Resumo: O presente artigo, tem o intuito de demonstrar e analisar os métodos alternativos de resolução de conflitos e, como eles se procedem no ordenamento jurídico brasileiro diante da crise do Poder Judiciário. O presente trabalho tem como enfoque maior a Mediação e Conciliação como resolução de conflitos. Diante a escassez de maneiras pacíficas de resolução de conflitos, a Mediação e a Conciliação vêm à tona acima de tudo como forma menos destrutiva da resolução da lide, fazendo com que não só uma parte saia vencedora daquela situação, e sim, ambas as partes. Neste mesmo tocante, demonstra também características que o Conciliador e Mediador devem conter para uma melhor compreensão e eficácia na resolução da lide e, a importância dos Juizados Especiais Cíveis criados com o objetivo da não morosidade e a promoção de soluções mais rápidas e econômicas para a garantia do acesso mais eficaz a justiça.
Palavras-chave: Conciliação. Mediação. Acesso à Justiça. Solução de Conflitos. Conciliador e Mediador. Juizados Especiais.
Abstract: This article aims to demonstrate and analyze alternative methods of conflict resolution and how they proceed in the Brazilian legal system in the face of the Judiciary crisis. The present work has as main focus Mediation and Conciliation as conflict resolution. Given the scarcity of peaceful forms of conflict resolution, Mediation and Conciliation emerges above all as a less destructive form of conflict resolution, causing it to win not only one party, but both parties. In this same sense, it also demonstrates characteristics that the Conciliator and Mediator must contain for a better understanding and effectiveness in the solution of the dispute and, the importance of the Special Civil Courts created with the objective of not delaying and promoting faster and cheaper solutions to guarantee access justice more effectively.
Keywords: Conciliation. Mediation. Access to justice. Conflict Resolution. Conciliator and Mediator. Special Courts.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. DA GARANTIA AO ACESSO A JUSTIÇA; 3. MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS; 3.1. Conceito; 3.2. Da implementação no Código de Processo Civil de 2015; 4. A MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO COMO MANEIRAS DE RESOLUÇÃO PACÍFICA DOS CONFLITOS; 4.1. Da Mediação; 4.2. Da Conciliação; 5. OUTROS MÉTODOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS; 5.1. Arbitragem; 5.2. Negociação; 6. OS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONLFITOS E A CORRELAÇÃO COM OS JUIZADOS ESPECIAS; 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeto a Conciliação e Mediação como métodos alternativos de acesso à justiça e solução de conflitos, analisando seus aspectos, conceitos e sua aplicabilidade. Há um drástico aumento dos litígios e sobrecarga do Poder Judiciário que, pela falta de uma estruturação mais condizente com a realidade e pelo valor exorbitante aos cofres públicos, no processamento de cada demanda, tem causado morosidade e inefetividade para a resolução dos conflitos.
Nesse contexto, o Conselho Nacional da Justiça, criado e instituído pela Emenda Constitucional nº 45/2004, reconhecendo os problemas enfrentados pelo Judiciário de todo o país, realizou campanhas com o objetivo de enfatizar as vantagens da solução pacificadora dos conflitos e da importância da figura do Conciliador e Mediador nesse contexto, admitindo-se ainda, que, como instrumentos alternativos, tenham o condão de dirimir controvérsias existentes entre as partes, sem que para isso fosse necessária, em alguns casos, a intervenção do Estado.
Com efeito, foi lançado o “Movimento pela Conciliação”, onde o principal objetivo foi incentivar o Judiciário ao uso da Conciliação e estimular a sociedade a fazer utilização de tal instrumento. Assim, ocorreria a alteração do hábito de uma cultura litigiosa para uma cultura mais branda e pacificadora, na qual mantêm ênfase na realização de um acordo razoável, ao invés de uma sentença que satisfizesse somente de uma das partes, resultando, muitas vezes, em maior conflitualidade.
No que tange a garantia ao acesso à justiça, será apresentado o seu conceito, seus principais obstáculos e algumas das soluções práticas para a garantia desse direito humano e essencial, ligado ao completo exercício da cidadania.
Em um terceiro momento, será retratado a necessidade de se adotar formas alternativas de solução de conflitos, em busca de celeridade e efetividade e, ainda, a conceituação de conflito e suas modalidades de solução contidos no ordenamento jurídico brasileiro.
Ademais, será demonstrado algumas considerações dos institutos da Conciliação e Mediação, suas vantagens e as principais diferenças entre ambos, discorrendo sobre as figuras do Conciliador e Mediador e, o papel de cada um na elaboração de acordos.
Além dos métodos autocompositivos citados há outras formas de acionar o poder judiciário, entre elas, a negociação e a arbitragem. Ainda, será analisado os Juizados Especiais Cíveis como um dos grandes instrumentos do Poder Judiciário para a solução de conflitos, bem como seus princípios informativos, características da conciliação e as vantagens para a efetividade de direitos e do acesso à justiça.
Portanto, a Conciliação e a Mediação, como mecanismos alternativos na obtenção de soluções dos conflitos, podem contribuir para a efetiva garantia ao acesso à justiça, proporcionando assim diversas mudanças de extrema significância para a sociedade e para o Judiciário.
2. DA GARANTIA AO ACESSO À JUSTIÇA
O acesso à justiça pode ser denominado como a possibilidade de alcançar a justiça.[1] Neste sentido, Oliveira Neto e outros entendem que:
A concepção de acesso à Justiça, todavia, desbordou os limites da possibilidade de propor uma ação, como antigamente se pensava, para alcançar também a plena atuação das faculdades oriundas do processo e a obtenção de uma decisão aderente ao direito material, desde que utilizada a forma adequada para obtê-la.[2]
O Código de Processo Civil de 2015 utiliza a expressão “acesso à justiça” por duas vezes: uma no artigo 26, II[3] ao tratar da cooperação jurídica internacional e outra no artigo 319, §3º[4] versando sobre a petição inicial.
Mauro Cappelletti denomina que a expressão acesso à justiça:
(…) serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.[5]
Ainda, o acesso à justiça é uma garantia constitucional, prevista no artigo 5º, XXXV da Constituição federal[6], que dispõe:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Sobre esta disposição, Luiz Alberto David de Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, destacam que:
A mensagem normativa foi clara ao colocar sob o manto da atividade jurisdicional tanto a lesão como a ameaça a direito. Assim, conclui-se que o dispositivo constitucional citado, ao proteger a ameaça a direito, dotou o Poder Judiciário de um poder geral de cautela, ou seja, mesmo à míngua de disposição infraconstitucional expressa, deve-se presumir o poder de concessão de medidas liminares ou cautelares como forma de resguardo do indivíduo das ameaças a direitos.[7]
O acesso à justiça pode ser denominado também de princípio da inafastabilidade da jurisdição que “fundamenta-se também no princípio da separação de poderes, reconhecido pela doutrina como garantia das garantias constitucionais”[8], ou seja, concede ao indivíduo o direito de provocar o judiciário e promover uma ação.
Segundo Alexandre de Moraes:
O Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade de ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que a toda violação de um direito responde uma ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue.[9]
Outrossim, o artigo 8º da 1ª Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos de São José da Costa Rica[10] também garante que:
Art. 8º. Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.
Desta forma, por ser a Constituição Federal um ordenamento jurídico soberano e supremo, a não observância, limitação ou até mesmo o ato de dificultar o acesso à justiça é inconstitucional. Assim, conforme a previsão do artigo constitucional acima citado, a lei não pode impor limites ao acesso à justiça nem exigir o esgotamento das vias administrativas para a propositura de uma ação.
Este também é o entendimento do Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade ao dispor que “não pode a lei infraconstitucional condicionar o acesso ao Poder Judiciário ao esgotamento da via administrativa como ocorria no sistema revogado”.[11]
Entretanto, existem alguns impasses que dificultam o acesso à justiça de forma igual para todos os cidadãos e, Horácio Wanderlei Rodrigues entende que este impasse se dá porque “a desigualdade material, em contraste com a igualdade formal prevista no ordenamento jurídico, acaba por colocar o sujeito mais pobre em situação de desvantagem no desenvolvimento do processo”[12] e é agravada pelo “fato do princípio constitucional da igualdade ser aplicado diretamente entre as partes em sua leitura meramente formal, não se levando em conta as diferenças sociais, econômicas e culturais existentes”.[13]
3. MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
3.1 Conceito
Em decorrência das dificuldades ao acesso à justiça, a doutrina passou a incentivar que o Brasil implantasse um modelo sistematizado para a solução de conflitos, no qual a resolução não seria imposta pelo Poder Judiciário e sim composta em comum acordo pelas partes. Este modelo sistematizado é denominado meios alternativos de solução de conflitos.[14]
Neste contexto, estes são meios de autocomposição e pacificação social que instituem instrumentos de resolução de conflitos e, como métodos paraestatais retira este conflito do Judiciário. José Maria Rossani Garcez afirma que este método sistematizado apresenta uma forma de solução de conflitos de forma mais harmônica, visando pacificação social no qual as partes, utilizando-se da boa-fé e de métodos cooperativos, firmam um acordo satisfatório para ambos.[15]
É importante ressaltar que o princípio da efetividade processual é um dos pilares dos meios alternativos de solução de conflitos, conforme defende José Roberto dos Santos Bedaque:
processo efetivo é aquele que, observado o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade, proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material. Pretende aprimorar o instrumento estatal destinado a fornecer a tutela jurisdicional. Mas constitui perigosa ilusão pensar que simplesmente conferir-lhe celeridade é suficiente para alcançar a tão almejada efetividade. Não se nega a necessidade de reduzir a demora, mas não se pode fazê-lo em detrimento do mínimo de segurança, valor também essencial ao processo justo.[16]
Outrossim, sobre estes métodos, o doutrinador Humberto Theodoro Júnior defende que:
Não se trata de desacreditar a Justiça estatal, mas de combater o excesso de litigiosidade que domina a sociedade contemporânea, que crê na jurisdição como a única via pacificadora de conflitos, elevando a um número tão gigantesco de processos aforados, que supera a capacidade de vazão dos órgãos e estruturas do serviço judiciário disponível.[17]
Por fim, como o objetivo principal de qualquer processo judicial é a promoção da justiça e a satisfação do direito, os meios alternativos de solução de conflitos foram implantados no Brasil, sobretudo para tornar mais efetiva e harmônica a resolução de problemas e, ainda, José Carlos Barbosa Moreira dispõe que “a preocupação de tornar mais efetivo o processo vem sendo ultimamente, em nosso País e no estrangeiro, nota constante da produção doutrinária e no pensamento de quantos participam da atividade forense”.[18]
3.2 Da implementação no Código de Processo Civil 2015
O Brasil tem uma cultura de acionar o judiciário exaustivamente, incorrendo no efeito negativo da “cultura da sentença”, como é denominada pelo doutrinador Kazuo Watanabe.[19] Neste sentido, Carreira Alvim dispõe que é extremamente importante que os juízes incentivem a autocomposição e afirma que “a função conciliatória é tão eficaz quanto à jurisdicional”.[20]
O Código de Processo Civil de 2015 adotou os meios alternativos de solução de conflitos e determina em seu artigo 3º, §3º que os juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público devem estimular a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos. [21]
O artigo 334 do mesmo ordenamento jurídico institui que após analisar os requisitos essenciais da petição inicial, o juiz deverá marcar audiência de conciliação ou mediação com antecedência mínima de 30 dias, caso não ocorra improcedência liminar do pedido.[22]
Este ato pode gerar uma sensação de morosidade processual, pois o prazo que o réu terá para apresentar a contestação começará a fluir a partir da data da audiência de conciliação ou mediação, conforme previsão do inciso I do artigo 335, CPC.[23]
Entretanto, é controverso esta alegação vez que, caso haja um entendimento pacífico e harmônico entre as partes durante a audiência de conciliação ou mediação, no qual resulte em um acordo, será este reduzido a termo e homologado pelo juiz por sentença, restando o direito totalmente satisfeito.[24]
Além disso, as partes podem a qualquer tempo terminarem o litígio mediante concessões mútuas, conforme o artigo 840 do Código Civil,[25] demonstrando que os meios alternativos de solução de conflitos, caso restem resultados satisfatórios, promovem a efetividade, bem como a celeridade processual.
Em caso de acordos extrajudiciais, ou seja, realizados fora do judiciário, as partes, antes de ingressarem com um processo judicial, tentam um método autocompositivo e, em caso de constituírem um acordo, acionam o Judiciário apenas para solicitar a homologação do juiz. Este é o entendimento do “caput” do artigo 57 da Lei nº. 9.099, de 26.09.1995 (Lei dos Juizados Especiais), que dispõe que: “o acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial”.[26]
Embora recomendado, os meios alternativos de solução de conflitos não são obrigatórios e, caso as partes, optem pelo processo judicial e não desejem a autocomposição, devem explicitar na petição inicial,[27] devendo não ser realizada caso haja desinteresse de ambas as partes.[28] Contudo, caso o juiz marque a audiência mesmo com a negativa das partes, ou de apenas uma delas, o não comparecimento injustificado será considerado ato atentatório à dignidade da justiça e lhe será aplicada multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.[29]
O artigo 165 do Código de Processo Civil de 2015, prevê a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos.[30] Diante disso, o doutrinador Humberto Teodoro dispõe que:
O novo Código não se limita a estimular a solução consensual dos conflitos. Vai além e prevê a criação, pelos tribunais, de ‘centros judiciários de solução consensual de conflitos’, os quais serão responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, assim como pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição (art. 165). A composição e a organização de tais ‘centros’ serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça (art. 165, §1.º).[31]
Entre todas as vantagens, Lúcia Helena Polleti Betiini afirma que:
a mediação e a conciliação são apresentadas como mecanismos utilizáveis para a efetividade dos direitos fundamentais e concreta proteção dos indivíduos e sua dignidade, especificamente na solução de seus conflitos, que devem ser entendidos como integrantes do processo objetivo, ou seja, um dos instrumentos passíveis de garantia da ordem constitucional”, sendo que “com a utilização dos meios extrajudiciais propostos, chega-se à proteção dos direitos fundamentais de maneira mais célere e com a sensação da efetiva realização dos mesmos, pois houve lugar privilegiado de atenção aos envolvidos no conflito interpessoal que puderam participar na construção da decisão.[32]
Por fim, insta destacar que José Herval Sampaio Júnior dispõe que “os Juízes precisam se desprender dessa concepção de que sua tarefa precípua é decidir e que a tentativa de conciliação prevista nos procedimentos é somente uma formalidade” e devem “se preocupar com a pacificação social em todas as suas decisões, ou melhor, esclarecendo, nas suas atitudes dentro do processo”.[33]
4. A MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO COMO MANEIRAS DE RESOLUÇÃO PACÍFICA DOS CONFLITOS
A Constituição Federal, mediante o artigo 5º, inciso XXXV, ora citado, garante a todos o acesso à justiça, pelo qual terão direito a resolver conflitos mediante o Poder Judiciário. Porém, este acesso à justiça, gerou um certo caos no judiciário em decorrência do grande crescimento de ações judiciais propostas.[34]
Diante deste cenário, os processualistas criaram outros meios de soluções de conflitos, como a mediação e a conciliação.
4.1 Da Mediação
A mediação é definida como um método autocompositivo e voluntário na qual um terceiro imparcial instigará, de forma construtiva, o diálogo entre duas partes conflituosas, proporcionando a oportunidade e o espaço para que busquem uma solução satisfatória para os interesses e necessidades de ambas.[35]
Conforme destaca Garcez, o mediador tem a função de aproximar as partes, proporcionando a elas um ambiente saudável e tranquilo para dialogarem, compreenderem o conflito de forma racional e livre de pressão emocional. Assim, com a melhor compreensão e clareza dos problemas, as partes conseguem analisar uma solução de forma equilibrada, sendo inteiramente responsáveis pelas decisões e composição do acordo.[36]
Desta forma, o papel do mediador é operar como um agente facilitador, no qual limita-se a incentivar e instigar as partes a entenderem o conflito e buscarem, juntas, uma solução, sendo vedado a ele, estruturar qualquer parecer quanto ao mérito.[37]
Neste contexto, Barbosa e Silva dispõe que a satisfação dos interesses das partes é o objetivo primordial da mediação, veja:
A Mediação não tem como objetivo primordial o acordo, e sim a satisfação dos interesses e dos valores e necessidades das pessoas envolvidas na controvérsia. Na Mediação as pessoas passam, de forma emancipada e criativa, a resolver um conflito pelo diálogo cooperativo, na construção da solução. Ex: Mediação na área de família, etc.[38]
Outrossim, o Conselho Nacional de Justiça define a mediação como sendo “uma forma de solução de conflitos na qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, facilita o diálogo entre as partes, para que elas construam, com autonomia e solidariedade, a melhor solução para o problema”. Geralmente, a mediação é mais “utilizada em conflitos multidimensionais, ou complexos”.[39]
Em junho de 2015 foi promulgada a Lei nº 13.140 denominada como a Lei da Mediação, no qual “dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública”[40] e, é orientada pelos princípios da imparcialidade, isonomia, oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé.[41] Nesta feita, é importante salientar que como um dos princípios basilares da mediação é a confidencialidade, todas as declarações prestadas ao mediador, seja verbal ou documental, não serão divulgadas por ele, salvo se houver autorização expressa da parte.[42]
Pode ser objeto de mediação aqueles conflitos que versem sobre direitos disponíveis ou indisponíveis, mas que admitam transação, podendo ser solucionado em todo ou em parte.[43]
Além disso, fica o mediador impedido de assessorar, representar ou patrocinar qualquer uma das partes pelo prazo de um ano após a última audiência[44], não podendo atuar como árbitro ou testemunha em processos que atuou como mediador.[45]
Ainda, o artigo 165, §3º do Código de Processo Civil de 2015[46], no que tange a finalidade do mediador, estabelece que:
o mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
Salomão Viana destaca que a mediação é uma técnica que estimula a autocomposição com a atuação de um terceiro, no qual não soluciona o conflito e sim impulsiona, esclarece e incentiva um acordo entre as partes.[47]
O doutrinador e mediador Adolfo Braga Neto destaca oito etapas sobre o procedimento de mediação, sendo:
1. pré-mediação, que privilegia oferecer aos participantes informações relativas à mediação; 2. abertura, que é quando o mediador escolhido pelas partes, de início explica o funcionamento do método e suas regras; 3. investigação, este momento significa tentar conhecer toda a complexidade em que se situa aquela inter-relação; 4. agenda, é identificado cada um dos temas que serão objeto de resolução ou transformação; 5. criação de opções, o mediador propõe neste momento que os mediados simplesmente gerem ideias de solução ou soluções; 6. avaliação das opções, consiste no auxilio que o mediador dá aos mediados se o desejarem para que façam uma análise das opções delineadas no momento anterior; 7. escolha das opções, visa o início da construção das soluções. Nesta etapa, o importante é que as partes adotem critérios objetivos como auxílio para escolha das melhores e mais criativas soluções e; 8. solução, consiste no auxílio do mediador para a construção conjunta do termo final de tudo aquilo que os mediados escolheram e identificaram como resolução ou transformação do conflito.[48]
Insta destacar que a mediação pode se dar tanto pela via extrajudicial quanto pela judicial, podendo o mediador ser escolhido pelas partes ou designado pelo tribunal.[49] A mediação extrajudicial é realizada através de pedido espontâneo das partes envolvidas em um conflito que não conseguem solucionar. No que tange ao prazo, fica a cargo das partes estipular um prazo mínimo e máximo para a primeira reunião[50] e, não havendo tal previsão contratual, o “prazo mínimo será de dez dias úteis e o prazo máximo de três meses, contados a partir do recebimento do convite”[51].
Por sua vez, na mediação judicial, o juiz é quem indica o mediador, independente da anuência prévia das partes, devendo o mediador estar devidamente cadastrado em sistema criado e mantido pelos tribunais.[52] Neste caso, de acordo com o artigo 28 da Lei de Mediação “O procedimento de mediação judicial deverá ser concluído em até sessenta dias, contados da primeira sessão, salvo quando as partes, de comum acordo, requererem sua prorrogação”.[53]
Em ambos os casos, incidem as mesmas hipóteses de impedimento e suspeição que afetam os juízes[54], previstas no artigo 145 do CPC[55]:
Art. 145. Há suspeição do juiz:
I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;
II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio;
III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive;
IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.
§ 1º Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões.
§ 2º Será ilegítima a alegação de suspeição quando:
I - houver sido provocada por quem a alega;
II - a parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido.
Portanto, a mediação é um meio alternativo de resolução de conflitos que gera certeza e segurança, com mais eficiência, celeridade, menos custas e morosidade que o Poder Judiciário.
4.2 Da Conciliação
A conciliação também é um meio alternativo de resolução de conflito, denominado de autocomposição e heterocomposição e, Maria Helena Diniz apresenta seu conceito no dicionário jurídico como sendo o:
a) encerramento da lide feito pelas partes, no processo, por meio de autocomposição e heterocomposição daquela; b) é o método de composição em que um especialista em conflitos faz sugestões para sua solução entre as partes; não é adversarial e pode ser interrompida a qualquer tempo.[56]
O Conselho Nacional de Justiça define a conciliação como “um método utilizado em conflitos mais simples, ou restritos, no qual o terceiro facilitador pode adotar uma posição mais ativa, porém neutra com relação ao conflito e imparcial”. Dispõe ainda, que essa técnica ocorre de maneira consensual e breve, buscando dentro de seus limites, a harmonização e a restauração social da relação das partes.[57]
Barbosa e Silva discorrem que a conciliação é um método eficiente e rápido de resolução de conflito, vez que, através do incentivo do conciliador, as partes são capazes de tomar uma decisão, colocando fim ao processo judicial.[58]
Segundo Garcez um ponto positivo da conciliação ante a mediação é que enquanto o mediador não pode propor uma solução às partes, o conciliador tem o poder de aconselhar e incentivar a solução do conflito, bem como propor uma opção que seja satisfatória para ambas as partes. Vale ressaltar que a conciliação tem sido exercida por bacharéis em direito ou juízes, togados ou leigos.[59] Assim, essa técnica é semelhante a mediação, porém na conciliação o conciliador pode sugerir uma solução para os conflitantes.
Rodrigo Almeida Magalhães aponta que o conciliador tem um papel muito importante na resolução de conflitos, pois não precisa ser um terceiro neutro, podendo manifestar sua opinião sobre o caminho mais justo para a solução do conflito, podendo intervir no mérito das questões.[60]
Antes da instituição do Novo Código de Processo Civil em 2015, o desembargador Watanabe já defendia que a conciliação deve ser uma etapa obrigatória no processo judicial:
Na Constituição Federal de 1824 havia uma norma que dizia que ninguém poderia ter acesso à Justiça sem provar que tentou previamente a conciliação e que isso seria feito por um juiz de paz. A figura de juiz de paz que temos hoje remonta a essa instituição antiga, mas hoje juiz de paz é juiz de casamento.[61]
Outro grande incentivador da técnica conciliatória como um método de combate ao excesso de litigiosidade, é o doutrinador Humberto Theodoro Júnior que defende que:
Não se trata de desacreditar a Justiça estatal, mas de combater o excesso de litigiosidade que domina a sociedade contemporânea, que crê na jurisdição como a única via pacificadora de conflitos, elevando a um número tão gigantesco de processos aforados, que supera a capacidade de vazão dos órgãos e estruturas do serviço judiciário disponível.[62]
Braga Neto destaca, também, os procedimentos adotados na conciliação sendo elas a apresentação que é um momento informativo do processo, quando o conciliador explica os métodos e regras da audiência; o esclarecimento, que consiste no momento em que o conciliador deve observar os discursos apresentados pelas partes para buscar conhecer os fatos, direitos e a existência ou não da relação continuada entre as partes; a criação de opções, que corresponde ao momento propício de buscar acordos efetivos para o interesse das partes, apresentando opções de solução de conflitos e; o acordo, que é o momento final do procedimento ou audiência, consistindo na elaboração de um acordo claro, objetivo e que contemple todos os compromissos ali firmados.[63]
É importante ressaltar que o antigo CPC também dispunha sobre a audiência de conciliação, porém não de forma incisiva e, não era demonstrado o real interesse de obter o melhor aproveitamento desta técnica e a resolução mais rápida do conflito, sendo tratado como uma mera formalidade.
Além disso, antes de ser incluída no Novo Código de Processo Civil de 2015, a técnica de conciliação já estava prevista na Lei nº 9.099 de 1995 que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.[64]
Com a mudança do Código de Processo Civil 2015 é que a conciliação passou a ser uma alternativa eficaz, na qual não é vista mais como uma mera formalidade e sim um meio com o qual o litígio pode ser solucionado e o processo resolvido e finalizado com celeridade e eficácia. A previsão deste procedimento está na Seção V do Capítulo III, entre os artigos 165 a 175, que versa tanto sobre a conciliação, quanto sobre a mediação, ora citada.[65]
Desta forma, este meio de solução de conflitos passou a ser um procedimento fundamental, sobretudo dos juizados especiais, onde a tentativa de conciliação é a primeira coisa a ser realizada antes do processo.
5. OUTROS MÉTODOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
Além da conciliação e da mediação, ora citados, há outros métodos de resolução de conflitos tais como a arbitragem e a negociação.
5.1 Arbitragem
O método de resolução de conflito denominado arbitragem pode ser juridicamente definido como:
Jurisdição ou poder conferido a certas pessoas determinadas por lei ou indicadas pelas partes para solucionarem a controvérsia judicial ou extrajudicial relativa a direito patrimonial disponível, suscitada entre elas. É o julgamento feito por árbitros, ou seja, o processo que decide um litígio entre duas partes, que escolhem, para tanto, árbitros. Manifesta-se por meio de um procedimento realizado pela formação de um juízo arbitral, culminando com uma sentença, a que se dá o nome de laudo arbitral, que deverá ser homologado pelo juiz togado.[66]
Desta forma, a arbitragem, como método de resolução de conflitos, versa sobre os direitos patrimoniais disponíveis, no qual, um árbitro, especialista naquele determinado assunto, vai presidir o procedimento. Este árbitro deve fazer uso dos princípios constitucionais, vez que são norteadores de todo o sistema. Assim, é fundamental que sejam observados os princípios: do devido processo legal, contraditório, da imparcialidade, do livre convencimento, da igualdade entre as partes, a garantia processual, autonomia da vontade e a boa-fé.[67]
Segundo Barbosa e Silva a arbitragem é:
um instrumento eficaz para a superação da burocracia, dos gastos e a morosidade da Justiça Comum, eis que é um meio célere e eficaz com menos gastos. A Arbitragem, no nosso sentir, possui características confiáveis, que prezam pela celeridade, sigilo e baixo custo na resolução dos litígios, de forma menos traumática e conflituosa.[68]
A arbitragem é regulada pela Lei nº 9.307 de 1996[69], que foi alterada em 2015 pela Lei nº 13.129[70] com a finalidade de ampliar a aplicação da arbitragem, sobretudo naquilo que verse sobre negócios jurídicos patrimoniais disponíveis. Neste procedimento as partes decidem se a arbitragem será de direito ou de equidade,[71] sendo de livre escolha as regras aplicadas, desde que não violem os bons costumes e a ordem pública,[72] podendo ser realizada com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.[73] Também, a alteração da Lei nº 13.129 a aplicação da arbitragem ampliou para conflitos quem envolvem a administração pública.[74]
Além disso, as partes podem submeter o conflito ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.[75]
Ademais, o Código de Processo Civil de 2015 instituiu ao réu em seu artigo 337, inciso X, a responsabilidade de alegar a existência de convenção de arbitragem, antes de discutir o mérito.[76]
Sobre isso, Ana Flávia Magno Sandoval discorre que:
Primeiramente, cumpre esclarecer que convenção de arbitragem é um fato jurídico que órgão jurisdicional não pode conhecer de ofício. Ou seja, é necessário e requisito a interpelação de uma das partes para que o juiz se manifeste a esse respeito. Ao réu, cabe a alegação da existência de convenção de arbitragem, na primeira oportunidade que lhe couber falar nos autos. E caso não o faça, o seu silêncio será considerado como aceitação da jurisdição estatal e consequentemente, renúncia ao juízo arbitral.[77]
Ainda, destaca a autora que “a convenção de arbitragem não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, sendo necessária a alegação da parte interessada. O silêncio do réu sobre a existência da convenção de arbitragem indica que ele abdicou a jurisdição arbitral, aceitando a jurisdição estatal”.[78]
É importante destacar que o árbitro é quem põe fim ao conflito pois ele é juiz de fato e de direito, sendo, assim, capaz de proferir uma sentença arbitral que é equiparada a sentença judicial, não ficando sujeita a recurso ou homologação do Poder Judiciário.[79] Entretanto, será nula a sentença arbitral que não respeitar o rol do artigo 32 da Lei Arbitral,[80] quais sejam:
I - for nula a convenção de arbitragem
II - emanou de quem não podia ser árbitro;
III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;
IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei;
VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.
O magistrado Salomão Viana aponta que a arbitragem é uma forma de heterocomposição vez que “os envolvidos no conflito buscam a solução junto a um terceiro (um juízo arbitral). É o terceiro que compõe o conflito, proferindo uma sentença arbitral, decisão cujo conteúdo vincula os envolvidos”.[81]
5.2 Negociação
A negociação pode ser realizada também para resolver conflitos, seja de cunho pessoal, seja profissional. Assim, as negociações estão presentes em diversos ambientes, seja familiar, jurídico, político, diplomático, comercial, trabalhista, criminal, entre outros âmbitos diferentes que podem abordar a negociação.[82]
Não é necessária que tenha intervenção ou participação de terceiros na negociação, pois é um método autocompositivo e empregado diretamente pelas partes para resolver alguma divergência ou conflito, na qual realizam um acordo, geralmente de ordem material, com uma solução satisfatória para ambos. Entretanto, as partes poderão nomear representantes, como advogados, por exemplo, para que possam participar da negociação, não como um terceiro facilitador, mas sim por meio de representação da parte. É importante destacar que essa técnica não costuma ser utilizada em situações conflitantes na qual o objeto envolva afetividade entre as partes.[83]
Nesse contexto, Petrônio Calmon afirma que a negociação é “o mecanismo de solução de conflitos com vistas à obtenção da autocomposição caracterizada pela conversa direta entre os envolvidos sem qualquer intervenção de terceiro como auxiliar ou facilitador”.[84]
O Ministério Público de Minas Gerais define a negociação como sendo “um processo ético de diálogo entre partes em conflito, através do qual, após a geração conjunta de opções e sua avaliação, elas tentam chegar à solução autocompositiva que melhor atenda aos interesses de todos”.[85]
6. OS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONLFITOS E A CORRELAÇÃO COM OS JUIZADOS ESPECIAS
Antes de ser incluído no Novo Código de Processo Civil de 2015, os métodos alternativos de resolução de conflitos, sobretudo a conciliação, já estavam previstos na Lei nº 9.099 de 1995 que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.[86]
Oriana Pinto discorre a respeito da criação e do objetivo dos Juizados de Pequenas sob a luz da Lei 9.099/95:
A criação dos Juizados de Pequenas Causas foi uma imposição do interesse nacional, por representar a garantia do acesso à Justiça das grandes massas populacionais. As despesas com custas e honorários de advogado, o tempo perdido nas diligências preliminares ao ajuizamento da demanda, o temor de uma longa tramitação da causa, constituíam fatores que desestimulavam os prejudicados, mesmo pessoas de alguns recursos, de pleitear em juízo aquilo que entendiam ser de seu direito.[87]
O artigo 1º desta lei dispõe que “Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da Justiça Ordinária, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência”.
Outrossim, Mauro Cappelletti, através de seus estudos, foi essencial para a inserção dos Juizados Especiais como uma renovação do acesso à Justiça.[88] Aluísio Ré aponta que através destes estudos essa inovação seria conhecida como as “ondas renovatórias do Poder Judiciário”:
(…) os estudiosos identificam que tais obstáculos, muitas vezes inter-relacionados, tange às custas judiciais, às possibilidades das partes e a problemas especiais dos interesses difusos, o que revela, respectivamente, a existência de fatores de natureza econômica (pobreza, acesso à informação e representação adequada), organizacional (interesses de grupo de titularidade difusa) e procedimental (instituição de meios alternativos de resolução de conflitos).[89]
Esse acesso à justiça pelos Juizados Especiais torna-se perceptível com a Lei nº 9.099, principalmente por determinar a competência com base no valor da causa até 40 salários mínimos, sendo o advogado dispensado em causas de até 20 salários mínimos.[90] Além disso, nos processos de primeira instância não há o pagamento de custas, taxas e despesas.[91]
Os princípios norteadores dos Juizados Especiais estão expressamente previstos no artigo 2º da lei, que são os princípios da celeridade, simplicidade, informalidade, economia processual e oralidade.[92]
Assim, afirma José Lourenço Torres Neto que “o procedimento do Juizado Especial deve ser simples, sem aparato, natural, espontâneo, a fim de deixar os interessados à vontade para exporem as suas pretensões e a resistência equivalente”. Ainda, o autor determina que o procedimento deve ser desapegado de formalidade, no qual possa ser dirigido por juízes leigos.[93]
Sobre isso, Watanabe entende que:
Sem a inclusão dos chamados meios consensuais de solução de conflitos, como a mediação e conciliação, não teremos um verdadeiro acesso à justiça. Certo é que, em algumas espécies de controvérsias, como já ficou mencionado, faltaria o requisito da adequação à solução dada pelo critério da adjudicação.[94]
Além de buscar a pacificação social e promover o acesso à justiça, os Juizados Especiais são marcados pela celeridade, o que é um ponto positivo para solucionar a crise do Poder Judiciário devido a “cultura da sentença”[95].
Neste aspecto Ricardo Chimenti dispõe que “a maior expectativa gerada pelo Sistema dos Juizados é a sua promessa de celeridade sem violação do princípio da segurança das relações jurídicas”.[96] Assim, Tônia de Oliveira Barouche entende que:
a celeridade, no âmbito dos Juizados Especiais, é decorrência, principalmente, da competência destes em processar e julgar causas que versem valores que não excedam 40 salários mínimos e também pelas causas denominadas de menor complexidade, além de acolherem em seu âmago o rito sumaríssimo, o qual trouxe certas inovações para a eficácia da celeridade processual.[97]
No que tange a crise do Judiciário, Cintra e Grinover compreendem que:
A crise da Justiça, representada principalmente por sua inacessibilidade, morosidade e custo, põe imediatamente em realce o primeiro fundamento das vias conciliativas: o fundamento funcional. Trata-se de buscar a racionalização na distribuição da Justiça, com a subsequente desobstrução dos tribunais, pela atribuição da solução de certas controvérsias a instrumentos institucionalizados que buscam autocomposição. E trata-se ainda da recuperação de certas controvérsias, que permaneceriam sem solução na sociedade contemporânea, perante a inadequação da técnica processual para a solução de questões que envolvem, por exemplo, relações comunitárias ou de vizinhança, a tutela do consumidor, os acidentes de trânsito etc.[98]
Ademais, é interessante discorrer sobre o Sistema Multiportas, que é basicamente às múltiplas possibilidades de solução de conflitos, não existindo uma hierarquia entre eles, ficando a cargo das partes escolher aquele que melhor se adequar a solução do conflito. Sobre isso, Lorencini dispõe que:
O Sistema Multiportas é o nome que se dá ao complexo de opções, envolvendo diferentes métodos, que cada pessoa tem à sua disposição para tentar solucionar um conflito. Este sistema pode ser articulado ou não pelo Estado, envolver métodos heterocompositivos ou autocompostivos, adjudicatórios ou consensuais, com ou sem a participação do Estado. Ele será mais ou menos amplo em razão de diferentes características.[99]
Por fim, nota-se que Lei dos Juizados Especiais é incisiva quanto a implementação dos métodos de resolução de conflitos, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.[100] Dispõe que compete ao juiz, togado ou leigo, ou ao conciliador sob sua orientação presidir a audiência.[101] Em 2020 através da Lei nº 13.994, foi acrescentada a Lei nº 9.099 a possibilidade da realização da audiência de conciliação por meios virtuais,[102] bem como que o acordo realizado em conciliação será reduzido a termo, homologado pelo juiz mediante sentença e terá eficácia de título executivo.[103]
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O acesso à justiça é um dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e dispõe que todos tem direitos a apreciação pelo Poder Judiciário, de toda matéria que gere lesão ou ameaça ao direito. Assim, a inobservância, limitação ou até mesmo o ato de dificultar o acesso à justiça é inconstitucional. Porém, este acesso à justiça gera grande problema de inacessibilidade aos indivíduos economicamente menos favorecidos, o que causa dificuldade em recorrer ao judiciário.
Ante a esta problemática os doutrinadores incentivaram a criação de métodos alternativos para a resolução de conflitos com a finalidade de solucionar os litígios com mais celeridade, eficácia e com menos formalidades, através deste modelo sistematizado.
Há a possibilidade, de resolução de conflitos através da conciliação, mediação, arbitragem e negociação, antes mesmo do ajuizamento da ação judicial. A conciliação, por sua vez, é o primeiro método utilizado pelo judiciário, devendo ser inclusive incentivado pelos magistrados, para tentar dar fim ao processo, preliminarmente, com um resultado satisfatório para ambas as partes.
O Novo Código de Processo Civil de 2015 adotou os meios de solução consensual de conflitos, denominados autocompositivos e heterocompositivos, devendo esta técnica ser estimulada pelos juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público.
A Lei nº 9.099 de 1995 dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, instituem as regras a serem utilizadas nos procedimentos alternativos de resolução de conflitos, sobretudo na técnica de conciliação e, sua criação compete a União, Distrito Federal e pelos Estados. Os princípios que regem estes métodos estão previstos em seu artigo 2º, sendo eles os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.
Na conciliação um terceiro imparcial irá facilitar o consenso entre as partes, sendo permitido que o mesmo apresente propostas de soluções satisfatórias. A técnica de solução de controvérsias denominada mediação é regida por ordenamento próprio através da Lei nº 13.140 de 2015, na qual um terceiro imparcial irá mediar e facilitar o diálogo entre as partes, sem opinar ou propor soluções. A arbitragem é instituída através da Lei nº 9.307 de 1996, com edição pela Lei nº 13.129 de 2015 e, nela, um especialista no assunto, denominado de árbitro, utilizando-se dos princípios constitucionais, irá presidir a resolução de conflitos. No que tange a técnica de negociação, é um meio de autocomposição que não necessita a intervenção de terceiros, sendo resolvidos diretamente pelas partes.
Assim, os métodos alternativos de resolução de conflitos são extremamente importantes e necessários, tanto para a satisfação dos direitos das partes, quanto para amenizar a crise do Poder Judiciário que se deu através do excesso de litigiosidade, podendo a “cultura da sentença” ser resolvida ou pelo menos evitada através da auto e heterocomposição.
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[1] GROCHOLEWSKI, Zenon. A filosofia do direito nos ensinamentos de João Paulo II e outros escritos. Trad. para o espanhol Bogdan Piotrowski; trad. para o português Côn. Martin Segú Girona. São Paulo: Paulinas, 2002
[2] OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito processual civil. São Paulo: Verbatim, 2015
[5] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1988
[7] ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998., p. 104
[8] CAMPOS, Corine. Direito de Ação: Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição. Direito Net. 2003.
[9] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Teoria Geral. Comentários aos arts. 1o à 5o da Constituição da República Federativa do Brasil. Doutrina e Jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Atlas S.A., 1998, p. 197
[10] ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969. Art. 8º
[11] NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Anotado. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p 137
[12] RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no Estado Contemporâneo: concepção e principais entraves. 2008. p. 252
[14] GRINOVER, Ada Pellegrini. Conciliação e Mediação Endoprocessuais na Legislação Projetada. Revista Síntese Direito Civil e Processual Civil, Ano XIII, nº 91, RDC nº 91, set/out 2014, pág 71/92
[15] GARCEZ, José Maria Rossani. Negociação. ADRS. Mediação. Conciliação e Arbitragem. 2. ed. Rio de Janeiro: ed. Lumen Juris, 2003, p. 1
[16] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 49-50
[17] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. 1. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 76
[18] BARBOSA MOREIRA, José Carlos, Efetividade do processo e técnica processual, Rio de Janeiro, Instituto de Estudos Jurídicos, 1995, pág 318/330
[19] WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para Tratamento adequado dos Conflitos de Interesses. In PELUSO, Antonio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (coord). Conciliação e Mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pág 4
[32] BETTINI, Lúcia Helena Polleti, Mediação e Conciliação como instrumental de efetividade da razoável duração dos processos. Revista de Direito Constitucional e Internacional. 2013, RDCI 85. Pág 193/201
[33] SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. O papel do juiz na tentativa de pacificação social: a importância das técnicas de conciliação e mediação. In: Bases Científicas para um Renovado Direito Processual. Organizadores: CARNEITO, Athos Gusmão e CALMON, Petrônio. Ed. Juspodivm, 2ª Edição, 2009
[38] BARBOSA, Oriana Piske de Azevêdo; SILVA, Cristiano Alves da. Os métodos consensuais de solução de conflitos no âmbito do novo código de processo civil brasileiro (lei nº 13.105/15).
[60] MAGALHÃES, Rodrigo Almeida. Formas Alternativas de resolução de conflitos. Belo Horizonte. RHJ, 2008. Pág 28
[61] WATANABE, Kazuo. Sociedade não pode ser tão dependente do Estado para resolver conflitos. Entrevista Conjur.
[62] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. 1. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 76
[67] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário a lei nº 9.307/1996. 3ª ed. São Paulo: Atlas. 2009
[83] LUCENA TORRES, Lorena. Negociação, Conciliação, Mediação e Arbitragem: métodos adequados para soluções de conflitos. JusBrasil. 2019.
[84] CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 107
[87] PINTO, Oriana Piske de Azevedo Magalhães. Abordagem Histórica e Jurídica dos Juizados de Pequenas Causas aos Atuais Juizados Especiais Cíveis e Criminais Brasileiros. TJDF. 2008
[93] TORRES NETO, José Lourenço. Princípios norteadores da Lei 9.099/95 - Juizados Especiais.In:Revista Âmbito Jurídico. N. 93. Rio Grande [s.n.], Out. 2011
[94] WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e meios consensuais de solução de conflitos. In Tribunal Multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Editora FGV. Rafael Alves de Almeida (org et al). Rio de Janeiro. 2012
[96] CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012
[97] BAROUCHE, Tônia de Oliveira. Os Juizados Especiais Cíveis e a problemática da celeridade processual. In: Revista de Direito dos monitores da UFF, 2010.
[98] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28ª edição. Malheiros Editores, 2012
[99] LORENCINI, Marco Antônio Garcia Lopes . “Sistema Multiportas”: opções para tratamento de conflitos de forma adequada. In Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem. 3ª Edição. Revista, atualizada e ampliada. Editora Forense. Rio de Janeiro. 2020
Bacharelando em Direito pela UNA Centro Universitário - Campus Aimorés.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Odilon da Rocha Leite. Conciliação e mediação: seus aspectos e aplicabilidade diante a crise do Poder Judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2021, 04:07. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57516/conciliao-e-mediao-seus-aspectos-e-aplicabilidade-diante-a-crise-do-poder-judicirio. Acesso em: 23 dez 2024.
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