ENIO WALCÁCER
(orientador)
RESUMO: O artigo em tela realizou uma discussão epistemológica no que tange à efetividade do Juiz das Garantias no ordenamento jurídico brasileiro por meio de uma revisão bibliográfica e de aportes legislativos. A respectiva temática surge no campo científico com maior contextualização no território brasileiro a partir do ano de 2019, quando se instituiu a Lei n. 13.964, denominada popularmente como o pacote anticrime, em que se criou a figura do Juiz das Garantias. Nesse sentido, a questão problema foi estruturada em evidenciar respostas acerca de qual discussão foi promovida sobre a efetividade do Juiz das Garantias no ordenamento jurídico brasileiro por meio da revisão de literatura e legislativa. Assim, o objetivo geral consistiu em analisar a discussão promovida acerca da efetividade do Juiz das Garantias no ordenamento jurídico brasileiro por meio de uma revisão bibliográfica e legislativa. Os aspectos metodológicos foram de uma pesquisa de natureza básica, com abordagem qualitativa e objetivo do tipo exploratório-descritivo. Ao mensurar a conclusão deste estudo, encerra-se destacando que ainda significativas discussões irão surgir referente ao campo funcional do Juiz das Garantias como forma salutar de efetividade para consubstanciar todo o espoco jurídico no Brasil.
Palavras-chave: Juiz das Garantias. Efetividade. Ordenamento Jurídico.
ABSTRACT: The on-screen article held an epistemological discussion regarding the effectiveness of the Judge of Guarantees in the Brazilian legal system through a literature review and legislative contributions. The respective theme arises in the scientific field with greater contextualization in The Brazilian territory from the year 2019 when law no. 13,964 was instituted popularly named as the anti-crime package in which it created the figure of the Judge of Guarantees. In this sense, the problem question was structured in evidencing answers about which discussion was promoted about the effectiveness of the Judge of Guarantees in the Brazilian legal system through the literature and legislative review?. Thus, the general objective was to analyze the discussion promoted about the effectiveness of the Judge of Guarantees in the Brazilian legal system through a bibliographic and legislative review. The methodological aspects were of a basic research, with a qualitative and objective approach of the exploratory-descriptive type. In measuring the conclusion of this study, it is important to highlight that still significant discussions will arise regarding the functional field of the Judge of Guarantees as a salutary form of effectiveness to substantiate all legal issues in Brazil.
Keywords: Judge of Guarantees. effectiveness. Legal System.
1.INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico brasileiro possui organicidade obsoleta que não atende as demandas recentes da sociedade na contemporaneidade, visto que os pressupostos legitimadores seguem o Código de Processo Penal instituído no ano de 1941.
Frisa-se que o referido documento em alguns momentos se contradiz com as mudanças políticas e sociais deflagradas no País em virtude dos avanços tecnológicos que obrigam a otimização e celeridade de diversas ações no campo processual. Diante desse contexto, uma significativa discussão foi iniciada no Brasil visando à importância de efetivar uma reforma legislativa que tenha garantias reais dos julgamentos e das decisões no que tange à figura do juiz no sistema jurídico brasileiro como o responsável pela persecução penal.
Ademais, o processo penal vai além de um instrumento técnico, sua aplicabilidade visa a reproduzir valores políticos e ideológicos que asseguram o poder punitivo, bem como os direitos fundamentais para preservar a liberdade do indivíduo.
Nesse sentido, ao chegar ao ano de 2019, foi promulgada a Lei nº 13.964 de 24 de dezembro, a qual instituiu a figura do Juiz das Garantias como uma práxis inovadora na legislação penal brasileira para promover uma organização em consonância com as alterações ocorridas no perfil do indivíduo na sociedade. Trata-se de um novo momento jurisdicional referente às etapas delineadas durante as fases pré-processual e processual, pois a supracitada Lei nº 13.964/19 prevê nos seus artigos 3-A a 3-F a funcionalidade do Juiz das Garantias no Código de Processo Penal.
A figura do Juiz das Garantias nada mais é do que um magistrado com atuação no âmbito criminal em fase exclusivamente pré-processual (ressalvados os crimes de menor potencial ofensivo, como, por exemplo, lesão corporal leve, exposição ou abandono de recém-nascido, omissão de socorro). Ele seria o responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário (BRASIL, 2019).
Todavia a criação jurisdicional dessa atividade não é algo novo no mundo do Direito, países europeus e do continente americano possuem essa figura atuante para consubstanciar os processos penais.
Assim, diante de buscas epistemológicas para promoção de significativas discussões acerca do objeto em tela, a pergunta-problema foi planificada para evidenciar respostas no que tange a: qual discussão foi promovida sobre a efetividade do Juiz das Garantias no ordenamento jurídico brasileiro por meio da revisão de literatura e legislativa?
Para tanto, o objetivo geral consistiu em analisar a discussão promovida acerca da efetividade do Juiz das Garantias no ordenamento jurídico brasileiro por meio de uma revisão bibliográfica e legislativa.
Os objetivos específicos foram delimitados em descrever a historicidade do processo penal brasileiro; contextualizar a figura do Juiz das Garantias implantada no mundo e no Brasil; e evidenciar o campo de atuação do Juiz das Garantias após as reformas denominadas pelo pacote Anticrime da Lei nº 13.964/2019 no ordenamento jurídico brasileiro.
Com o referido escopo organizacional, os aportes científicos foram norteados para promover diálogos bibliográficos e legislativos referentes ao objeto, visto ser uma temática que envolve inúmeras discussões.
Além do mais, é um tema de grande relevância social para estudantes e profissionais do campo da ciência do direito como uma ação de atualização para consubstanciar práticas eficazes no que tange ao processo penal e ao entendimento legal que está ocorrendo no ordenamento jurídico.
Metodologicamente, este estudo tem como base a percepção de um fenômeno no campo educacional buscando responder às questões da pesquisa, por intermédio de uma abordagem qualitativa do tipo exploratório-descritiva.
O estudo foi organizado em duas etapas, sendo a primeira utilizando uma revisão bibliográfica como principal procedimento, e a segunda efetivada por intermédio de análise documental nas legislações que enfatizam sobre o respectivo objeto. Ressalta-se que a revisão bibliográfica foi realizada por levantamentos em livros, artigos, dissertações e sites jurídicos que alcançam o tema, e, posteriormente, nas legislações do ordenamento jurídico brasileiro seguindo uma sequência de etapas para evidenciar respostas e discussões.
Dessa forma, a estrutura do artigo é contextualizada pela introdução que apresenta ao leitor o objeto do estudo. A segunda seção descreveu sobre a historicidade do Processo Penal brasileiro. A terceira seção evidenciou sobre a figura do Juiz das Garantias nos países da Europa, Alemanha, França e Estados Unidos. Doravante, a quarta seção discorreu acerca do campo de atuação do Juiz das Garantias após a reforma denominada pelo pacote Anticrime da Lei nº 13.964/2019 no ordenamento jurídico brasileiro.
Para finalizar, evidenciaram-se as considerações finais no qual a pesquisadora frisa sobre os resultados alcançados e as contribuições científicas para sociedade referente à temática, permeando uma reflexão para a ciência do Direito.
2 HISTORICIDADE DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO
O Direito Processual Penal Brasileiro é norteado por uma sistemática operacional realizada por meio de instrumentos evidenciados por técnicas e formalidades que visam à paz e à proteção do sujeito, organizado de forma estruturada para garantir os direitos como forma constitucional e resolução de conflito social no que tange as punições pelo Estado.
Nesse sentido, Brito, Fabretti e Barrionuevo (2019, p. 4) descrevem que “durante a história da justiça pena houve três tipos de sistemas processuais”, que foram denominados como o sistema inquisitório, o sistema acusatório e o sistema misto.
Conquanto os autores discorrem separadamente os formatos deliberados ao enfatizarem que:
· O sistema inquisitório foi formatado como aquele em que a doutrinaria o mais injusto, e não poderia ser realizado de outra maneira. Nesse sistema, caberia as figuras atreladas ao juiz e ao acusador não ter confusões em seus papéis, para tanto, não seria estabelecido limites para operacionalização de métodos para obter as provas necessárias, bem como o recebimento das confissões. Outro ponto neste sistema estava determinado que o juiz poderia emitir o ex officio na tratativa de impulsionar o campo processual e ao mesmo tempo impulsionar a produção das provas;
· O sistema acusatório permaneceu em vigor durante quase toda a Antiguidade grega e romana, sendo que doravante continuou na Idade Média, porém, declinou todas as normatizações no século XIII, quando o sistema inquisitório impulsionou nas determinações legais do direito.
· O sistema misto, alguns definem: o que possui configurações tanto do inquisitório quanto do acusatório, em especial, permite a consideração de provas realizadas sem o contraditório, bem como a participação do juiz na sua produção (BRITO; FABRETTI; BARRIONUEVO, 2019, p. 4).
Em tempos contemporâneos, o princípio da acusação exige que esta seja feita pelo Ministério Público no Brasil, órgão criado originariamente na França, sendo adotado por vários outros países em seu âmbito jurídico. No entanto, para compreender esse panorama atual, faz-se primordial ter a compreensão da historicidade do processo penal como um fator de extrema relevância em termos de perceber o elencado poder punitivo.
Assim, Mata (2015, p. 2) menciona que, para entender a filosofia e os princípios que regem o direito processual penal, “é preciso analisar as nuances destacadas deste poder que é rude pelos significativos marcos de violência, agressões, mortes, maus-tratos; muitas guerras, penas de morte, torturas, prisões, banimentos, crimes”.
Contribuindo com a ideia de Mata, para Capez (2021, p. 19), foi a partir do momento em que o homem passou “a conviver em sociedade, surgiu a necessidade de se estabelecer uma forma de controle, um sistema de coordenação e composição dos mais variados e antagônicos interesses que exsurgem da vida em comunidade”, sua intencionalidade era delimitar uma solução plausível em relação aos conflitos existentes por meio de instrumentos e ideais coletivos e valores que devem ser seguidos pelos sujeitos.
Historicamente, os primeiros aportes acerca das menções que tratam do Processo Penal foram discorridos na Grécia, ao considerar como crime todos os atos que prejudicavam a coletividade e deveriam receber uma repressão determinada por aquele indivíduo que foi ofendido ou humilhado.
Entretanto, Tourinho (2010, p. 107) frisa que esse processo penal era caracterizado “pela participação direta dos cidadãos no exercício da acusação e da jurisdição, e pela oralidade e publicidade dos debates”, e os “delitos que atentavam contra a própria cidade eram julgados perante a Assembleia do Povo, ou ante o Senado que procederia à acusação”.
Doravante, em Roma, o processo penal é reconhecido na história pela separação ocorrida entre os delitos públicos e os privados diante dos órgãos competentes de julgamento dos respectivos crimes. Todavia, verifica-se que os delitos eram solucionados pelo árbitro diante de um eventual litígio em que as provas eram colhidas e, assim, chegava-se à tomada de uma decisão. Segundo Mirabete (2008, p. 15),
No último século da República surge em Roma uma nova forma de procedimento: a acusatio, ficando a administração da justiça a cargo de um tribunal popular; composto inicialmente por senadores e, depois, por cidadãos.
Ao longo do tempo a acusatio, cedeu lugar à outra forma de sistema denominado cognitio extra ordinem, que ficava a cargo do senado e depois do imperador.
Em continuidade aos modelos de processo penal, destaca-se que no Germânico ocorria a distinção, assim como em Roma, entre crimes privados e públicos. No entanto toda ação processual da esfera privativa era administrada pelo rei, príncipe, duque ou conde, por intermédio de uma Assembleia, na qual o procedimento incumbia o ônus da prova ao réu em que a defesa deveria em sua práxis provar a inocência (SANTOS, 2010).
Na sequência histórica, menciona-se o processo penal canônico ou conhecido como o Direito Penal da Igreja, no qual se viabilizava a defesa dos interesses preconizados para atender as intenções da igreja, o que perdurou até o século XII. Significativas as narrativas encontradas nos elencados aportes, quando se pensa nos papéis entre julgar e determinar o processo acusatório.
A proposta desse direito era a acusação sem um juiz para acusar, e Tourinho (2010, p. 113) enfatiza que, nessa linha, quem “acusava devia apresentar aos Bispos, Arcebispos ou Oficiais a acusação por escrito, juntamente com as devidas provas colhidas no trâmite da instrução, sendo que não era permitido a época punir o acusado ausente”.
Entretanto, a contar a partir do século XIII, o respectivo sistema acusatório torna-se o inquisitivo, em que, diante da importância do processo penal, realiza a tomada de medidas drásticas para abolir a acusação dos crimes da esfera pública penal. Ademais, somente no século XVIII que surgiu um movimento de abolição do sistema inquisitivo, coordenado pelas ideais do Iluminismo, que condenava as torturas e defendia o direito de punir conforme os limites da justiça (SANTOS, 2010).
Em meados do século XX, alguns modelos foram adotados conforme narrados pela história, no qual especificamente no ano de 1832 codificou-se o primeiro Código de Processo Criminal da Primeira Instância, sendo este alterado pela Lei nº 261 de 3 de dezembro do ano de 1841 e regulamentada pelo Decreto nº 120 de 31 de dezembro de 1842.
No entanto, no ano de 1891, com a promulgação da Constituição, determinou-se que os Estados e Municípios assumissem o compromisso de organizar as suas leis e constituições. Sobre isso, conforme ressalta Mirabete (2008, p. 18),
Com a Proclamação da República e de acordo com a Constituição de 1891, os Estados passaram a ter suas próprias constituições e leis, inclusive as de caráter processual, mas poucos se utilizaram dessa faculdade de legislar. Continuou vigendo, pois, a legislação federal, na época o Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871, e a Lei nº 2.033, de 20 de setembro do mesmo ano, com as alterações introduzidas pelo artigo 407 do Código Penal de 1890.
Nesse escopo, foi com a Constituição Federal de 1937 que se iniciou a organização sistematizada do atual documento norteador do Código de Processo Penal, legitimado pelo Decreto-lei nº 3.689 de 30 de novembro de 1941. Destarte, Silva (2016, p. 1) mensura que a elaboração do CPP “foi inspirada na codificação processual penal italiana da década de 30, momento que na Itália estava em pleno regime fascista, contribuindo assim na contextualização de um código com bases extremamente autoritárias”.
Pereira (2015, on line) contribui destacando que o processo penal brasileiro apresenta algumas fases ou polos metodológicos, a saber:
· A primeira fase, sincretista, praxista, imanentista, ou procedimentalista, o processo era considerado simples meio de exercício dos direitos. A ação era o próprio Direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria forças para obter em juízo a reparação dessa lesão. Não se tinha noção do Direito processual como ramo autônomo do Direito e muito menos dos elementos para sua autonomia científica;
· A segunda fase, autonomista, conceitual, ou processualista, é marcada pelas grandes construções científicas do Direito processual. Tiveram lugar as grandes teorias processuais, especialmente sobre a natureza jurídica da ação e do processo, as condições daquela e os pressupostos processuais;
· A terceira, instrumentalista, é uma fase crítica. Após toda a evolução existente, chega-se a um momento em que se observa o processo por um ângulo externo, ou seja, examinando os resultados práticos.
Diante disso, tornar-se-á salutar evidenciar que o processo penal, no ordenamento jurídico brasileiro a partir de sua legitimação em 1941, planificou-se como um instrumental de significativa importância vis-à-vis do aparato para concretizar a justiça que se faz necessária para organização da efetividade jurisdicional e garantias para o exercício da cidadania.
Sendo assim, por intermédio da promulgação do Decreto-Lei no 3.689 datada do dia 3 de outubro de 1941, legitimou-se o Código de Processo Penal com a inserção de uma redação no qual ordenava o cumprimento dos artigos 28-A, 79, 84-A, 124-A, 133, 185, 283, 310, 395-A, 421, 492, 584, 609, 617-A, 637 e 638.
No entanto, ao chegar o ano de 1988, o Brasil passa a ter em seu escopo legal a Carta Magna, que trouxe uma reordenação estabelecida para fundamentar juridicamente o regime democrático em todo espaço brasileiro.
Diante desse cenário, bem como impulsionado pela Constituição Federal que delimitou a implementação da garantia para todo cidadão, o documento do CPP foi alvo de grandes discussões entre os doutrinadores, visto que no escopo instituído as narrativas do art. 5º não previa os artigos vigentes, dentre os quais estavam a incomunicabilidade do acusado e a possibilidade de decretação do sigilo no perfilar da ação investigativa a partir do despacho realizado da autoridade policial.
Assim, doravante delineou-se a importância de uma nova redação por meio do total de 50 (cinquenta) leis que afirmavam a necessidade de mudanças no que tange aos dispositivos para assegurar a aplicação legal do direito na sociedade.
Nesse sentido, ao utilizar a ideia de Oliveira (2020, p. 15-16), percebe-se o impulsionamento de algumas reformas para o exercício do CPP iniciadas primeiramente em 1993, em consonância com as leis supracitadas:
• Lei 8.658/1993 - Aplicação do rito do processo originário (Lei 8.038/90) nos Tribunais de Justiça dos Estados e DF e TFRs;
• Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha incluindo mais uma possibilidade de prisão preventiva;
• Lei 11343/2006 – Lei de Drogas, criando um novo rito processual para os crimes previstos na Lei;
• Lei 11.689/2008 – Alteração no procedimento do Tribunal do Júri;
• Lei 11.690/08 – Reforma na apreciação de provas (exigindo o contraditório para apreciação de provas), incumbindo o ônus da prova ao órgão acusador, inadmissibilidade da prova ilícita, forma de produção probatória, etc.;
• Lei 11.719/08 – Modificou os ritos ordinário e sumário, e trouxe normas gerais de recebimento, instrução, julgamento sumário e outras regras;
• Lei 12.403/2011 – Criação de um sistema de cautelares pessoais (prisões e diversas da prisão), fiança, liberdade provisória;
• Lei 13.964/2019 – Lei Anticrime, um conjunto de alterações em diversos ramos penais.
Essa nova reforma de 2019 determinou o pacote anticrime, o qual instituiu o Juiz das Garantias como o profissional encarregado e responsável para tomar as decisões para acompanhar e fiscalizar as investigações criminais em um nível cautelar, diferente do juiz instrutor, como enfatizado em alguns países, sem poder de instrução.
Para tanto, a referida lei visa a trazer um avanço no sistema ao dispor uma nova regra na competência da função do Juiz das Garantias para participar do julgamento da ação penal, minimizando, de forma mais efetiva, os fatores de contaminação subjetiva do julgador do processo e reforçando sua imparcialidade.
Verifica-se nessa ordenação cronológica alguns aportes como marcos legais quando se menciona sobre o CPP e a inserção da figura do Juiz de Garantias em conformidade com as alterações que foram ocorrendo na historicidade brasileira. Essas alterações, enquanto reformas apresentadas, podem causar impactos para os cidadãos que delineiam a compreensão desse papel em tempos contemporâneos para operacionalizar as ações jurídicas.
Como bem destacou Núnez Novo (2020, on line),
Profundas são as mudanças no Código de Processo Penal. Embora não constasse do projeto original, a figura do "Juiz de Garantias", responsável por controlar a legalidade da investigação criminal (fase prévia ao processo judicial), foi contemplada no texto aprovado, atendendo a uma demanda de mais de década de pesquisadores de direito processual penal que, inspirados em modelos legislativos de diferentes países dos continentes europeu e americano, reclamavam ao direito brasileiro a separação do juiz responsável pela investigação do responsável pelo processo e sentença, com vistas a propiciar maior independência e isenção ao ato de julgar.
Diante do exposto, para validação do entendimento dessa figura, tornou-se imprescindível discutir as seções a seguir, viabilizando um diálogo consubstancial no que tange à imparcialidade do juiz como pressuposto da jurisdição, visto que inúmeras já ocorreram nas redações em decorrências das discussões dos doutrinadores.
3. IMPARCIALIDADE DO JUIZ COMO PRESSUPOSTO DA JURISDIÇÃO
Para fundamentar os aportes desta se fez primordial, de maneira inicial, realizar uma contextualização definindo os princípios que circundam e delimitam o entendimento do termo ‘imparcialidade’.
Evidencia-se que ser imparcial é uma ação na qual o sujeito deve atuar com justiça, prevendo a neutralidade e a equidade, independentemente de exercer uma funcionalidade jurisdicional. Isso deve ocorrer principalmente em um país que determinou para todos os cidadãos um Estado Democrático de Direito promulgado pela Constituição Federal de 1988, em que norteou significativos princípios legais para assegurar direitos e garantias individualizadas que estejam sob o crivo da persecução penal, sendo este julgado processualmente de forma imparcial e equânime.
Ademais, buscando por menções que discorrem sobre essa ação no objeto da pesquisa, verificou-se que, ao terminar a Segunda Guerra Mundial, fez-se necessário que ocorresse uma postulação universal no que tange aos tratados internacionais; assim, diante dessa importância, exigiu-se a imparcialidade judicial para nortear o processo na democracia ocidental. Não obstante, em tempos contemporâneos, a elencada garantia vislumbrou o reconhecimento por meio da Declaração dos Direitos Humanos.
Contudo essas discussões que envolvem a imparcialidade judicial são alvo de significativas difusões para que ocorra um tribunal imparcial. Nesse escopo, Ortiz (2004, p. 106) evidencia que
É correto dizer que inexiste em nossa literatura um estudo circunstanciado que conduza a uma reflexão definitiva sobre a definição de imparcialidade, principalmente a partir do momento em que se percebe que seu alcance não se circunscreve ao âmbito da subjetividade do juiz, senão que também corresponde a um elemento objetivo básico e inspirador de um processo justo.
Nesse sentido, observa-se um caminho entre a doutrina e a jurisprudência quando o assunto é delineado para a imparcialidade, visto que a autora frisa que muito se avalia sob o fundamento legal e processual das causas em que ocorre a abstenção ou a recusa da decisão do juiz, porém sem a ineficiência das análises que evidenciaram a postura processual e legal.
Para Arthur Cesar de Souza (2005, p. 27), a imparcialidade é compreendida como parte de um todo que permite a construção doutrinária da perspectiva da “parcialidade positiva do juiz”, em que o magistrado, na condução da relação jurídica processual penal ou civil, deverá considerar as diferenças culturais, sociais, econômicas, psicológicas etc. das pessoas que participam dessa relação jurídica, a fim de que ele possa estabelecer a “persecução objetiva do todo”.
Doravante, em um outro contexto, o autor destaca que a objetividade deve ser entendida como juridicidade, e que, tanto no curso como na conclusão do processo, “o Estado-Juiz deve atuar com objetividade (no sentido de ser objetivo), segundo critérios lógico-racionais e estritamente jurídicos” (SOUZA, 2008, p. 30).
Para tanto, delineia-se a importância de nortear o respeito ao princípio que envolve a imparcialidade, pois nesse escopo o juiz cumprirá seu deve de maneira correta, além de seguir a preconização legal do seu compromisso com a sociedade e, ao mesmo tempo, enfatizando os preceitos constitucionais e os anseios da dignidade humana para os cidadãos.
4 A FIGURA DO JUIZ DAS GARANTIAS NO DIREITO COMPARADO
Verifica-se nas seções anteriormente supracitada uma contextualização histórica para seguidamente discorrer os processos pelos quais o campo funcional do Juiz das Garantias em cada país recebe atributos específicos, o modelo no Brasil seguiu as normatizações de Portugal, todavia, neste estudo planificar-se-á as ideias no modelo alemão, francês e o estadunidense para viabilizar as discussões necessárias do objeto.
Dessa forma, realiza-se um panorama estratificado desta atuação em outros países com a propositura do entendimento das fundamentações legais que foram instituídas no território brasileiro.
4.1 O JUIZ DA INVESTIGAÇÃO NO DIREITO ALEMÃO
Ressalta-se que na Alemanha a práxis do Juiz das Garantias tem uma organização legitimada com o iniciar das primeiras ideias na década de 70, quando o Juiz de Investigação - em alemão Ermittlungsrichter -, em sua composição de responsabilidade estão as questões como busca e apreensão, interceptação telefônica, oitiva de testemunhas e prisões antes do início da ação penal.
Na Alemanha, de acordo com Lima (2020, p. 230), os encargos da competência funcional de juiz da investigação, “ocorre sem prejuízo do ofício simultâneo em outro juízo comum de primeira instância ou Tribunal de Estado, ou de eventual convocação para Tribunal Superior de Estado ou para Corte Federal de Justiça (der Bundesgerichtshof – BGH)”.
Aplicando as ideias do autor, enfatiza-se que a organização jurídica que legitima a der Bundesgerichtshof foi composta por colegiados civis e colegiados penais denominados como Zivil – und Strafsenate, sendo que todo escopo oficial é realizado pelo Procurador-Geral Federal para validar todas as ações ordenadas.
Entretanto na Alemanha, existe a possibilidade de realizar a admissão de juízes da investigação por intermédio de processos de convocação para desenvolver suas atribuições em todo o país. Assim, nesse formato não irá ocorrer a competência penal pela Corte Federal.
Dessa forma, o Bundesgerichtshof desenvolve todas as ações pautadas pela atuação de 03 (três) juízes de carreira, sendo que as reclamações conhecidas pelo termo die Beschwerden são ordenadas para processar e julgar as decisões de Tribunal Superior de Estado, por intermédio de funcionalidade executada em consonância com a competência penal originária, em nível de primeira instância.
Não obstante, Miller (2019, p. 1), frisa que “a câmara de magistrados é composta por três magistrados que tenham a responsabilidade do sistema judicial, e a competência para o Juiz das Garantias incumbe aos órgãos de segundo grau (Tribunal de Grande Instance e Landsgericht)”.
4.2 O JUIZ DAS LIBERDADES E DA DETENÇÃO NA FRANÇA (Le juge des libertés et de la détention)
Ao enfatizar o nome de Juiz de instrução, logo se remete o pensamento para a França em que se denomina aquele que no pacote anticrime do Brasil foi denominado como Juiz das Garantias.
Nesse sentido, o Juiz das Garantias na França, segundo Lopes Junior (2001, p. 217), é responsável pela investigação preliminar realizada pelo juiz de instrução, “a quem corresponde a tarefa de averiguar e comprovar o fato e a participação do sujeito passivo”. O chamado Juge d’Instruction que atua quando for provocado pela vítima ou quando o Ministério Público, na sua manifestação introdutória, demandar a abertura dessa fase “acerca de fatos precisos contra uma pessoa certa ou ainda incerta” (DERVIEUX, 2005, p. 177).
Destaca-se que o ordenamento do Código de Processo Penal da França, a figura do Juiz conhecido como Juiz de Instrução era precedida dos acordos em consonância com a lei instituída para que todos os atos comprobatórios pudessem ser relevantes para consubstanciar o juízo. Não obstante, “era necessário informar sobre a personalidade do sujeito passivo, bem como os elementos que possam servir para a defesa. Investiga-se assim sobre os fatos materiais e também sobre a personalidade do autor” (LOPES JÚNIOR, 2001, p. 219).
Dessa forma, cabe ao juiz de instrução realizar um campo investigativo em favor da acusação e da defesa de acordo com os termos pessoais ou pelo uso de um oficial de polícia. Destarte, para Dervieux (2005, p. 164):
O juiz de instrução desenvolve duplo papel, como investigador e como juiz: Como investigador ele está encarregado de recolher as provas da infração, de elucidar a autoria e formalizar os autos. Como juiz, ele pode requisitar o emprego da força pública e decide sobre a realização de exames, mas, eventualmente, da colocação de pessoa investigada em detenção provisória ou sob o controle judiciário. Uma vez que os autos estejam formalizados, ele determina as imputações e decide, à vista dos requerimentos do Ministério Público, seja pelo encaminhamento da pessoa a jurisdição de julgamento, seja pela decisão de não processar.
Tão logo, neste contexto jurídico da França, no ano de 2000 criou-se a figura do Juiz das Liberdades através da Lei nº 200-516. Apenas o Juge des Libertés et de la Détention é competente para determinar a custódia ou sua prorrogação, caso ela já tenha sido decidida. Ele “divide com o juiz de instrução o poder de ordenar medidas de controle judiciário e de libertar as pessoas previamente custodiadas” (DERVIEUX, 2005, p. 164).
Doravante, no país francês, a Commission Justice Pénal et Droits de l’Homme, presidida por Delmas Marthy, nos finais da década de 80, apresentou propostas de mudanças severas no processo penal, “as quais previam a eliminação do juiz de instrução, passando a instrução a ficar a cargo do Ministério Público.
Tal proposição ainda é objeto de intenso debate, permanecendo o juiz de instrução “atuante em destacada minoria dos casos, nada obstante os mais importantes” (CHOUKR, 2011, p. 274).
Observa-se que o perfilar do juiz na França seguiu uma parametrização na intencionalidade de diminuir ou até mesmo realizar a extinção dos poderes de sua atuação no ordenamento.
4.3 O JUIZ INSTRUTOR NO DIREITO DOS ESTADOS UNIDOS
O ordenamento jurídico dos EUA, foi filiado à common law, a instituição do Grand Juro que tem a “competência funcional coincidente com a de uma instância judiciária pré-processual, não se confundindo com o júri competente para julgar as questões de fato encartadas no mérito da pretensão punitiva” (MILLER, 2019).
Aliás, ao falar sobre os Estados Unidos, torna-se importante enfatizar que o juiz americano segue as diretrizes determinadas em 1973 quando instituiu o Código de Conduta (Code of Judicial Conduct for United Status Judge), no qual pontuava deveres como princípios norteadores a serem exigidos pela conduta do indivíduo, dentre os quais estavam a honestidade, a integridade, a imparcialidade, o temperamento e a capacidade para julgamento (A Judge soul performer the dúcteis of the office Family, impartially and diligently).
Para Gracete (2019), são as chamadas responsabilidades adjudicativas, em que o juiz americano não deve ter e/ou estabelecer qualquer tipo de relação mais próxima com agentes investigadores e com membros da promotoria, com vistas a manter o dever legal de isenção.
Diante dos modelos discorridos, pode-se destacar que a figura do Juiz das Garantias mesmo com a denominação de outros termos já era uma atuação em alguns países, assim, na subseção a seguir, estruturou pelos aportes bibliográficos e legislativos o campo funcional após a promulgação do pacote anticrime.
5. CAMPO DE ATUAÇÃO DO JUIZ DAS GARANTIAS APÓS A REFORMA DENOMINADA PELO PACOTE ANTICRIME DA LEI Nº 13.964/2019 NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Antes de mensurar sobre o campo de atuação do Juiz das Garantias após a promulgação da reforma do Pacote Anticrime torna-se imprescindível criar uma redação salutar dos movimentos ovacionados no país contra a referida figura funcional no ordenamento jurídico brasileiro.
Dentre os elencados manifestos deliberados, pode-se enfatizar o processo realizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) conjuntamente com a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) que ajuizaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6298, conforme publicado no site (https://www.amb.com.br/amb-e-ajufe-ingressam-com-adi-no-stf-contra-juiz-das-garantias) em que efetivou-se um pedido de medida cautelar diante da promulgação dos artigos 3-A, 3-B, 3-C, 3-D, 3-E e 3-F, introduzidos pelo artigo 3º da nova redação preconizada pela Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que trata do Código de Processo Penal (CPP), ao criar a figura do “Juiz das Garantias”.
Frisam as entidades que o exame da Lei 13.964/2019, na parte que toca à criação do “Juiz das Garantias”, revelam que o legislador federal foi além da expedição de normas gerais, ao impor a observância imediata do “Juiz das Garantias” no âmbito dos inquéritos policiais (AMB, 2019, on line).
Diante da ação ajuizada o ministro Luiz Fux, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou-se o relator pelas entidades no dia 27 de dezembro do ano de 2019. Ressalta-se que além desta ADI, menciona-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6299, ajuizada pelos partidos políticos “PODEMOS e CIDADANIA que trouxe em seu escopo a indignação para impugnar os mesmos dispositivos do pacote anticrime, bem como o Art. 157 do Código de Processo Penal que determina o impedimento do juiz caso ele conheça a prova inadmitida nos prosseguimentos da sentença na ação penal.
Em continuidade teve a ADI nº 6300 do Diretório Nacional do Partido Social Liberal (PSL) e a ADI nº 6305 pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP que também buscaram pela impugnação dos artigos. Menciona-se que o objeto principal destas ADI´s consistia em prover ações diretas no que tange a inconstitucionalidade da elencada lei ao inferir sobre as questões técnicas e jurídicas, dentre as quais o Juiz das Garantias e institutos correlatos.
Não obstante, os documentos frisam que no Brasil um dos empecilhos para instituir o Juiz das Garantias se faz em decorrência do número insuficiente de juízes, além de um ordenamento no qual muitos processos ainda não foram totalmente digitalizados. Outro ponto se faz em relação ao papel deste juiz no que tange a possibilidade de uma flexibilização da verdade, ou seja, pela ausência de provas para execução de um julgamento.
Todavia, a figura do Juiz das Garantias foi determinada na tratativa de promover uma eficácia na diminuição do crime organizado no país, além de configurar as normas dos princípios constitucionais ao receber, autorizar ou negar uma investigação que possa afetar os interesses de um investigado.
Neste sentido, o Juiz das Garantias de acordo com Cunha (2020, on-line), surge do confronto daquilo que era tradicionalmente praticado no Brasil, na verdade apareceu no cenário brasileiro com a promessa da promoção de um processo penal galgado ainda mais com as rédeas da imparcialidade com dois magistrados regendo a persecução penal.
Nessa organização funcional, caberia ao primeiro, o das garantias, atuar na fase preliminar de investigação criminal exercendo controle de legalidade e salvaguardando direitos individuais fundamentais, por conseguinte o segundo, deveria assumir toda a instrução processual e julgar o feito.
Na concepção de Lopes Jr. e Ritter (2016, p. 76), “trata-se, o juiz das garantias, do aprimoramento (e até se poderia dizer tentativa de salvação) da jurisdição penal atual, que inválida, ilegítima e ilegal, se não for exercida de forma imparcial”.
Acrescenta Giacomolli (2012, p. 305), que no momento da instituição das atribuições do Juiz das Garantias estava a “condição de garantidor de um processo penal democrático, em contraponto ao exercido atualmente, o processo penal totalitário”. Ademais, existia assim, uma separação do juiz da fase decisória como uma ideologia em que deveria ser feita otimização da prestação jurisdicional no sentido de propiciar garantias constitucionais, evitando excessos persecutórios.
Nesse sentido, entende-se que a práxis da figura do Juiz das Garantias, não é uma legitimação inovadora, mas ganhou maiores validações na estrutura jurídica brasileira na intencionalidade de deliberar uma otimização pautada em quesitos de imparcialidade.
No entanto, Silva (2012, p. 11), mencionou:
Por quase quatro séculos prevaleceu-se no Brasil a figura do juiz inquisidor, ao qual se conferiu amplos e irrestritos poderes de investigação, no exercício promíscuo das funções policiais e judicantes. Esse cenário só começou a ser mitigado em 1871, com a efetiva separação entre as aludidas funções, proposta pela Lei nº 2.033. Criou-se neste momento o inquérito policial atribuindo sua presidência à autoridade policial.
Ressalta-se que essa divisão estrutural mencionada pela autora, foi mantida e definitivamente delineada pelo Código de Processo Penal de 1941, o qual, encontra-se vigente até os dias contemporâneos como instrumento legal e orientador.
Acrescenta Andrade (2011), que a otimização desta atuação jurisdicional na figura do Juiz de Garantias implicava no aperfeiçoamento da própria atividade judicante que permite uma prestação em aspectos quantitativos das demandas que digam sobre o respeito aos direitos e garantias fundamentais de acusados.
No entanto, muitos juízes não comandam as investigações, porém asseguram alguns poderes dentre eles estão a determinação, inspeções de ofício, produção de provas como previsto no Art. 156 do CPP, e das provas domiciliares determinadas no Art. 242 (BRASIL, 1941).
Ao consultar a Carta Magna, o Art. 95 enfatiza aos juízes a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios (BRASIL, 1988). Neste diálogo atributivo Pacelli (2015), destaca na CF de 1988, em seu artigo 5°, nos incisos XXXVIII e LIII que trazem a garantia do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, e respectivamente, que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
Todavia, frisa-se que as discussões envoltórias relacionadas ao Juiz das Garantias no Brasil, advêm desde o ano de 2009. Para tanto, Silva (2012, p. 64):
O anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal apresentado em 2009 ao Senado trouxe a inovação que mais causou alvoroço na proposta de criação de um novo personagem na cena processual brasileira, o Juiz das Garantias. Essa nova figura surge, nos termos do anteprojeto, como legítimo baluarte do modelo acusatório, salvaguardando os direitos fundamentais do acusado na investigação criminal.
O Juiz das Garantias surgiu com o compromisso de garantir o “distanciamento do juiz responsável pela decisão de mérito do processo em relação aos elementos de convicção produzidos e dirigidos ao órgão de acusação” (BRASIL, 2009, p. 17).
No escopo deste primeiro Projeto de Lei do Senado que ficou conhecido pelo número 156/09, tinha no seu texto algumas responsabilidades que competia ao Juiz das Garantias o controle da investigação criminal e a salvaguarda dos direitos dos cidadãos.
Aduz Andrade (2009), acerca do Juiz das Garantias na Revista de Informações Legislativas do Senado:
A proposição do Juiz de Garantias é o resultado de uma recente aspiração da doutrina nacional, que busca uma revisão da atuação do juiz na fase de investigação e, por decorrência, também do instituto da prevenção. Em termos simples, a proposta está voltada ao redimensionamento da atividade judicial ao longo da persecução penal primária, pois teria o magistrado competência para atuar como garantidor dos direitos fundamentais do investigado. Em vista disso, a atuação na fase de investigação passaria a ser entendida como um critério de exclusão desse mesmo juiz em relação à futura fase processual, ao invés de ser entendido como um critério de atração, que é o que leva à existência do instituto da prevenção. Como fundamento para essa proposição, afirma-se que “em nenhum momento esse juiz da fase pré-processual poderá ser o mesmo que irá instruir e julgar o processo”, pois “Juiz prevento é juiz contaminado”.
Dentre as atribuições do Juiz das Garantias neste momento de historicidade estavam as descrições mensuradas por Corrêa (2010, p. 99-100):
I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do Art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil;
II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no Art. 555;
III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença;
IV – ser informado sobre a abertura de qualquer investigação criminal;
V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar;
VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las;
VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa;
VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pelo delegado de polícia e observado o disposto no parágrafo único deste artigo;
IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;
X – requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;
XI – decidir sobre os pedidos de: a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação; b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico; c) busca e apreensão domiciliar; d) acesso a informações sigilosas; e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.
XII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;
XIII – determinar a realização de exame médico de sanidade mental, nos termos do art. 452, § 1º;
XIV – arquivar o inquérito policial;
XV – assegurar, prontamente, quando se fizer necessário, o direito de que tratam os Artigos 11 e 37;
XVI – deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;
XVII – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.
Entretanto, após essa contextualização frisa-se nesta seção as maiores significações a partir da promulgação da Lei nº 13.964/2019 que na ideia de Lopes Junior (2020, p. 26), enfatiza-se que essa legitimação trouxe relevantíssimas alterações na base do processo penal, especialmente “com a recepção expressa da estrutura acusatória (art. 3º-A) e da figura do Juiz das Garantias (arts. 3º-A a 3º-F do CPP), que afeta diretamente a questão da imparcialidade judicial”.
Assim, ao instituir a Lei nº 13.964/2019 delimitou-se a figura no Juiz das Garantias no ordenamento jurídico brasileiro diante de uma percepção que ao longo da historicidade do processo penal no Brasil o juiz assegurou a execução de várias posturas no que concerne as investigações preliminares.
Neste diálogo Oliveira Filho (2020, p. 88), menciona que uma das ideias trazidas pela referida Lei 13.964/2019, quando “criou o Juiz das Garantias, foi a permissão das questões investigativas preliminares no qual possibilitasse a maior amplitude do contraditório e em alguns casos a ampla defesa, permitindo que o inquérito e outros procedimentos fossem guiados a uma ótica mais acusatória”.
Além disso, reacendeu-se com a promulgação da referida lei uma grande discussão acerca dessa figura, visto que sua atuação muda a atual estrutura do judiciário, visto que a funcionalidade fica restringida ao zelo legal no campo investigativo criminal e pela tutela dos direitos e garantias fundamentais.
Ressalta-se que a autoridade do papel do juiz no ordenamento jurídico da lei conhecida popularmente como Pacote Anticrime norteou o Juiz das Garantias como uma ação inovadora, ao determinar que o campo de sua atuação perfaz a fase de investigação e recebimento das acusações conforme determinado no art. 3º-A.
O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase da investigação e a substituição da atuação probatória do órgão da acusação, percebemos aí a importância do Juiz das Garantias para o processo penal, assegurando a distinção entre atos de investigação e atos de prova e, por sua vez, efetivado o direito de ser julgado com base em provas produzida em contraditório judicial (BRASIL, 2019).
Segundo Núñez Novo (2020, on-line), o Juiz das Garantias é o “responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais”. Além disso, o autor enfatiza que no campo de suas competências, cabe ao juiz “decidir sobre a prisão provisória, sobre o afastamento dos sigilos fiscais, bancários, dados pessoais e telefônicos, procedimentos de busca e apreensão”.
Acrescenta o autor, mensurando que a nova figura do juiz das garantias vai ficar responsável por decisões tomadas durante a investigação. Por exemplo:
· decidir sobre a autorização ou não de escutas, de quebra de sigilo fiscal, de operações de busca e apreensão;
· requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;
· determinar o trancamento do inquérito quando não houver fundamentos suficientes para a investigação;
· julgar alguns tipos de habeas corpus;
· decidir sobre a aceitação de acordos de delação premiadas feitos durante a investigação (NÚÑEZ NOVO, 2020, on line).
Nesse sentido, entende-se que a práxis dessa funcionalidade consiste na estrita legalidade que assegura a tutela das garantias essenciais para os acusados na primeira fase quando inicia o processo da persecução penal até o momento da exordial acusatória.
Ademais, um ponto a ser destacado se faz em relação à atuação, visto que se o magistrado estiver exercendo a função de Juiz das Garantias, não poderá ser juiz da instrução e julgamento. Segundo Wagner Frozi (2020), é importante observar que na nova lei, toda a fase inicial do trabalho do Juiz das Garantias ao começar pela:
persecução penal (fase investigatória) será fiscalizada e presidida pela referida personalidade, e só se encerrará quando do oferecimento da denúncia ou queixa. Outra interessante alteração trazida pela nova lei é que o juiz da instrução não terá sequer acesso aos autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias, que ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição apenas do Ministério Público e da defesa. Portanto, às partes, Ministério Público e Defesa, fica assegurado o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias. Também, as decisões do juiz das garantias não vinculam o juiz da instrução, que não só poderá, mas deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de 10 (dez) dias.
Assim, ressalta-se que todas as decisões instituídas pelo Juiz de Garantias não serão vinculadas ao Juiz do Processo, visto que as atividades dirigidas devem obstaculizar o campo das diligências investigativas para seguridade individual que cerceiam o acusado.
6.CONCLUSÃO
Ao chegar à conclusão deste estudo, observa-se a importância de discutir sobre a efetividade da figura do Juiz das Garantias após a legitimação do pacote anticrime, visto que trata-se de uma reforma nova instituída praticamente em um momento no qual o país enfrenta uma pandemia sanitária.
Para tanto, algumas reflexões devem ser sistematizadas para nortear futuras discussões com os resultados apresentados na pesquisa, assim, delineia-se 03 (três) pontos a serem destacadas nesta conclusão, sendo imprescindível frisar que:
· primeiro, a importância real da fundamentação legislativa no ordenamento jurídico quanto a necessidade das atribuições internas ao ser criada a figura do Juiz das Garantias em tempos contemporâneos que ocorre o impulsionamento tecnológico;
· segundo, ao analisar o formato brasileiro com os modelos mencionados dos países da Alemanha, França e Estados Unidos, visto que especificamente as figuras recebiam nomes diferenciados, porém com atribuições norteadas legalmente. Na Alemanha é concebido o Juiz de Investigação (Ermittlungsrichter), na França o Juiz das Liberdades e nos Estados Unidos a instituição do Grand Jury. Observa-se que nos países existem delimitações, o que configura a importância de legitimação maiores para evitar problemas nos aportes decisórios quanto às atribuições da elencada figura do Juiz das Garantias;
· terceiro, vale ressaltar que mesmo sendo essencial a criação de discussões para definir quanto a figura do Juiz das Garantias no Brasil, percebeu-se um avançar no processo evolutivo em pensar em sua atuação no judiciário, mesmo estando suspensa a decisão do STF em dar continuidade e validade para o campo funcional.
Por certo, ainda ocorrerão muitos debates sobre o Juiz das Garantias no ordenamento brasileiro por estudantes, professores e profissionais do campo do Direito, em decorrência da essencialidade de mudanças no Código de Processo Penal que realiza alterações em tratativas para viabilizar a efetividade e a celeridade ao empregar nas questões processuais sob o olhar do Juiz das Garantias no território brasileiro.
Entretanto, a referida temática envolve um debruçar por parte dos profissionais do Direito em realizar aparatos discursivos conjuntamente com a sociedade para realizar um diálogo para que o cidadão compreenda esse campo de atuação jurídica, pois, ao ser criada a funcionalidade do Juiz das Garantias a intencionalidade principal foi aperfeiçoar o sistema acusatório diferentemente do juiz que vai desde a primeira jurisdição, inquérito e condenação.
Além de acrescentar em seu campo de atuação a responsabilidade legal da investigação criminal que busca pela salvaguarda dos direitos individuais por meio de um controle da legalidade ao decidir pelo recebimento ou não de uma denúncia ou até mesmo pela absolvição ou não do réu.
Ademais, todo o poder decisório do Juiz das Garantias perfaz a compreensão de todos os crimes, com exceção das infrações penais de menor potencial de ofensa, delitos, contravenções com pena igual ou inferior a 02 (dois) anos.
Por fim, parafraseando uma fala de Benigno Núñez Novo, a instituição da figura do Juiz das Garantias, traz uma medida de grande significado para o país, principalmente pela importância de constituir um Código Penal em consonância com a realidade contemporânea da sociedade, derrubando, desta maneira, um documento fascista ou ditador.
Assim, um novo documento atualizado para consubstanciar a área penal deve ser realizado e discutido no país, pois o perfil do indivíduo mudou diante da ascensão tecnológica que otimizou inúmeras ações sociais, não podendo desta maneira que os aparatos do ordenamento jurídico fiquem obsoletos e sem acompanhar a celeridade que se faz primordial para delimitar o direito do cidadão em sua dignidade e deveres.
Para tanto, o delineamento atributivo do Juiz das Garantias tem em sua práxis a possibilidade de diminuição de um quadro existencial de inúmeros processos que deveriam ser tramitados e evitar as vezes o cumprimento até mesmo de sujeitos que não cometeram nenhum crime, ou que necessitam de uma revisão.
Entretanto, em um país como o Brasil, muitas ações que poderiam melhorar a efetividade não são bem recebidas, e algumas vezes são suspensas, como foi o caso da legitimação do Juiz das Garantias em que as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 6298, 6299, 6230 e 6305 suspenderam a eficácia dos dispositivos regulamentadores desta função por meio do relato do Ministro Luiz Fux.
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Artigo publicado em 16/11/2021 e republicado em 07/05/2024
FORMADA EM ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS - ULBRA. HISTÓRIA - UCG/GOIÂNIA, ESTUDOS SOCIAIS UCG e GRADUADA EM DIREITO PELA FASEC 2021-2 PROFESSORA DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS (INGLÊS E FRANCÊS)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GABRIEL, Juridisse Miranda. O juiz das garantias na legislação brasileira: um estudo sob a ótica do direito comparado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 maio 2024, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57457/o-juiz-das-garantias-na-legislao-brasileira-um-estudo-sob-a-tica-do-direito-comparado. Acesso em: 10 out 2024.
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