JANAY GARCIA[1]
(orientadora)
RESUMO: No ano de 2019, o mundo se deparava com os primeiros casos de contaminação do novo Coronavírus (COVID – 19), com início em Wuhan, na República Popular da China. A globalização, neste contexto, vem como um grande meio de proliferação do vírus, uma vez a facilidade de comércio e fluxo de pessoas entre países. Com objetivo de diminuir os altos números de contaminação e óbitos, as autoridades públicas implementaram o lockdown e adotaram a modalidade home-office, além de instituírem outras medidas de segurança nos ambientes de trabalho. Contudo, há de se levar em conta que essas medidas de segurança podem falhar, ocasionando de contágio no ambiente de trabalho. Frente a esse contexto o presente artigo investiga a forma que contaminação do trabalhador pela COVID - 19 pode ser caracterizada como doença ocupacional e qual a responsabilidade civil-trabalhista do empregador. Assim, a partir de discussões sobre os direitos trabalhistas atinentes à saúde dos trabalhadores e de eventual dano causado pela moléstia grave, buscou-se reconhecer o enquadramento da COVID-19 como doença ocupacional e apontar a responsabilidade civil-trabalhista do empregador. Para tanto, empregou-se o método de abordagem qualitativo, sendo colhidos os dados por meio dos instrumentos documental e bibliográfico.
Palavras-chave: COVID - 19; doença ocupacional; responsabilidade civil.
ABSTRACT: In 2019, the world was faced with the first cases of contamination of the new Coronavirus (COVID - 19), starting in Wuhan, in China. Globalization, in this context, comes as a great means of proliferation of the virus, since it is an ease of trade and flow of people between countries. In order to reduce the high numbers of contamination and deaths, public authorities implemented the lockdown and adopted the home-office modality, in addition to instituting other safety measures in work environments. However, it must be taken into account that these security measures can fail, causing contagion in the work environment. Faced with this context, this article investigates how contamination of the worker by COVID - 19 can be characterized as an occupational disease and what is the civil-labour responsibility of the employer. Then, based on the exercise of labor rights relating to the health of workers and the possible damage emitted by the serious illness, we sought to recognize the classification of COVID-19 as an occupational disease and point out the employer's civil-labour liability. Therefore, the qualitative approach method was used, and data were collected through documentary and bibliographic instruments.
Keywords: COVID-19; occupational disease; civil responsability.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Direito do Trabalho durante a pandemia. 2.1. A Medida Provisória Nº 927/2020. 3. Doença Ocupacional. 3.1. A COVID -19 como Doença Ocupacional. 4. Responsabilidade Civil Trabalhista do Empregador. Considerações Finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O novo Coronavírus foi um dos maiores acontecimentos do final do ano de 2019 e se mostrou ser ainda mais letal ao decorrer do ano de 2020, merecendo a devida atenção da Organização Mundial da Saúde (OMS) e, consequentemente, de todas as nações. Com sua proliferação entre países, seus efeitos negativos começaram a se espalhar em todas as formas de organização de sociedade, tanto no seu meio social, quanto no mercado de trabalho.
Com a chegada do vírus em território brasileiro, o poder executivo, legislativo e judiciário tiveram que lidar com situações, até então, inimagináveis. No que se refere ao viés trabalhista houve a necessidade de se regular as formas de trabalho nesse período atípico, assim, buscou-se soluções paliativas como lockdown, home-office e medidas de segurança contra a COVID- 19 nos ambientes de trabalho, visando a segurança e saúde dos funcionários e empregadores.
Contudo, apesar da tutela e aplicação das novas normas de segurança, vemos que estas podem falhar (ou simplesmente não serem aplicadas pelo empregador) e causar a contaminação do trabalhador pelo novo Coronavírus. Assim, uma vez falhando com direitos e garantias fundamentais de saúde dos empregados, há de se verificar o enquadramento do vírus como doença ocupacional e a responsabilidade civil-trabalhista do empregador.
Pretende-se analisar, por meio deste artigo, de que forma a contaminação do trabalhador pelo novo Coronavírus pode ser caracterizada como doença ocupacional e qual a responsabilidade civil-trabalhista do empregador. Portanto, objetiva-se verificar as repercussões jurídicas trabalhistas do novo Coronavírus no Brasil, discutir a contaminação pela COVID-19 como adoecimento de natureza ocupacional e identificar a possibilidade de responsabilização civil-trabalhista do empregador.
Será verificado o das normas jurídicas no Brasil, os direitos violados por conta da inobservância das normas de segurança, os fundamentos jurídicos que podem ser levados em consideração para que essa situação seja vista como doença ocupacional, considerando a possibilidade de responsabilização do empregador e fazendo contraponto com garantias fundamentais, constitucionais e trabalhistas.
Para tanto, empregar-se-á o método de abordagem qualitativo, haja vista a natureza qualitativa desta pesquisa, que se propõe a analisar seus dados de forma subjetiva, sendo este o método mais recomendado e adequado a esta análise, sobretudo considerando a sua complexidade e natureza sociopolítica. Por sua vez, os instrumentos de coleta de dados serão o bibliográfico e documental.
Inicialmente, abordar-se-ão aspectos atinentes ao direito trabalhista no período de pandemia, conceituando-se doença de natureza ocupacional e a responsabilidade civil do empregador, para, em seguida, discutir-se a contaminação do trabalhador pela COVID – 19 e a possibilidade de responsabilização civil-trabalhista por parte do empregador, discutindo-se normas, parecer, decretos e entendimentos jurídicos.
2. DIREITO DO TRABALHO DURANTE A PANDEMIA
Desde sua chegada ao Brasil, em fevereiro de 2020, o novo Coronavírus, que é caracterizado como uma infecção respiratória aguda causa pelo SARS-CoV-2, se mostrou ter potencial grave e apresentou fácil disseminação, podendo seus sintomas variar entre os mais comuns, menos comuns, mais graves e assintomáticos.
O referido vírus acarretou mudanças atípicas em todos os aspectos culturais, sociais e econômicos. Houve necessidade de se adaptar a este período e de acompanhar os anseios da sociedade, principalmente no viés econômico e, por conseguinte, no que tange à matéria de direito trabalhista.
Diante os fatos vividos no ano de 2020 e prevendo uma crise econômica advinda deste período de pandemia, houve implementação de medidas urgentes e de leis com objetivo de regularem direitos dos trabalhadores e empregadores, visando amenizar os impactos trazidos com a COVID – 19.
É neste período que vemos o surgimento de medidas judiciais e administrativas com objetivo de regularem sobre a forma de trabalho, segurança e saúde no ambiente laboral. Entre os protocolos adotados por Estados e municípios, observarmos: limitação de número de clientes dentro dos comércios, uso obrigatório de álcool em gel, aferição de temperatura e, ainda, incentivo às empresas para aderirem ao trabalho na modalidade home office, além de aconselhar aos cidadãos para seguirem o isolamento social.
Com os estabelecimentos fechados e com receio de uma grave crise econômica, o Presidente da República solicitou ao Congresso Nacional a decretação do estado de calamidade pública, feito através do Decreto Legislativo nº 06, de 20 de março de 2020, tendo vigência até 31 de dezembro de 2020, sendo que este trouxe a possibilidade de realização de gastos sem infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal.
É em meio ao período de calamidade pública que houve necessidade de se regular ainda mais sobre as relações trabalhistas em meio à uma pandemia causada pelo SARS-CoV-2, desta forma, o Presidente da República, fazendo uso competência, editou Medidas Provisórias visando preencher lacunas advindas pelo referido quadro pandêmico. Vale citar três delas, sendo a Medida Provisória nº 927/2020, Medida Provisória nº 936/2020 e Medida Provisória nº 944/2020.
A primeira trouxe, de forma geral, em seu texto matérias como possibilidade de ajuste unilateral do regime de teletrabalho, necessidade imperiosa de trabalho nas dependências da empresa, antecipação de férias individuais, férias coletivas, licença com remuneração, aproveitamento e antecipação de feriados, banco de horas, diferimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), prorrogação de acordos e convenções coletivas, suspensão de exigências em segurança do trabalho e prorrogação da jornada de trabalho para os estabelecimentos de saúde.
A segunda, com objetivo de tutelar ainda mais na manutenção dos empregos, criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, buscou-se com o programa supracitado:
(a) a preservação do emprego e renda; (b) a garantia da continuidade das atividades laborais e empresariais; e (c) a redução do impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.” (MARTINEZ; POSSÍDIO, 2020, p. 33).
Por último, a terceira, levando em consideração tanto a fragilidade dos trabalhadores, quanto dos empregadores, instituiu o Programa Emergencial de Suporte a Empregos (PESE). O PESE teve como finalidade “contribuir para o cumprimento das obrigações da empresa com as suas folhas de pagamento” (MARTINEZ; POSSÍDIO, 2020, p. 44), sendo voltado para empresários individuais, sociedades empresárias e sociedades cooperativas.
Desta forma, vemos um árduo trabalho do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário em regular e tutelar a favor da economia e das relações de trabalho. Contudo, apesar desses esforços, vemos que ainda existem lacunas onde, mesmo diante a procedimentos e protocolos de segurança, os trabalhadores não deixam de estarem expostos a uma eventual contaminação e eventual adoecimento.
2.1. Medida Provisória nº 927/2020
Neste momento cabe fazer uma breve recordação sobre o conceito e os pressupostos de uma Medida Provisória. A Medida Provisória, no que tange ao âmbito federal, só poderá ser editada pelo Presidente da República e tem força de lei, desde que haja relevância e urgência no assunto demandado, ou seja, “há de estar configurada uma situação em que a demora na produção da norma possa acarretar dano de difícil ou impossível reparação para o interesse público” (BRANCO; MENDES, 2021, p. 2011).
Dito isto, adentrando especificamente na Medida Provisória nº 927/2020, além de trazer em seu texto todas as matérias já citadas no capítulo anterior, trouxe em seu artigo 29 o que se segue “art. 29. os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”. Assim, o texto excluiu a contaminação pelo coronavírus da lista de doenças ocupacionais e, ainda, passou o ônus da prova exclusivamente para o trabalhador, assunto que veio se tornar motivo de debates entre as entidades sindicais e juristas, acarretando em ADIns (6342, 6344, 6346, 6348, 6349, 6352 e 6354) para julgamento da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo supracitado.
Destacando o julgamento da ADIn nº 6342, o relator, Ministro Alexandre de Moraes, liminarmente suspendeu a eficácia do artigo 29, da Medida Provisória 927/2020, reconhecendo precedestes do Supremo Tribunal Federal no que tange a responsabilidade objetiva do empregador a depender do caso.
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUTIONAL E DIREITO DO TRABALHO. MEDIDA PROVISÓRIA 927/2020. MEDIDAS TRABALHISTAS PARA ENFRENTAMENTO DO ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA RECONHECIDO PELO DECRETO LEGISLATIVO 6/2020. NORMAS DIRECIONADAS À MANUTENÇÃO DE EMPREGOS E DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. ART. 29. EXCLUSÃO DA CONTAMINAÇÃO POR CORONAVÍRUS COMO DOENÇA OCUPACIONAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR. ART. 31. SUSPENSÃO DA ATUAÇÃO COMPLETA DOS AUDITORES FISCAIS DO TRABALHO. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DOS ARTS. 29 E 31 DA MP 927/2020. CONCESSÃO PARCIAL DA MEDIDA LIMINAR. 1. A Medida Provisória 927/2020 foi editada para tentar atenuar os trágicos efeitos sociais e econômicos decorrentes da pandemia do coronavírus (covid-19), de modo a permitir a conciliação do binômio manutenção de empregos e atividade empresarial durante o período de pandemia. 2. O art. 29 da MP 927/2020, ao excluir, como regra, a contaminação pelo coronavírus da lista de doenças ocupacionais, transferindo o ônus da comprovação ao empregado, prevê hipótese que vai de encontro ao entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação à responsabilidade objetiva do empregador em alguns casos. Precedentes. 3. Medida liminar parcialmente concedida para suspender a eficácia dos arts. 29 da Medida Provisória 927/2020. (STF - ADI: 6380 DF 0089939-04.2020.1.00.0000, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 15/05/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 09/11/2020).
Devido ao prazo de vigência da Medida Provisória ter se encerrado no dia 19 de julho de 2020, a referida ADIn (como todas as outras citadas que discorrem sobre a demanda) acabou por perder o objeto. Desta maneira, nos deparando novamente com uma lacuna referente ao enquadramento da COVID – 19 como doença ocupacional.
3. DOENÇA OCUPACIONAL
Conforme artigo 200, da Carta Magna de 1988, é uma garantia constitucional aos trabalhadores a segurança e um meio ambiente de trabalho saudável. Na mesma direção, o referido ordenamento jurídico, no artigo 7º, inciso XXII, traz que são garantias dos empregados, que exerçam suas funções nas cidades ou em ambientes rurais, direitos que aprimore sua condição social e que causa a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
Tal garantia é refletida na Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943, que em seu artigo 157 e incisos, uma vez que impõe ônus ao empregador visando que este cumpra as normas de segurança e higiene no ambiente laboral, guiando os trabalhadores para cumprimento de medidas que visam evitar acidentes e doenças ocupacionais. Reforçando este entendimento, o autor Ricardo Resende (2020, p. 888) sabiamente discorre sobre a importância em cuidar do meio ambiente de trabalho, sendo de obrigação do empregador tutelar pelo bem-estar do empregado no que tange a proteção de sua vida, saúde e produtividade do trabalho.
Porém, quando observamos adoecimento do trabalhador, estamos diante à uma matéria de doença ocupacional. Apesar da preocupação do legislador em proteger e tutelar a parte mais frágil da relação de trabalho, qual seja o trabalhador, acidentes em ambiente laborais podem ocorrer e devem ser observados suas características. A doença ocupacional está regulada através no artigo 20, incisos I e II, da Lei nº 8.213/1991, vejamos:
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
Desta forma, vemos que a doença ocupacional é dividida em doença profissional e doença do trabalho. A primeira se caracteriza por sua natureza (adoecimento) se dar exclusivamente por conta do trabalho desenvolvido, assim sendo, são doenças de particularidades e peculiaridades desenvolvidas em decorrência do exercício de uma profissão.
Já a segunda “não possuem no trabalho a sua causa única ou exclusiva, mas assim são classificadas porque o ambiente de trabalho é o fator que põe a causa mórbida em condições de produzir lesões incapacitantes” (BELMONTE; MARTINEZ; MARANHÃO, 2020, p. 283), isto é, ao contrário da doença profissional, a doença do trabalho não ocorre exclusivamente da atividade laboral, contudo, é adquirida por conta das circunstâncias em que o trabalho é exercido.
Ainda, vale ressaltar que, para o enquadramento do trabalhador nas hipóteses de doença ocupacional, deve haver constatação do nexo de causalidade no que se refere à atividade laboral desempenhada e o empregador. Para isso, o artigo 20, §1º, da Lei nº 8.213/1991, estreita e taxa as doenças que não são consideras ocupacionais, assim vejamos:
Art. 20 (...)
§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
Para melhor visualização da aplicabilidade dos incisos do artigo supracitado, situações que, em substancialmente não possuem ligação com exercício laboral, vale explicar que doença degenerativa é aquela em que envolve fatores genéticos que acarretam a perda das funções vitais do portador da enfermidade. Inerente a grupo etário são moléstias ocasionadas naturalmente por conta da idade avançada.
A que não produz incapacidade laborativa decorre de pequenos acidentes que não ensejam em uma moléstia grave ou acometimento sério ao trabalhador, como, por exemplo, uma queda ou pequeno corte. A doença endêmica é aquela que se desenvolve em uma localidade específica.
Desta maneira, podemos concluir que a COVID – 19 não se encaixa na concepção de doença profissional, mas sim como doença do trabalho, uma vez que, de acordo com artigo 20, inciso II, “doença adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente”. Caracterizar o tipo de acometimento que ocorreu com o trabalhador é importante para que se estabeleça o auxílio que será garantido à vítima do adoecimento.
3.1. COVID – 19 como Doença Ocupacional
Como sabemos, desde fevereiro de 2020, estamos passando por uma pandemia nunca vivida no Brasil. Por se tratar de uma situação atípica, tal momento nunca foi expressamente previsto pelo legislador e, como discorrido no item 2.1. deste artigo, foram necessárias Medidas Provisória, Leis, protocolos e outras medidas de segurança, para preencher lacunas no viés trabalhista.
Até o presente momento não há uma norma que regule expressamente sobre a COVID – 19 como doença ocupacional. Pelo contrário, o artigo 29, da Medida Provisória nº 927/2020, que tutelava diretamente sobre este assunto, foi liminarmente suspensa e posteriormente perdeu seu objeto, conforme já debatido. Porém, isso não significa que este direito não possa ser requerido pelo trabalhador.
A contaminação pelo coronavírus em ambiente laboral poderá ser reconhecida como doença ocupacional, sempre observando o contexto fático, empregando o texto do artigo 20, §2º, da Lei nº 8.213/1991, que diz:
Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.
Assim, quando a moléstia decorrer das circunstâncias específicas em que atividade laboral é realizada e com ela se associa diretamente, estará diante a caracterização da COVID – 19 como doença ocupacional.
Ademais, com fim de estabelecer o auxílio ao trabalhador, a contaminação do vírus de maneira acidental pelo empregado, desde que esteja desempenhando sua função laboral, poderá constituir acidente de trabalho por doença equiparada, nas condições do artigo 21, inciso III, da Lei nº 8.213/1991. Vale ressaltar que, discorre o artigo 337, do Decreto nº 3.048/1999, que “o acidente do trabalho será caracterizado tecnicamente pela Perícia Médica Federal, por meio da identificação do nexo entre o trabalho e o agravo”.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL TRABALHISTA DO EMPREGADOR
No caso de descumprimento, por parte do empregador, no que se refere as legislações que tutelam sobre a segurança e saúde no ambiente de trabalho para o desenvolvimento das atividades de seus funcionários, este terá que responder pelo dano causado, podendo ser responsabilidade civil objetiva ou subjetiva, conforme artigo 7º, da Carta Manga de 1988, que diz que:
São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
Maurício Godinho Delgado (2019, p. 69) leciona que, através da promulgação da Carta Magna de 1988, novos entendimentos foram trazidos para o Direito do Trabalho, tornando possível a responsabilização civil-trabalhista do empregador por danos morais, materiais e estéticos, desde que estes venham ocorrer diante acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais em ambientes laborais, observando os requisitos jurídicos.
No que tange a responsabilidade civil-trabalhista propriamente dito, de acordo com Carlos Leite, a responsabilidade objetiva acontece quando quem deu causa ao dano, podendo ser moral ou material, terá o dever de reparar o ocorrido sem que haja a necessidade de provar o dolo ou a culpa. Neste caso, o autor do dano responderá independente da culpa, basta que esteja configurado o liame entre o dano e a causa, ou seja, “que fique configurado o nexo causal entre a atividade desenvolvida e o dano sofrido pela vítima” (2020, p. 483), assim dispõe do Código Civil de 2002:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Por outro lado, a responsabilidade subjetiva é configurada quando quem deu causa ao ato ilícito, alcança este desfecho por meio do dolo ou da culpa em sua conduta. Diferente da responsabilidade anterior, este só será compelido a indenizar pelo dano causado (moral ou material) se ficar comprovado o dolo ou a culpa em seu comportamento. Em regra geral, o Código Civil de 2002 adota a responsabilidade civil subjetiva, conforme podemos observar nos artigos 186 e 187:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Deste modo, de acordo com Martinez e Possídio (2020, p. 121), em regra a responsabilidade civil-trabalhista do empregador será subjetiva, consequentemente, para que seja configurada, dependerá de evidências que apontem a conduta dolosa ou culposa do causador do dano.
Em algumas exceções será aplicada a responsabilidade objetiva, sendo nesta categoria considerado apenas a conexão entre o dano e a atividade laboral realizada, sem necessidade de comprovar o dano e a culpa do empregador, casos esses que serão previamente regulados por meio de normas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
bordou-se, ao decorrer deste trabalho, aspectos gerais e conceituais referente a COVID – 19, doença ocupacional e sobre responsabilidade civil-trabalhista, transcorrendo pelas disposições constantes na Medida Provisória nº 927/2020, Lei nº 8.213/1991, Código Civil, Consolidação das Leis do Trabalho, bem como entendimentos dos órgãos superiores e de renomados doutrinadores, até a apresentação da matéria referente doença ocupacional e a responsabilidade civil-trabalhista do empregador, momento em que se debateu os tipos de doenças ocupacionais previstas em lei e os tipos de responsabilidades trazidas em nosso ordenamento jurídico. Ao final, foi abordado sobre a COVID – 19 como doença ocupacional e a responsabilidade civil-trabalhista do empregador.
Desta forma, foram cumpridos os objetivos previamente almejados, quais sejam, verificar as repercussões jurídicas trabalhistas do novo Coronavírus no Brasil, discutir a contaminação pelo Novo Coronavírus como adoecimento de natureza ocupacional e identificar a possibilidade de responsabilização civil-trabalhista do empregador.
De toda discussão, notou-se que, desde surgimento da COVID – 19, houve mudanças sociais, econômicas e trabalhistas. O legislador teve que acompanhar os anseios da sociedade e, ainda, transformações que foram necessárias para amenizar os impactos trazidos por esse vírus. Novos cenários fáticos de responsabilização civil-trabalhista foram surgindo e a contaminação de trabalhadores, por vezes pela falta de observância do empregador aos procedimentos de segurança e higiene, se tornou uma realidade a ser tutelada pelo Poder Legislativo, Executivo e Judiciário.
Constatou-se que o vírus SARS-CoV-2 não se caracteriza como uma doença profissional, mas sim como doença do trabalho. Ainda, dependendo do contexto fático, pode ser tida como acidente de trabalho por doença equiparada, mediante possibilidade da contaminação acidental do trabalhador quando estiver exercendo sua função laboral. Para que seja devidamente caracterizada como doença ocupacional, nas hipóteses acima discorridas, deverá o empregado passar pela Perícia Médica Federal que deverá constatar tecnicamente o nexo causal entre o trabalho e o adoecimento.
Por fim, verificou-se a responsabilidade civil-trabalhista do empregador, que será, conforme Código Civil, na maioria das vezes subjetiva, assim, para que seja caracterizada, está ficará à mercê evidências que demonstrem a conduta dolosa ou culposa do causador do dano. Porém, havendo ressalvas, uma vez que em alguns casos poderá ser aplicado a responsabilidade objetiva, momento este que será considerado a conexão entre o dano e a atividade laboral realizada, sem que haja a comprovação do dado e culpa do empregador, sendo necessário que estes casos estejam previamente regulados em normas.
REFERÊNCIAS
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[1] Mestre em Políticas Públicas, pela universidade de Brasília, Pós Graduada em Direito do Previdenciário e Políticas Públicas, Advogada e professora da Universidade Católica do Tocantins e da Universidade Estadual do Tocantins.
Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins - UNICATÓLICA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Giovana Silva. A covid – 19 como doença ocupacional e a responsabilidade civil trabalhista do empregador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 nov 2021, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57359/a-covid-19-como-doena-ocupacional-e-a-responsabilidade-civil-trabalhista-do-empregador. Acesso em: 23 dez 2024.
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