RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de abordar a eutanásia de uma maneira geral, expondo seu conceito, sua história e classificações. Visa discutir os efeitos e a finalidade da eutanásia e a sua implicação ao direito à vida e a liberdade de escolha. A eutanásia ainda é uma questão amplamente discutida e polêmica, uma vez que muitos princípios constitucionais entram em conflitos uns com os outros. Tem o direito à vida, mas também tem o direito à dignidade e a autonomia. Para este estudo, foi adotada a técnica de pesquisa bibliográfica de fontes primárias e secundárias, além documentação oficial como artigos. Apesar de ser um assunto extremamente antigo, deve-se questionar se é correto um ser humano não ter o direito de escolher pôr fim a um sofrimento que ele mesmo sabe que não irá acabar. Apesar de a legislação pátria tratar a Eutanásia como homicídio privilegiado, a questão é muito mais extensa do que parece ser.
PALAVRAS-CHAVE: Eutanásia. Direito. Polêmica.
ABSTRACT: This article aims to address euthanasia in general, exposing its concept, history, classifications and how it is seen within the Brazilian legal system. Furthermore, it aims to discuss the effects and purpose of euthanasia and its implications for the right to life and freedom of choice. Euthanasia is still a widely discussed and controversial issue, as many constitutional principles conflict with each other, such as the right to life and the principle of human dignity and autonomy. The main objective of the article is to question whether it is correct for a human being not to have the right to choose to end a suffering that he himself knows will not end. Although national legislation treats euthanasia as a privileged homicide, the issue is much more extensive than it appears to be.
KEYWORDS: Euthanasia. Law. Polemics.
SUMÁRIO: Introdução – 1 Aspectos gerais da Eutanásia: 1.1 Conceito de Eutanásia; 1.2 Tipos de Eutanásia: 1.2.1 Eutanásia ativa; 1.2.2 Eutanásia ativa direta; 1.2.3 Eutanásia ativa indireta; 1.2.4 Eutanásia passiva. 1.3 Distanásia e Mistanásia. 2 A Eutanásia e a Legislação Brasileira: 2.1 Eutanásia no âmbito Civil; 2.2. Eutanásia no âmbito Penal. 3 Projetos de alteração da Lei relativas à Eutanásia. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A eutanásia pode ser conceituada como a eliminação da vida alheia no intuito de livrar um doente, estando este sem esperança de cura, ou diante de um grande sofrimento. Sendo considerada como a morte por compaixão.
Ocorre que, a prática da eutanásia não é comum, fazendo assim com que poucos países tratem dela em sua legislação.
Deste modo, no presente artigo, primeiramente, conceituaremos a eutanásia e classificaremos suas modalidades de forma detalhada.
Após, apresentaremos a eutanásia dentro da legislação brasileira, como ela é vista tanto no Direito Penal quanto no Direito Civil, quais as modalidades previstas dentro do nosso ordenamento jurídico vigente, como é aplicação da lei e as penalidades para quem a pratica.
Por fim, serão apresentadas algumas atualidades acerca da eutanásia no âmbito jurídico, apresentando alguns projetos de leis que foram feitos em prol da pratica da eutanásia.
Nas considerações finais terá as conclusões sobre os pontos destacados acerca da eutanásia.
Assim, o presente trabalho estudará a eutanásia dentro do ordenamento jurídico brasileiro vigente, discorrendo sobre as implicações do direito à vida e a prática da eutanásia no Brasil, bem como a ausência de um texto legal tipificando-a, como por exemplo, hipóteses de excludentes de ilicitude para a prática da eutanásia no país, levando assim a questionar se a ausência dessas hipóteses interfere no direito à liberdade e autonomia do ser humano.
Neste tópico apresentaremos os aspectos gerais da eutanásia, como seu conceito, modalidades, bem como mencionaremos algumas outras práticas “parecidas” com a eutanásia, por exemplo, a distanásia e mistanásia.
A eutanásia é um ato intencional de se abreviar a vida sem sofrimento e sem dor daqueles pacientes enfermos que se encontram em um estado terminal, este ato é praticado por um médico o qual tem o consentimento do paciente e/ou família.
A discussão sobre a prática da eutanásia já vem de muitos anos, afinal é assunto que envolve valores sociais, culturais, religiosos e por conta disso a sua prática divide opiniões.
Quanto a história da eutanásia, esta é bem antiga. A palavra Eutanásia foi criada no séc. XVII pelo Francis Bacon, um filósofo inglês, quando este a descreveu, em sua obra “Historia vitae et mortis”, como um tratamento para doenças incuráveis. No sentido literal, a eutanásia significa “boa morte”, a morte piedosa.
Antigamente a eutanásia era praticada em uma escala bem maior, entretanto, atualmente esta prática é condenada na maioria dos países. Ressalta-se que a sensibilidade ética da época se distancia bastante da atual.
Atualmente, a classificação da eutanásia é bastante difícil de estabelecer, uma vez que, pode ser classificada de diversas formas. Entretanto, quanto ao tipo de ação, existem duas: eutanásia passiva e a eutanásia ativa.
A eutanásia ativa, positiva ou por comissão é aquela praticada para causar ou para abreviar a vida e o sofrimento do paciente enfermo. Esta é a eutanásia propriamente dita, uma vez que a sua prática tem como objetivo sanar a dor e ajudar o paciente a morrer. Este tipo de procedimento deve ser realizado por um médico, onde o mesmo aplicará uma injeção letal ou medicamentos em altas doses. A eutanásia ativa se subdivide em outras duas espécies: direta e indireta.
1.2.2 Eutanásia ativa direta: seu objetivo maior é o fim da vida do paciente enfermo, sem que haja preocupações em relação a dor do paciente. Preocupa-se, apenas, em ajudar a morrer.
1.2.3 Eutanásia ativa indireta: há uma dupla finalidade, ou seja, ajudar o paciente a morrer, mas também auxiliar na dor, de forma que venha aliviar significativamente o sofrimento do paciente antes do óbito, ajudando-o a ter uma boa morte.
Neste caso, a morte do paciente enfermo ocorre devido a não manutenção de suas funções vitais. É a ausência de tratamentos médicos que poderiam de alguma forma prolongar a vida do paciente. Trata-se de uma omissão que tem como objetivo causar ou acelerar a morte do paciente. Essa omissão pode ser feita de diversas formas, por exemplo, suspender alimentos, medicação, oxigenação, entre outros.
Ressalta-se que na eutanásia passiva há uma escolha que consiste em não iniciar o tratamento ou de interrompê-lo quando já fora iniciado. Salienta-se, ainda, que este tipo de eutanásia sempre será voluntário e direto, ou seja, o paciente que manifestará a vontade de ter sua morte provocada. Sendo vedada a forma involuntária, aquela consentida pela família sem qualquer manifestação do paciente.
Além disso, uma parte da doutrina assimila a eutanásia passiva ou por omissão com a ortotanásia que é conceituada por Nelson Hungri (1958) como “a deliberada abstenção ou interrupção do emprego dos recursos utilizados para a manutenção artificial das funções vitais do enfermo terminal, deixando assim que ele morra naturalmente”.
Ocorre que, não há uma semelhança entre esses dois tipos, visto que, quando se fala em ortotanásia o principal questionamento está sobre a legitimidade de continuação do tratamento artificial que mantém o paciente vivo, suas funções vitais. Enquanto que na eutanásia por omissão o problema principal está na morte do paciente, onde a abstenção de tratamentos médicos que prolongam a vida do paciente acabam por acelerar sua morte.
A ortotanásia permite ao enfermo morrer bem, àquele que entrou em fase terminal, juntamente com a sua família, a encarar a situação e aceitar as circunstancias com uma tranquilidade.
Por fim, a ortotanásia é aceita no Brasil, considerada uma ação lícita visto que não há qualquer fato típico, sendo um procedimento ético sob o ponto de vista médico, de acordo com o art. 66 do Código de Ética Médica aprovado pela Resolução 1246/88.
A distanásia é uma ação, intervenção que consiste na utilização de recurso médicos com o objetivo de prolongar a vida humana, de modo a atrasar a morte por algumas horas ou dias. Apesar deste procedimento ter como objetivo o prolongamento da vida humana, logo, o adiamento da morte, o mesmo é muito sofrido tanto para o paciente quanto para família.
O erro da distanásia é não saber o momento de parar, de perceber que as intervenções e os procedimentos já são inúteis. O fato de perceber isso e decidir cessar essas intervenções não é omissão, irresponsabilidade e tão pouco auxílio ao suicídio, trata-se de aceitar as circunstâncias, perceber que a morte é inevitável e que é a ordem natural das coisas, da vida.
Ao contrário da eutanásia que está preocupada com a qualidade de vida do paciente, a distanásia se preocupa, apenas, com a quantidade de vida do paciente.
Quanto a mistanásia, conhecida também como eutanásia social, não tem como objetivo o alivio da dor do paciente. Trata-se de uma morte miserável.
A mistanásia pode ser passiva ou ativa. A passiva ocorre quando há uma negligência, imprudência ou imperícia por parte do médico, sendo a culpa totalmente do homem. Já a mistanásia ativa é quando o enfermo não consegue ter acesso ao sistema público de saúde, falta recursos para o tratamento adequado do enfermo, sendo assim, culpa do Estado, pois a má gestão na administração pública acaba por atingir um dos serviços essências, a saúde pública.
2 A EUTANÁSIA E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
O ordenamento jurídico brasileiro não tem uma legislação especifica em relação a eutanásia. Diante desta ausência, a prática é eventualmente igualada ao homicídio privilegiado, previsto no Código Penal. Entretanto, a prática da eutanásia traz consigo grandes questionamentos, conflitos envolvendo princípios, como o da dignidade humana e autonomia, direita à vida e a liberdade, entre outros.
Quando se fala em Eutanásia, o que está sendo discutido é a disponibilidade da vida humana. A Constituição Federal vigente em nosso país tem como princípio norteador o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme se verifica em nossa Carta Magna em seu art. 1º:
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana;
O princípio da dignidade da pessoa humana assume uma posição de destaque, a dignidade está na qualidade de vida de todo e qualquer ser humano que é titular de seus direitos e deveres fundamentais, sendo estes assegurados e respeitados pelo Estado.
Deve-se ressaltar a importância deste princípio como o seguinte ensinamento de Ana Paula de Barcelos:
Ora a dignidade da pessoa humana é hoje considerada, sob vários pontos de vista, o pressuposto filosófico de qualquer regime jurídico civilizado e das sociedades democráticas em geral. Além disso, o constituinte de 1988 fez uma clara opção pela dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro e de sua atuação, dispondo analiticamente sobre o tema ao longo do texto. Assim, do ponto de vista da lógica que rege a eficácia jurídica em geral, a modalidade que deve acompanhar as normas que cuidam da dignidade humana é a positiva ou simétrica (BARCELLOS, Ana Paula de, 2002, p. 203).
Ainda, dentro do nosso ordenamento jurídico também temos assegurado o direito à vida, um direito fundamental e alicerce de qualquer prerrogativa jurídica da pessoa.
No que que diz respeito ao direito à vida este está devidamente fundamentado na Constituição Federal em seu art. 5° caput que diz:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade e o direito à vida, [...]
Ao legislar sobre o direito à vida, o legislador simplesmente garantiu este direito sem traçar uma referência sobre o exato momento do surgimento da vida humana, deste modo, têm-se o pensamento de que o Estado assegura desde a concepção ou desde o nascimento.
Acerca deste tema, Anelise Tessaro tem o seguinte pensamento:
Apesar da vida ser consagrada como um direito fundamental do homem e também como um princípio, muitas vezes, face à condições adversas em que a prolongação de uma vida ou uma intervenção médica não possa trazer benefícios, e sim comprometer a qualidade de vida deste paciente no seu sentido mais amplo, referindo-se também à dignidade da pessoa, têm-se por certo que o princípio da qualidade deve ser somado ao da intangibilidade da vida, para concluir que nesse caso esta prolongação ou intervenção médica não será eticamente viável. Isso porque após esta intervenção, aquela pessoa não poderá usufruir da vida na sua plenitude, restando, muitas vezes, uma mera existência biológica. E é neste ponto que estes princípios se complementam, pois, o direito à vida pressupõe um mínimo de qualidade e dignidade. (TESSARO, p.48).
O direito à vida é um bem essencial do ser humano, ou seja, é um bem jurídico tido como um direito fundamental básico. Sendo assim, a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois seu objeto é de direito personalíssimo.
Sobre o direito à vida, a autora Helena Maria Diniz relata o seguinte:
Se assim for, a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo. O respeito a ela e aos demais bens ou direitos correlatos decorre de um dever absoluto erga ommes, por sua própria natureza ao qual ninguém é lícito desobedecer. Ainda que não houvesse tutela constitucional ao direito a vida, que, por ser decorrente de norma de direito material, é deduzida da natureza do ser humano, legitimada aquela imposição erga ommes, porque o direito natural é o fundamento do dever-se, ou melhor, do direito positivo, uma vez que se baseia num consenso, cuja expressão máxima é a Declaração Universal dos direitos homem, fruto concebido pela consciência coletiva da humanidade civilizada (DINIZ, Helena Maria, 2002, p. 21).
A nossa Constituição Federal não define qualquer parâmetro acerca da Eutanásia em si, apenas preserva a vida humana e a sua dignidade.
Todavia, temos o direito à morte digna. Morrer de maneira digna é reivindicar vários direitos e também situações jurídicas, por exemplo, a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a autonomia e outros.
Assim, chamaram de eutanásia a dignidade a uma boa morte, morte esta que é movida pelo sentimento de piedade, compaixão em relação ao enfermo. A eutanásia é conhecida como a morte provocada por compaixão em um enfermo vítima de fortes dores, sofrimento e de uma doença incurável.
Portanto, o direito à morte digna trata-se de um desejo que a pessoa tem de ter uma morte natural, humanizada, sem o prolongamento da dor ou agonia prolongada por um tratamento inútil. Defender o direito de morrer dignamente não é defender um procedimento que venha causar a morte de alguém, mas sim de reconhecer a liberdade e a autodeterminação do paciente.
Quanto a liberdade do paciente podemos trazer aqui o princípio da autonomia que tem questões valorativas além, claro, da vontade da pessoa. No caso da eutanásia, o agente procurará não somente assegurar o benefício físico do paciente, mas o bem-estar em sua totalidade.
O Código Civil de 2002 não apresenta muitas previsões acerca dos direitos de personalidade, todavia, o texto do art. 15 dispõe que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica”.
É de suma importância observar a relevância do consentimento dado pelo paciente, principalmente nos casos em que este é considerado capaz, ressaltando-se a beneficência, salvo nos casos em que há perigo de vida, por exemplo, art. 146, §3°, I do CP, quando permitida a intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por eminente perigo de vida.
Mas uma vez, a Constituição Federal traz em seu art. 5°, II, que “ ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”.
Pode-se concluir que, não pode haver uma lei obrigando as pessoas a se submeterem a todos os procedimentos de tratamentos existentes, ainda que de forma expressa contra sua vontade e sem confirmação de melhora. Neste sentindo, estaria sendo a dignidade humana violada quando o paciente recusa o tratamento por não ter uma real expectativa de melhora?
Adentramos então em outro princípio, qual seja, da justiça. O princípio da justiça está ligado ao conceito de isonomia, ou seja, a distribuição de benefícios, riscos e encargos do serviço de saúde é feita de modo que todos possam ser beneficiados por ele. Tendo amparo legal para que todos tenham acesso à saúde.
Sendo limitados os recursos disponíveis pelo serviço de saúde, faz-se necessária uma organização da sua distribuição de forma eficiente e equilibrada. Esta é feita pelo governo, por meio da implantação de políticas públicas de saúde, destinação de recursos e, também pelas unidades de saúde através dos médicos, destruição de vagas, medicação e outros.
Contudo, todos os princípios têm seus aspectos subjetivos, devendo por tanto serem bem avaliados na hora de sua aplicação, tendo como objetivo o direito a uma vida digna quanto a subsistência.
Já no que diz respeito ao âmbito penal, a eutanásia não é tratada de forma explicita, mas o fato de não haver uma definição da conduta da eutanásia em nosso ordenamento, não a torna legalizada no Brasil. E, por haver essa omissão, o Código Penal busca penalizar a prática da eutanásia, em todas as suas modalidades, adequando-a algum tipo penal já existente no ordenamento jurídico.
O Código Penal em seu art. 122, por exemplo, prevê o crime de auxílio ao suicídio, bem como em seu artigo 135 está previsto o crime de omissão de socorro, entretanto, na maioria das vezes a prática da eutanásia é taxada como crime de homicídio privilegiado, previsto no art. 121, §1° do CP.
Rego (2009, pg 111) diz que “de modo análoga ao previsto para o aborto, o Código Penal brasileiro penaliza a eutanásia por entendê-la como homicídio (crime contra a vida); de acordo com seu artigo 121, é crime matar alguém”.
No entendimento majoritário, de fato quem pratica a eutanásia comete um crime de homicídio, mas não é um homicídio simples, trata-se de um homicídio privilegiado vista que há a presença do sentimento de compaixão, piedade de quem prática tal ato. E por este motivo há uma redução da pena.
Entretanto, há uma inconstitucionalidade presente nesta analogia jurisdicional entre o homicídio eutanásico e o homicídio privilegiado, uma vez que no homicídio eutanásico prevalece a piedade, benigdade e a liberdade do paciente em renunciar à vida, o que não acontece no homicídio privilegiado que é motivado por valores morais ou fortes emoções.
Todavia, atualmente se utiliza essa analogia na prática judiciaria brasileira. O agente, ou seja, quem pratica a eutanásia, não tem despenalização, pelo contrário, a ele é cedido somente a remota possibilidade de o juiz entender que se trata de um homicídio piedoso, logo, homicídio privilegiado, sendo-lhe aplicado, apenas, a redução da pena.
“Na legislação pátria não existe especificamente na lei sobre a matéria, mas o entendimento o homicídio eutanásio é uma prática que ocorre por motivo de relevante valor moral onde o juiz deverá decidir o direito, ensejando a diminuição da pena, sem, contudo, proclamar a absolvição” (MARTINS, Mônica Mayorga, 2007, p. 35).
Diante disso, muitos profissionais da área de saúde temem as hipóteses de negligência caso não optem por medidas de curas avançadas, reanimações de pacientes terminais, ainda que estas não tenham sido autorizadas por pacientes, assim, os médicos acabam por prolongar a vida do paciente com procedimentos distanásicos.
Assim sendo, tanto a eutanásia quanto a ortotanásia - aí compreendida a limitação do tratamento constituiriam hipóteses de homicídio. [...] A existência de consentimento não produziria o efeito jurídico de salvaguardar o médico de uma persecução penal. Em suma: não haveria distinção entre o ato de não tratar um enfermo terminal segundo a sua própria vontade e o ato de intencionalmente abreviar-lhe a vida, também a seu pedido. [...] Essa postura legislativa e doutrinária pode produzir consequências graves, pois, ao oferecer o mesmo tratamento jurídico para situações distintas, o paradigma legal reforça condutas de obstinação terapêutica e acaba por promover a distanásia. Com isso, endossa um modelo médico paternalista, que se funda na autoridade do profissional da medicina sobre o paciente e descaracteriza a condição de sujeito do enfermo. (BARROSO, Luís Roberto; MARTEL, Letícia de Campos Velho. A morte como ela é: dignidade e autonomia individual no final da vida. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, São Paulo, v. 34, n. 1, p. 235-274, 2010. p. 8-9).
O consentimento do paciente enfermo não retira a ilicitude da conduta praticada pelo médico, bem como não deixa de ser homicídio, pois a manifestação de vontade do paciente que exerce de forma consciente o seu direito à liberdade de escolha, estando aqui presentes o princípio da autonomia de vontade e o da dignidade da pessoa humana, não é prevista em lei como causa de excludente de ilicitude. O médico responderá pela conduta na forma culpável sempre que podendo ter agido de outra forma, vindo a evitar a conduta ilícita, não o fez.
Diante o exposto, observa-se que não se deve interpretar o Código Penal de forma isolada e sim em conjunto com o texto Constitucional e seus princípios, vez que o consentimento do paciente na prática da eutanásia deveria ser considerado sim pelos juristas brasileiros como uma hipótese de excludente de ilicitude. Ainda, pela Carta Magna o princípio da inviolabilidade à vida não é superior aos demais, pelo contrário, o princípio da dignidade da pessoa humana é tido como princípio norteador de toda Lei Maior.
Embora a prática da eutanásia seja um assunto bastante antigo, o tema vem ganhando mais força atualmente, despertando um interesse cada vez maior nos especialistas de diversas áreas e também da sociedade. Por este motivo surgiram e estão a surgir cada vez mais projetos de lei com o objetivo de tipificar esta pratica dentro no nosso ordenamento jurídico.
O Projeto Lei 236/12 do Senado Federal trouxe uma atualização em seu Novo Código Penal no art. 122, qual seja, a tipificação da eutanásia do seguinte modo:
Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave: Pena – prisão, de dois a quatro anos”.
Ainda, no anteprojeto do Novo Código Penal também há uma previsão de excludente de ilicitude para a prática de ortotanásia em seu art. 122, §2°, onde o médico deixa de utilizar meios artificiais para manter o paciente vivo quando se tratar de doença grave e/ou terminais. Tem que haver o consentimento do paciente e a enfermidade deve ser confirmada por outros dois médicos.
Entretanto, mais uma vez, a tipificação da eutanásia no projeto do Novo Código Penal e a pena imputada a ela é inconstitucional uma vez que não se pode tratar de forma igual um homicídio privilegiado e o homicídio eutanásico pois têm motivações distintas, não cabendo aqui o princípio da interpretação, da analogia.
Ressalta-se, entretanto, o acerto do legislador em não penalizar o agente que pratica a ortotanásia.
No que diz respeito a prática da eutanásia ainda não se teve êxito na sua tipificação ou legalização. Houve uma iniciativa da lei no Senado, Projeto de Lei 125/96, ele pretendia “autorizar a prática da morte sem dor em casos específicos”, mas este foi arquivado no final da legislatura.
O projeto tem algumas falhas na abordagem de algumas questões consideradas fundamentais, tais como, o estabelecimento de prazos para que o paciente reflita sobre sua decisão, o médico responsável que será responsável pela realização do procedimento que causará a morte do paciente e outros itens.
Entretanto seria bastante interessante a continuação deste projeto lei, visto a importância deste na sociedade. O projeto prevê a possibilidade de um enfermo, com sofrimento físico ou psicológico possa solicitar a realização de procedimentos que visam sua morte. E nos casos em que o paciente estiver impossibilidade de expressar sua vontade, um familiar poderá solicitar à Justiça uma autorização.
Há doutrinadores que defendem vigorosamente a prática da eutanásia, bem como a sua aceitação no ordenamento jurídico vigente. Neste sentido Pessini (2004,p.14) diz: “Aliviar a dor e o sofrimento é considerado um dever médico, mesmo quando as intervenções implicam que a vida pode ser abreviada como consequência”.
Nesta mesma linha de raciocínio, o penalista Luiz Flávio Gomes (2007) expõe:
Na nossa opinião (...) desde que esgotados todos os recursos terapêuticos possíveis e desde que cercada a morte de certas condições razoáveis (anuência do paciente, que está em estado terminal, sendo vítima de grande sofrimento, inviabilidade de vida futura atestada por médicos, etc.), a eutanásia (morte ativa), a morte assistida (suicídio auxiliado por terceiro) e a ortotanásia (cessação do tratamento) não podem ser enfocadas como um fato materialmente típico porque não constitui um ato desvalioso, ou seja, contra a dignidade humana, senão, ao contrário, em favor dela.” (GOMES, Luiz Flávio, 2007).
Seria interessante se este projeto levasse como exemplo alguns itens das legislações vigentes no Uruguai e na Holanda. Nessas duas leis citadas anteriormente, há excludente de ilicitude sem que descaracterize o ato como sendo o de matar alguém.
Este projeto foi proposto pelo senador Pedro Chavez (PSC/MS), onde ele propôs a emenda no art. 13, do CP que trata dos crimes por omissão.
Ele propôs acrescentar o seguinte dispositivo: §3° Não se considera omissão penalmente relevante a falta de instituição de suporte de vida ou a não realização de tratamento ou procedimento médico ou odontológico recusados expressamente pelo paciente ou, nos casos em que o paciente não possa expressar sua vontade, por seu representante legal”.
Está norma tem como finalidade isentar penalmente os médicos que praticam a eutanásia passiva ou a ortotanásia, de modo a viabilizar procedimentos omissivos que abreviam a vida do paciente que tem uma doença terminal, incurável.
No ponto de vista do senador Pedro Chaves:
(...) tal medida oferecerá maior proteção aos pacientes, os quais, ao conhecerem melhor os seus direitos, poderão participar ativamente das decisões a respeito de seu tratamento. De outro lado, cremos também que o projeto, caso aprovado, será um importante instrumento de amparo à atividade do médico, visto que, ao tornar claras as responsabilidades dos pacientes quanto às suas escolhas terapêuticas, respaldará o médico na hipótese de eventuais questionamentos.
Recentemente, o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), apresentou o Projeto de Lei 352/2019 com a mesma finalidade que o do senador Pedro Chaves. Está sem movimentação relevante no momento.
Por fim, a criação do tipo penal “eutanásia” no ordenamento jurídico poderia facilitar a aplicação da lei, sendo de uma leitura clara e precisa.
CONCLUSÃO
É nítido que a boa morte, ou seja, o homicídio eutanásico, é uma ação movida pela compaixão, com a finalidade de libertar o enfermo, através de ação ou omissão, de um sofrimento físico ou psicológico no qual ele considera insuperável.
O Direito à vida é considero um direito fundamental, mas envolve muito mais do que o simples fato de viver, de estar vivo e/ou permanecer vivo. Trata-se de um direito de viver de modo adequado, sendo equiparado a todos os outros direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988, portando, pode haver renunciabilidade.
Ainda, o princípio da dignidade humana é um princípio norteador, de valor basilar em relação aos outros direitos e deveres fundamentais e a faceta negativa da liberdade individual, que se apreende a uma interpretação conforme a constituição, de não imputar pena ao agente da conduta de eutanásia.
Nota-se que a vida é renunciável e cabe, somente, ao paciente, detentor do direito, decidir se quer continuar no curso natural da morte ou a intervenção, o que claramente não vendo sendo feito nos hospitais do Brasil, uma vez que os médicos temem ser penalmente punidos caso não insistam no tratamento de um paciente em estado terminal, por este motivo acabam indo contra a vontade do paciente e insistem no tratamento.
Observa-se também uma inconstitucionalidade ao igualar o homicídio eutanásico a um homicídio privilegiado.
Neste mesmo sentido, há um equívoco do legislador infraconstitucional no Projeto de Lei 236/12, que alterou o Código Penal, quando atribui a pena ao agente do homicídio eutanásico, o mesmo legislou de acordo com a CF apenas no art. 122, §2° do mesmo projeto, onde o praticante da ortotanásia é isento da pena.
Por fim, faz-se necessário um grande debate político acerca do tema, a fim de que a lei que verse sobre a eutanásia disponha sobre os requisitos necessários para a prática desta de forma clara, comprovando a motivação beneficente da conduta, possibilitando assim resguardar tanto os direitos fundamentais à vida quanto a liberdade e dignidade da pessoa humana.
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CASSEMIRO, Rodrigo. Eutanásia: Prática proibida na legislação brasileira. Disponível em: https://domtotal.com/noticia/1155991/2017/05/eutanasia-pratica-proibida-na-legislacao-brasileira/. Acessado em: 03 de novembro de 2021 às 18:41
Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMANDA LETÍCIA DE SOUZA FÉLIX, . As implicações do direito à vida e as práticas da eutanásia no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2021, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57543/as-implicaes-do-direito-vida-e-as-prticas-da-eutansia-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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