RESUMO: Lança-se mão do instituto denominado diretivas/diretrizes antecipadas da vontade na tentativa de tornar o momento morte menos penoso não só para o enfermo, mas também para aqueles que lhe cercam. Ao aderir às diretivas antecipadas da vontade, o paciente em estado terminal pode optar pela utilização ou não de terapêuticas médicas incisivas, tendo em vista que sua morte além de inevitável, é irreversível, de modo que tais procedimentos não têm o condão de curar o enfermo, mas tão somente de ampliar uma ‘subvida’. Para tanto, utilizando de sua autonomia, o indivíduo deve externar sua vontade ainda consciente, apontando desde já as futuras abstenções, bem como indicando um representante. Decerto, ainda não há lei específica para aplicação das diretivas antecipadas, contudo, afere-se do ordenamento jurídico a viabilidade de sua aplicação, seja pela previsibilidade do instituto em resoluções do Conselho Federal de Medicina, seja pela observância do princípio da dignidade da pessoa humana e dos demais princípios constitucionais.
Palavras-chave: Morte. Vida. Dignidade da pessoa humana. Autonomia. Testamento vital. Diretivas. Paciente terminal.
ABSTRACT: Throws up hand institute called directives/advance directives of the will in an attempt to make the death less painful moment not only for the patient but also for those around you. By adhering to advance directives of the will , the terminally ill patient may choose to use or not of medical therapies incisive , considering that his death besides inevitable, irreversible, so that such procedures do not have the power to heal the sick, but only to extend a life. Therefore, using its autonomy, the individual should express their will still conscious, pointing already abstentions future, as well as appointing a representative. Certainly , there is no specific law for application of advance directives, however, be gauged according to the legal viability of their application, whether the predictability of the institute in resolutions of the Federal Council of Medicine, is the observance of the principle of human dignity and other constitutional principles.
Keywords: Death. Life. Human dignity. Autonomy. Living will. Policies. Terminal patient.
A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito elencados pela Constituição da República, podendo-se ainda citar a proteção da inviolabilidade do direito à vida, à segurança e à liberdade, sem olvidar dos demais direitos e garantias fundamentais.
Desse modo, todos os outros princípios e direitos são decorrentes da dignidade, sendo certo que todos devem estar nas etapas da vida do ser humano, desde o nascimento até a morte.
Assim, o presente trabalho estuda as diretivas antecipadas da vontade, com suas respectivas implicações, sendo meio capaz de garantir uma morte digna.
As diretivas antecipadas possuem diversas denominações, razão pela qual inicialmente será analisada a terminologia mais adequada, bem como apontado seus principais conceitos.
Na sequência, considerando que se trata de instituto correlato à terminalidade da vida, serão analisados os meios apresentados pela doutrina que ocasionam a antecipação ou o prolongamento da morte.
Depois, as diretivas antecipadas serão estudadas, levando-se em conta, principalmente, a dignidade da pessoa humana e demais direitos e princípios, tais como o da inviolabilidade do direto à vida e da autonomia privada, onde se verificará a viabilidade ou não de se conceituar vida e morte dignas.
Por fim, depois de analisar a relação entre médico, paciente terminal e seus familiares, será verificada a possibilidade de garantir a dignidade no processo morte por meio das diretivas antecipadas da vontade, indicando, inclusive, os meios hábeis de efetivar a vontade livre e consciente do paciente terminal, cuja morte é inevitável.
2. TESTAMENTO VITAL: CONCEITOS PRELIMINARES
primeiramente, cumpre esclarecer algumas informações gerais concernentes ao testamento vital, incluindo o seu conceito, bem como sua origem.
Decerto, o testamento vital decorre das diretivas antecipadas da vontade, estas por sua vez, podem ser definidas como a manifestação originada por pessoa capaz, na qual há previsão expressa de tratamentos médicos, na hipótese de se tornarem pacientes terminais. Nessa linha se extrai das lições de Bomtempo:
[...] a possibilidade do paciente manifestar previamente sua vontade acerca de quais tratamentos médicos quer ou não se submeter caso futuramente estiver em estado de incapacidade. (BOMTEMPO, 2012).
Destarte, por meio das diretivas antecipadas da vontade é possível ao indivíduo, ainda em plena consciência, exteriorizar sua vontade, no sentido de determinar que tipo de tratamento médico será submetido, se se encontrar em estado terminal.
As diretivas antecipadas da vontade, também conhecidas como diretrizes antecipadas da vontade se originaram nos Estados Unidos, em 1991, advindas do Ato de Autodeterminação do Paciente.
O aludido ato foi o documento legal responsável pelo início da aceitação das diretivas antecipadas naquele país, abrindo precedente dessa forma, para sua utilização em países diversos, considerando que ao paciente foi viabilizada a não aceitação de tratamento médico, pelo reconhecimento da autonomia privada. Nesse sentido, destaca-se:
O PSDA[1] reconheceu a autonomia privada do paciente, inclusive para recusar tratamento médico. Os centros de saúde, quando da admissão do paciente, registram suas opções e objeções a tratamentos em caso de incapacidade superveniente de exercício da própria autonomia [...] (NAVES; SÁ, 2009, p. 85).
Assim, foi permitido ao indivíduo, antecipar suas decisões que cingem ao seu estado de saúde, quando este estiver acometido de enfermidade incurável e, portanto, incapacitado.
As declarações de vontade, emanadas nas diretivas antecipadas podem ocorrer das três formas seguintes: o testamento em vida[2], o poder duradouro do representante para cuidados com a saúde[3] e a diretiva do centro médico avançado[4].
Retira-se da doutrina a definição do testamento em vida, Borges defende ser “documento em que a pessoa determina, de forma escrita, que tipo de tratamento ou não tratamento deseja para a ocasião em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz de manifestar sua vontade”. (BORGES, 2007, p. 240).
Nesse desiderato, Bomtempo expõe que o testamento em vida se trata de “documento no qual o paciente dispõe em vida os tratamentos ou a recusa destes quando estiver em estado de inconsciência”. (BOMTEMPO, 2012).
Assim, o aludido documento vai constar todo tipo de terapêutica médica a ser despendido ou não, conforme manifestação anterior do paciente, sendo comum inclusive, de acordo com Sá (2005) a recusa de entubação e ressuscitação.
Em relação ao poder duradouro do representante para cuidados com a saúde, também conhecido como mandato duradouro ou procuração para tomada das decisões, este se trata do documento que contém a pessoa indicada a tomar as decisões para o paciente, no caso de enfermidade incurável deste, a qual o impeça de expressar sua vontade livre de vícios. Portanto, por meio deste mandato, será nomeado representante apto a decidir em nome paciente.
No que diz respeito à diretiva do centro médico avançado, este além de indicar a recusa a determinadas terapêuticas médicas, indica representante, responsável pelo enfermo em estado terminal. “Trata-se, portanto, de um documento mais completo, voltado para pacientes terminais, que reúne as disposições do testamento em vida e do mandato duradouro”. (SÁ, 2005, p. 37).
O living will, oriundo dos Estados Unidos, traduzido como testamento vital, foi o precursor da lei retrocitada, a saber PSDA – Patient Self-Determination Act, pois apresenta previsões do próprio enfermo, ao escolher quais tratamentos médicos deseja ser submetido, caso o mesmo esteja em estado terminal, incapacitado de se manifestar sem vícios de sua vontade.
Nessa linha, extrai-se das lições de Nascimento o conceito de living will, senão veja-se:
[...] consiste em documento, devidamente assinado, em que o interessado, juridicamente capaz, declara manifestação de sua vontade para eventual momento futuro, de uma lesão incurável e irreversível, doença ou enfermidade considerada de condição terminal, que os procedimentos que apenas prolongam o processo de morte sejam suspensos ou retirados, permitindo a morte natural, apenas com a administração de medicação à subsistência para fornecer cuidados de conforto, devendo ser obedecido e honrado pela família e pelo médico responsável. (NASCIMENTO, 2012).
Vê-se que o cerne do instituto em comento originou-se nos Estados Unidos, porém, é possível encontrar institutos semelhantes aplicáveis em países diversos, o que, por conseguinte, apresenta vários termos afins.
2.1. Testamento Vital: Breve Análise no Direito Comparado e Terminologia
Em razão da aplicação do testamento vital em diversos países, surgem diversas nomenclaturas para designar um mesmo instituto, isso ocorre no Uruguai, Holanda, Portugal, Bélgica e Estados Unidos, sendo certo que cada um utiliza terminologia diferente, na respectiva legislação.
Podem ser encontrados os termos: testamento vital, testament de vie, testamento biológico, living will, diretivas antecipadas de vontade, declaração prévia de vontade, declaração de vontade antecipada, sendo certo que todos apresentam a mesma definição, qual seja:
[...] são documentos elaborados por uma determinada pessoa que, mediante diretrizes antecipadas, realizadas em situação de lucidez mental, declara a sua vontade, autorizando os profissionais médicos, no caso de doenças irreversíveis ou incuráveis, em que já não seja mais possível expressar a sua vontade, a não prolongarem o tratamento. Nesses casos, o paciente em fase terminal ou em estado vegetativo autoriza a suspensão de tratamentos que visam apenas a adiar a morte, em vez de manter a vida. (MAGALHÃES, 2011).
Ressalta-se que no Brasil, foi utilizado o modelo norte-americano, de modo que o termo utilizado frequentemente é o testamento vital. Porém, conforme cediço, testamento para o Direito Civil Brasileiro produz efeitos apenas após a morte, sendo que em contrapartida, testamento vital foi criado para que seus efeitos sejam alcançados em vida. Logo, tal nomenclatura tem sido alvo de várias críticas.
Decerto, são utilizados comumente diretivas/diretrizes antecipadas da vontade e testamento vital; como dito, este recebe críticas em virtude do entendimento acerca de testamento na legislação brasileira, sendo certo que aquele não recebe críticas, sendo mais correta sua utilização.
Verifica-se que se define testamento como:
[...] negócio jurídico por meio do qual uma pessoa dispõe de seus bens ou faz outras declarações de última vontade. [...] testamento é negócio jurídico. É ação humana combinada com o ordenamento jurídico, voltada à produção dos efeitos jurídicos desejados pelo disponente, aos quais a Lei dará força. É negócio jurídico mortis causa. É unilateral, porque proveniente de uma só declaração de vontade. É também personalíssimo, pois deve ser feito pelo próprio testador. [...] É negócio jurídico gratuito e solene. Pode ser revogado pelo testador a qualquer momento [...] (FIUZA, 2016, p. 773).
Do conceito supracitado, verifica-se que testamento no ordenamento jurídico brasileiro possui validade após a morte, momento em que suas disposições se efetivarão. Tal posicionamento também pode ser depreendido na doutrina de Nascimento:
Ao analisarmos o conceito de testamento, se verifica que o instituto está intimamente ligado ao conceito de morte, pois consiste na manifestação de última vontade, pelo qual um indivíduo dispõe, para depois da morte, em todo ou parte dos seus bens, conforme preleção do artigo 1.857 do Código Civil Brasileiro[5]. (NASCIMENTO, 2012).
Ocorre que o testamento vital foi idealizado para surtir efeitos antes da morte do testador, sendo que sua validade dar-se-á em vida, mais precisamente, no momento em que o paciente terminal perder sua capacidade de manifestação, em razão de enfermidade grave, sem cura e sem chances de reversão.
Diante da controvérsia advinda em virtude dos testamentos ora em comento é que a doutrina vem questionando a utilização do termo testamento vital, o qual demostra certa atecnia e preferindo outros, tais como diretrizes/diretivas antecipadas da vontade ou declaração de vontade antecipada, este último retirado do modelo uruguaio. Sentido também perfilhado por Bomtempo, a saber:
Entrementes, critica-se o termo ‘testamento vital’, devido ao sentido de testamento no Brasil. Visto que este instrumento trata-se de um ato unilateral de vontade, com eficácia pós-morte, não seria a nomenclatura correta, considerando que o testamento vital possui eficácia em vida. Adota-se, portanto, a nomenclatura declaração prévia de vontade. (BOMTEMPO, 2012).
Destarte, vê-se que independentemente do nome recebido, o instituto em tela será empregado com o mesmo objetivo, sendo necessária apenas sua devida regulamentação no ordenamento brasileiro, para que seja resguardada sua utilização.
Assim, não há qualquer impedimento na legislação pátria à validação das diretivas antecipadas da vontade, pois em referência aos testamentos, bastaria preencher os seus respectivos requisitos, bem como àqueles relacionados a todo negócio jurídico (art. 104 CC). [6]
Da mesma forma, ocorreriam com as razões de sua invalidação[7], retirados do Código Civil Brasileiro. Com efeito, considerando que aos negócios jurídicos não é aplicado o princípio da tipicidade “os particulares têm ampla liberdade para instituir categorias não contempladas em lei, contanto que tal não venha a afrontar o ordenamento”. (GODINHO, 2010).
Dessa forma, vê-se que por não ser necessária forma tipificada em lei para se firmar negócio jurídico, bastaria para a confecção das diretivas antecipadas da vontade apenas a observância dos requisitos atinentes àquele, hábeis à sua validação, sendo certo que de igual modo, sua invalidade se vincula às hipóteses de nulidade concernentes a todo negócio jurídico.
Ainda, Bostiancic e Penalva (2010) defendem que enquanto as diretivas antecipadas são gênero, o testamento vital é espécie.
Destarte, ambos os institutos apresentam a mesma concepção, razão que testamento vital e diretivas antecipadas da vontade serão analisados como se sinônimos fossem, contudo, há a preferência pelo segundo, pois o primeiro, conforme explicitado, evidencia atecnia em seu termo.
Por fim, ainda é debatida a forma como as diretivas antecipadas da vontade serão aplicadas, quando então, lança-se mão da eutanásia e das práticas a ela correlacionadas. Entretanto, o objetivo é viabilizar uma morte digna, trazendo a manifestação antecipada do paciente terminal quanto à recusa ou não dos tratamentos médicos que possuem o fito tão somente de prolongar a vida, com ou sem qualidade.
3. MORTE: MODUS
Quando se aborda o fim da vida, forçosa é a abordagem da autodeterminação inerente a cada pessoa, quando se trata principalmente de assuntos relacionados à sua própria saúde, uma vez que “o direito de deliberar sobre a própria morte deve ser uma garantia não apenas médica, mas também ética e jurídica”. (DINIZ, 2007, p. 300).
Impende destacar nesse diapasão que o momento morte se dá com a perda irreversível da capacidade do indivíduo de integrar e coordenar suas funções físicas e mentais.
Desse modo, se destaca que a morte ocorre quando:
a) As funções espontâneas cardíacas e respiratórias cessaram definitivamente, ou
b) Verificou-se uma cessação irreversível de toda a função cerebral (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2012, p. 387).
Assim, vê-se que de fato a morte é verificada com a perda das funções cerebrais- morte cerebral, uma vez que, na ocorrência de uma parada cardiorrespiratória, aquela rapidamente será constatada.
Nessa linha, cumpre esclarecer alguns institutos correlatos à morte, pois são meios anteriores à terminalidade da vida em si, tais como a eutanásia, conforme difundido pela doutrina.
3.1. Eutanásia
A palavra eutanásia possui origem grega e significa morte boa (eu = bom/boa e thánatos = morte), isto é, morte apropriada e sem sofrimento.
“Em termos gerais, a eutanásia pode ser entendida quando uma pessoa causa deliberadamente a morte de outra que está mais fraca, debilitada ou em sofrimento”. (ADONI, 2003, p. 404).
Adoni ainda acresce:
[...] a concepção de eutanásia liga-se à ideia de provocar conscientemente a morte de alguém, fundamentado em relevante valor moral ou social, por motivo de piedade ou compaixão, introduzindo outra causa, que, por si só, seja suficiente para desencadear o óbito. Ao invés de deixar a morte acontecer, buscando-se amenizar o sofrimento do paciente, a eutanásia é entendida nos dias de hoje como uma ação sobre a morte, de modo a antecipá-la. (ADONI, 2003, p. 405).
A eutanásia pode ser classificada em ativa ou passiva.
Enquanto a primeira se dá por comissão, ou seja, quando há ação médica, na qual provoca o óbito da pessoa acometida de enfermidade, aliviando assim sua dor e sofrimento. A segunda ocorre por omissão, isto é, deriva da abstenção médica, por não serem aplicadas terapêuticas médicas hábeis a prolongar a vida do paciente.
Lança-se mão da doutrina de Barchifontaine para apresentar exemplo. Enquanto na eutanásia ativa tem-se “a administração de uma superdose de morfina com a intencionalidade de pôr fim à vida do enfermo”. (BARCHIFONTAINE, 2001, p. 288). Na eutanásia passiva se verifica “a não aplicação ou desconexão do respirador num paciente terminável sem esperança de vida”. (BARCHIFONTAINE, 2011, p. 288).
Por fim, cumpre ainda esclarecer que embora parte da doutrina utilize eutanásia passiva como sinônimo de ortotanásia, ambos se tratam de institutos diversos, conforme a seguir delineia-se.
4. DIGNIDADE NO VIVER E MORRER
Conforme aferido do art. 5º da CR/88, a vida é um bem jurídico inviolável, a saber:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (BRASIL, 2021, p. 21). (Grifou-se).
Ademais, é certo que deste direito fundamental e inviolável, advêm outros, com o mesmo caráter de fundamentalidade, dispostos nos incisos daquele artigo, aos quais cumpre ressaltar:
[...]
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
[...]
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
[...]
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[...]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
[...] (BRASIL, 2021, p. 22 e 23).
Destarte, afere-se que é competência do Estado assegurar os direitos estabelecidos em Constituição, abrangendo no que concerne ao direito à vida o direito de se manter vivo, bem como ter uma vida digna no que tange à sua própria vivência.
Logo, o direito à vida deve ser exercido com observância da dignidade da pessoa humana, pois todos os direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstos emanam, desta, que conforme delineado se trata de fundamento do Estado Democrático de Direito.
Nessa linha, faz-se necessário destacar a ligação existente entre as garantias e direitos fundamentais com a dignidade da pessoa humana, haja vista que “o direito à vida é protegido, mas também se abriga o direito a todos os meios e condições para trazer a esta um mínimo de autossuficiência, de decência e de condições de vivência própria por seus meios”. (BORGES, 2006, p. 168).
De igual modo, defende Silva e Campos:
A dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca, inseparável de todo e qualquer ser humano e é a partir dela que ele tem a sua existência em plenitude. Nesse sentido, todo cidadão é titular não só do direito à vida, mas sim do direito à vida digna. [...] Na democracia constitucionalizada brasileira, ter vida digna é ter todos os direitos fundamentais efetivados, ou seja, é estar incluído na nova ordem de direitos e garantias fundamentais. [...] Isso significa dizer que os direitos fundamentais dão forma ao conteúdo mínimo da dignidade humana. (SILVA; CAMPOS, 2011, p. 218).
Nesse sentido, do direito à vida decorrem outros direitos e valores, os quais objetivam a existência digna da pessoa, abrangendo tanto o plano jurídico, quanto o plano social, razão pela qual a dignidade pode ser considerada como o núcleo dos demais direitos, sendo certo que a efetivação destes viabiliza uma vida minimamente digna.
Não só o viver a vida, mas também o seu fim devem estar amparados pela dignidade da pessoa humana, estando ambos ligados à morte, assim “a vida deve ser encarada no seu ocaso, para que lhe seja devolvida a dignidade perdida”. (SÁ, 2005, p. 33).
É no fim da vida, ou seja, na iminência da morte que as pessoas analisam como foi sua existência, se digna ou não, como desejam seu término, bem como definem as lembranças que gostariam de deixar.
Dworkin (2009), ao analisar a existência humana, desde o nascimento até seu fim, afirma que os seres humanos vivem a vida à sombra da morte, da mesma forma que morrem à sombra da vida. Ainda acrescenta que viver dignamente está ligado a uma vida boa e que a morte é reflexo do modo que se deseja ter vivido.
Para delimitar uma vida boa, o autor inicialmente esclarece que as pessoas partem de ideias intuitivas e latentes, hábeis a explicar seus sentimentos quando se deparam com o rumo que a vida vai levando, decorrente das suas escolhas pessoais.
Decerto que tais ideias, convicções e opiniões são variáveis de um indivíduo para outro, podendo estar ligadas ao conforto material, às realizações pessoais, às experiências adquiridas ou aos laços de afinidade criados. Além disso, acrescenta:
É absolutamente crucial, porém, observar que essas diferentes opiniões e convicções, por mais inarticuladas ou latentes que possam ser, são críticas no sentido de que dizem respeito ao que torna uma vida bem-sucedida, e não fracassada; em outras palavras, remetem àquelas circunstâncias em que alguém conferiu sentido à sua vida, em vez de simplesmente pô-la a perder. Não se trata, portanto, apenas de opiniões a respeito de como tornar a vida prazerosa ou agradável minuto após minuto, dia após dia. (DWORKIN, 2009, p. 283).
Ao discorrer acerca da definição de vida boa ou sobre o sentido da vida, Dworkin (2009) aponta duas razões para que seja tomada determinada direção em vez de outra no decorrer da vida: são os denominados interesses experienciais, aqueles comuns, agradáveis e preferenciais para cada indivíduo e os interesses críticos, internalizados após passar por um juízo de valor, hábil a contribuir com o crescimento interno. Nas palavras do autor, ambas as razões apontadas significam respectivamente:
Em primeiro lugar, todos têm o que chamarei de interesses experienciais. Todos fazemos coisas porque gostamos de fazê-las [...] Os prazeres desse tipo são fundamentais para uma vida boa – uma vida sem nada de maravilhoso não seria pura, mas tão-somente absurda. Mas o valor dessas experiências, avaliadas uma por uma, depende exatamente do fato de as considerarmos prazerosas ou estimulantes como experiências. (DWORKIN, 2009, p. 283).
[...] a maioria das pessoas pensa que também têm aquilo que chamo de interesses críticos: interesses cuja satisfação torna suas vidas genuinamente melhores, interesses que, se ignorados, constituiriam erros passíveis de piorar essas vidas. As convicções sobre o que ajuda a tornar uma vida boa em termos gerais são aquelas que remetem a esses interesses mais importantes. Representam juízos críticos, não apenas preferências relativas a experiências. (DWORKIN, 2009, p. 284).
Enfim, tanto os interesses experienciais quanto os interesses críticos, fazem parte do cotidiano dos indivíduos, sendo variável em cada caso. O que, por conseguinte, se conclui que uma vida boa decorre da convicção de cada um, o que também ocorre por ocasião de sua morte.
Viver dignamente, assim como ter uma vida boa, influencia no modo em que a mesma se perde, sendo certo que ter uma morte boa ou digna depende daquele que vai perdê-la. Nesse sentido Dworkin explicita, ao analisar o momento morte:
[...] as concepções das pessoas a respeito de como viver dão cor a suas convicções sobre quando morrer, e o impacto se torna mais forte quando está em jogo o segundo sentido no qual se pensa que a morte é importante. Não há dúvida de que a maioria das pessoas atribui ao modo de morrer uma importância especial e simbólica: na medida do possível, querem que sua morte expresse e, ao fazê-lo, confirme vigorosamente os valores que acreditam ser os mais importantes para suas vidas. (DWORKIN, 2009, p. 298).
Da mesma forma que as pessoas têm o livre arbítrio e vivem conforme seus interesses experienciais e críticos a fim de buscarem seu ‘ideal’ de existência, também se utilizam destes mecanismos para decidirem como será sua morte, bem como gostariam de serem lembrados, inclusive em relação àqueles que lhes cercam.
Nesse diapasão, Cabette defende que “na verdade a morte deve ser enfrentada como parte essencial dela, algo que inclusive lhe fornece sentido e não permite que caia em uma continuidade inócua e insípida”. (CABETTE, 2009, p. 56).
Por isso as diretivas antecipadas da vontade nada mais são que a tentativa de efetivação da vontade do paciente que se encontra em estágio terminal, quando a morte é iminente, até porque “muitas pessoas têm uma razão paralela para preferir a morte se tudo que lhes restar for uma vida inconsciente e vegetativa”. (DWORKIN, 2009, p. 299).
Ressaltando-se ainda, que para estes que aderiram às diretivas antecipadas, o fim da vida será digno e bom, pois observada sua própria vontade externada através desse instrumento, com respeito à autonomia da vontade.
A implementação das diretivas antecipadas da vontade caracteriza um modo de aceitação de qualidade de vida inclusive através da morte, ideia corroborada por Sá, a saber:
O ser humano tem outras dimensões que não somente a biológica, de forma que aceitar o critério da qualidade de vida significa estar a serviço não só da vida, mas também da pessoa. O prolongamento da vida somente pode ser justificado se oferecer às pessoas algum benefício, ainda assim, se esse benefício não ferir a dignidade do viver e do morrer. (SÁ, 2005, p. 32).
Conforme já delineado, a dignidade da pessoa humana é da essência do Estado e deve estar inserida em todas as etapas da existência dos indivíduos, do seu início ao seu fim, numa interligação de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.
Nessa linha, reforçando a importância da dignidade da pessoa humana, cabe ressaltar entendimento de Adoni:
A dignidade da pessoa humana é o sol do universo de valores, onde os demais gravitam ao seu redor. Constitui o valor dos valores. A dignidade da pessoa humana é a célula mãe de todos os demais valores, assegurando o direito à vida, e não o dever à vida a qualquer custo e condição, mesmo porque, nas sendas do quanto preconizado pela Constituição Federal, é direito fundamental da pessoa não ser submetida a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), como sói possível ocorrer em um sem-número de circunstâncias de enfermidade incurável e dolorosa, em que a pessoa é submetida a um tratamento fútil; e desnecessário, sob o empunho cruel de bandeira erguida em defesa do direito à vida, fazendo recrudescer a vulneração teratológica à sua dignidade, além de tolher o exercício de uma liberdade legalmente garantida. (ADONI, 2003, p. 411).
Com respeito às opiniões contrárias, é imprescindível à aceitação das diretivas antecipadas da vontade, a distinção dos princípios da santidade e da sacralidade da vida, os quais explicam o enfoque da vida e sua importância.
No primeiro- santidade da vida, “a vida é fundamento dogmático e religioso, pois pressupõe o caráter heterônomo da vida humana” (DINIZ, 2007, p. 296), sendo um bem intocável, possui caráter de inviolabilidade, principalmente por razões religiosas.
Nesse referencial não há que se falar no direito de morrer ou escolher como morrer, apenas existe o dever de viver, independente da qualidade que essa vida se mantém.
Já no segundo- sacralidade da vida, a vida representa um conjunto de valores morais e sociais concernentes à existência humana, garantindo o direito à vida de diversas formas, sendo esta passível de disponibilidade. Neste é o compartilhamento do valor moral que reconhece a vida humana como um bem, com respeito à dignidade humana.
Assim, Vieira defende a possibilidade de renunciar qualquer direito e aduz que “um ser livre e autônomo pode renunciar a todo direito, inclusive ao direito à vida, desde que sua escolha seja realmente voluntária, resultante de uma informação completa e bem detalhada acerca da questão”. (VIEIRA, 2004, p. 12).
Se entendida a existência do indivíduo sob a perspectiva da sacralidade da vida, bem como da dignidade da pessoa humana, verifica-se a interligação destes com os direitos fundamentais, o que, por conseguinte, autoriza a aplicação das diretivas antecipadas da vontade, com materialização do direito de morrer, uma vez que viver não é um dever.
O que deve ser evitado é a confusão entre o direito de morrer e o direito à morte, certo que a disponibilidade da vida apresentada nas diretivas antecipadas da vontade se refere ao desejo de evitar procedimentos médicos ineficazes, sem retardar a morte inevitável, entendimento também perfilhado por Clemente:
O direito de morrer dignamente não deve ser confundido com direito à morte. O direito de morrer dignamente é o desejo, a reivindicação por vários direitos e situações jurídicas, como a dignidade da pessoa, a liberdade, a autonomia, a consciência, os direitos de personalidade. Refere-se ao desejo de se ter uma morte natural, humanizada, sem o prolongamento da agonia por parte de um tratamento inútil. (CLEMENTE, 2006).
Leal (2004) também demonstra que viver não é dever e diante da legislação brasileira, morrer deve ser interpretado como um direito das pessoas, pois proveniente dos demais direitos constitucionais.
O autor ainda acresce:
Nos Estados Democráticos, ao se clamar por um direito de morrer ante a impossibilidade do exercício dos direitos fundamentais de vida plenária (mobilidade orgânica e lucidez do pensar como dignidade mínima), não é o morrer que se quer exercer, mas o orgânico que se quer desativar, porquanto a lei, como instituidora do dever-ser nas democracias, assegura o ser, devido a todos, pensar (enunciar-conjecturar) a vida e a morte e não tê-las somente como eventos sagrados sumariamente pré-decididos por uma contextualidade legal imune a ressignificações. (LEAL, 2004, p. 166).
Como a essência do Estado Democrático é a pessoa, tanto a vida quanto a morte digna devem estar em consonância com a autonomia privada, inclusive quando se tratar das diretrizes antecipadas da vontade, meio revelador dos direitos atinentes à vontade pessoal de cada um.
Assim, “diante dos paradigmas da liberdade e do pluralismo, podemos afirmar que existe autonomia para a vida e para a morte”. (TEIXEIRA, 2010, p. 9).
Logo, da mesma forma que viver, o morrer deve ser encarado como parte integrante de qualquer ser humano, e cada um possui a liberdade para definir ao menos, como sua vida será vivida, refletindo assim, em sua morte.
4.1. Autonomia Privada versus Vontade Estatal
O principal fundamento das diretivas antecipadas da vontade é a autonomia privada atinente ao paciente terminal, que se encontra submetido a terapias que não possuem cura, apenas retardam seu fim já sabido e esperado. Respeitando-se as decisões desses que sequer têm esperanças de melhora, respeita-se a dignidade.
Ao se discutir o direito de morrer de cada indivíduo, o que se questiona principalmente é o direito que o paciente terminal tem de ser ouvido, fazendo valer sua vontade, e consequentemente, terá sua dignidade reconhecida enquanto ser humano, isto é, ao ser ouvido, a autonomia privada é reconhecida.
É certo que a morte decorre da vida e que é o doente titular de sua própria existência, de modo que incumbe a ele e não ao Estado o conteúdo de vida digna, bem como o que vem a ser vida indigna, porque como já visto, se trata de conceituação variável e subjetiva, decorrente das próprias escolhas e experiências. De modo que é imprescindível reconhecer a autonomia privada, e por consequência, a dignidade da pessoa humana.
O princípio da autonomia- para a bioética ou autonomia privada- para o biodireito correspondem à observância da capacidade de autogoverno das pessoas, reconhecendo a possibilidade de decisão e ação dos indivíduos, de modo livre e consciente, longe de qualquer influência externa ou de terceiros, é o reconhecimento dos poderes pessoais de atuação quando tratar do próprio indivíduo.
Assim, tem-se a autonomia da vontade e a autonomia privada. Enquanto a primeira está intrinsecamente relacionada ao querer do indivíduo, isto é sua vontade real, partindo do pressuposto da voluntariedade, a segunda diz respeito ao direito subjetivo do indivíduo, conferido pela lei, em autorregular-se, tomando por base principalmente as relações jurídicas firmadas particularmente.
Quanto à definição de autonomia, extrai-se das lições de Pegoraro:
Autonomia, que deriva do grego auto (próprio) e nomos (lei, norma), significa o autogoverno da pessoa, autodeterminação de seu destino, liberdade de tomar decisões que digam respeito à sua vida e saúde física. Enfim, a pessoa autônoma é a que decide o que é bom para si ou aquilo que faz seu bem-estar. (PEGORARO, 2002, p. 106).
Por vezes, também se utiliza o termo liberdade para referir-se a autodeterminação, o que pode ser depreendido das lições de Sá: “ser livre é estar disponível para fazer algo por si mesmo. Nesse sentido, a liberdade afigura-se como a possibilidade de decidir e, ao decidir autodeterminar-se”. (SÁ, 2005, p. 54).
Assim, reafirmando a autodeterminação da autonomia privada atinente aos indivíduos, Pegoraro, ainda ensina:
Com base na autonomia propõe-se como ponto de partida, os direitos e deveres em relação à dignidade da pessoa, dando-se menos atenção às consequências benéficas ou menos benéficas das ações. Isto é, a autonomia individual provoca de imediato e prioritariamente o respeito à pessoa, o direito à autodeterminação, à vida, à saúde e à confidencialidade. (PERGORARO, 2002, p. 102).
Contudo, para produzir efeitos, inclusive no caso das diretivas antecipadas da vontade, o exercício da autonomia exige requisitos de validade especiais, quais sejam: informação, discernimento e ausência de condicionadores externos.
Quanto à informação significa dizer que deve ser transmitido ao paciente o maior número de informações acerca do seu quadro clínico, passadas de forma clara e abrangente, com avaliação dos riscos e benefícios.
No que diz respeito ao discernimento é imprescindível a efetiva compreensão do doente, ou seja, este precisa ter capacidade de entender sua situação.
Já a ausência de condicionadores externos significa que a decisão desse paciente deve ser livre, quando não se aceita quaisquer vícios: sociais ou de consentimento.
Então, as diretivas antecipadas da vontade, capazes de concretizar a autonomia, devem ser “exteriorizadas pelo consentimento livre e esclarecido, o qual deve reger as relações entre médico e paciente e, principalmente, ser determinante para o destino a ser dado ao tratamento (ou à ausência deste)”. (TEIXEIRA, 2010, p. 10).
Ocorre que o direito fundamental à vida, é o mais protegido pelo Estado, surgindo posições contrárias às diretrizes antecipadas, uma vez que estas fazem o paciente terminal ‘desistir’ da vida, quando da abstenção dos tratamentos médicos invasivos, simplesmente por obstinação terapêutica.
Todavia, cumpre ressaltar que não adianta viver, sem que esta vida seja digna. Linha perfilhada pela doutrina de Borges, a qual complementa que “quando o indivíduo não goza do direito à vida em sua plenitude, nem se quer se pode mais alegar que ele apresente vida digna, pois está privado de sua liberdade e do exercício de muitos de seus direitos”. (BORGES, 2006, p. 169).
Decerto a prática, tanto estatal quanto médica de obrigar uma pessoa em estado terminal manter-se viva, sem hipóteses de cura, faz com que sua existência tenha caráter de subvida, vivida em circunstâncias de morte.
Afinal, conforme se depreende dos ensinamentos de Bizatto “a principal finalidade de uma constituição é a garantia das liberdades e dos direitos individuais e coletivos, sem que isso implique numa negativa do direito de morrer”. (BIZATTO, 2000, p. 134).
Portanto, num Estado Democrático de Direito é necessário reconhecer a liberdade, autonomia e autodeterminação do paciente, para evitar dores e sofrimentos diante da iminência da morte daquele acometido por doença incurável, em consonância com a dignidade da pessoa humana, pois a morte é inevitável fato da vida.
Nesse sentido, ao reconhecer a importância dos direitos fundamentais, para então reconhecer o direto de morrer, ensina Leal:
[...] se Democrático de Direito, o Estado, por não mais ter lugar na banda (bando) soberana (imunizada, neutra, inquestionável) de onde excepcionasse (sitiasse) o seu próprio ordenamento jurídico, não mais pode invocar, como entidade mítica, o direito de vida e morte sobre todos, em nome de todos, sob rótulos de súmulas vinculantes, medidas provisórias, tutelas de urgência sem perpasse de processualidade jurídica. (LEAL, 2004, p. 166).
Logo, cabe ao enfermo, que se encontra em estágio terminal, decidir qual fim terá sua vida, bem como é o próprio paciente que define se viveu ou não dignamente, cabendo ao Estado assisti-lo no que couber, a fim de evitar qualquer tratamento desumano causador de sofrimento.
Com tal perspectiva, o deputado Alexandre Padilha - PT/SP propôs o projeto de lei nº 352/2019 [8]-ainda em tramitação- que dispõe sobre o consentimento informado e instruções prévias de vontade sobre tratamento de enfermidade em fase terminal de vida, trazendo o questionamento quanto à aceitação das diretivas antecipadas da vontade, com previsão inclusive, de casos em que a manifestação do enfermo pode ser suprida por seu representante legal.
Cumpre destacar passagem da justificação do supracitado projeto de lei:
A presente proposta baseia-se na Lei estadual de autoria do ilustre Deputado Estadual Carlos Neder (PT/SP) recentemente aprovado na Assembleia Legislativa de SP, que tem como objetivo regular e proteger o exercício do direito das pessoas quanto à informação e à tomada de decisão durante o processo de enfermidade terminal, de modo prévio ou durante o tratamento, os deveres e direitos dos profissionais de saúde e as garantias que os serviços de saúde públicos e privados estão obrigados a oferecer nesse processo.(Brasil 2021)
Resta demonstrado, o reconhecimento da autonomia privada do enfermo, porque “é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não ao contrário, porquanto o homem constitui a finalidade precípua, e não meio de atividade estatal”. (BORGES, 2006, p. 168).
Assim, diante do supracitado projeto de lei, o Estado utilizou meio hábil a reconhecer não só a autonomia privada, mas também o direito que o paciente terminal possui em determinar seu próprio destino, sem prolongar a vida com terapêuticas médicas ineficazes, ensejadoras de sofrimento, tanto para o enfermo quanto para seus familiares.
Por fim, ao apontar a necessidade da observância dos direitos fundamentais no momento do fim da vida, Teixeira ensina:
Com efeito, os princípios jurídicos que norteiam o viver não podem ser afastados nos momentos finais daquela que é, ainda e talvez até mais intensamente, a existência da pessoa [...] O reconhecimento de tutela à autodeterminação da pessoa colhe também sua opção por tratamentos menos invasivos, menos dolorosos ou mesmo sua consciente decisão de não receber tratamento algum”. (TEIXEIRA, 2010, p. 9).
Logo, as diretivas antecipadas da vontade materializam não só a autonomia privada do paciente terminal, mas também os demais direitos fundamentais, com essência na dignidade da pessoa humana.
Assim sendo, verifica-se que a maior importância está na relação entre o enfermo, seus familiares e a equipe médica que o acompanha, uma vez que tais pessoas exercem maior influência na decisão do paciente terminal.
5. DIRETIVAS ANTECIPADAS DA VONTADE: RESPONSABILIDADE JURÍDICA MÉDICA
Embasados nos princípios da autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça, os médicos, devem observar condições de procedibilidade, quais sejam:
a) o paciente, o representante ou o responsável precisa ser informado do diagnóstico, da evolução da enfermidade, das alternativas de tratamento, seus riscos, benefícios e possíveis sequelas;
b) a intenção do agente de saúde voltar-se-á para uma finalidade positiva, devendo os efeitos positivos da intervenção ser proporcionalmente superiores aos efeitos negativos;
c) a técnica interventiva terá de ser imprescindível, não podendo ser substituída por outra com menos efeitos negativos. (SÁ; NAVES, 2009, p. 87).
Assim, aos profissionais de medicina cabe o dever de informar não só o paciente, mas também seus familiares sobre todo o quadro clínico que este enfermo está inserido, de forma transparente, para assisti-lo da melhor forma quando do prognóstico de morte.
Em decorrência dos deveres advindos das funções dos agentes de saúde é que se fala em responsabilidade jurídica a eles aplicada, em razão da obrigação existente.
Da relação médico-paciente surge uma obrigação contratual de meio, o que significa dizer que advém de contrato, tendo como objeto o processo para alcançar o resultado e não o resultado propriamente dito.
Acerca das obrigações de meio e sua relação com a atuação médica Fiuza ensina:
Assim é a obrigação do médico de fornecer os meios para curar o doente. Não é de resultado, por ser este imprevisível. Mesmo porque o médico não pode ter como obrigação curar o doente, mas sim fazer o possível para tanto [...] é óbvio que também as obrigações de meio visam um fim. O médico visa à cura do doente, como seria lógico pensar. O que interessa, entretanto, é que ele não responde por esse resultado, por esse fim, mas pelos meios que empregou para se o alcançar. (FIUZA, 2008, p. 328 e 329).
A responsabilidade do médico deriva do não cumprimento do acordo entre médico e paciente que resulta em danos. Enquanto o profissional da saúde se apresenta como prestador de serviço, o paciente se apresenta como usuário deste serviço, assim os danos causados devem ser reparados ou compensados.
Em relação ao vínculo entre médico e paciente, bem como a natureza da relação estabelecida, Bomtempo acresce:
[...] consiste precipuamente em um contrato de prestação de serviços, no qual são estabelecidos direitos e obrigações entre as partes, em que o profissional médico, via de regra, utilizará de todos os recursos e meios necessários para restabelecer a saúde do paciente que requer os seus cuidados. (BOMTEMPO, 2012).
Contudo, além do vínculo contratual entre médico e paciente necessário à responsabilização, é necessária a violação de um dever profissional, previsto em lei, no contrato ou nos costumes, capaz de causar dano ao paciente, seja patrimonial ou extrapatrimonial, ocasionado a título de culpa.
O Código Civil reafirma tal posicionamento em seu art. 951, que estabelece indenização, a título de reparação ou compensação, devida quando se tratar de lesão oriunda de negligência, imperícia ou imprudência no exercício de atividade profissional. (BRASIL, 2011).
Logo, quando do exercício de sua função, principalmente ao orientar e opinar no sentido do paciente enfermo aderir às diretivas antecipadas da vontade, o médico deve ter a certeza da terminalidade e da irreversibilidade do quadro de saúde do enfermo.
Assim sendo, é certo que a cautela deve estar presente em todas as esferas da relação médico-paciente, seja quando envolver apenas a vontade do enfermo, as opiniões de seus familiares e até mesmo sua as convicções profissionais.
Na tentativa de dirimir quaisquer problemas no exercício da medicina, o Conselho Federal de Medicina – CFM, edita resoluções- espécies normativas, com disposições hábeis a orientar o exercício da função do médico, indicando princípios e parâmetros, bem como seu direcionamento ético.
O CFM é favorável às diretivas antecipadas da vontade o que se depreende principalmente da Resolução nº 1.805/2006 que dispõe acerca dos direitos dos pacientes terminais, da Resolução nº 2.217/2018 que aprovou o novo Código de Ética Médico e da recente Resolução 1.995/2012 que dispõe sobre as diretivas antecipadas da vontade dos pacientes.
5.1. Resoluções do Conselho Federal de Medicina e Diretivas Antecipadas da Vontade
O CFM possui atribuições constitucionais para fiscalizar e normatizar a atuação médica e se utiliza das resoluções para estabelecer os parâmetros referentes ao exercício da medicina.
Logo, diante da aceitação da morte inevitável do paciente terminal, foi editada a Resolução nº 1.805/2006[9] que autoriza a suspensão ou limitação de procedimentos médicos pelo profissional da saúde, desde que haja a autorização do paciente ou de seu representante.
Além disso, tal resolução reafirma a necessidade do consentimento livre e esclarecido, a importância da certeza médica quanto ao quadro clínico do enfermo, cabendo inclusive, recorrer a outras opiniões profissionais para o reconhecimento da dignidade da pessoa humana em todas as etapas da vida, inclusive na morte.
Ao comentar tal resolução, principalmente no que tange às consequências trazidas pelo tratamento do quadro do enfermo ineficazmente, Friso expõe que “não se trata, também, de disponibilidade à vida, mas sim de respeito à terminalidade da vida e da aceitação de que nenhum tratamento curará o doente, mas, ao revés, trar-lhe-á dor e sofrimento”. (FRISO, 2009, p. 148).
Vê-se desse modo a aceitação pelo CFM das diretivas antecipadas da vontade, dando azo a uma melhor qualidade de vida- ou de morte, evitando procedimentos médicos que não proporcionarão a cura da enfermidade, mas tão somente aumentarão o sofrimento do paciente e daqueles que se encontram ao seu redor.
Insta destacar ainda, que a Resolução nº 1.805/2006 trouxe a idealização do Projeto de Lei nº 352/2019, este por sua vez apresenta as mesmas disposições daquela, contudo de forma mais detalhada, pois além de dispor sobre a possibilidade da aplicação das diretivas antecipadas da vontade, traz em seu texto conceitos necessários ao entendimento do instituto.
Ainda, reforçando a ideia da aplicação das diretivas antecipadas, o CFM editou a Resolução nº 2.217/2018[10], que aprovou o novo Código de Ética aplicável à medicina, com revisões e alterações.
As principais mudanças feitas foram no sentido de ampliar a autonomia do paciente e autorizar a aplicação do instituto em comento.
Inicialmente prevê os princípios fundamentais da atividade médica em seus incisos do capítulo I, cabendo citar:
XXI - No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.
XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados. (BRASIL, 2018).
Ainda, no capítulo IV ao dispor acerca dos direitos humanos, prevê condutas que são vedadas ao médico, no exercício de sua profissão, que também expressam a importância da autonomia do paciente terminal.
Enquanto o art. 22 proíbe a conduta de “deixar obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte” (BRASIL, 2018), o art. 24 veda a prática de “deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo”. (BRASIL, 2018).
Recentemente, o CFM editou a Resolução no 1.995/2012[11], que dispõe especificamente sobre as diretivas antecipadas da vontade, a qual em seu artigo art. 1º apresenta sua definição, a saber:
Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. (BRASIL, 2012).
Destarte, com a edição das resoluções do CFM citadas, prevista e autorizada está a aplicabilidade das diretivas antecipadas da vontade, uma vez resguarda a suspensão ou recusa, por parte do enfermo, dos procedimentos médicos adotados em seu tratamento, que visam apenas o prolongamento artificial da vida, uma vez que o paciente se encontra em estado terminal, na iminência da morte.
Assim, mesmo instituto não estando expressamente autorizado no Código de Ética Médico, de breve leitura de seu art. 41 e respectivo parágrafo único, inseridos no capítulo V, referentes à relação médica com o paciente e familiares, observa-se o conteúdo das diretivas antecipadas da vontade, pois veda ao médico “abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal” (BRASIL, 2009), porém leva em conta a vontade manifestada pelo paciente ainda consciente ou de seu representante, a saber:
Art. 41 [...]
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. (BRASIL, 2018).
Ademais, vê-se a viabilidade e autorização na aplicação das diretivas antecipadas pelo CFM, ao editarem resolução específica ao instituto.
Conclui-se dessa forma que não há qualquer óbice na legislação brasileira à aplicação das diretivas antecipadas da vontade, pois reconhecedoras de princípios e direitos fundamentais constitucionais, atinentes ao Estado Democrático de Direito, sobretudo a dignidade da pessoa humana.
6. APLICAÇÃO DAS DIRETIVAS ANTECIPADAS DA VONTADE
Com amparo essencialmente na dignidade da pessoa humana, e no bem-estar do paciente terminal, verifica-se a plena aplicabilidade do instituto das diretivas antecipadas da vontade, permitindo ao médico limitar ou suspender terapias médicas extraordinárias e desproporcionais que não curam o enfermo terminal, mas apenas prolongam seu estado de ‘quase morte’.
Para tanto, é imperiosa a autorização expressa do paciente em plena consciência e discernimento, podendo ser substituída em caso de incapacidade pela decisão de seu representante legal.
Lepargneur traz em seus ensinamentos extrato do living will, instrumento correlato às diretivas antecipadas da vontade aplicável nos Estados Unidos, que denota também a elevação da qualidade de vida do paciente terminal como principal preocupação da medicina, assim destaca-se:
A quem de direito. Eu, subscritor, declaro que para o caso em que eu esteja incapacitado de tomar parte nas decisões que me dizem respeito, eis a expressão de meus desejos conscientes. Caso toda esperança de cura física ou mental seja perdida, peço que me deixem morrer, sem me conservar em vida por meios artificiais ou medidas heroicas. Receio não a morte, mas a indignidade, a deterioração, a dependência e o sofrimento sem esperança. Peço medicamentos para calmar os sofrimentos, mesmo se favorecerem a morte. Faço este pedido após madura reflexão. Espero que os que me amam sentir-se-ão moralmente obrigados por esta expressão de minha vontade. Reconheço sua responsabilidade, procurando precisamente aliviá-la. Data. Testemunhas. Assinatura. (LEPARGNEUR, 2001, p. 314).
Pretende-se reconhecer desse modo a liberdade e a capacidade de autodeterminação, conteúdo da autonomia do indivíduo, para que perante uma enfermidade incurável, na beira da morte, possa o paciente terminal, uma vez legitimado para tanto, lançar mão das diretrizes antecipadas da vontade e abreviar seu fim já conhecido e aguardado. Reconhecendo-se, por conseguinte, o direito à vida e a dignidade da pessoa humana.
A partir do presente estudo, verifica-se que é imprescindível o reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, em todas as etapas da vida das pessoas.
Destarte, a dignidade deve estar presente tanto durante a vida, quanto no processo da morte, razão pela qual se recorre ao instituto das diretivas antecipadas da vontade.
Decerto, conforme demonstrado, a morte digna ou mesmo boa é reflexo de uma vida digna e boa, que por sua vez advém da vivência de cada um, pois, decorrem de suas próprias experiências e escolhas.
Ainda, as diretivas antecipadas da vontade materializam a autonomia, haja vista que diante da vontade expressa e consciente do enfermo terminal é autorizada a suspensão ou não aplicação de procedimentos médicos extraordinários e desproporcionais, sem chances de cura.
Ainda, este instrumento de vontade, como delineado, beneficia o paciente terminal, trazendo-lhe bem-estar no fim da vida.
Trata-se de instrumento garantidor de uma morte digna, hábil a humanizar o processo de morrer, com respeito aos princípios fundamentais constitucionais, responsáveis por materializar a dignidade da pessoa humana.
Sendo a morte, algo que faz parte da vida, tanto o direito quanto a medicina devem caminhar em conjunto para criar e regulamentar os meios capazes de garantir o viver e morrer com dignidade.
Assim, com base na dignidade, bem como seus princípios derivados, tais como, a autonomia e o direto à vida, tem-se a tentativa de autorizar a aplicação das diretivas antecipadas da vontade, seja pelo projeto de lei nº 352/2019, seja pelas resoluções nº 1.805/2006, nº 2.217/2018 e no 1.995/2012.
De modo que, contando com uma estreita relação entre médico, familiares e paciente, qualquer intervenção médica deve seguir a vontade do paciente cujo quadro clínico é irreversível e sua morte é inevitável.
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[1] PSDA – Patient Self-Determination Act
[2] Living will
[3] Durable power of attorney for health care
[4] Advanced core medical directive
[5] Art. 1857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou parte deles, para depois de sua morte. (BRASIL, 2011, p. 215).
[6] Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei. (BRASIL, 2020, p. 132
[7] Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I – for ilícito impossível ou indeterminável o seu objeto;
III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV – não revestir a forma prescrita em lei;
V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. (BRASIL, 2020, p. 134).
[8] . A presente Lei tem por objeto regular e proteger o exercício do direito das pessoas quanto à informação e à tomada de decisão durante o processo de enfermidade terminal, de modo prévio ou concomitante a ela, os deveres e direitos dos profissionais de saúde e as garantias que os serviços de saúde públicos e privados estão obrigados a oferecer nesse processo
[9] Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.
[10] Aprova o Código de Ética Médica.
[11] Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.
Artigo publicado em 22/11/2021 e republicado em 10/04/2024
Graduando em Direito pelo Centro Universitário UNA- Campus Aimorés. Analista de Compliance |Riscos e Compliance | Regulatório BACEN.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CUNHA, Igor Ponciano Lima da. Autonomia e direito à morte digna: diretivas antecipadas da vontade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 abr 2024, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57523/autonomia-e-direito-morte-digna-diretivas-antecipadas-da-vontade. Acesso em: 21 nov 2024.
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