MAÍRA BOGO BRUNO[1]
(orientadora)
RESUMO: Decorrente das relações familiares, nasce o dever de alimentar, qual seja, o de garantir ao indivíduo que não possui meios e condições de autossubsistência, o mínimo para preservar o seu padrão social de vida. Caso esse dever não venha a ser cumprido fielmente, a legislação brasileira dispõe formas para que o devedor dessa dívida alimentar cumpra com sua obrigação. A medida mais rigorosa para que se cumpra a obrigação alimentar consiste na decretação da prisão civil, que não possui foco na restrição da liberdade, mas atua como coerção, persuadindo o devedor a adimplir seu débito. Todavia, esta medida extrema vem trazendo dúvidas quanto à sua eficácia frente à satisfação do crédito do alimentado. Portanto, o problema suscitado nesta pesquisa é verificar quais as medidas alternativas a essa medida extrema existem na legislação brasileira e o que os Tribunais Pátrios veem decidindo acerca do tema, investigando a legislação e as jurisprudências pátrias. Além disso, o trabalho tem como objetivo verificar se os Tribunais pátrios veem aplicando as medidas diversas da prisão civil por débito alimentar e se estas são mais eficazes para garantir a solvência da obrigação alimentar e, ainda, quais medidas inovadoras estão sendo aplicadas. Para tanto, utiliza-se da metodologia da pesquisa jurídica, com método dedutivo, de cunho exploratório, bibliográfico e documental, com análise de dados qualitativa. Percebe-se, então, que a jurisprudência vem evoluindo no sentindo de afastar a prisão civil como método de garantir a solvência do débito alimentar e adotando medidas alternativas já existentes em lei, tais como a penhora de bens, a expropriação, e também, utilizando-se de inovações como a inclusão do devedor nos cadastros de proteção ao crédito e o uso da tornozeleira eletrônica, quem vem trazendo resultados satisfatórios frente à satisfação do débito alimentar.
Palavras-chave: Prisão; Alimentos; Débito; Medidas alternativas.
ABSTRACT: As a result of family relationships, the duty to feed is born, that is, to guarantee the individual who does not have the means and conditions for self-subsistence, the minimum to preserve their social standard of living. If this duty is not fulfilled faithfully, Brazilian legislation provides ways for the debtor of this food debt to comply with its obligation. The strictest measure to comply with the maintenance obligation consists of the decree of civil imprisonment, which does not focus on restricting freedom, but acts as coercion, persuading the debtor to pay his debt. However, this extreme measure has raised doubts as to its effectiveness regarding the satisfaction of the foodstuffs' credit. Therefore, the problem raised in this research is to verify which alternative measures to this extreme measure exist in Brazilian legislation and what the Brazilian Courts see deciding on the subject, investigating the Brazilian legislation and jurisprudence. In addition, the work aims to verify whether the national courts have been applying measures other than civil imprisonment and if these are more effective for food debt to ensure the solvency of the maintenance obligation and also what innovative measures are being applied. Therefore, it uses the methodology of legal research, with deductive method, of an exploratory, bibliographical and documentary nature, with analysis of qualitative data. It is clear, then, that the jurisprudence has been evolving towards removing civil imprisonment as a method of guaranteeing the solvency of the food debt and adopting alternative measures already existing in law, such as the pledge of assets, an expropriation, and also, using up of innovations such as the inclusion of the debtor in the credit protection registries and the use of electronic anklets, which have been bringing satisfactory results in relation to the satisfaction of the food debt.
Keyword: Prison; Foods; Debt; Alternative measures.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Prisão civil por débito alimentar e sua possível ineficácia. 3. Aplicação dos meios alternativos para satisfação do crédito do alimentado. 3.1 . Meios alternativos previstos na legislação pátria. 3.2. Meios alternativos aplicados pelos tribunais pátrios. 4. Considerações finais. 23. Referências
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre as medidas diversas à prisão civil por débito alimentar, previstas na legislação e aplicadas pelos juízos e tribunais pátrios, no tocante à possível ineficácia da restrição da liberdade do devedor para a satisfação do crédito alimentício. Para isso, é importante entender em que consiste a eficácia.
Eficácia “significa que a norma jurídica produz, realmente, os efeitos sociais planejados,” (NADER, 2020, p. 83), ou seja, diz respeito ao alcance dos objetivos ou metas traçadas por determinado ato. Para tanto, é preciso que a norma encontre “na realidade condições adequadas para produzir seus efeitos.” (FERRAZ JUNIOR, 2019, p. 158). Tem-se, portanto, uma análise dos resultados alcançados, previamente calculados. Desse modo, a eficácia trata do exame se os resultados sociais alcançados pelo ato normativo foram realmente os pretendidos.
Estabelecido o que é eficácia, é preciso entender também em que consiste a prisão civil por débito alimentar. No texto constitucional, verifica-se duas modalidades de prisão civil: a do depositário infiel e a do devedor de alimentos (BRASIL, [2021a], não paginado). Todavia, a prisão do depositário infiel deixou de ser aplicada após a edição da Súmula Vinculante nº 25 do STF, publicada no Diário Oficial da União no dia 23 de dezembro de 2009 (BRASIL, 2009, não paginado). Assim, prisão civil no Brasil só é cabível para casos de inadimplemento de obrigação alimentícia.
Essa medida não possui foco principal na restrição da liberdade do inadimplente, mas sim, atua como medida coercitiva, objetivando o convencimento do devedor ao pagamento da prestação, cumprindo sua obrigação (GONÇALVES, 2020, p. 347). Assim, a prisão civil por inadimplemento de obrigação alimentar objetiva “compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação civil, qual seja, a pensão alimentícia, que tutela o bem maior, isto é, a vida.” (NASCIMENTO JÚNIOR; NUNES, 2018).
Todavia, em muitos casos, a decretação da prisão civil pode gerar um ciclo vicioso de prisões sem eficácia, visto que o devedor realmente não dispõe da quantia e nem de patrimônio para adimplir a obrigação alimentar e acaba por ter sua liberdade restringida, assim o prosseguimento da execução do saldo devedor resta comprometido (FERREIRA, [2013], p. 01).
Para garantir a satisfação de seu crédito alimentício, o credor dispõe das seguintes alternativas, previstas na legislação brasileira: ação de alimentos para reclamá-los; execução por quantia certa, desconto em folha de pagamento da pessoa obrigada; reserva de aluguéis de prédio da pessoa alimentante; entrega ao cônjuge para segurar o pagamento provisório; e, prisão do devedor (NASCIMENTO JÚNIOR; NUNES, 2018). A prisão do devedor é firmada pela Constituição Federal como uma medida de exceção absoluta, não tendo como objetivo a punição, mas, sim, a coação (PINTO, 2017). Assim, devem ser esgotadas todas as medidas alternativas a essa, para então, ser aplicada.
O motivo que acarretou a escolha do presente tema é a incerteza de que tal instituto esteja gerando uma eficácia absoluta perante a satisfação do crédito do alimentando, visto que, a privação da liberdade do devedor pode impossibilitá-lo de buscar meios para a adimplência dessas dívidas. Além disso, é de extrema importância o estudo e a verificação dos meios alternativos à prisão quem veem sendo aplicados nos tribunais pátrios que podem trazer resultados mais eficazes perante a satisfação da dívida alimentar.
Diante disto, o problema que se pretende responder com essa pesquisa é: os Tribunais pátrios veem aplicando medidas diversas da prisão civil por débito alimentar para garantir a solvência da obrigação alimentar?
O objetivo geral do trabalho é verificar se os Tribunais pátrios veem aplicando as medidas diversas da prisão civil por débito alimentar e se estas são mais eficazes para garantir a solvência da obrigação alimentar e quais medidas inovadoras estão sendo aplicadas.
Para alcançar esse objetivo geral, traçou-se os seguintes objetivos específicos: a) levantar dados sobre a possível ineficácia da prisão civil para satisfação do crédito do alimentando; b) estudar o artigo 528 do Código de Processo Civil que trata o instituto da prisão civil por débito alimentar, os artigos 5º, LXVII e 229 da Constituição Federal e os artigos 1.694 ao 1.710 do Código Civil; c) identificar nas decisões dos tribunais pátrios quais as medidas diversas à prisão já veem sendo aplicadas e d) contrapor as medidas diversas da prisão aplicadas pelos tribunais pátrios às previstas na legislação brasileira.
Para alcançar esse fim, o presente trabalho empregará a metodologia da pesquisa jurídica, com método de abordagem teórica dedutivo, com pesquisa exploratória bibliográfica e documental e técnica de análise de dados qualitativa, investigando como a lei vem sendo aplicada e se o efeito esperado tem se concretizado, sob análise da prisão civil por débito alimentar, diante da sua eficácia frente à satisfação do crédito do alimentando.
Portanto, nos capítulos do presente estudo, será abordado, primeiramente, o instituto da prisão civil por débito alimentar e sua possível ineficácia. No segundo capítulo, verificar-se-á os meios alternativos à prisão civil por débito alimentar já existentes na legislação brasileira, bem como, será tratado sobre os meios alternativos à prisão civil por débito alimentar diversas da prisão, aplicadas pelos tribunais pátrios, e sua eficácia para garantir a solvência da obrigação alimentar.
2 PRISÃO CIVIL POR DÉBITO ALIMENTAR E SUA POSSÍVEL INEFICÁCIA
As relações de parentesco acarretam diversos direitos e deveres entre seus integrantes. Entre eles, surge um dever de suma importância, tal qual é a obrigação alimentar. O art. 1.694 do Código Civil de 2002 CC/2002, diz a respeito: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.” (BRASIL, [2021b], não paginado).
Esses alimentos referem-se à manutenção de uma vida digna e compatível com a condição social do alimentando, frente à impossibilidade deste de ter condições para tal, sem o auxílio do alimentante. Nas palavras de Nascimento Júnior e Nunes, (2018, p. 149):
O instituto dos alimentos é medida necessária da continuação da vida, garantindo ao alimentando a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental estabelecido na Constituição da República Federativa do Brasil. Os alimentos constituem instrumento capaz de prover os recursos necessários à subsistência, à conservação da vida, tanto física e moral, além da vida social do indivíduo.
Devido ao caráter indispensável dos alimentos à garantia de uma vida digna, o CC/2002 traz em seu teor formas coercitivas para garantir que essa obrigação seja fielmente cumprida, como por exemplo: Ação de alimentos, execução por quantia certa e desconto em folha de pagamento da pessoa obrigada. (BRASIL, [2021b]). O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) estabelece que a sentença da ação de alimentos pode ser executada por alguns meios, dentre eles está a possibilidade de decretação da prisão civil (BRASIL, [2021c], não paginado).
O inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 (CF/88) institui esta modalidade de prisão, in verbis: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.” (BRASIL, [2021a], não paginado).
Como pode-se notar, a Carta Magna revela duas possibilidades de prisão civil: a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel. Porém, em decisão firmada em súmula vinculante nº 25 do Supremo Tribunal Federal, a prisão do depositário infiel tornou-se ilegal: “é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.” (BRASIL, 2009, não paginado).
Diante disso, entende-se que a única espécie de prisão civil aplicada no Brasil é a hipótese do inadimplemento de obrigação alimentícia, pois tal obrigação tutela direitos fundamentais instituídos na Carta Magna que é a vida e a dignidade humana, conforme sedimentado no seu art. 5º, caput: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].” (BRASIL, [2021a], não paginado).
Além da CF/88 e dos artigos 528 e 911 CPC/2015, a Lei n. 5.478/60, conhecida como Lei de Ação de Alimentos, artigo 19, também disciplina essa medida extrema.
O artigo 528, caput, do CPC/2015, versa sobre procedimento a qual deve ser tomado no cumprimento de sentença que condena o pagamento da prestação alimentícia. O juiz mandará intimar o executado para que pague o débito num prazo de três dias, ou, dê uma justificativa proeminente pela falta do pagamento. Todavia, isso só ocorrerá se houver o requerimento do exequente para tal (BRASIL, [2021c], não paginado).
Caso não ocorra o pagamento ou se a justificativa não for passível de aceitação, o juiz poderá decretar a prisão, conforme o que dispõe o §3º do artigo 528:
§ 3º Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses. (BRASIL, [2021c], não paginado).
Sendo assim, intimado e não havendo justificativa plausível pelo inadimplemento, o juiz decretará a prisão civil do executado que poderá durar de um a três meses, em regime fechado.
Já o artigo 911 do CPC/2015 diz:
Art. 911. Na execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar, o juiz mandará citar o executado para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo. (BRASIL, [2021c], não paginado).
Sendo assim, os débitos que compreendem a possibilidade de decretação da medida prisional são as três parcelas anteriores ao início da execução e as que vencerem no curso do processo.
Por sua vez, o artigo 19 da Lei de Ação de Alimentos, edita:
Art. 19. O juiz, para instrução da causa ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias. (BRASIL, [2015a], não paginado).
Como visto, o artigo da referida lei traz a possibilidade ao juiz da decretação da prisão civil do devedor de alimentos, por até 60 (sessenta dias), para que o julgado seja efetivo.
Igualmente ao Direito Penal, a prisão no Direito Civil deve ser decretada como ultima ratio, ou seja, deve ser a última alternativa do aplicador da lei.
Se não há risco iminente à vida do credor de alimentos, ou mesmo, se ele pode, por meio de seu esforço próprio, afastar esse risco, não se pode aplicar a restrita e excepcional opção constitucional, porque não mais se discute a sublimação da dignidade da pessoa humana, em face da preponderância do direito à vida. (BRASIL, 2017, não paginado).
Corroborando com o entendimento supramencionado, Rosário (2017, não paginado), afirma que: “A dignidade da pessoa humana é a mola propulsora para uma vida com respeito, dignidade, e mais humanidade.”
Portanto, verifica-se que a medida excepcional da prisão civil é respaldada pela possibilidade de o credor afastar qualquer risco iminente à sua vida, sem a necessidade do alimentando. Assim, optando por outras vias que não seja a medida prisional, a justiça caminha para uma ação mais humanitária.
Quando a sentença da ação de alimentos se dê pelo rito da prisão, deve-se, anteriormente, ser estudada a possibilidade de pagamento da dívida alimentar por qualquer outro meio, pois o débito que possibilita a decretação da prisão deve ser inescusável, ou seja, que não haja justificativa plausível para tal, conforme preceitua o art. 528, §1º:
§ 1º Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517. (BRASIL, [2021c], não paginado).
Essa medida pode, sim, alcançar o objetivo anteriormente traçado, todavia, na maioria esmagadora dos casos, não é o que acontece. É o que Ferreira ([2013], p. 02), alude:
O desemprego de alguns devedores e a dificuldade de subsistência própria acabam por inviabilizar a eficiência da medida coercitiva e, em algumas hipóteses, o inacreditável acontece, os devedores preferem se sujeitar à restrição da liberdade ao invés de efetuarem um acordo e o pagamento da dívida que, por vezes, alcança patamares inviáveis.
Dessa forma, verifica-se que o resultado pretendido com a medida prisional estaria prejudicado, pois com sua liberdade cerceada, o alimentante estará impossibilitado de buscar meios para solver sua dívida alimentar, é o que reforça Pinto (2017, p. 91-92):
Insta salientar que a prisão civil do inadimplente de pensão alimentícia não guarda proporcionalidade com o seu equivalente previsto no Código Penal. Portanto, a prisão civil em tela não está em harmonia com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, trazendo consequentemente danos desnecessários à dignidade do ser humano, em face da existência de formas alternativas mais eficazes para o adimplemento da dívida, que consiste em dirigir a execução contra o patrimônio do devedor.
Logo, além dos danos que tal medida traz ao cerceado, tendo em vista a situação carcerária brasileira, como também danos psicológicos, é muito comum o uso da restrita como meio vingativo, em virtude das desavenças existentes entre o alimentante e o que possui a guarda do alimentado.
Assim, a medida torna-se inadequada e ineficaz e ambos os lados ficam prejudicados, pois o alimentante fica impossibilitado, com sua liberdade cerceada e, consequentemente, o alimentado sem o seu crédito alimentar. Em virtude desta ineficácia da prisão do devedor por impossibilitá-lo de buscar meios para a solvência da obrigação alimentar, a legislação prevê outras medidas alternativas que serão expostas a seguir.
3 APLICAÇÃO DOS MEIOS ALTERNATIVOS PARA SATISFAÇÃO DO CRÉDITO DO ALIMENTADO
A legislação brasileira, sobretudo o Código de Processo Civil e a Lei de Ação de Alimentos (Lei n. 5.478/60), dispõe ao credor várias possibilidades para que seu crédito alimentar seja adimplido.
Essas alternativas veem sendo adotadas pelo aplicador da lei, todavia, outras medidas, não previstas em lei, também veem sido aplicadas, conforme jurisprudências pacificadas pelos tribunais pátrios.
Outro fator que mudou o rumo das decisões foi o advento da pandemia do vírus COVID-19. Com o fato da transmissão do vírus ser muito fácil e de forma rápida, os tribunais tiveram que tomar medidas que auxiliassem na diminuição da propagação do vírus, diversas da prisão em regime fechado.
Diante disso, nesse capítulo será feito um breve estudo sobre quais meios alternativos a legislação pátria disponibiliza ao devedor de alimentos e quais alternativas inovadoras estão sendo aplicados pelos tribunais para que o débito alimentar seja adimplido com mais eficácia.
3.1 MEIOS ALTERNATIVOS À PRISÃO CIVIL POR DÉBITO ALIMENTAR NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
O Código de Processo Civil de 2015 e a Lei nº. 5.478/68 trazem exemplos de meios alternativos à prisão civil, como por exemplo o desconto em folha de pagamento, a penhora de bens e a expropriação.
O artigo 529 do CPC traz em seu teor a respeito do cumprimento de sentença por desconto em folha de pagamento, in verbis:
Art. 529. Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento da importância da prestação alimentícia. (BRASIL, [2021c], não paginado).
Trata-se de um procedimento simples onde o executado poderá ter o valor da pensão alimentícia descontado diretamente do seu vencimento mensal. Para que isso ocorra, é necessário que o alimentado peticione seguindo os requisitos dos artigos 319 e 524 do CPC.
Após o protocolo da petição inicial, o alimentante receberá uma intimação para que cumpra a obrigação voluntariamente no prazo de 15 dias, sob pena de incorrer ao crime de desobediência, conforme o artigo 529, §1º do CPC:
§ 1º Ao proferir a decisão, o juiz oficiará à autoridade, à empresa ou ao empregador, determinando, sob pena de crime de desobediência, o desconto a partir da primeira remuneração posterior do executado, a contar do protocolo do ofício. (BRASIL, [2021c], não paginado).
Mesmo que haja impugnação com efeito suspensivo por parte do alimentante, o alimentado não será prejudicado. O valor será descontado em folha, sem a necessidade de caução. É o que alude o §8º do art. 528:
§ 8º O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação. (BRASIL, [2021c], não paginado).
O §3º do artigo 529 do CPC diz que o valor descontado do vencimento do alimentante deverá obedecer a alguns limites estabelecidos em lei. O débito poderá ser parcelado e, somado à quantia devida, não deve ultrapassar o limite de 50% dos rendimentos líquidos do empregado, até que o saldo devedor seja quitado (BRASIL, [2021c], não paginado).
Outra alternativa estabelecida em lei é a expropriação de bens. Nessa modalidade será aplicada as mesmas regras estabelecidas para o cumprimento definitivo de sentença que reconheça a exigibilidade de pagar quantia certa. Optando por essa via, o credor não poderá mais se valer da prisão civil, conforme o que dispõe a primeira parte do §8º do art. 528 do CPC: “O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado [...].” (BRASIL, [2021c], não paginado).
Essa execução dependerá da propositura da execução judicial por quantia certa. O executado será citado para que, em 3 dias, efetue o pagamento. Caso não ocorra o pagamento, haverá a penhora dos bens. A obrigação só se solverá quando todo o crédito do credor ser adimplido, além das despesas do processo (art. 824; 829, §§ 1 e 2; e 830 do CPC) (BRASIL, [2021c], não paginado).
Seguindo, a coerção indireta com uso do protesto do pronunciamento judicial é outra alternativa do exequente. Consiste em uma medida a qual o devedor é condenado ao pagamento da prestação alimentícia. Ele será intimado para que, num prazo de 3 dias, prove que pagou ou justifique a falta desse pagamento. O artigo 528, §1º do CPC trata sobre, dizendo:
Art. 528. No cumprimento de Sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
§ 1º Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517. (BRASIL, [2021c], não paginado).
Se o devedor cumprir a obrigação e efetuar o pagamento, o juiz extinguirá a execução, todavia, caso não o efetue, o executado poderá apresentar sua defesa (art. 528, §2º e §6º do CPC) (BRASIL, [2021c], não paginado).
O §2º do mesmo artigo diz que a defesa do executado deverá conter justificativas conclusivas de que houve a impossibilidade absoluta de pagar o débito. Assim sendo, deve-se examinar os fatos apresentados pelo executado em sua defesa (BRASIL, [2021c], não paginado).
Não ocorrendo o adimplemento, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, de acordo com o procedimento do art. 517 do CPC.
É recorrente na jurisprudência que a negativação do nome de devedores de alimentos nos cadastros de proteção ao crédito cabe como forma de coerção indireta e possui efetividade em relação ao amparo dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. É o que edita alguns trechos do seguinte julgado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. ALIMENTOS. EXECUÇÃO. PROTESTO E INCLUSÃO DO NOME DO DEVEDOR NOS CADASTROS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO (SPC E SERASA). POSSIBILIDADE. FORMA DE COERÇÃO INDIRETA DO EXECUTADO. MÁXIMA EFETIVIDADE AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. MÍNIMO EXISTENCIAL PARA SOBREVIVÊNCIA. [...] 5. É plenamente possível que o magistrado, no âmbito da execução de alimentos, venha a adotar, em razão da urgência de que se reveste o referido crédito e sua relevância social, as medidas executivas do protesto e da inscrição do nome do devedor de alimentos nos cadastros de restrição ao crédito, caso se revelem como meio eficaz para a sua obtenção, garantindo à parte o acesso à tutela jurisdicional efetiva. [...] 7. Ademais, o STJ já sedimentou o entendimento de ser ‘possível o protesto da sentença condenatória, transitada em julgado, que represente obrigação pecuniária líquida, certa e exigível’ (REsp 750.805/RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma. 8. Trata-se de posicionamento já consagrado em legislações de direito comparado, sendo inclusive previsão do novo Código de Processo Civil, que estabeleceu expressamente a possibilidade do protesto e da negativação nos cadastros dos devedores de alimentos (arts. 528 e 782). (BRASIL, 2016, não paginado).
Portanto, a inclusão do devedor nos cadastros de restrição ao crédito em pronunciamento judicial se torna eficaz, pois o crédito do cidadão na praça é de extrema importância para suas atividades cotidianas, além de envolver valores morais, sendo esse um meio de coerção bastante eficiente, conforme bem explicam Nascimento Júnior e Nunes (2018, p. 162):
Estar negativado ‘na praça’ limita atos rotineiros da vida social do executado como contrato de aluguel e financiamento em instituição financeira, portanto, tem mais eficiência e eficácia de compelir o devedor a buscar o adimplemento da obrigação. A medida de inscrever o nome do devedor de alimentos no SPC/Serasa, além de ser alternativa coercitiva de obrigar o executado a arcar com sua obrigação, contribui para amenizar o grande volume de processos judiciais que se encontram em trâmite nas Varas de Família, e, por consequência, para a celeridade e efetividade das decisões judiciais, tutelando o direito daqueles que procuram por justiça.
Esses meios dizem respeito ao cumprimento de sentença. O Código de Processo Civil ainda elenca outra modalidade de execução tal qual é a execução de alimentos propriamente dita, fundada em título extrajudicial, nos arts. 911 a 913. (BRASIL, [2021c], não paginado).
Nela, diferentemente do cumprimento de sentença, o processo é autônomo. O executado será citado e não intimado. Além disso, o juiz, de forma sumária, fixará honorários advocatícios, conforme o que dispõe o art. 827 do CPC: “Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários advocatícios de dez por cento, a serem pagos pelo executado.” (BRASIL, [2021c], não paginado).
O executado terá um prazo de 3 (três) dias para o cumprimento voluntário da obrigação. Ocorrendo o pagamento, o valor dos honorários será reduzido pela metade. Caso contrário, o juiz dará prosseguimento ao processo, empregando o meio executório da escolha do credor, que podem ser os mesmos do cumprimento de sentença.
Não existe ordem de preferência entre as medidas alternativas mencionadas, sendo que, deve sempre ser estudado o caso em questão e ver qual medida é mais adequada para resolução do conflito e, também, buscar sempre a que seja menos onerosa ao devedor. Nesse sentido, Ferreira ([2013], p. 13) pondera que:
[...] compete ao magistrado na análise do caso verificar se a ordem prisional trará a resolução da lide e, consecutivamente o recebimento do crédito, pois se esta se demonstrar ineficaz, pode o juiz, em razão do poder geral de cautela utilizar-se de outros meios para a efetivação do direito do exequente.
Assim, diante da possível ineficácia da prisão do devedor em virtude da impossibilidade de buscar meios para a solvência da obrigação alimentar, a legislação prevê as medidas alternativas acima expostas com o fim de garanti-la. Mas, além destes permissivos legais, os Tribunais pátrios estão inovando e aplicando outras medidas que serão estudas a seguir.
3.2 MEIOS ALTERNATIVOS APLICADO PELOS TRIBUNAIS PÁTRIOS
Os estados brasileiros veem avançando e inovando em alternativas mais eficazes para que o crédito do alimentado seja adimplido, como por exemplo, a inclusão do devedor nos serviços de proteção ao crédito e o uso da tornozeleira eletrônica em prisão domiciliar. Os estados precursores dessa inovação são Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
Segundo notícia veiculada no site do Tribunal de Justiça do Paraná, em entrevista ao programa de dominical “Fantástico” da Rede Globo de Televisão, a Desembargadora Joeci Machado Camargo fala sobre uma alternativa inovadora a qual o estado do Paraná vem adotando: o uso de tornozeleira eletrônica. Busca-se com essa medida uma justiça mais humanizada e que possibilita o credor de adquirir meios para solver seu débito alimentar (PARANÁ, 2016).
No estado em questão, foram proferidas quatro decisões facultando ao devedor de alimentos o uso da tornozeleira eletrônica. Das quatro, três resultaram no recebimento do valor e, apenas uma resultou na restrição de liberdade, “Isso comprova que a medida se fez mais efetiva que a tradicional ordem de prisão, cujo mandado leva meses para ser cumprido, quando o é”, comenta a Desembargadora Joeci Machado Camargo (PARANÁ, 2016, não paginado).
A desembargadora Camargo explica que o uso da tornozeleira se dá apenas com o consentimento de devedor e que este “é intimado para comparecer ao Departamento Penitenciário (Depen-PR) e colocá-la, em data predeterminada, sob pena de, não o fazendo, ter imediatamente decretada a ordem de prisão em regime fechado (PARANÁ, 2016, não paginado). Explica ainda que:
Essa facultatividade deixa claro como a técnica é aplicada àqueles devedores que de fato não conseguiram realizar o pagamento, e não àquele devedor contumaz, que simplesmente ignora a execução e recusa-se a colaborar explica. A esses não restará alternativa senão a prisão em regime fechado. (PARANÁ, 2016, não paginado).
Ainda, outro importante passo que o Brasil avançou foi a divulgação do enunciado nº. 599 do Conselho da Justiça Federal, na VII Jornada de Direito Civil, no sentido de que o magistrado atuante da causa deverá analisar individualmente o caso do devedor e, podendo, aplicar medida diversa da prisão civil, ou, aplicando-a, sob regime aberto ou prisão domiciliar. Isso será admitido se o executado comprovar que a aplicação da medida executória fere a sua dignidade e o direito à vida (BRASIL, 2015b, não paginado).
A publicação deste enunciado foi de extrema importância para o contorno da crise prisional que o país passa ao mesmo tempo que busca o pagamento da pensão alimentícia de forma mais célere e eficaz, não deixando a vida digna do alimentado à mercê da mora processual ou do devedor que ignora a execução.
Em 2019, na 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o desembargador Luís Carlos Gambogi determinou a prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica em uma ação de execução de alimentos, argumentando no mesmo sentido em trecho destacado em entrevista dada ao portal IBDFAM:
[...] o desembargador afirmou que desde a promulgação do Código de Processo Civil/2015, entende que se tornou possível reavaliar a questão da ordem de prisão do devedor. Observou que a crise de encarceramento pela qual passa o País requer do magistrado cautela na adoção dessa medida, sobretudo quando o ilícito tem natureza civil. (MINAS GERAIS, 2021, não paginado apud IBDFAM, 2021, não paginado).
Continua o magistrado “tal medida extrema, a prisão, deve ser adotada levando-se em conta a sua visceral necessidade e eficácia para os fins pretendidos”. (MINAS GERAIS, 2021, não paginado apud IBDFAM, 2021, não paginado).
Em entrevista ao portal IBDFAM, Gambogi, ressaltou: “Eu penso que você prender alguém que está em débito, sem permitir que ele trabalhe, não pode produzir um resultado positivo e temos que levar em conta também, a meu ver, a situação gravíssima do encarceramento no nosso País.” (MINAS GERAIS, 2021, não paginado apud IBDFAM, 2021, não paginado).
Com isso, além de ser mais um meio alternativo anterior a decretação da prisão civil por débito alimentar, em regime fechado, fica claro que o uso da tornozeleira eletrônica possibilita ao devedor a continuidade das suas atividades, podendo assim com o fruto do seu trabalho, conseguir rendimentos para adimplir seu débito alimentar.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu provimento a um julgado, o qual permitiu a prisão do alimentando em regime semiaberto, podendo assim exercer suas atividades laborais, facilitando a satisfação do débito alimentar:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. REGIME SEMIABERTO. SAÍDA PARA O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORAL LÍCITA E REGULAR. CABIMENTO. PRECEDENTES. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (RIO GRANDE DO SUL, 2018, não paginado).
Ao fundamentar sua decisão a relatora, Desembargadora Sandra Brisolara Medeiros, explicou que:
Considerando que o regime semiaberto naturalmente admite o exercício do trabalho, cabível a antecipação dos efeitos da tutela para permitir a saída para fins laborativos. Ante o exposto, concedo a antecipação dos efeitos da tutela recursal para, mantida a ordem de prisão contra o agravante, determinar que a prisão civil seja cumprida em regime semiaberto, autorizada a saída para o trabalho, pelo prazo estipulado pelo juízo de origem. (RIO GRANDE DO SUL, 2018, não paginado).
Em Habeas Corpus, cedido pelo referido Tribunal, o Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves acrescentou a necessidade de comprovação do exercício de atividade laborativa, nos seguintes termos:
HABEAS CORPUS. DÍVIDA DE ALIMENTOS. ILEGALIDADE INEXISTENTE. AUTORIZAÇÃO PARA SAÍDA PARA EXERCER ATIVIDADE LABORAL LÍCITA E REGULA. CABIMENTO. 1. A lei prevê a prisão civil para o caso de inadimplemento da obrigação alimentar, sendo que eventuais pagamentos parciais não impedem a sua decretação. 2. Mostra-se cabível autorizar a saída do alimentante para desenvolver atividade laboral e no período do trabalho, desde que comprove estar desenvolvendo atividade laboratícia lícita e regular, o que deverá ser comprovado pelo paciente e regulamentado pelo ilustre julgador a quo, até mesmo para o alimentante reunir recursos que lhe permitam honrar com as suas obrigações e, especialmente, com o pagamento da pensão alimentícia. Ordem concedida. (RIO GRANDE DO SUL, 2017, não paginado).
Outro fator de grande importância que deve ser considerado é o estado pandêmico da COVID-19 em que o mundo passa. Em razão disso, já é pacífico nos tribunais[2] que se deve optar por outros meios alternativos à prisão civil como forma de inibir a propagação do vírus e garantir a satisfação do débito alimentar.
Com a crise sanitária ocasionada pela pandemia do Coronavírus, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Recomendação Nº 62/2020 com o objetivo de recomendar “aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.” (BRASIL, 2020a, não paginado).
Para tanto, a recomendação, em seu art. 6º, recomenda que os “magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus.” (BRASIL, 2020a, não paginado).
No art. 15, a recomendação estabelece o prazo de sua vigência de cento e oitenta dias, podendo ser prorrogado e antecipado seu término, conforme necessário (BRASIL, 2020a). Como a pandemia perdurou, o CNJ editou a Recomendação Nº 78/2020, prorrogando o prazo de vigência da Recomendação Nº 62/2020 para trezentos e sessenta dias (BRASIL, 2020b).
Esse é o entendimento que vem sendo firmado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - DÉBITO DE ALIMENTOS - DECRETAÇÃO DE PRISÃO EM REGIME FECHADO - SUBSTITUIÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR - POSSIBILIDADE - MEDIDA ALTERNATIVA AO ENCARCERAMENTO - PREVISÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 - PANDEMIA DO COVID-19 - MEDIDAS PREVENTIVAS À PROPAGAÇÃO DA INFECÇÃO - RECOMENDAÇÃO N. 62/2020 DO CNJ - PRORROGAÇÃO - RECOMENDAÇÃO N. 78/2020 - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. - Admite-se o cumprimento de prisão domiciliar pelo devedor de alimentos, independentemente do regime prisional estabelecido pela legislação, como alternativa ao encarceramento - Entendimento que se coaduna com a Recomendação n. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que trata das medidas preventivas à propagação da infecção pelo Covid-19, que teve o seu prazo prorrogado pela Recomendação n. 78/2020. (MINAS GERAIS, 2021, não paginado).
Outra medida diversa da prisão que vem sendo aplicada pelos Tribunais pátrios é a possibilidade de penhora dos bens do devedor. Essa medida surgiu em virtude da impossibilidade de prisão civil do devedor de alimentos decorrente da pandemia do Coronavírus e se consolidou mediante o informativo de jurisprudência nº. 702 da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça que diz: “É possível a penhora de bens do devedor de alimentos, sem que haja a conversão do rito da prisão para o da constrição patrimonial, enquanto durar a impossibilidade da prisão civil em razão da pandemia do coronavírus.” (BRASIL, 2021d, p. 16).
Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu que:
EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL SUSPENSA. PREVENÇÃO DE COVID-19. PENHORA. CUMULAÇÃO. Decisão que indeferiu pedido de pesquisas eletrônicas para a penhora de bens do devedor de alimentos, por incompatibilidade com o rito de prisão. Irresignação do exequente. Cumprimento da prisão civil do devedor de alimentos, no momento, em regime domiciliar, em razão das medidas sanitárias de prevenção da COVID-19. Regime domiciliar que pode ser pouco efetivo para o pagamento da dívida. Possibilidade de tentativa de pagamento por penhora online. Eventuais valores penhorados que devem ser descontados do remanescente, se existente, para o cumprimento da execução pelo regime de prisão. Decisão reformada. Recurso provido. (SÃO PAULO, 2021, não paginado).
Destaca-se que essa medida surgiu para garantir a satisfação do crédito do alimentado, diante da impossibilidade de prisão civil do devedor de alimentos decorrente das medidas sanitárias para combate da pandemia do Coronavírus, com vistas a diminuição do risco de contágio e da propagação do vírus. Em virtude das restrições impostas, muitos devedores alegam que estão passando por crise financeira e, por isso, não podem solver o débito alimentar. (IBDFAM, 2020).
Constata-se, portanto, que a justiça brasileira vem caminhando para uma execução alimentícia com mais eficácia, que busca, primordialmente, a satisfação do crédito do alimentado e exclui a medida coercitiva de prisão civil por débito alimentar, que aparenta ter finalidade meramente punitiva ou, até mesmo, vingativa, uma vez que não cumpre seu papel ao impossibilitar a busca do devedor por meios para solver sua obrigação alimentar.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, a única modalidade de prisão civil admitida é a do devedor de pensão alimentícia. Essa obrigação alimentar decorre das relações familiares, onde os pais (na maioria esmagadora dos casos), que não detém a guarda do menor, tem o dever de sustento em relação aos filhos, garantindo ao infante uma vida digna e de acordo com seu padrão social de vida.
Esse dever de sustento é amparado pelos direitos fundamentais que o alimentado possui, instituídos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988. O inadimplemento de tal obrigação fere a garantia do direito à vida e a dignidade do alimentado (BRASIL, 2021a).
Conforme a Súmula 309 do STJ, a decretação da prisão civil se dá quando o débito alimentar compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo. O devedor, então, é intimado para que em três dias solve sua dívida, caso não pague, a prisão é decretada, conforme art. 528. (BRASIL, 2015, não paginado).
Todavia, essa medida é caracterizada como extrema, ou seja, só deve ser aplicada em último caso e não cumpre eficazmente seu objetivo, já que, em muitos casos, impossibilita o devedor de buscar meios de solver sua obrigação alimentar. Diante disso, a legislação brasileira concede meios alternativos à prisão civil por débito alimentar que podem ser utilizados anteriormente à decretação desta medida. A expropriação de bens, o desconto em folha de pagamento, execução por quantia certa, são alguns exemplos.
Mas, mesmo diante destes permissivos legais, muitas vezes o crédito alimentar não é satisfeito. Então, para garanti-lo, os tribunais pátrios veem adotando medidas inovadoras à legislação, medidas tais que tem se mostrado mais eficazes para a alcançar o melhor interesse do alimentado, garantindo seu crédito alimentar, bem como assegurando os seus direitos fundamentais.
Esta pesquisa se propôs a estudar quais medidas estão sendo tomadas pelos Tribunais pátrios e se elas têm demonstrado maior eficácia perante a satisfação do crédito do alimentado, verificando para isso, decisões jurisprudenciais nesse sentido, além de reportagens, enunciados, informativos e súmulas.
Constatou-se que, principalmente nos tribunais da região sul do Brasil, a adoção do uso de tornozeleira eletrônica em prisão domiciliar, vem trazendo resultados satisfatórios. O acessório só é instalado no devedor com a anuência dele, o qual é anteriormente intimado para que em data determinada compareça no Departamento Penitenciário para a instalação da tornozeleira. Caso contrário, a ordem de prisão em regime fechado é imediatamente decretada.
A possibilidade do uso do acessório facilita ao devedor na busca de rendimentos para poder adimplir sua dívida, pois, durante o dia, poderá exercer suas atividades laborativas. Tais atividades devem ser comprovadas em juízo da sua regularidade e licitude.
Outra medida alternativa que vem sendo aplicada pelos Tribunais pátrios é a penhora dos bens do devedor. Esta foi a possibilidade encontrada para garantir a satisfação do crédito alimentar diante da vedação da prisão do devedor, em virtude da pandemia provocada pelo Coronavírus.
Tal inovação vem sendo repentinamente aplicada pelos tribunais brasileiros pois se mostra uma ferramenta alternativa que traz resultados positivos e eficazes para garantir o crédito do alimentando e consequentemente assegurando os seus direitos fundamentais. Além disso, a possiblidade de o devedor se ver em regime diferenciado do fechado, mostra que a justiça brasileira vem caminhando no sentido de se tornar mais humana e atenta para concretizar a finalidade da ação em prol do bem maior, tal qual, o sustento de uma vida.
REFERÊNCIAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2021a]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 15 out. 2021.
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BRASIL. Lei Nº 13.105, de 16 de março de 2002. Código processo civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2021c]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 15 out. 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (2. Turma). REsp 1.778.885-DF. Relator: Ministro Og Fernandes, 15 de junho de 2021d. Informativo da Jurisprudência n. 702. Brasília, DF: 21 jun. 2021. Disponível em: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Informjuris20/article/view/11688/11810. Acesso em: 15 out. 2021.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). REsp: 1533206 MG 2014/0345653-7. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, 17 de novembro de 2015. Brasília, DF: 01 fev. 2016. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/861589261/recurso-especial-resp-1533206-mg-2014-0345653-7. Acesso em: 15 out. 2021.
BRASIL. Lei Nº 5.478, de 25 de julho de 1968. Dispõe sobre ação de alimentos. Brasília, DF: Presidência da República, [2015a]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5478.htm. Acesso em: 15 out. 2021.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Enunciado 599 aprovado no VII Jornada de Direito Civil. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2015b. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/857. Acesso em: 15 out. 2021.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação Nº 62 de 17 de março de 2020. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2020a. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3246. Acesso em: 15 out. 2021.
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[1] Mestre em Direito. Professora da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
[2] São exemplos de decisões no sentido de adoção de meios alternativos à prisão civil em regime fechado como forma de inibir a propagação do vírus COVID-19: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJ-RS - Agravo de Instrumento: AI 0052393-57.2021.8.21.7000 RS Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG - Habeas Corpus Cível: HC 1374905-14.2021.8.13.0000 MG.
Artigo publicado em 05/11/2021 e republicado em 28/05/2024
Graduada do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DANTAS, LETÍCIA MACIEL SILVA. Medidas diversas à prisão civil por débito alimentar como instrumentos mais eficazes à satisfação do crédito do alimentado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 maio 2024, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57379/medidas-diversas-priso-civil-por-dbito-alimentar-como-instrumentos-mais-eficazes-satisfao-do-crdito-do-alimentado. Acesso em: 23 dez 2024.
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