Resumo: O presente trabalho trata da responsabilidade civil aplicada aos casos de alienação parental, com base na legislação brasileira aplicável e na teoria da responsabilidade civil, analisando quais danos a prática da alienação pode causar e de que forma o alienador poderá ser responsabilizado civilmente pelos atos de alienação parental praticados. Contatou-se que no ordenamento jurídico brasileiro há uma tímida normatização dessa responsabilidade civil, com alguns poucos posicionamentos jurisprudenciais, mas que, segundo as normas então vigentes, é possível responsabilizar civilmente o agente alienante por danos morais, pelos atos praticados tanto em relação à criança ou adolescente quanto ao outro genitor alienado.
Palavras-chave: Alienação Parental. Responsabilidade Civil. Direitos da Criança e Adolescente.
Abstract: The present work deals with civil liability applied to cases of parental alienation, based on applicable Brazilian legislation and the theory of civil liability, analyzing what damages the practice of alienation can cause and how the alienator can be held civilly liable for the acts of parental alienation practiced. It was contacted that in the Brazilian legal system there is a timid standardization of this civil liability, with a few jurisprudential positions, but that, according to the rules then in force, it is possible to civilly hold the alienating agent responsible for moral damages, for the acts committed both in relation to the child or adolescent and the other alienated genitor.
Keywords: Parental Alienation. Civil Liability. Rights of Children and Adolescents.
Sumário: 1. Introdução – 2. Responsabilidade Civil; 3. Direitos da Criança e Adolescente 4. Alienação Parental. 5. Responsabilidade Civil decorrente da Alienação Parental. 6. Considerações finais. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A alienação parental está prevista na Lei 12.318/2010 e consiste na prática promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quaisquer que tenham o menor sob sua autoridade, guarda ou vigilância, fazendo com que a criança ou adolescente venha repudiar o outro genitor, prejudicando o vínculo com este.
A responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar ou compensar um dano que uma pessoa causa a outra decorrente da prática de ato ilícito, nesse sentido a responsabilidade civil busca regulamentar as situações em que uma pessoa pode ser considerada responsável e a proporção que deverá reparar o dano.
O presente trabalho tem como tema de pesquisa a responsabilidade civil decorrente da prática de atos de alienação parental, vez que existe na sociedade atual atitudes de alguns genitores e, até mesmo de avós, que atentam contra os direitos básicos da criança ou adolescente, os quais também prejudicam o relacionamento destes com o outro genitor.
Sob esse aspecto, ao decorrer desse trabalho será abordado tópicos relacionados a teoria da responsabilidade civil, os direitos da criança e do adolescente, a alienação parental e, por fim, a responsabilidade civil decorrente da alienação parental.
No primeiro tópico aborda-se os requisitos e elementos da teoria da responsabilidade civil e os tipos de responsabilidade, se moral, material, etc. O segundo tópico trata sobre os direitos básicos da criança e do adolescente previstos tanto na Constituição Federal quanto no próprio Estatuto. Já no terceiro tópico é feita uma análise da legislação que dispõe sobre alienação parental, buscando conceituá-la e identificar quais tipos de condutas são considerados como atos de alienação parental. Por fim, no quarto tópico, faz-se o enquadramento dos atos de alienação parental na responsabilização civil, de modo a constatar em qual tipo de responsabilização civil o agente alienador pode incorrer.
Diante desse contexto sobre alienação parental e responsabilidade civil, o presente trabalho mostrará como será a responsabilização do alienador, tendo em vista que os danos causados pela prática desses atos geram grandes transtornos psicológicos.
O que se objetiva neste trabalho é compreender a responsabilidade civil do agente decorrente da alienação parental causada tanto à criança como ao genitor alienado, e através dessa compreensão poder contribuir nos estudos de profissionais da área do direito e da sociedade em geral, a fim de garantir os interesses da criança e do adolescente.
Para tanto, recorrerá à análise doutrinária e normativa, bem como às jurisprudências dos Tribunais a respeito do tema objeto desse trabalho, a fim de demonstrar aplicação da responsabilidade civil decorrente da alienação parental como forma de cessar tal prática.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL
Segundo Gonçalves, (2019), a responsabilidade se destaca como aspecto da realidade social, ou seja, toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. A qual se destina a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano e é exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violado pelo dano que constitui a fonte geradora da responsabilidade civil.
Entretanto, é necessário entender o significado da palavra responsabilidade, a qual origina-se do latim respondere, que encerra a ideia de segurança ou garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado. Teria assim, o significado de recomposição de obrigação de restituir ou ressarcir. (GONÇALVES, 2019)
Nesse sentido a responsabilidade civil consiste na reparação de um dano causado a outrem, podendo o agente causador do dano ser obrigado a reparar a vítima no que lhe foi lesado. E essa reparação corresponde ao ressarcimento, à indenização ou à retribuição, que é devida pelo causador do dano.
Cavalieri entende que:
Só se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde houver violação de um dever jurídico e dano, em outras palavras responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação de um precedente de dever jurídico. E assim é porque a responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida. Daí ser possível dizer que toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil. (CAVALIERE, 2012)
Dessa forma, onde houver a violação de um dever jurídico e dano, tem se a obrigação de indenizar, ou seja, a responsabilidade civil ocorre a partir da prática de um ato ilícito e tem por finalidade fazer com que a vítima seja amparada ou colocada em uma situação que estaria se não tivesse ocorrido o ato ilícito.
Destarte, a responsabilidade civil possui alguns elementos, quais sejam, ato ilícito, conduta ou ato humano, culpa ou dolo, nexo de causalidade e dano, que será explanado a partir de agora.
Ato ilícito: É a prática da violação de um dever jurídico de não violar o direito e não lesionar outrem. Dever este que está previsto no artigo 186 do Código Civil Brasileiro, segundo o qual quem age ou se omite de maneira voluntária, negligente ou imprudente, violando direito e causando danos a outrem, mesmo que seja exclusivamente de forma moral, pratica ato ilícito. Continuando, o artigo 187 prescreve que também incorre na prática de ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Culpa: É o meio que se perfaz o ato ilícito, sendo necessária a responsabilização do autor pela infringência do direito e provocação de dano a outrem. E através da culpa surge a necessidade de ressarcir ou ser condenado pela conduta culposa. Nesse sentido, Cavalieri entende que:
A ideia de culpa está visceralmente ligada à responsabilidade, por isso que, de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela em seu agir. Daí ser a culpa, de acordo com a teoria clássica, o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva. (CAVALIERE, 2012)
Conduta ou ato humano: Consiste na voluntariedade de uma ação ou omissão. E essa ação ou omissão são condutas causadoras de danos. A ação é caracterizada por fazer algo que venha trazer prejuízo, dano ou lesão a alguém e a omissão é um não fazer que o agente poderia agir e não agiu, colocando alguém ou a si mesmo em situação de perigo, causando o dano. Para Cavalieri (2012), conduta é o “comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas”.
Nexo de causalidade: É o liame entre a conduta do agente e o fato danoso, o qual é necessário para que seja atribuída a responsabilidade civil a alguém. Nesse sentido, leciona Gonçalves (2019): “Um dos pressupostos da responsabilidade civil é a existência de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano produzido. Sem essa relação de causalidade não se admite a obrigação de indenizar”.
Desse modo é possível verificar que sem o nexo causal não há que se falar em reparação ou indenização pelo dano causado à vítima, pois a relação de causalidade entre a conduta do infrator e o dano produzido é imprescindível.
Dano: Segundo Cavaliere (2012), dano é uma lesão a um interesse jurídico tutelado, material ou moral, dano este que a responsabilidade civil objetiva reparar, e sem o mesmo não há obrigação de indenização, o dano pode ser material, quando o agente pratica diretamente contra a vítima ou ao seu patrimônio; ou imaterial, quando afeta a personalidade, a liberdade, a honra e etc.
A responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva, como regra geral o Código Civil adota a responsabilidade civil subjetiva, assim Gonçalves, (2019) preceitua: “O Código Civil brasileiro, malgrado regule um grande número de casos especiais de responsabilidade objetiva, filiou-se como regra à teoria ”subjetiva”. É o que se pode verificar no art. 186, que erigiu o dolo e a culpa como fundamentos para obrigar à reparação do dano.
Neste ínterim, a responsabilidade subjetiva exige ato ilícito, dano, nexo causal e agir culposo. Este último sendo o diferencial da responsabilidade subjetiva, a qual é pressuposto para indenização.
Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Nessa concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa. (GONÇALVES, 2019)
Nesse contexto, a culpa é o elemento que causou o dano e por este motivo deve ser verificada, tendo em vista que só será possível obter a reparação pelo dano sofrido mediante a comprovação da culpa do agente.
A responsabilidade civil objetiva está prevista no parágrafo único do artigo 927, do Código Civil, o qual explica que não é necessário a comprovação de culpa para obrigar o agente a reparar o dano e ocorre em atividades que são desenvolvidas normalmente e que podem implicar riscos aos direitos do cidadão. O referido parágrafo único discorre ainda que a responsabilidade objetiva ocorre apenas nos casos previstos em lei. Sendo assim, não depende de culpa, apenas exigindo o risco da atividade, o dano e o nexo causal. Nesse sentido Gonçalves menciona:
Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa. (GONÇALVES, 2019)
Dessarte, na responsabilidade objetiva, a qual é observada principalmente nas relações de consumo, almejando proteger o direito do consumidor que é a parte mais frágil nessa relação, não há a necessidade de comprovação de culpa, bastando apenas que a conduta praticada pelo agente tenha gerado dano e que tenha nexo causal.
Segundo Cavalieri Filho (2012) a doutrina divide a responsabilidade civil em duas espécies, quais sejam, contratual e extracontratual; como exemplo de responsabilidade contratual podemos destacar o inadimplemento de uma obrigação, na qual o devedor deixou de cumprir a obrigação de pagar determinada dívida ou uma empresa de transporte que deixou de cumprir sua obrigação de levar o seu passageiro em segurança. Já a responsabilidade extracontratual se
Já a responsabilidade extracontratual decorre do descumprimento de um dever legal, não sendo necessário um contrato entre as partes, assim preceitua Gonçalves:
Quando a responsabilidade não deriva de contrato, diz-se que ela é extracontratual. Neste caso, aplica-se o disposto no art. 186 do Código Civil. Todo aquele que causa dano a outrem, por culpa em sentido estrito ou dolo, fica obrigado a repará-lo. É a responsabilidade derivada de ilícito extracontratual, também chamada aquiliana. (GONÇALVES, 2019)
Nesse sentido, a responsabilidade extracontratual deriva da culpa ou dolo, e o autor da ação precisa demonstrar que houve culpa do causador do dano, enquanto na responsabilidade contratual o credor só demonstra que houve descumprimento da obrigação e o devedor será obrigado a cumprir com o contrato acordado. segundo Gonçalves (2019) a vítima tem mais chances de obter sua indenização quando se trata de responsabilidade civil contratual.
3. DIREITOS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE
Os direitos da criança e do adolescente estão previstos no caput do artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil (CF), a qual dispõe: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
E também estão previstos em legislação especial, qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 3º que dispõe:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. (BRASIL, 1990)
Desse modo as duas legislações têm o objetivo de tutelar a proteção da criança e adolescente, protegendo o interesse da mesma para que seja assegurado um bom desenvolvimento social, educacional, social, emocional, etc. Nesse contexto, considerando que os mesmos se encontram em fase de desenvolvimento, recebem um tratamento especial.
Senão vejamos o entendimento de Barros:
A doutrina da proteção integral guarda ligação com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Esse postulado traduz a ideia de que, na análise do caso concreto, os aplicadores do direito - advogado, defensor público, promotor de justiça e juiz - devem buscar a solução que proporcione o maior benefício possível para a criança ou adolescente. No estudo da colocação em família substituta, o princípio do melhor interesse se faz presente de forma marcante. (BARROS, 2019)
Sendo assim, a doutrina da proteção integral abrange a criança ou o adolescente como sujeito de direito, portadores de absoluta prioridade, tendo a família e o poder público o dever de priorizar o atendimento a eles. E no parágrafo único do artigo 4º do ECA observa-se essa prioridade.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. (BRASIL, 1990)
Nesse ínterim, a família, a sociedade e o poder público são os responsáveis por garantir que a criança e adolescente sejam bem atendidos em todas as suas necessidades. Sendo assim, a prioridade absoluta de assegurar à criança ou o adolescente tem o objetivo de garantir proteção integral, fazendo com que os direitos fundamentais previstos no caput do artigo 227, da CF e artigo 4º do ECA sejam concretizados.
4. ALIENAÇÃO PARENTAL
A Lei 12.318/2010 conceitua a alienação parental e traz medidas a serem adotadas quando ocorre esses atos que se caracterizam através da intervenção negativa no desenvolvimento psicológico da criança ou adolescente. Tal prática pode ser promovida pelos genitores, avós ou pelas pessoas que tenham o menor sob sua autoridade, induzindo este a repudiar o outro genitor, prejudicando a convivência saudável com este.
Nesse sentido, é possível observar que a Lei 12.318/2010 foi criada para proteção do menor, no sentido de não permitir que os atos de alienação parental venham interferir no desenvolvimento psicológico da criança ou adolescente, pois estes estão em fase de formação, e essa prática pode causar grandes transtornos para o convívio familiar.
O fenômeno da alienação parental geralmente está relacionado a uma situação de ruptura da família, diante da quebra dos laços existentes entre os genitores. Nestes casos um dos genitores, geralmente aquele que detém a guarda do menor, por intermédio do fomento de mentiras, ilusões, criadas para intervir de forma negativa na formação psicológica da criança, com o intuito de minar a relação existente com o outro genitor acaba por falsear ao alienado a realidade que o cerca em relação ao outro genitor. (FIGUEIREDO VIEIRA; ALEXANDRIDIS, 2014)
Desse modo, o agente alienador promove uma prática depreciativa contra o genitor, fazendo com que a criança tenha uma percepção totalmente diferente da realidade. Sendo assim, tal prática é realizada tanto em relação à criança como ao outro genitor que tem a sua imagem denegrida.
Quando os pais se divorciam ou separam, muitos deles não buscam a melhor forma de manter uma convivência pacífica para não prejudicar a criança, e os filhos que já se encontram em uma situação desequilibrada pelo fato da separação ainda podem sofrer se houver atos de alienação parental na família.
O parágrafo único do artigo 2º da Lei 12.318/2010, traz um rol com exemplos de alienação parental, quais sejam, não permitir que o genitor exerça a autoridade parental, dificultar o contato e convivência familiar, ser omisso sobre informações em relação à saúde, à escola, como também mudar de endereço sem avisar, e ainda a falsa acusação contra o genitor.
Nesse ínterim, o legislador exemplifica no inciso I uma das formas da prática da alienação parental que é feita através da desqualificação de todos os atos praticados pelo genitor que não está responsável pela guarda da criança ou adolescente, de maneira que a maternidade ou a paternidade seja vista como se tivesse sendo exercida de forma errada.
O artigo 3º da Lei 12.318/2010 dispõe:
Art. 3o A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. (BRASIL, 2010)
O alienador ainda dificulta o convívio com o genitor alienado, inventando desculpas para que a criança não o veja e inclusive mudando até de endereço, tirando, com isso, o direito da criança de ter uma convivência familiar. Direito este que está previsto no artigo 227 da CF e que o artigo 3º da Lei 12.318/2010 descreve como abuso moral a sua violação.
Maria Berenice Dias explana a gravidade que a prática da alienação pode causar:
Em jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas. A mais perversa e danosa é a falsa denúncia de abuso sexual. O filho é convencido da existência de determinados fatos e levado a repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente acontecido. Dificilmente consegue discernir que está sendo manipulado e acaba acreditando naquilo que lhe é dito de forma insistente e repetida. Com o tempo, nem o alienador distingue mais a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência, implantando-se, assim, as falsas memórias. (DIAS, 2021)
Nesse sentido, conforme explica Figueiredo Vieira e Alexandridis:
A gravidade da situação posta no Poder Judiciário frente à alienação parental faz com que o juiz tenha a necessidade de promover o desenvolvimento do processo mediante grande cautela, na medida em que se torna por demais difícil a caracterização do desvio prejudicial promovido pelo alienador, devendo, assim, valer-se de estudo multidisciplinar, apoiado em seus auxiliares, para a realização de perícia a fim de constatar de forma mais robusta a existência da alienação parental. (FIGUEIREDO VIEIRA; ALEXANDRIDIS, 2014)
Sendo assim, diante desse cenário a alienação parental é tratada de forma especial, tendo em vista a gravidade dos fatos e conforme o caso concreto o juiz busca auxílio de uma equipe multidisciplinar para não ocorrer erro em sua decisão, a qual é proferida com o objetivo de garantir o interesse da criança ou adolescente.
Segundo Ana Carolina Carpes Madaleno e Rolf Madaleno (2019), os especialistas apontam estágios de gravidade que a alienação parental pode causar, fazendo essa divisão em três níveis, o tipo ligeiro ou estágio I leve; tipo moderado ou estágio II médio e o tipo grave ou estágio III grave.
No estágio I a relação ainda é leve, os momentos de visita são permitidos pelo alienante e a criança começa a sentir culpa por ser carinhosa com o alienado; No estágio II a criança quer ficar apenas com o alienante, deixando de sentir vontade de encontrar o outro genitor, pois em sua cabeça o alienante que é o pai bom e o outro genitor que é uma pessoa ruim e então começam as campanhas de difamação e brigas em relação às visitas. No estágio III a criança já se encontra perturbada, chora e possui muito ódio do genitor alienado, a comunicação entre eles deixa de acontecer e o alienante cria na mente da criança uma visão totalmente distorcida da realidade.
Portanto, a alienação é um processo de intervenção negativa no desenvolvimento psicológico do menor, provocada pelo afastamento do genitor que não possui a guarda, ocasionando prejuízo tanto para a criança como para o genitor que é impedido de ter uma convivência familiar com seu próprio filho.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA ALIENAÇÃO PARENTAL
A responsabilidade civil consiste na reparação de um dano causado a outrem, sendo caracterizado através de uma conduta comissiva ou omissiva, com culpa e relação de causalidade entre a ação ou omissão e o dano causado. O dano praticado pelo agente é um dano moral, o qual é uma lesão imaterial, ou seja, não lesiona o patrimônio, sendo mais difícil de se comprovar pois afeta a moralidade, intimidade e a integridade do indivíduo.
Os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal são indispensáveis para o ser humano, pois são essenciais para uma vida igualitária em sociedade; e a alienação parental fere os direitos fundamentais do menor, como o direito a um convívio familiar saudável, sem prejuízo nas relações interpessoais com o genitor ou membro da família. Tal violação é considerada abuso moral e infringência dos deveres inerentes à autoridade parental.
A responsabilidade civil decorrente da alienação parental será de forma subjetiva, pois a prática dos atos de alienação constitui abuso moral e descumprimentos aos deveres da autoridade familiar, e tendo em vista as consequências que a alienação pode ocasionar, o alienador deverá ser obrigado a indenizar a criança ou o adolescente e o genitor alienado.
Nesse sentido, temos a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul:
E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ALIENAÇÃO PARENTAL PRATICADA PELO PAI EM RELAÇÃO À GENITORA – PRESCRIÇÃO AFASTADA – MATÉRIA PRECLUSA – EX-MARIDO QUE REALIZOU VÁRIOS BOLETINS DE OCORRÊNCIA SEM FUNDAMENTAÇÃO CONTRA A GENITORA – PROVAS CONTUNDENTES NOS AUTOS – DANOS CAUSADOS À GENITORA E À FILHA – QUANTUM INDENIZATÓRIO – FIXADO EM R$ 50.000,00 (CINQUENTA MIL REAIS) – INVERSÃO DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA – APELO PROVIDO. A prescrição foi matéria objeto de decisão saneadora nos autos do processo, contra a qual não houve interposição de recurso por nenhuma das partes, de modo que se operou a preclusão consumativa quanto a tal ponto, não cabendo mais ao magistrado pronunciar-se quanto ao tema em nenhum grau de jurisdição, sob pena de ferir-se o princípio da segurança jurídica. Verificada a prática de atos de alienação parental pelo apelado, os quais geraram prejuízos de grande monta a filha e danos morais à sua genitora, verificam-se os danos morais. In casu, tem-se que R$ 50.000,00 constitui "quantum" capaz de compensar os efeitos do prejuízo moral sofrido, bem como de inibir que o requerido torne-se reincidente, atendendo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Prescrição afastada. Recurso provido. (TJ-MS - AC: 08272991820148120001 MS 0827299-18.2014.8.12.0001, Relator: Des. João Maria Lós, Data de Julgamento: 03/04/2018, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 05/04/2018)
A jurisprudência descreve com clareza a aplicação da responsabilidade civil decorrente da alienação parental, em que a indenização é devida tanto à criança como ao genitor alienado em virtude do dano moral causado pelo alienante.
Sobre a conduta praticada pelo alienador, Maria Berenice preceitua que:
De outro lado, a tentativa de manter os filhos afastados da convivência com um dos genitores provoca iguais sintomas. A prática nominada de alienação parental é centrada em mentiras, falsas acusações e manipulações. A ponto de os filhos não saberem quem odiar, quem amar. Nem o que é verdade ou pura imaginação. O que é certo e o que é errado. Estas sequelas causam danos susceptíveis de indenização. (DIAS, 2021)
Sendo assim, segundo Figueiredo Vieira Alexandridis, (2014), deve-se priorizar os direitos do menor, bem como do genitor vitimado, e o magistrado indicará medidas provisórias para preservar a saúde psicológica da criança ou do adolescente e assegurar a convivência com o genitor alienado.
O interesse do menor é fundamental e o art. 4º da Lei 12.318/2010 evidencia que havendo indício de alienação parental, o processo será tramitado com urgência, e o juiz tomará as medidas para que a criança ou o adolescente tenham seus direitos garantidos e os atos de alienação parental venham ser cessados.
Nesse sentido, o artigo 5º da Lei 12.318/2010:
Art. 5º Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial. § 1o O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor. § 2o A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental. § 3o O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada. (BRASIL, 2010)
Segundo Cavaliere, (2012), o dano é sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem danos.
No caso da responsabilidade civil decorrente da alienação parental, esse dano moral (imaterial) é consubstanciado através da interferência na formação psicológica do menor e no ato de denegrir a imagem do genitor alienado. Sendo assim, o artigo 6º da Lei 12.318/2010, estabelece algumas sanções que o magistrado poderá aplicar ao alienador, sem prejuízo da responsabilização civil, quando ocorrer a alienação parental, quais sejam:
Art. 6º.[...]
I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade parental. (BRASIL, 2010).
O parágrafo único ainda dispõe que, se o alienador realizar mudança de endereço com a finalidade de inviabilizar a convivência familiar, o juiz poderá retirar a criança ou o adolescente da residência do genitor. Destarte, o artigo 6º da referida lei prevê a possibilidade de apuração da responsabilidade civil do alienador e também prever outras possibilidades de combater esses atos, como previstos nos incisos do mesmo artigo.
Segundo Venosa, (2017) esse rol é apenas exemplificativo e o juiz deverá verificar qual a solução mais plausível no caso concreto. Nada impede que algumas dessas medidas sejam aplicadas cumulativamente. Haverá situações em que a simples advertência atingirá resultados. Outras, porém, exigirão medidas mais rudes.
Portanto, fica evidenciado que podem ocorrer vários atos característicos de alienação parental que ocasionarão a responsabilização civil do alienador, obrigando-o a reparar os danos morais sofridos pelas vítimas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A responsabilidade civil visa reparar um dano sofrido, dano este que, no caso de alienação parental, é causado a criança, ao adolescente a ao genitor que é afastado do convívio. Para a caracterização da alienação parental é necessário provar a culpa ou dolo do alienante. E, tendo em vista que se trata de uma avaliação subjetiva, exige uma atenção maior do profissional que irá analisar o caso concreto.
A alienação provoca problemas psicológicos para a criança, o adolescente e também para o outro genitor, e por isso a Lei 13.318/2010 trouxe várias medidas a serem adotadas, entre as quais a aplicação de multa, prevista no artigo 6º; sendo a responsabilização civil também uma alternativa a ser utilizada, afim de penalizar o alienante pelos atos de alienação parental.
Viu-se que a lei considera abuso moral, bem como descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental, a prática desses atos contra a criança e adolescente e que, portanto, a responsabilização civil deverá ser aplicada se provada a culpa do alienante.
Dessa forma, o alienante poderá ser responsabilizado civilmente pelos danos morais causados a criança ou adolescente e ao outro genitor. Uma sugestão de estudo seria considerar a possibilidade de responsabilização do alienante por danos materiais, como por exemplo arcar com as despesas médicas causadas pelo trauma da alienação.
Por meio desta pesquisa foi possível compreender as formas de inibir a prática da alienação parental com a aplicação da responsabilidade civil e outras medidas como advertir o alienante, determinar o acompanhamento psicológico, ampliar o regime familiar para o alienado, determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão, meios estes previstos na Lei 12.318/2010.
6. REFERÊNCIAS
BARCELOS, Bruna Marques. Responsabilidade civil do genitor alienante nos casos de alienação parental. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) - Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Santa Catarina, 2019.
BARROS, Guilherme Freire de Melo. Direito da criança e do adolescente. 8. ed. Bahia: Editora JusPodivm, 2019.
BRASIL. [Código Civil (2002)]. Código Civil Brasilleiro. Brasília, DF: Presidência da República, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm Acesso em: 18 mar. 2021.
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Artigo publicado originalmente em 19/11/2021 e republicado em 04/07/2024
bacharela em Direito pela Universidade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Mayana Oliveira Ramos. Responsabilidade civil decorrente da alienação parental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jul 2024, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57506/responsabilidade-civil-decorrente-da-alienao-parental. Acesso em: 22 nov 2024.
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