RESUMO: A Lei nº 12.403/2011, dentre outras providências, alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal, referentes à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares. Interessa de perto, neste momento, a prisão preventiva. Será demonstrado, sucintamente, a evolução desse instituto jurídico desde a sua concepção pelo Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941, até a atualidade. Também será examinado a mudança de paradigma dessa medida, consolidada pela Lei 12.403, com a análise das novas diretrizes dessa prisão processual. O interesse se justifica porque a decisão de manter ou não o imputado preso – e isso, agora, necessariamente deve ser feito mediante prisão preventiva. A existência de centenas de milhares de presos provisórios em território nacional traduz em números a importância do tema e, inegavelmente, foi razão para a alteração do CPP em 2011 e mais recente com o pacote anticrime.
PALAVRAS-CHAVE: Prisão Preventiva. Presunção de Inocência. Compatibilidade.
ABSTRACT: Law No. 12,403/2011, among other measures, amended several provisions of the Code of Criminal Procedure, relating to procedural arrest, bail, provisional release and other precautionary measures. At the moment, preventive detention is of interest. It will be briefly demonstrated the evolution of this legal institute since its conception by Decree-Law nº 3.689, of October 3rd, 1941, until today. The paradigm shift of this measure, consolidated by Law 12,403, will also be examined, with the analysis of the new guidelines for this procedural arrest. The interest is justified because the decision whether or not to keep the accused in prison - and this, now, must necessarily be done through preventive detention - is one of the most important in criminal proceedings, with consequences not only on the effectiveness of the material law but also on society and in the life of the imputed. "The development of pre-trial justice is a story of philosophical debates, practical challenges, broadening research and evolving standards." The existence of hundreds of thousands of pre-trial detainees in national territory translates into numbers the importance of the issue and, undeniably, was the reason for the alteration of the CPP in 2011 and more recently with the anti-crime package. Alternatives to prison are sought, giving other options to the judge and abandoning the archaic “binary or bipolar system” of prison or liberty.
KEYWORDS: Pre-trial Detention. Presumption of Innocence. Compatibility.
Sumário: 1. Introdução - 2. Conceito e fundamentos da prisão preventiva. 2.1 Histórico sobre prisão preventiva. 2.2 Fundamentos legais da prisão preventiva. 2.2.1 Conceitos legais e doutrinários sobre a prisão preventiva. 2.2.2. Compatibilidade da prisão preventiva frente ao princípio da presunção de inocência. 2.2.3 O Instituto da prisão preventiva sob o prisma da presunção de inocência. 3. Conclusão. 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda o instituto da prisão preventiva para garantia da ordem pública; da ordem econômica; pela conveniência da instrução criminal; para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência e materialidade do crime e indícios suficientes de autoria, no ordenamento jurídico brasileiro, com foco na questão de sua legitimidade frente ao princípio da presunção de inocência, assegurado na Constituição Federal de 1998. Analisa-se, desta maneira, qual medida é possível para compatibilizar o princípio da presunção de inocência e o instituto da prisão preventiva para garantia da ordem pública, uma vez que esta não possui finalidade instrumental, inerente às medidas cautelares. Nesse artigo, são apresentadas as diversas posições doutrinárias acerca do tema, mostra-se que prevalece a divergência de opiniões no que se refere à possibilidade dessa compatibilização. Há posições extremadas, que defende a inconstitucionalidade de tal modalidade de prisão dado seu típico caráter extraprocessual, o que faz com que a custódia preventiva se consubstancie em uma pena antecipada; bem como há quem defenda a possibilidade de uma interpretação da cláusula de ordem pública conforme a Constituição Federal, sustentando a necessidade de, além da instrumentalidade, acautelar o meio social. For fim, após analisar a garantia da ordem pública que é inerente ao clamor público, a magnitude do crime e à reiteração delitiva, entende-se que somente há de se falar em legitimidade da prisão preventiva para garantia da ordem pública nos casos de comprovada possibilidade de reiteração criminosa, em que, a partir de um juízo de ponderação a ser realizado no caso concreto, entenda-se que a entidade dos bens jurídicos que possam ser eventualmente colocados em risco pela liberdade do acusado seja superior ao dano ocasionado pela privação de sua liberdade, por mais que essa seja a mais drástica medida cautelar antes da sentença.
2 – CONCEITO E FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA.
2.1 Histórico sobre prisão preventiva.
As prisões, historicamente, eram um local onde o acusado esperava o seu julgamento. Em caso de condenação, o que quase sempre acontecia, as penas eram cruéis podendo ser até mesmo de morte. Apenas no final do século XVIII e início do século XIX, a detenção passou a ser vista como sanção criminal sobre um delito praticado por alguém, passando, a prisão, a se tornar peça fundamental no conjunto de punições. (AMARAL, 2013)
No Brasil não foi diferente e, até o século XVIII, as prisões eram locais de custódia, onde o réu ficava resguardado até o julgamento e a aplicação da pena. Vale lembrar que nessa época as penas eram de morte, tortura, humilhação, lesões corporais, como mutilações, e confisco de bens, até que em 1824, com a nova Constituição Brasileira, as penas cruéis foram banidas. (ENGBRUCH, 2012).
Em 1830, foi sancionado o Código Criminal do Império do Brasil pela lei de 16 de dezembro de 1830. O Código substituiu o livro V das Ordenações Filipinas de 1603, que mesmo depois da Independência continuou em vigor por determinação de uma Assembleia Nacional Constituinte. O Código Criminal do Império introduziu a prisão simples e a prisão com trabalho, e possuía quatro partes, sendo elas: dos crimes e das penas; dos crimes públicos, dos crimes particulares e dos crimes policiais. Foi complementado posteriormente pelo Código do Processo Penal de 1832. Em 1890 foi promulgado o novo Código Penal, que autorizava a prisão preventiva caso a autoridade não fosse obedecida depois da 3ª advertência. (ENGBRUCH, 2012).
Em 1940, com o advento do Código Penal a pena de morte foi definitivamente abolida, mantendo-se o sistema progressivo de cumprimento das penas privativas de liberdade. Em 1977, foi promulgada a Lei nº 6.416, que alterou o processo penal e brasileiro. A mudança mais significativa no cenário brasileiro com relação à execução da pena, veio com o advento da Lei nº 7.210/84 – Lei de Execuções Penais – que, efetivamente, passou judicializar a execução penal no país. (AMARAL, 2013).
2.2 Fundamentos legais da Prisão preventiva.
A Constituição Federal, que é a norma de maior hierarquia do país, na redação do artigo 5º, LXI, traz os requisitos mínimos para que seja decretada prisão, nesse sentido: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
Além da cláusula pétrea prevista no artigo 93, IX, da Constituição Federal Brasileira, que afirma, “todos os julgamentos dos órgão do poder judiciário, serão publicados, e fundamentadas todas as decisões”, tal lição, é semelhante a que consta no artigo 315 do Código de Processo Penal, em razão disso, é cogente que o magistrado apresente causas fundamentadas para privar alguém de sua liberdade, sendo intolerável a mera repetição de termos legais, sem apontar, em quais fatos se apoia para extrair sua conclusão.
Antes da Lei 12.403/2011, constituíam quatro hipóteses de especificação do chamado periculum in mora, quais sejam: conveniência da instrução criminal; garantia da aplicação da lei penal; garantia da ordem econômica e garantia da ordem pública. Com o advento da supracitada lei, a prisão preventiva passa a poder ser decretada, também, em caso de inadimplemento dos deveres impostos por outras medidas cautelares.
Ao se tratar de periculum libertatis, é de suma importância que a autoridade judiciária detecte, quais os atos característicos futuros que se almeja evitar, e indicar quais foram os elementos fáticos, que induziram à convicção de que esse ato possa se concretizar.
A nova redação, o artigo 312 do Código de Processo Penal, vigora da seguinte maneira:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
§ 1° - A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.
O caput do artigo 312 do Código de Processo Penal, descreve quatro fundamentos da prisão preventiva, quais sejam: a garantia da ordem pública; a conveniência da instrução criminal; a garantia da aplicação da lei penal e a garantia da ordem econômica.
A primeira hipótese, de garantia de ordem pública, é normalmente relacionada à continuidade da prática criminosa, podendo, ou não, ter analogia ao delito que tenha se praticado.
Na lição de Norberto Cláudio Pâncaro Avena o qual disserta com acerto sobre o instituto, leciona: “Compreende-se justificável a prisão preventiva para a garantia da ordem pública quando a continuidade do acusado em liberdade, pela sua alta periculosidade, implicar intranquilidade social em razão do receio de que volte a delinquir”. (AVENA2017, p. 981).
Já na hipótese de garantia da ordem econômica, o legislador especificou a uma determinada categoria de crimes ligados as questões de livre-concorrência, livre mercado, domínio de marcado de bens e serviços, entre outros e, sendo imprescindível que a gravidade da infração, a repercussão social e a probabilidade de reiteração da conduta criminosa, sejam fatores que evitem a paz social.
O terceiro fundamento para estabelecimento da prisão preventiva, conforme previsto no artigo 312 do Código de Processo Penal, está relacionado com a conveniência da instrução criminal, cujo o objetivo da prisão é prender o indiciado que, em liberdade, coloca em risco a produção de provas e atrapalha a instrução criminal.
O quarto fundamento para decretação da prisão preventiva, refere-se ao fato de o juiz identificar que o acusado tentará se desvencilhar da aplicação da lei penal, por motivo de fuga, para não se submeter à pretensão penal decorrente de futura condenação.
A Lei nº 12.403, disciplinou nova redação ao artigo 313 do Código de Processo Penal, o qual definiu das condições em que se admite a prisão preventiva, verbis in:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I - Nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - Se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - Se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
§ 1° - Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
2.2.1 Conceitos legais e doutrinários sobre a prisão preventiva.
Em se tratando de prisão preventiva, Guilherme de Souza Nucci, assevera que é “uma medida cautelar de constrição à liberdade do indiciado ou réu, por razões de necessidade, respeitados os requisitos estabelecidos em lei”. (NUCCI 2012, p. 604).
Segundo Eduardo Luiz Santos Cabette, a prisão preventiva está ligada a fatores de exigência e adequação, conforme proporcionalidade de sua aplicação aos casos objetivos.
Norberto Cláudio Pâncaro Avena, desenvolveu conceituou a prisão preventiva como “modalidade de segregação provisória, determinada judicialmente, desde que afluam os pressupostos que a permitem, e as conjecturas que a admitem”, (AVENA, 2017, p. 972).
Assim, seguindo raciocínio do dispositivo legal, Walfredo Cunha Campos, conceituou a prisão preventiva como segue: “É a prisão cautelar decretada em qualquer fase das investigações policiais ou do processo penal, sendo fundamentada na necessidade de se resguardar a ordem pública, a instrução criminal ou a futura pretensão da lei penal”.
Como já fora citado anteriormente, a lei nº 12.403, alterou diversos artigos do Código de Processo Penal. Assim, se procedeu, no artigo 1º, a nova redação para o artigo 282, § 4º e § 6º do CPP, in verbis:
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:
§ 4º - No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do art. 312 deste código.
§ 6º - A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observando o art. 319 deste código.
Nos casos em que o juiz verificar que o indivíduo perpetrou o fato protegido pelas excludentes de ilicitude, através de provas constantes nos autos, a prisão preventiva não poderá ser decretada, conforme leciona o artigo 314 do Código de Processo Penal.
A prisão preventiva tem natureza cautelar, tendo em vista a disposição do artigo 312, referente aos fundamentos, sendo sua finalidade a tutela da sociedade, a investigação criminal e a aplicação da penal. É importante salientar, conforme disposição do § 6º do artigo 282, deve ser evitada, sendo decretada apenas nos casos especificados em lei.
2.2.2 – COMPATIBILIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA FRENTE AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
2.2.3 O Instituto da prisão preventiva sob o prisma da presunção de inocência.
Ao abordar tema prisão preventiva, inevitavelmente, surge a compulsão de avaliar sua compatibilidade com o princípio da presunção de inocência. Isso porque “O direito à presunção de inocência estabelece princípio impulsionador e reitor, por dignidade, do regime de prisão provisória”, (SANGUINE. Prition provisional 2003, p. 230).
O princípio da presunção de inocência, analisado sob um panorama mais drástico, induziria à completa inadmissibilidade das prisões decretadas antes da condenação. Nesse sentido, visando resguardar a ilegitimidade do encarceramento preventivo, temos Luigi Ferrajoli. Este, em sua obra "Direito e Razão", após desenvolver um panorama histórico do princípio da presunção de inocência e relacionar tal instituto com o princípio da submissão à jurisdição, bem como analisar o instituto da prisão preventiva, manifestou-se favorável à ilegitimidade do cárcere preventivo. Assim Dispõe o autor:
Penso que a mesma admissão em principio ante aiudicium, qualquer que sejam o fim que lhe queira associar, contradiz na raiz o princípio da submissão à jurisdição. Que não consiste na possibilidade de detenção apenas por ordem de um juiz, mas na possibilidade de sê-lo só com base em um julgamento. Além disso, toda prisão sem julgamento ofende o sentimento comum de justiça, sendo entendido como um ato de força de arbítrio. (FERRAJOLI Direito...., 2002. p. 446)
Contudo, no que se refere ao clássico antagonismo entre presunção de inocência e prisão preventiva, verifica-se que, atualmente, a doutrina majoritária defende a impossibilidade de se sustentar a completa ilegitimidade da prisão provisória.
Sendo assim, a doutrina mais fundamentada, encarou a questão relativa à natureza jurídica da presunção de inocência, apontando que esta não é uma verdadeira presunção em sentido técnico-processual, visto que não é possível encontrar nela todos os elementos que configura a estrutura das presunções. Em outras palavras, a presunção de inocência não pode ser tida como uma presunção legal (ou de direito).
Destarte, a doutrina converge no sentido de qualificar a presunção de inocência como uma verdade provisória. Logo, a presunção de inocência protege o suspeito em todo o caso até que, se produza a prova e, com ela, a garantia jurídica da culpabilidade. As verdades interinas distinguem-se das presunções legítimas, haja vista que, estas necessitam de uma prova antecipada no processo, para que, a partir dessa prova, passar ao fato desconhecido através de uma regra logica ou de experiência. De modo distinto, a verdade interina não existe ligação entre duas afirmações, bem como não existe um fato real comprovado para se chegar ao fato presumido: esse aparato de enlace extraído na normalidade, é substituído pelo mandato estabelecido pelo legislador antecipadamente. No caso da presunção de inocência, na ausência da prova de culpa equivale, enquanto não se produza prova em contrário, tem-se, portanto, que a presunção de inocência, no Processo Penal, assemelha-se a uma presunção turis tantum, a qual manifesta seus efeitos até que seja afastada por uma prova que demonstre o contrário.
Outrossim, considerada a natureza de verdade provisória atribuída à presunção de inocência, esta pode entregar-se a prisão preventiva quando, demonstradas a materialidade delitiva e os indícios de autoria, bem como se a prisão preventiva estiver baseada na absoluta necessidade. É nesses temos, o Código de Processo Penal, em seu artigo 312, autoriza a decretação da prisão preventiva, desde que conste uma das condições ali elencados, sempre que presentes os pressupostos de "prova da existência do crime” e” indícios suficientes de autoria”. (VARALDA, Restrição..., 2007, p. 53), (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 30. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. 3 p. 519-520).
Destarte, certo é que a presunção de inocência não pode ser aplicada com todo o seu rigor verbal, pois, se assim fosse, nenhuma prisão preventiva estaria justificada. Certo é também, consoante exposto, que a doutrina majoritária, bem como a jurisprudência, entende pela compatibilidade entre os dois institutos. Assim, admitida a compatibilidade, imprescindível é encontrar um ponto de equilíbrio entre a presunção de inocência e a prisão provisória.
Em busca do referido ponto de equilíbrio, Odone Sanguiné salienta, primeiramente, que a prisão preventiva será legitima ou não de acordo com os fins com os quais ela se relaciona e que, dado a função limitadora que a prisão de inocência desempenha frente à prisão preventiva, esta deverá ser sempre excepcional" Nesse termos, funcionando a presunção de inocência como limite de caráter teleológico para encher o vazio de fins, entende o referido autor que- para que se obedeça ao significado de presunção de inocência como regra de tratamento do imputado - o critério e limite constitucional reitor para distinguir entre fins legítimos e fins inconstitucionais da prisão preventiva é a proibição que esta tenha como finalidade a antecipação da pena. (SANGUINE, Prisión provisional.... 2003, p. 440), (74 Ibid. p. 441), (75 Ibid., p. 447).
De qualquer sorte, em que pese a dificuldade do tema, Odone Sanguiné salienta que a doutrina mais garantista vem convergindo pelo menos em relação a um ponto: a prisão preventiva não pode ter um caráter exclusivo de pena, não pode ser decretada como uma antecipação da pena, já que esta só poderá ser imposta pela condenação definitiva. (SANGUINÉ, Prisión provisional..., 2003, p. 446-447).
Nessa linha de argumentação, defende Sanguiné que, a fim de que a prisão preventiva não tenha finalidade punitiva, ela não pode perseguir fins de natureza penal (prevenção geral e especial), mas apenas fins de caráter processual “assegurar o processo e a prova". (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral, parte especial. 6. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 379).
Com efeito, grande parte dos autores sustenta que a harmonização entre a presunção de inocência e a prisão preventiva pode ser alcançada sempre que a privação de liberdade tiver uma finalidade exclusivamente cautelar, aqui sendo cautelaridade vinculada à noção de instrumentalidade.
Antônio Magalhães Gomes Filho compartilha desse ponto de vista ao afirmar que "as prisões decretadas anteriormente à condenação encontram justificação apenas na excepcionalidade de situações em que a liberdade do acusado possa comprometer o regular desenvolvimento e a eficácia da atividade processual Isso porque, "diversa da prisão penal propriamente dita, a prisão cautelar não deve objetivar a punição, constituindo apenas instrumento para a realização do processo ou para a garantia de seus resultados. (GOMES FILHO, Presunção..., 1991, p. 65. 80.), (Ibid., p. 59).
De forma análoga, Fernando da Costa Tourinho Filho entende que as medidas cautelares, gênero do qual faz parte a espécie "prisão preventiva", tem por objeto assegurar os meios para que os efeitos da decisão definitiva não se tornem ilusórios. Concluindo, pois, que a prisão preventiva apenas não viola o princípio da presunção de inocência, ao ser permitida, única e exclusivamente para os fins do processo penal. (TOURINHO FILHO, Processo penal, 2008, p. 521).
De acordo com a referida argumentação, portanto, a prisão preventiva mostra-se legitima sempre que visar a objetivos instrumentais como assegurar a presença do acusado ou a futura execução da pena, porquanto, nesse caso, a privação da liberdade não tem uma função de antecipação da pena. Nessa linha, não tendo a prisão preventiva os fins próprios da pena, não há falar em juízo de culpabilidade prévio a condenação. Não ofende, pois, o princípio da presunção de inocência.
Nesses temos, certo é que a prisão preventiva fundada na necessidade de se resguardar o feito principal já é amplamente aceita pela doutrina, visto que não traz em si o caráter de pena antecipada. Transpondo-se tal fundamento para o Código de Processo Penal brasileiro, especialmente para o seu artigo 312, é possível constatar, de plano, que, das quatro condições elencada para a decretação da prisão preventiva (garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução penal e asseguração de eventual pena a ser imposta), duas delas conveniência da instrução penal e asseguração da pena, encontram legitimação, certamente, em seu caráter instrumental.
No que tange à decretação da prisão preventiva por conveniência da instrução penal, trata-se da prisão decretada "em razão de perturbação ao regular andamento do processo Como perturbação ao regular andamento do processo pode-se entender o fato de o réu ameaçar testemunhas, intimidar peritos ou o próprio ofendido, ou ainda realizar qualquer outro incidente que crie obstáculos e ocasione prejuízo à instrução. Nessas situações, "o poder coercitivo do Estado se justifica para impedir que o réu prejudique a atividade jurisdicional, perturbando a obtenção da verdade. (OLIVEIRA, Curso.... 2009. p. 489), (TOURINHO FILHO, Processo penal, 2008, p. 52).
A decretação da segregação preventiva para assegurar a aplicação da lei penal, a seu turno, diz com as hipóteses em que há risco real de fuga do suspeito e logo, risco de não aplicação da lei caso sobrevenha sentença penal condenatória. Todavia, mister referir que tal risco de fuga deve ser sempre um risco concreto. "não podendo revelar-se fruto de mera especulação teórica dos agentes públicos, como ocorre com a simples alegação fundada na riqueza do réu”. (OLIVEIRA, op cit, p. 489).
Assim sendo, a doutrina, seguida pela jurisprudência pátria, revela-se uníssona na conclusão acerca da constitucionalidade da segregação preventiva calcada nas hipóteses de conveniência da instrução criminal e asseguração da pena. Nas palavras de Roberto Delmanto Junior, temos: "esses dois requisitos [conveniência da instrução criminal e o asseguramento da aplicação da lei pena], por si só, traduzem a essência de toda medida cautelar e, a priori, bastariam à tutela do bom andamento do processo e da efetivação de seu resultado. (DELMANTO JUNIOR. As modalidades.... 1998, p. 148).
Assim, no que tange ao tema do objeto em tela, qual seja, a possibilidade de compatibilização entre o princípio da presunção de inocência, constitucionalmente assegurado, e a prisão preventiva, tem-se que encontrar uma resposta definitiva para a questão não se mostra uma tarefa fácil. Consoante demonstrado, as opiniões e respectivas fundamentações a respeito do tema modificam-se de autor para autor, sendo praticamente inviável encontrar um consenso.
Nesse âmbito, constata-se que, assim como há quem sustente a incompatibilidade entre os dois institutos, há quem defenda a busca de um ponto de equilíbrio entre eles, sob o risco de se ter um processo penal desarmado e inoperante para alcançar seus fins primordiais. Entretanto, mesmo entre a grande parte da doutrina que se posiciona favoravelmente à compatibilidade entre presunção de inocência e prisão preventiva, também se encontram divergências, principalmente no que tange à necessidade da prisão preventiva, para ser legitima, calcar-se em fins instrumentais.
3 – CONCLUSÃO
Portanto, com a solvência em questão que, há posicionamentos distintos, principalmente quando o assunto diz respeito com a constitucionalidade da segregação preventiva baseada na hipótese da garantia da ordem pública; Assim como há posições extremadas, as quais se protege a inconstitucionalidade de tal espécie de prisão dado seu típico caráter extraprocessual, o que faz com que a custódia preventiva se constitua em uma pena antecipada; noutra banda, há aqueles que protegem a probabilidade de uma interpretação da cláusula de ordem pública conforme à Constituição Federal, sustentando a necessidade de, além da instrumentalidade, acautelar o meio social.
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