe-se que o Poder Judiciário brasileiro se encontra extremamente sobrecarregado, embora o acesso à justiça não seja, ainda, garantido ampla e igualmente a todos os cidadãos brasileiros. Os dados constantes do relatório da Justiça em Números, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, refletem muito bem esta realidade.
Assim, sem a pretensão de exaurir o tema, buscou-se, observando-se princípios constitucionais, analisar o problema da morosidade estrutural do sistema judiciário e questionar o impacto da demora na prestação jurisdicional no cerceamento da liberdade de indivíduos acusados da prática de crimes.
No primeiro capítulo do presente trabalho, foi introduzido o conceito do devido processo legal como o princípio que norteia a relação jurídico-processual como um todo. Em seguida, abordou-se a necessidade de fundamentação das decisões judiciais como imperativo que decorre, justamente, de referido princípio constitucional. Foi estabelecida a necessidade de que cada caso concreto seja analisado isoladamente, a fim de que se efetive referido comando previsto na Constituição Federal. Assim, de modo que não se pode admitir que os casos sejam decididos “em bloco”, mediante “decisões padrão”, deixando de se avaliar, de fato, as circunstâncias concretas submetidas ao julgador.
No segundo capítulo, foi introduzido o conceito de acesso à justiça, relacionando-o com o problema da sobrecarga dos Tribunais a partir da apresentação de algumas estatísticas constantes do relatório da Justiça em Números, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça. Observou-se como a morosidade do sistema prejudica este acesso, bem como a efetivação dos direitos dos indivíduos que recorrem aos tribunais.
No terceiro capítulo, com enfoque na justiça criminal, analisou-se o impacto da morosidade estrutural na tramitação dos processos e na prestação jurisdicional satisfatória, sendo ressaltado, no último capítulo, como esta questão afeta o direito à liberdade individual.
Por fim, concluiu-se que a precariedade na prestação jurisdicional decorrente da sobrecarga acaba por impactar diretamente na qualidade das decisões judiciais e, assim, na liberdade do indivíduo acusado da prática de determinado crime, tendo em vista que o problema não é devidamente enfrentado pelo poder estatal. Nesse sentido, pontuou-se que o Estado, a partir da prévia elaboração de estudos que busquem meios efetivos de erradicar o problema, e não apenas remediá-lo, precisa adotar medidas que, de fato, impactam na redução da morosidade, com vistas à plena garantia da liberdade individual.
2.DA NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
No Brasil, embora constituições anteriores tenham positivado garantias relativas ao devido processo legal, apenas a partir da Constituição de 1988 este princípio passou a ser expressamente previsto no ordenamento jurídico pátrio, no art. 5º, LIV, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Para Nelson Nery Júnior, citado por Araújo e Serrano Júnior (2015, p. 238), o devido processo legal é um “princípio-mãe”, que determina a observância de outros direitos, tais como o direito à um juiz imparcial, ao arrolamento de testemunhas, ao contraditório, à defesa técnica e à igualdade entre acusação e defesa. Sobre o tema, os autores ainda apontam a existência de duas feições distintas. A primeira feição do princípio do devido processo legal é chamada “processual” e, a segunda, “substantiva”.
A feição processual diz respeito justamente aos desdobramentos relativos ao procedimento propriamente dito, os quais decorrem do devido processo legal. A feição substantiva, por sua vez, relaciona-se com o princípio da razoabilidade, que deve nortear a relação entre o Estado e o indivíduo (ARAÚJO; JÚNIOR, 2015, p. 238). Observa-se, pois, que o devido processo legal é o princípio que fundamenta o sistema jurídico como um todo e, inclusive, os demais princípios que norteiam a persecução penal, juntamente com o princípio da legalidade.
A atividade jurisdicional, portanto, deve estar calçada na observância do devido processo legal que “não só estabelece uma metodologia ao exercício do poder, dando ordem e previsibilidade à atividade do Estado, como protege garantias e faculdades reputadas essenciais aos sujeitos processuais” (LUCCA, 2019), bem como dos demais princípios relacionados.
A necessidade de motivação das decisões judiciais, outrossim, pode ser entendida como um dos mandamentos constitucionais que decore do devido processo legal e busca efetivá-lo. Souza (2006, p. 357) nos explica que, antes do texto constitucional de 1988, “a motivação [das decisões] se apresentava como garantia das partes e do processo, através de linguagem técnica, com ênfase nas formalidades processuais”. E, com a promulgação de referido texto, o preceito da fundamentação das decisões passou a ser expressa e processualmente assegurada, de modo a possibilitar,
além da satisfação de interesses privados, também uma ampla garantia dos direitos fundamentais, especificamente os princípios de acesso à justiça, ao devido processo legal e à irretroatividade da coisa julgada, implícita à segurança jurídica. (SOUZA, 2006, p. 370)
Assim, o ordenamento jurídico brasileiro determina, como deve ser em um Estado Democrático de Direito[1], que as decisões judiciais devem ser suficiente e devidamente fundamentadas. Nesse sentido é a previsão constitucional contida no inciso IX, do art. 93 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Este comando constitucional, segundo Souza (2006, p. 358), “veio adotar a fundamentação como um princípio, no plano das garantias fundamentais, para a segurança jurídica do indivíduo em relação ao Estado, de um lado, e a sociedade, as jurisdições, a comunidade jurídica e o próprio ordenamento, de outro”.
Deve-se destacar que a mera previsão de comandos constitucionais ou legais, porém, não é suficiente à garantia dos direitos e garantias positivados, os quais devem estar acompanhados de mecanismos que os ternem praticáveis e de instrumentos processuais que efetivamente os protejam (LUCCA, 2019).
Especificamente no âmbito do processo penal, diversas são as referências à necessidade de fundamentação das decisões judiciais. Por exemplo, em relação à prisão preventiva, temos que a medida cautelar de restrição da liberdade do indivíduo apenas é cabível quando, presentes os requisitos previstos no Código de Processo Penal[2], a medida é decretada mediante decisão devidamente fundamentada[3], nos termos em que dispõe o §6º, do artigo 282.
O artigo seguinte do Código (BRASIL, 1941) reforça essa necessidade ao estabelecer as hipóteses em que se pode manter um indivíduo preso: “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado”[4].
A necessidade de fundamentação das decisões judiciais, ademais, é constantemente reafirmada no ordenamento jurídico brasileiro. A recente Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, conferiu a seguinte redação ao artigo 315 do Código de Processo Penal: “A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada”. E, ainda, incluiu os incisos I a VI ao §2º a este artigo, para elencar uma série de hipóteses em que não se considera fundamentada a decisão, a sentença ou o acórdão[5].
Diversas, pois, são as menções à necessidade de que as decisões proferidas pelos magistrados sejam devidamente fundamentadas, o que se observa em toda a extensão do ordenamento jurídico pátrio, e não apenas no processo penal, com vistas à aplicação do comando constitucional.
Embora o conceito de “devida fundamentação” não tenha sido expressamente previsto pelo legislador, o imperativo imposto aos aplicadores da lei deve sempre ser observado. Sobre essa questão, Nelson Nery Júnior (2004) nos ensina que:
fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão.
E, em todo esse contexto, para que se atenda às previsões legais nesse sentido, é fundamental que se proceda à uma análise das circunstâncias de cada caso concreto, de modo a possibilitar a formação do convencimento do Juízo e a posterior explanação da conclusão adotada, de acordo com determinado posicionamento e de maneira devidamente justificada.
Em resumo, a fundamentação das decisões impõe um dever aos magistrados, sob pena de se tornar nula a decisão proferida quando não observado este comando (SOUZA, 2006, p. 359).
Importante ressaltar, entretanto, o risco de se adotar fundamentações genéricas ou padronizadas nas decisões judiciais na busca por resultados positivos em relação à produtividade do Judiciário e diante da alta demanda de feitos em tramitação, principalmente naqueles que impactam diretamente na liberdade individual[6]. Neste aspecto, temos, ainda, a “chancela” da jurisprudência no sentido de que o magistrado não está obrigado a se manifestar a respeito de todas as alegações das partes[7].
É certo, porém, que não se pode, sob o pretexto da razoabilidade e da celeridade processual, ignorar a existência dos princípios, garantias e normas que devem nortear os processos criminais e a Justiça como um todo, dentre elas, o dever de fundamentação das decisões.
3.O ACESSO À JUSTIÇA, A SOBRECARGA DO SISTEMA JUDICIÁRIO E OS PROCESSOS CRIMINAIS
A proteção jurídica fornecida através dos Tribunais se encontra positivada no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Como dito, a simples previsão constitucional, porém, não se mostra suficiente à garantia, na prática, da Justiça a partir de um processo que deve ser célere e eficiente. Não basta, pois, que o acesso à justiça seja garantido legalmente, eis que possibilitar que determinada questão seja submetida ao crivo do julgador não garante que o será com a devida observância dos direitos fundamentais e culminará em uma solução justa.
Não obstante, garantir-se o acesso à justiça é o primeiro passo. A partir dele, repisa-se, é importante que se observe o direito à razoável duração do processo e à celeridade processual[8]. Assim, cumpre ao Estado efetivar o direito ao julgamento do processo em prazo razoável, em cotejo com o direito ao acesso à justiça, que está inserido na gama de direitos inerentes à dignidade da pessoa humana – sendo que esta constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, Constituição Federal de 1988) – e relaciona-se tanto com o direito à prestação jurisdicional à efetividade desta prestação, como com o direito de recurso.
Não é suficiente, porém, que se possibilite aos indivíduos que apresentem seus conflitos ao Poder Judiciário. É preciso que a solução apresentada pelo Estado se revele efetiva, concretize os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana e represente uma verdadeira forma de justiça.
Para Eduardo Vera-Cruz Pinto (2015), não há justiça sem direito. E o direito deve procurar sempre ser equitativo, pois, caso contrário, não seria direito. Desse modo, não há como se falar direito justo diante do abuso de direitos subjetivos e sem a observância do equilíbrio entre direitos e deveres.
Na contramão deste pensamento, a Justiça brasileira parece estar sobrecarregada em razão de indivíduos que, possuindo acesso à prestação jurisdicional, abusam dos meios disponíveis para buscar – ou criar – direitos (PINTO, 2015). Mas não é só: a má-gestão dos recursos, por parte do Estado, nos parece ser a principal causa do problema.
E esta sobrecarga dos Tribunais Estaduais acaba por prejudicar, justamente, a fundamentação das decisões judiciais, ao passo que pode ensejar a rápida tomada de decisões em nome da produtividade e da celeridade processual.
Porém, o atraso – assim como, por outro lado, a rapidez demasiada -, resulta em injustiça e desrespeito aos direitos dos indivíduos, principalmente, ao da liberdade individual. Além disso, descredibiliza não apenas os tribunais, mas também o Estado, como agente da justiça, além de estimular a vingança privada e beneficiar aqueles que detém algum tipo de poder.
O tempo de tramitação do processo, portanto, guarda relação direta com essa efetividade que deve se buscar. Embora a “razoável duração do processo” seja um conceito jurídico indeterminado, na medida em que o legislador constitucional não se preocupou em defini-lo e limitá-lo, cabe ao julgador interpretá-lo, devendo fazê-lo em cotejo com as circunstâncias de cada caso em análise, em face das variações e condições específicas que podem surgir de cada processo.
Nesse contexto, deve-se atentar para as delongas injustificadas e dilações de prazos indevidas – o que viola, com efeito, a razoabilidade e o direito à celeridade processual. A demora pode relacionar-se com a inércia do Poder Judiciário, com a desídia do julgador, com a deficiência estrutural do sistema, com a organização inadequada dos tribunais e, conforme explanado, com a constante sobrecarga dos órgãos jurisdicionais, sendo que esta última, justamente, decore das anteriores.
O relatório da Justiça em Números (BRASIL, 2019, p. 84) aponta que, em 2018, a cada grupo de 100.000 habitantes, 11.796 ingressaram com uma ação judicial no país. Em 2019, este número chegou a 12.211 (BRASIL, 2020, p. 99). Nesta estatística, porém, não há como se aferir a ocorrência de um fato corriqueiro nos tribunais: a apresentação de demandas reiteradas pelos mesmos litigantes. De toda a população brasileira, poder-se-ia dizer que apenas parte se vale do Poder Judiciário para a resolução de seus conflitos ou ajuizamento de pedidos?
O relatório destaca, ademais, o número de recursos apresentados à segunda instância e aos Tribunais Superiores – agravos, embargos de declaração, embargos infringentes, arguições de inconstitucionalidade e incidentes de uniformização de jurisprudência (BRASIL, 2019, p. 122). Em geral, 9% das decisões proferidas em primeira instância chegam ao segundo grau de jurisdição. E, aos Tribunais Superiores, 28% das decisões em segundo grau são remetidas à revisão (BRASIL, 2019, p. 100). Em 2019, estes valores tiveram pequena redução: resultaram em 9,7% e 25,3%, respectivamente (BRASIL, 2020, p. 146).
Essa constante sobrecarga dos tribunais, agravada pela inexistência de medidas eficazes que buscam reduzi-la, resulta no acúmulo de demandas e, assim, no atraso da prestação jurisdicional e da solução dos feitos, conforme se observa da “taxa de congestionamento” aferida pelo Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2019). Outrossim, como pontuado, podem culminar na tomada de decisões genéricas, com vistas à redução do congestionamento e ao aumento da produtividade.
E este fato não só representa um atraso no julgamento dos processos, mas prejudica a efetividade da justiça, na medida em que aqueles que realmente possuem o direito pleiteado não obterão uma solução justa em tempo razoável.
Observa-se, através das estatísticas (BRASIL, 2019; BRASIL, 2020) – embora ligeiramente reduzidas em 2019 em relação a 2018 - que a morosidade da justiça acaba não sendo devidamente questionada, analisada e entendida. Se o fosse, possibilitaria a busca e a aplicação de uma solução eficaz, a partir da adoção de medidas adequadas, o que não deve ser imediato, eis que, por certo, demanda muito estudo, análise de estatísticas, exame da viabilidade das opções disponíveis, pesquisa empírica. Exige, pois, um trabalho minucioso, a ser feito a longo prazo.
Assim, como resultado, principalmente, da inércia do poder estatal e acentuada pelo abuso perpetrado por alguns litigantes, que extrapolam os limites do razoável e, por vezes, do direito (PINTO, 2015), a morosidade acaba por se tornar uma característica “normal” e “esperada” do sistema jurídico brasileiro.
Há que se ressaltar, ainda, o fato de que, em razão do congestionamento do consequente excesso de prazo para processamento e julgamento das demandas, muitas vidas ficam “suspensas”, à espera de uma decisão judicial, decisão esta que pode levar anos para ser proferida.
Estima-se que o tempo médio do processo na fase de conhecimento, em primeiro grau, é de um ano e um mês; de execução judicial, de cinco anos e oito meses e, no segundo grau, de dez meses (BRASIL, 2019, p. 34). Em relação aos processos criminais baixados em 2019, verificou-se que estes tiveram uma duração, em média, de quatro anos na fase de conhecimento; de quatro anos e sete meses na fase de execução de penas alternativas e de quatro anos e oito meses na fase de execução das penas privativas de liberdade (BRASIL, 2020). Aliás, o número de casos pendentes em 2018, no âmbito apenas da Justiça Estadual, era de quase 63 milhões (BRASIL, 2019, p. 36). Em 2019, o número baixou para 62,9 milhões de casos pendentes de análise (BRASIL, 2020, p. 93).
Por um lado, sabe-se que o excesso de prazo para a conclusão de um processo é questão complexa, que envolve diversos fatores e não se soluciona com a adoção de medidas isoladas ou pela simples fixação de prazos legais. Tratando-se principalmente de um problema estrutural, seria necessária uma reforma em todo o sistema atual, precedida de estudos específicos e abrangentes, calçados na observância dos direitos fundamentais e dos princípios do Estado Democrático de Direito.
O conceito de morosidade para fins de aferição da ocorrência de excesso de prazo, do mesmo modo, se mostra de difícil definição. Seria possível estabelecer um parâmetro aplicável a todos os processos? Nos parece que não.
Isso porque cada demanda possui suas peculiaridades, circunstâncias e complexidade. Não há como se prever, por meio da legislação, determinado prazo específico para o término do processo, que, de acordo com cada caso concreto, pode ter diversos e inúmeros desdobramentos. Se assim o fosse, dificilmente o prazo seria observado, principalmente se a questão da morosidade estrutural não fosse previamente enfrentada. Como exemplo, podemos citar a necessidade de instauração de incidentes, tal como o de insanidade mental; a necessidade de oitiva de testemunhas por carta precatória; a pluralidade de réus e de crimes a serem apurados; os diversos tipos de recursos possíveis contra decisões proferidas ao longo do processo; a necessidade de confecção de laudos periciais e, a questão mais atual, que afetou não só os processos em andamento, mas a sociedade como um todo: a pandemia do COVID-19.
Cabe ao julgador, portanto, sopesar as circunstâncias de cada caso concreto, os direitos e garantias fundamentais, para então se determinar se, naquele caso específico, o “tempo razoável” de duração para a tramitação e conclusão do processo foi extrapolado, o que impacta, por exemplo, na manutenção da prisão do acusado ou no relaxamento da custódia quando constatado o excesso. Vale ressaltar que duração razoável do processo, inclusive, constitui garantia constitucional, incluída a partir da Emenda Constitucional 45 de 2004[9].
Por outro lado, não se pode admitir, com fundamento na razoável duração do processo e na celeridade processual, que seja impossibilitado ao juiz examinar o caso, refletir e amadurecer a decisão judicial, ou mesmo dispensar-se a realização de provas necessárias à formação de seu convencimento, violando, do mesmo modo, garantias processuais.
Destarte, verifica-se a existência de dois extremos: de um lado, o direito à uma justiça célere e efetiva, através de uma duração razoável do processo e, de outro, a impossibilidade de se “atropelar” etapas processuais e relativizar direitos, formas e normas procedimentais. Assim, como equilibrar estes dois lados? Como garantir, de fato, que o direito à liberdade individual não seja violado? Como observar a duração razoável de cada processo? Como garantir decisões judiciais justas e que efetivem determinado direito?
Talvez o papel da Justiça e de todos os seus integrantes seja constantemente buscar estas respostas, em cada caso que lhes é apresentado. Principalmente no âmbito do Direito Processual Penal, não há como se permitir a mitigação dos direitos fundamentais do acusado ou que se acelere a formação do conjunto probatório, deixando de produzir provas necessárias à busca da verdade real – as quais servirão de substrato à conclusão do julgador e, eventualmente, resultarão na formação da culpa do réu e pena privativa de liberdade.
Parece-nos que todo o sistema judiciário brasileiro, nos termos em que hoje é engendrado, cria uma cadeia de problemas estruturais que prejudicam a efetividade da prestação jurisdicional. Não se busca erradicar os problemas em sua causa, mas apenas remedia-los com soluções e reformas legislativas que, a princípio, “resolvem” a questão. Estas soluções, que geralmente produzem efeitos imediatos, porém, não eliminam a morosidade estrutural, mas apenas mascaram o que deveria ser corrigido.
No ano de 2018, os processos criminais que foram baixados perduraram, em média, por três anos e nove meses apenas na fase de conhecimento, mais três anos e quatro meses na fase de execução das penas alternativas e quatro anos e dois meses na execução das penas restritivas de liberdade (BRASIL, 2019, p. 220). Em 2019, verificou-se que os processos criminais duraram, em média, um ano e três meses a mais do que os não criminais, sendo essa realidade verificada em todos os segmentos de justiça (BRASIL, 2020, p. 194).
Nesse panorama, não se pode olvidar a preocupante possibilidade de que o réu responda ao processo preso preventivamente, cumprindo parte da pena que eventualmente será imposta ou que já foi fixada, hipótese em que o processo se encontra em grau de recurso, com sentença condenatória proferida.
Parece-nos que, de todas as áreas do Direito, aquela que impacta diretamente na liberdade do indivíduo, como é o processo criminal, é onde se observa o maior prejuízo em decorrência da sobrecarga dos tribunais e da morosidade do sistema judiciário. Isso porque, como ressaltado, aquele que figura como réu em uma ação penal poderá, quando presentes os requisitos exigidos para a decretação da prisão preventiva, ser mantido preso ao longo de toda a instrução processual, nos termos dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. Ao final, declarada sua culpa, será iniciada a execução penal, abatendo-se da pena total o período em que permaneceu preso preventivamente. Maiores ainda serão as consequências, tanto físicas quanto psicológicas, se constatada, ao final da instrução processual ou em grau de recurso, a inocência do acusado.
Diante deste cenário, o Supremo Tribunal Federal, inclusive, passou a admitir a concessão da liberdade em casos em que se apura a prática de crimes hediondos, quando verificado o excesso de prazo para formação da culpa[10].
O entendimento, porém, revela-se defasado, visto que, atualmente, admite-se a concessão da liberdade em todos os tipos de delito, ponderadas as circunstâncias do caso concreto. Não obstante, à época, o entendimento mostrou-se um remédio à morosidade da tramitação processual - com a qual, por certo, não pode arcar o acusado.
O Superior Tribunal de Justiça por sua vez, reconheceu a existência de excesso de prazo mesmo quando encerrada a instrução criminal[11], afastando, assim, a aplicabilidade da Súmula 52[12].
Como vimos, não há, na legislação brasileira, prazos pré-fixados para a conclusão da instrução processual. A doutrina e a jurisprudência, buscando suprir esta lacuna, estabeleceram o prazo de 81 dias, o qual, no entanto, conforme jurisprudência majoritária, “não é de peremptória observação, erigindo-se apenas como parâmetro, utilizado pelos Tribunais, para aferir a duração do processo”[13]. Assim, admite-se a flexibilização deste prazo, que, de qualquer modo, dificilmente seria respeitado em todos os processos, diante das circunstâncias específicas de cada um deles e de todo o problema da morosidade estrutural aqui pontuado.
Quando verificada a demora injustificada, deve-se buscar dirimi-la – seja pela soltura do réu, se preso, seja pela adoção de outras medidas visando remediar o prejuízo -, em observâncias aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana. Nesse ponto, ressalta-se que o acusado não pode arcar com a ineficiência do sistema judiciário, com a morosidade excessiva e injustificada, com a existência de problemas estruturais e com a desídia do julgador ou do Parquet, por exemplo.
Entretanto, o ideal é que se busque a implementação de medidas com vistas à eliminação do problema, e não apenas à sua remediação quando verificado em determinado caso concreto.
4.DO IMPACTO À LIBERDADE INDIVIDUAL
A liberdade, segundo o conceito elaborado por Carnelutti (2015), não constitui a abstrata possibilidade de escolher entre o bem e o mal, mas o potencial de se escolher o bem. Sendo assim, para o autor, uma ação considerada boa é exercício da liberdade, enquanto uma ação má, por outro lado, é não exercício de liberdade”.
Como se sabe, toda pessoa humana, em princípio, possui o direito fundamental à liberdade de ir e vir. Referido direito limita o poder estatal e se encontra positivado no inciso XV, do artigo 5º, da Constituição Federal Brasileira, segundo o qual “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.
E, sobre os direitos fundamentais, pode-se dizer que:
são normas jurídicas, intimamente ligadas à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivadas no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico. (MARMELSTEIN, 2019, p. 18)
Sob o enfoque jurídico positivo, Araújo e Serrano Júnior (2015, p. 155) classificam os direitos fundamentais individuais como sendo as cláusulas constitucionais destinadas à limitação do poder estatal. Assim, são destinados a garantir ao indivíduo os direitos de liberdade, fruíveis e reivindicáveis individualmente (2015, p. 155).
Importante ressaltar que uma das características destes direitos é a limitabilidade – ou seja, embora fundamentais, não são direitos absolutos, mas, sim, limitáveis. Desse modo, por vezes, a aplicação do direito de liberdade pode ser limitada, restringida, não sendo ele aplicado em toda sua extensão e alcance. Essa limitação, porém, não deve se dar no plano da norma jurídica, mas apenas no âmbito fenomênico, observadas as circunstâncias de cada caso concreto (ARAÚJO; JÚNIOR, 2015, p. 163, 166).
Nesse âmbito, o direito de locomoção é o direito que cada indivíduo tem de ir e vir sem que seja impedido pelo Estado ou por qualquer outra pessoa, tutelando a liberdade em sentido estrito, vale dizer, a prerrogativa de não ser preso ou detido arbitrariamente. O inciso LXI, do mencionado artigo 5º da Constituição Federal, excepciona esta regra: nos casos de prisão em flagrante e de prisão determinada por ordem judicial.
Diante da prática de infrações penais previamente estabelecidas legalmente (princípios da legalidade e da anterioridade da lei), portanto, a liberdade pode ser retirada da esfera de direitos do indivíduo infrator, nos termos das leis aplicáveis, podendo esta mitigação ter caráter definitivo – quando existir trânsito em julgado de sentença condenatória, sendo a execução da pena o principal efeito decorrente da condenação à sanção imposta - ou provisório, a partir da decretação, devidamente fundamentada, das prisões temporária ou preventiva.
A sobrecarga do Judiciário e a morosidade engendrada no sistema judiciário em muito contribui para a mácula a este direito fundamental. Conforme se extrai das estatísticas apresentadas, processos criminais se alongam por anos antes que se chegue a um veredito de culpabilidade – ou, pior, à uma absolvição. Nesse período, liberdades individuais são tolhidas e indivíduos no cárcere em condições extremamente precárias até que o Estado tenha condições de analisar o caso e formar sua convicção. Quanto tempo é “razoável” para que um indivíduo seja privado de sua liberdade até que seja, juridicamente, declarado culpado?
Como já dito, o conceito de “razoável” não foi previsto pelo legislador, sendo certo, porém, que deverá ser aferido em cada caso específico, pois não se observa, no curso dos processos, parâmetros totalmente regulares que permitam a criação de um tipo de conceito pré-determinado. Também é certo, por outro lado, que o indivíduo que se vê privado de sua liberdade não poderá arcar com os problemas que decorrem da inércia e da desorganização estatal.
Nos parece pertinente reproduzir uma frase escrita por Voltaire (2016, p. 08), que bem retrata uma das consequências do cenário aqui exposto: “A lei transformou-se numa faca de dois gumes que degola tanto o inocente quanto o culpado”.
O sistema jurídico brasileiro, como o conhecemos hoje, possui falhas que permitem que determinado processo se alongue por anos. O que mais preocupa, deveras, são aqueles em que indivíduos se veem privados de sua liberdade no decorrer do processo criminal, o que atinge diretamente o direito fundamental inerente à pessoa humana talvez mais importante, juntamente com a vida: a liberdade.
As consequências decorrentes da violação deste direito se revelam gravíssimas e de impossível recuperação, consideradas as condições precárias do sistema penitenciário em geral, a superlotação e o impacto que todas estas questões produzem na vida do indivíduo como um todo – nos âmbitos da saúde física e mental, da estrutura familiar, do desenvolvimento pessoal e profissional e dos relacionamentos sociais. Produzirá efeitos, inclusive, na posterior tomada de decisões pessoais do indivíduo, podendo resultar, inclusive, na reincidência criminal[14].
A diminuição da judicialização nos parece ser uma alternativa à sobrecarga do Judiciário e, consequentemente, à redução da morosidade, impactando, assim, na efetiva garantia da liberdade individual, de modo que violações a este direito fundamental sejam mitigadas e, em um cenário ideal, erradicadas. Questões de política pública também devem ser consideradas, buscando-se que cada pessoa “seja protagonista de sua existência um reitor de sua própria conduta, para ajustar-se à conduta civilizada, sem necessidade da atuação heterônoma do Estado-juiz” (PINTO, 2015, p. 09).
5.CONCLUSÃO
Observou-se, no âmbito de um Estado Democrático de Direito, ser fundamental a obediência ao princípio do devido processo legal e, consequentemente, ao comando constitucional de fundamentação das decisões judiciais.
Entendemos, a partir de breve análise de estatísticas e do funcionamento do sistema judiciário e sem a pretensão de esgotar o tema, ser necessária uma reforma estrutural do modelo brasileiro em relação à morosidade, buscando-se a efetivação do acesso à justiça, a qualidade da prestação jurisdicional e da observância da liberdade individual como direito fundamental de todos os indivíduos.
Concluiu-se que a constante sobrecarga do Estado é agravada pela ausência de medidas adequadas e precedidas de estudos que busquem erradicar o problema, o que prejudica a prestação jurisdicional como um todo. Assim, morosidade na tramitação e conclusão dos processos impacta, diretamente, no direito fundamental à liberdade. Verificou-se, portanto, que a questão possui impactos ainda mais relevantes no âmbito do direito processual penal, visto que o acúmulo de feitos, além de impossibilitar, por vezes, uma análise detida do caso concreto, priva o indivíduo de sua liberdade por anos até que se chegue a uma sentença.
Diante disso, questionou-se: como atingir a efetividade da justiça, que não se mede através do número de processos resolvidos, mas, sim, pela satisfação das pessoas e pela justiça atingida através das decisões?
A partir da aplicação do direito e da justiça efetiva, entende-se que se deve buscar a preservação da credibilidade do sistema judiciário e a resolução das demandas de maneira satisfatória, possibilitando, assim, a aplicação da verdadeira Justiça, sempre com vistas à garantia do direito à liberdade e aos demais direitos fundamentais que compõem a gama de direitos inerentes à toda pessoa humana.
Foi ressaltando, porém, que não se pode pretender que, por outro lado, as decisões judiciais passem a ser proferidas em tempo recorde, em nome da celeridade processual, sem a devida análise prévia do caso e fundamentação do conteúdo decisório. Se assim o fosse, como seria garantida a justiça a partir de um exame “atropelado” das provas coligidas ao processo? Citando novamente Voltaire (2016, p. 15), “cumpre punir, mas não às cegas. (...) Se a justiça é pintada com uma venda nos olhos, é mister que a razão seja seu guia”.
Parece-nos que o tema, por qualquer ângulo que se observe, retorna à questão do equilíbrio que se deve buscar para que uma justiça realmente efetiva seja alcançada e direitos fundamentais garantidos. Todas os pontos que se contrapõem nesse contexto se mostram relevantíssimos, de modo que cada um, em seu devido tempo e lugar, deve ser sopesado com cautela pelos aplicadores e intérpretes da lei.
Assim, enquanto o cerceamento da liberdade por tempo superior ao razoável não pode ser admitido, não se pode olvidar a garantia processual de que todas as decisões judiciais devem observar a previsão constitucional de devida fundamentação, sob pena de se tornar ilegal.
Deve-se buscar, portanto, a efetiva erradicação da morosidade estrutural, não a partir de reformas processuais que produzem efeitos imediatos, mas, sim, com a implementação de medidas bem pensadas, precedidas dos necessários estudos que, efetivamente, gerem impactos relevantes nas questões que se deve resolver.
6.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 951.249/PR. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. FARTO ACERVO PROBATÓRIO. IMPRUDÊNCIA DA VÍTIMA. CULPA CONCORRENTE. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO DE CULPA NÃO ADMITIDA. OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO. INEXISTÊNCIA. DECISÃO CONTRÁRIA AO INTERESSE DA PARTE. O JUIZ NÃO É OBRIGADO A SE MANIFESTAR SOBRE TODAS AS ALEGAÇÕES DA PARTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O Tribunal a quo, após a análise das circunstâncias fáticas do delito e com arrimo em todo o conjunto fático-probatório carreado aos autos. condenou o réu por entender que as provas colhidas na instrução processual demonstraram de forma inconteste a sua conduta imprudente e negligente que concorreu para o fato delituoso, uma vez que, ao realizar uma manobra de conversão em local inadequado, interceptou de forma abrupta a via preferencial onde trafegava a vítima. 2. O comportamento imprudente da vítima não tem o condão de excluir a responsabilidade penal do agravante, visto que seu comportamento também foi imprudente. Essa condição deve ser valorada na análise das circunstâncias judiciais para a individualização da pena do agravante. 3. O comportamento da vítima não afasta a responsabilidade penal do agravante pelo sinistro porque não é admitida a compensação de culpas no Direito Penal. 4. A negativa de prestação jurisdicional somente ocorre quando o Tribunal deixa de se manifestar sobre ponto que seria imprescindível ao desfecho da causa, e não quando decide em sentido contrário ao interesse da parte. 5. O Juízo não é obrigado a discorrer sobre todas as alegações da parte quando encontra, mesmo apenas em uma delas, motivos suficientes para fundamentar sua decisão. 6. Agravo regimental não provido. Determinado ainda, o retorno imediato dos autos à origem para a execução da pena. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, julgado em 19 de outubro de 2017. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27AGARESP%27.clas.+e+@num=%27951249%27)+ou+(%27AgRg%20no%20AREsp%27+adj+%27951249%27.suce.))&thesaurus=JURIDICO&fr=veja. Acesso em: 19 jul. 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 213.200/DF. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. MANIFESTAÇÃO FUNDAMENTADA DO ACÓRDÃO RECORRIDO SOBRE TODOS OS PONTOS SUSCITADOS NO AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS REJEITADOS. 1. O acórdão recorrido não foi omisso, manifestando-se fundamentadamente sobre todas as questões relevantes suscitadas nos autos. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o órgão julgador não é obrigado a se manifestar sobre todos os pontos alegados pelas partes, mas somente sobre aqueles que entender necessários para o julgamento do feito, de acordo com seu livre convencimento fundamentado, não caracterizando omissão ou ofensa à legislação infraconstitucional o resultado diferente do pretendido pela parte. 3. Não há, portanto, falar em omissão no julgado, estando ausentes os requisitos autorizadores dos embargos declaratórios, previstos no art. 619 do Código de Processo Penal. 4. Conforme precedente do Supremo Tribunal Federal, Recurso Especial e Extraordinário indeferidos na origem, porque inadmissíveis, em decisões mantidas pelo STF e pelo STJ, não têm o condão de empecer a formação da coisa julgada. 5. Embargos declaratórios rejeitados.
Relator Ministro Campos Marques (Desembargador Convocado do TJ/PR), julgado em 23 de abril de 2013. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27EAARESP%27.clas.+e+@num=%27213200%27)+ou+(%27EDcl%20no%20AgRg%20no%20AREsp%27+adj+%27213200%27.suce.))&thesaurus=JURIDICO&fr=veja. Acesso em: 19 jul. 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 145.467/SP. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. DEMONSTRAÇÃO. MANUTENÇÃO. INSTRUÇÃO CRIMINAL. DEMORA. RAZOABILIDADE. EXCESSO DE PRAZO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Devidamente demonstrados indícios de autoria e e prova de materialidade, com arrolamento de elementos concretos, na espécie, da necessidade da custódia preventiva para a garantia da ordem pública, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal, não há falar em constrangimento ilegal a ser amparado por habeas corpus. 2. Segundo entendimento jurisprudencial e doutrinário, a apuração de crimes (tráfico, associação para o tráfico e lavagem de dinheiro) praticados, ao que tudo indica, por intrincada organização criminosa, com diversos denunciados, de variadas cidades, obrigando a expedição de cartas precatórias para a realização de atos processuais por outros juízos, justifica, em face da razoabilidade, eventual atraso na instrução criminal, notadamente tendo em conta que o prazo de 81 dias não é de peremptória observação, erigindo-se apenas como parâmetro, utilizado pelos Tribunais, para aferir a duração do processo. 3. Ordem de habeas corpus denegada. Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 10 de junho de 2010. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27HC%27.clap.+e+@num=%27145467%27)+ou+(%27HC%27+adj+%27145467%27.suce.))&thesaurus=JURIDICO&fr=veja. Acesso em: 19 jul. 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus 20.566/BA. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. 1. DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. INIDONEIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A PRISÃO. 2. EXCESSO DE PRAZO. DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES REQUERIDAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. MAIS DE UM ANO PARA CUMPRIMENTO. FLEXIBILIZAÇÃO DO TEOR DA SÚMULA Nº 52. GARANTIA DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. RECURSO PROVIDO. 1. Não padece de ilegalidade o decreto prisional lastreado em elementos concretos a aconselhar a medida. 2. Ainda que encerrada a instrução, é possível reconhecer o excesso de prazo, diante da garantia da razoável duração do processo, prevista no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição. Reinterpretação da Súmula nº 52 à luz do novo dispositivo. 3. Recurso provido. Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 12 de junho de 2007. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27RHC%27.clap.+e+@num=%2720566%27)+ou+(%27RHC%27+adj+%2720566%27.suce.))&thesaurus=JURIDICO&fr=veja. Acesso em: 19 jul. 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 52. Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, 1992. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/sumstj/toc.jsp>. Acesso em: 19 jul. 2021.
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VOLTAIRE. O preço da Justiça (Apresentação Acrísio Torres; Tradução Ivone Castilho Benedetti). 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2016.
[1] Entendido como um ideal de Estado voltado ao controle do arbítrio do Poder Público e à racionalização dos atos estatais (LUCCA, 2019).
[2] Previstos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.
[3] “A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.”
[4] Artigo 283 do Código de Processo Penal.
[5] Artigo 315, §2º: Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
[6] Nesse sentido, José Rogério Cruz Tucci, na obra “A Motivação da Sentença no Processo Civil” apontou uma série anomalias relativas ao tema, pouco antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. Conforme sustenta o autor, existiam “inúmeras e inadmissíveis distorções encontradiças na praxe forense de todo o País, dentre as quais, as que admitem como suficiente a motivação aparente ou implícita, ou aquelas que simplesmente adotam as razões expendidas por um dos integrantes do processo”. Temos, ainda, a “chancela” da jurisprudência, segundo a qual o magistrado não está obrigado a se manifestar a respeito de todas as alegações das partes (LUCCA, 2019).
[7] Vide: EDcl no AgRg no AREsp 213.200/DF, Relator Ministro Campos Marques (Desembargador Convocado do TJ/PR), julgado em 23/04/2013 e AgRg no AREsp 951.249/PR, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, julgado em 1910/2017.
[8] Artigo 5º, LXXVIII, Constituição Federal.
[9] Artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
[10] Nesse sentido é o teor da Súmula 697, editada pelo Pretório Excelso: “A proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo”.
[11] A Turma deu provimento ao recurso em habeas corpus para que o recorrente, preso há mais de três anos, aguarde em liberdade o julgamento do processo mediante o compromisso de comparecer a todos os atos do processo para os quais for chamado. Isso no entendimento de que, ainda que encerrada a instrução, é possível reconhecer o excesso de prazo diante da garantia da razoável duração do processo, prevista no art. 5º, LXXVIII, da CF/1988, com a reinterpretação da Súmula n. 52-STJ à luz da EC n. 45/2004 (RHC 20.566-BA, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 12/6/2007).
[12] Súmula 52, do Superior Tribunal de Justiça: “Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo”.
[13] HC 145.467/SP, Relatora Ministra Thereza de Assis Moura, julgado em 10/06/2010.
[14] Os autores Sérgio Adorno e Eliana Blumer T. Bordini, a partir de estudo realizado entre os anos de 1974 e 1985 em uma penitenciária do Estado de São Paulo, concluíram que a prisão agrava a reincidência. No mesmo sentido, o relatório o Relatório de Pesquisa sobre a reincidência criminal no Brasil, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) a pedido do Conselho Nacional de Justiça, pontuou algumas questões inerentes ao cárcere que geram impacto na reincidência.
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), núcleo de pesquisa em Direito Processual Penal. Integrante do Grupo de Pesquisa “Políticas Públicas de Segurança e Direitos Humanos”. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Assistente Jurídica do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANCHEZ, Rafaela Bueno e Silva. A necessidade de fundamentação das decisões judiciais, a sobrecarga do Poder Judiciário e o impacto na liberdade individual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 out 2021, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57337/a-necessidade-de-fundamentao-das-decises-judiciais-a-sobrecarga-do-poder-judicirio-e-o-impacto-na-liberdade-individual. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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