RESUMO: A ordem jurídica brasileira defende alguns direitos e impõe ao Poder Público que garanta que estes direitos sejam respeitados. Entre estes direitos, os mais importantes são os tidos direitos fundamentais, que são permeados pelo princípio da dignidade humana. Tal princípio, para sua concretização, tem reflexos em múltiplas áreas da vida, como ocorre com o caso da dignidade sexual. Dessa maneira, a dignidade sexual é um valor protegido pelo ordenamento jurídico e que tem atos contra ele tipificados pela legislação criminal vigente. Apesar disso, o Poder Público ainda não consegue coibir a prática de atos como o assédio sexual, que é problema recorrente em alguns ambientes de trabalho. Com a pandemia da covid-19 e a imposição das medidas de distanciamento social para o combate ao vírus, esperava-se que os índices do cometimento deste crime pudessem cair. Ocorreu, no entanto, um fato inesperado: os índices continuaram a crescer, mesmo que o ambiente corporativo estivesse sendo flexibilizado para as casas dos trabalhadores. No decorrer da presente pesquisa, verificou-se que alguns autores entendem, ainda, que o período de pandemia pode ter facilitado o assédio e que a internet transmite uma relativa sensação de impunidade aos infratores. Dessa maneira, concluiu-se que cabe ao Poder Público e a sociedade civil que encontrem formas de diminuir o cometimento do presente delito, com a imposição de medidas tais como o incentivo a denúncias de crimes de assédio sexual no trabalho, a promoção de palestras a respeito da gravidade do tema e o apoio e acolhimento das vítimas, que por muitas vezes sentem-se com medo de denunciar o assédio sofrido.
PALAVRAS-CHAVE: Covid-19. Home Office. Assédio Sexual.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO - 2 O ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE HOME OFFICE - 2.1 CONCEITO DE ASSÉDIO SEXUAL - 2.2 CONCEITO DE HOME OFFICE - 2.3 EXISTÊNCIA DE ASSÉDIO SEXUAL EM HOME OFFICE - 3 O ASSÉDIO SEXUAL NO PERÍODO DA PANDEMIA DA COVID-19 - 4 MOTIVOS QUE LEVAM O ASSÉDIO SEXUAL E SUA TIPIFICAÇÃO NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO - 5 CONCLUSÃO - 6 REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
A dignidade sexual é valor protegido pela ordem jurídica vigente, sendo tais desvios de conduta reprimidos pelo Código Penal brasileiro. O fato de serem tipificados, por si só, infelizmente não coíbem a prática de crimes, que continuam ocorrendo.
Com o caso do assédio sexual, não é diferente. Sua ocorrência continua sendo muito presente no dia a dia dos trabalhadores, principalmente quando se fala das trabalhadoras mulheres, uma vez que seus chefes se aproveitam de sua condição menos favorável no ambiente de trabalho para que possam cometer tal crime.
Ainda que se pense que o assédio sexual está restrito unicamente ao ambiente corporativo pessoalmente, dados demonstram que ainda que o home office atualmente esteja implantado em grande escala – em decorrência das medidas de distanciamento social impostas pela pandemia da covid-19 – os assédios continuam acontecendo.
Nesse sentido, o presente trabalho pretende abordar a respeito do assédio sexual no ambiente de trabalho na modalidade home office durante o período da pandemia da covid -19, verificando de que maneira tal crime tem ocorrido neste período.
Pretende-se que a relevância social deste trabalho venha por meio da contribuição com futuras pesquisas científicas, já que outros pesquisadores científicos poderão se utilizar do trabalho para buscar eventuais esclarecimentos no futuro.
A relevância desta pesquisa reside em investigar se existe assédio sexual no ambiente de trabalho corporativo na modalidade home office por superior hierárquico e colegas de trabalho para confirmar a hipótese de que apesar da modalidade home office ter distanciamento, tal distanciamento não embaraça o assédio sexual por meio de plataforma virtual pelo seu superior hierárquico, uma vez que o abusador acaba se aproveitando da sua posição para constranger a pessoa com função inferior para tirar vantagem indevida.
2 O ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE HOME OFFICE
2.1 CONCEITO DE ASSÉDIO SEXUAL
A dignidade sexual é bem jurídico tutelado pelo Estado, de maneira que quaisquer condutas que a ataquem acabam sendo combatidas pelo Estado – ao menos em tese – por meio da tipificação de tal conduta dentro da norma jurídica vigente.
O cometimento de delitos contra a dignidade sexual é ato abominável para o Estado e a coletividade, haja vista que se tratam de crimes com alta reprovação e que, dessa forma possuem, ao menos em tese, um esforço maior para evitar o seu cometimento.
Nesse sentido, o assédio sexual é conduta danosa cujo cometimento é coibido pelo estado, uma vez que a dignidade sexual, como vimos, é bem jurídico tutelado pela ordem jurídica atual vigente e, como qualquer crime sexual, possui alta reprovabilidade de sua conduta pela sociedade.
Apesar disso, nem sempre o assédio no mundo do trabalho foi reconhecido como um problema de direitos humanos e que, dessa maneira, era um problema importante para que fosse elimininado.
Segundo Melo (2019, n.p), após muitos anos de luta, a violência e o assédio no mundo do trabalho foram reconhecidos como abuso de direitos humanos e como ameaça a igualdade de oportunidades de trabalho. A convenção 190 fez com que os Estados, trabalhadores e empresas pudessem chegar ao objetivo de tentar eliminar, juntos, a violência e o assédio do mundo do trabalho:
A Convenção 190 reconheceu que a violência e o assédio no mundo do trabalho levam à violação ou abuso dos direitos humanos e são ameaça à igualdade de oportunidades e, por isso, incompatíveis com o trabalho decente.
Governos, representantes patronais e de trabalhadores chegaram a um acordo histórico neste ano para adotar a primeira convenção que buscará a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho, coroando a sessão de encerramento da Conferência Anual da Organização Internacional do Trabalho, no dia 21 de junho, com um novo instrumento jurídico internacional aplicável a todas as categorias de trabalhadores, independentemente de seu status contratual, inclusive pessoas em formação, como aprendizes e estagiários, assim como aqueles cujos contratos de trabalho terminaram, voluntários e pessoas que procuram emprego.
Mello (2019, n.p) ensina que a Convenção 190 definiu a violência e o assédio como práticas que possam resultar em danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos para os trabalhadores atingidos por estas práticas:
Na outra ponta, compreende e compromete a todos os que tenham a autoridade, cumprem os deveres e as responsabilidades de um empregador em relação ao seu cumprimento.
A Convenção 190 define violência e assédio como comportamentos, práticas ou ameaças que visem e resultem em danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos para os trabalhadores atingidos por essas graves práticas, registrando que os Estados-membros têm a responsabilidade de promover um ambiente geral de tolerância zero contra atitudes patronais prejudiciais aos trabalhadores.
No Brasil, o assédio sexual já é considerado como crime, tendo sido tipificado pelo artigo 216-A do Código Penal, conforme dispositivo legal abaixo transcrito:
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
§ 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Segundo o Ministério Público de São Paulo (2021, n.p), o tipo penal está associado a existência de relação laboral entre o agente e a vítima, sendo esta condição indispensável para a caracterização do tipo penal. Em casos diferentes, há outros tipos penais como o estupro, por exemplo:
O crime de assédio sexual está previsto no Código Penal (art. 216-A, CP, com pena de 1 a 2 anos). Esse crime pressupõe a existência de uma relação laboral entre o agente e a vítima, em que o agente usa a hierarquia ou ascendência de seu cargo, emprego ou função com a finalidade de obter a vantagem sexual (um beijo, contato físico, sair com a vítima etc).
2.2 CONCEITO DE HOME OFFICE
O home office foi modalidade de trabalho implantada no Brasil a partir da Reforma Trabalhista, representada pelas alterações contidas na lei n. 13.467/2017. Dessa maneira, já era uma possibilidade desde alguns anos, que foi intensificada com a necessidade de adoção de protocolos sanitários e de distanciamento social em decorrência da pandemia da covid-19.
Segundo a empresa DocuSign (2021, n.p), a relação de trabalho criada pelo home office é aquela em que o colaborador atua a distância e utiliza-se de meios computacionais para concretizar essa produção:
Home office é uma forma de relação de trabalho na qual o colaborador atua a distância. Para isso, faz uso dos meios computacionais para produzir junto à empresa, como se estivesse presente fisicamente no escritório.
Com a modernização das redes móveis e da infraestrutura de banda larga, a popularização da computação em nuvem e o surgimento dos modernos sistemas de gestão empresariais, tornou-se possível ao colaborador atuar da residência dele, no mínimo, com a mesma eficiência do trabalho presencial.
O trabalho remoto foi inicialmente visto com desconfiança por conta da necessidade de mudar a forma de pensar a direção e a condução do capital humano. Entretanto, a possibilidade de rastrear os detalhes da atuação profissional (como horário de entrada no sistema, produção por hora e índice de acertos) logo derrubou o mito de que quem trabalha em casa não é passível de alta produtividade e gestão.
Na verdade, em muitos casos, a descentralização fortalece a direção sobre os empregados, já que todo o monitoramento é fincado em dados, e não no olhar subjetivo do gestor. Esses são alguns dos detalhes que explicam por que o teletrabalho se tornou comum nas organizações. O outro é a explosão de produtividade, consequência direta da mobilidade corporativa.
É modalidade de trabalho que foi criada em 1970 a partir de um ambiente de crise. Segundo Haubrich e Froehlich (2020, p. 168), a estratégia tinha por objetivo diminuir os problemas de trânsito da época, que foi possível a partir do avanço das tecnologias. Sua popularização deu-se a partir dos anos 1990 em países desenvolvidos:
O home office surgiu nos anos de 1970 com a crise do petróleo. Essa estratégia visava a amenizar problemas do trânsito, o que foi possível com o avanço das tecnologias e a competição empresarial em escala mundial. Foi a partir dos anos de 1990 que o assunto avançou, em particular nos países desenvolvidos, devido à massificação da tecnologia (Bernardino, Carneiro, Roglio & Kato, 2009; Boonen, 2003; Costa, 2007). Contudo, para Villarinho e Paschoal (2016) a literatura sobre home office ainda necessita de maior aprofundamento, com a ilustração de práticas sobre o tema.
Segundo Haubrich e Froehlich (2020, n.p), esta modalidade de trabalho se caracteriza como uma maneira de trabalhar que decorre das evoluções tecnológicas ocorridas a partir da implantação de tecnologias como a internet, que proporcionou uma nova maneira de desenvolver o trabalho. Essa nova maneira se estende para trabalhadores e empresas:
O home office caracteriza-se como uma forma de trabalho flexível, decorrente das evoluções tecnológicas que aconteceram ao longo dos anos. Estas evoluções, como o desenvolvimento e o uso frequente da Internet, proporcionaram uma nova forma de desenvolver o trabalho, tanto para as organizações, quanto para os trabalhadores (Taschetto & Froehlich, 2019)
Dessa maneira, cabe salientar que apesar das críticas a inovação legal, a modalidade de trabalho home office trouxe alguns benefícios e desafios a serem trabalhados pelas empresas que ela a adotarem.
No caso do presente estudo, vale lembrar que a pandemia da covid-19 ressignificou a ocorrência de casos de assédio sexual. Por se sentirem mais seguros por conta do distanciamento provocado, houve o surgimento de cada vez mais abusadores no meio de trabalho home office:
Com o início das medidas de distanciamento social e muita gente trabalhando em casa, acreditava-se que situações como essa se tornariam menos frequentes. Porém, a pesquisa mostrou que aconteceu exatamente o contrário. Com a migração do trabalho para o contexto online, o LinkedIn, que é a maior rede profissional do mundo, registrou um aumento de 55% no volume de conversas entre os usuários na plataforma de março de 2019 a março de 2020. Por se sentirem mais protegidos atrás da tela do computador, muitos homens enviam mensagens ou comentários contendo assédio para colegas de trabalho. (SERPA, 2020)
Assim, o que ocorreu com a alteração do formato de trabalho para o home office foi a mudança do modus operandi deste crime, sendo necessário que sua ocorrência seja debatida para que se possa evitar o seu cometimento nos mais variados ambientes de trabalho.
Nesse sentido, é importante discutirmos a respeito da existência de assédio sexual em home office, uma vez que, como vimos, a prática é perfeitamente possível apesar da distância entre os colegas de trabalho.
2.3 EXISTÊNCIA DE ASSÉDIO SEXUAL EM HOME OFFICE
Ainda que se infira que a relação de assédio apenas possa se concretizar por meio de uma relação de trabalho presencial, a instauração do regime de home office em larga escala em decorrência da pandemia da covid-19 provou que essa afirmação não é verdadeira, uma vez que os assédios sexuais continuam ocorrendo.
Para Sivolella (2021, n.p), ainda que o distanciamento social tenha sido imposto, não houve a diminuição dos problemas que já eram verificados no trabalho presencial:
O distanciamento social nos proporcionou, sem dúvidas, um dos grandes paradoxos do cenário pandêmico: num contexto de dilemas sanitários, econômicos e sociais, o novo normal imposto aproximou as vulnerabilidades, esfregou na cara da sociedade dita cool e tecnológica do século 21 suas maiores mazelas e tornou insustentável a manutenção da banalização da exclusão e da desigualdade.
Sivolella (2021, n.p) entende que a desigualdade de gênero está dentro dos problemas que apenas foram mais evidenciados com o distanciamento social:
A desigualdade de gênero, fatalmente, se insere nesse contexto. No último dia 8, o Dia Internacional da Mulher foi comemorado, em quase sua integralidade, na modalidade telepresencial, e, fazendo jus ao novo normal incorporado em nossas rotinas, os dizeres de Jorge Amado do início do século 20 ecoam: "Peste, fome e guerra, morte e amor, a vida de Tereza Batista é uma história de cordel" [2]. Tal e qual a epígrafe do romance de Jorge Amado já anuncia, a mulher representada pela personagem é uma guerreira. Há várias Terezas em nossa sociedade.
Barcellos (2017, n.p) ensina que o assédio sexual ocorre geralmente quando aquele em condição hierárquica superior não tolera a rejeição de seu subordinado e, para isso, passa a pressionar até que consiga a vantagem sexual indevida que pleiteia. O autor salienta que, por vezes, tal situação pode fazer com que a vítima fique em situação vexatória:
O assédio sexual é uma das muitas violências sofridas pela mulher diariamente, mas pode acontecer inversamente ou ainda entre pessoas do mesmo sexo. Geralmente, ocorre quando a pessoa, principalmente em condição hierárquica superior, não tolera a rejeição e passa a pressionar de diversas formas até conseguir o que quer. Essa pressão tem diversos componentes de extrema violência, à medida que coloca a vítima em situações vexatórias, provocando muita insegurança e fragilidade.
A inferência mais óbvia diz respeito a assédios sexuais sofridos por mulheres, vítimas de chefes homens. Tal inferência faz sentido quando verificamos os dados trazidos por Salles (2020, n.p), que mostram que apenas 10% dos cargos de chefia são ocupados por mulheres:
Em 27,4% das empresas brasileiras ainda não há nenhuma mulher exercendo qualquer cargo de chefia. Já em 32,3% das companhias, a presença feminina não passa de 10% do total das posições de liderança. Os dados, que mostram o longo caminho a ser percorrido para tornar o mundo corporativo um ambiente diverso, foram apurados pela consultoria em marketing digital TRIWI no amplo estudo “Representatividade das Mulheres nas Empresas”.
Apesar de o tipo penal referir-se explicitamente a relação de superioridade hierárquica, Rocha (2011, n.p) elenca a possibilidade levantada pela jurisprudência de tal assédio ser cometido em outras situações, como ocorreu com a condenação de uma empresa pelo assédio sexual cometido por funcionário contra outra funcionária de cargo equivalente:
Apesar de, segundo o Código Penal, a configuração do assédio sexual exigir a condição de superior hierárquico do agente que comete o crime, no Direito do Trabalho não funciona da mesma maneira. No último dia 3 de março, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) condenou uma empresa pelo assédio sexual cometido por um funcionário contra outra de cargo equivalente.
3 O ASSÉDIO SEXUAL NO PERÍODO DA PANDEMIA DA COVID-19
Após explicado o contexto do assédio sexual no ambiente de trabalho, cabe tecermos algumas considerações a seu respeito no período da pandemia da covid-19.
Segundo Campos (2021, n.p), inicialmente houve um efeito positivo com a implantação do distanciamento social, onde pode-se verificar uma diminuição das práticas abusivas no ambiente de trabalho. A diminuição, no entanto, durou por pouco tempo e no comparativo realizado entre o apanhado de denúncias de assédio sexual de 2020, verificou-se que houve um aumento quando comparado com o mesmo período no ano anterior:
Nos primeiros meses da pandemia, o distanciamento social teve um efeito positivo para reduzir práticas abusivas nas relações de trabalho. Esse arrefecimento no assédio moral e sexual, no entanto, durou pouco e um levantamento obtido pelo Valor, baseado em 106 mil denúncias registradas em 347 empresas ao longo de 2020, mostra um aumento de 6,2% no número de casos registrados em relação a 2019. Foram 12.529 denúncias de assédio em 2020.
Os dados foram compilados pela ICTS Protiviti, consultoria de gestão de riscos, que administra canais de denúncias em companhias de diversos portes e segmentos no Brasil. “Existia uma falsa impressão que no home office essa situação diminuiria”, diz Fernando Scanavini, diretor de operações da ICTS. Segundo ele, no segundo trimestre de 2020, em período de maior impacto da pandemia, houve até uma redução de 22,7% das denúncias, mas no fim do ano os relatos retornaram a patamares similares aos do início do ano.
Campos (2021, n.p) explica que não houve superação de tais desvios de conduta com a implantação do trabalho remoto. É que a autora entende que o assédio continua ocorrendo, porém por meio virtual, entre as câmeras. A autora entende, também, que o período de pandemia pode ter facilitado o assédio e que a internet transmite uma sensação de impunidade:
Os desvios de conduta no ambiente corporativo não foram superados no trabalho remoto. “Os ofensores se adaptaram ao chamado novo normal”, diz Scanavini. Metade das denúncias registradas em 2020 nas companhias pesquisadas foram relacionadas a relacionamentos interpessoais, sendo que 21,4% do total são identificadas como assédio moral e sexual. O assédio sexual, por exemplo, continuou acontecendo só que de maneira virtual, entre câmeras.
“O fato de as pessoas estarem em casa e a possibilidade de os encontros acontecerem apenas entre duas pessoas, sem as restrições que o ambiente corporativo impõe, de alguma forma, facilitou o assédio”, diz o diretor. “A internet dá uma sensação de impunidade”. Por outro lado, ele diz que os profissionais também estão mais sensíveis por estarem sós e conseguem perceber mais o que está acontecendo quando estão sendo assediados pelo chefe ou colegas. “Houve um filtro nas denúncias e as pessoas se manifestaram apenas em situações mais contundentes”.
Assim, é importante que o Poder Público, juntamente a sociedade civil e a coletividade, pensem em estratégias para a diminuição do assédio sexual por meio destes veículos virtuais, uma vez que a utilização da internet e aplicativos de celulares ou outros dispositivos com fins criminosos pode potencializar o cometimento de delitos e, ao permitir que tais delitos se concretizem, o Direito Penal não cumpre sua função precípua: de zelar pelos bens jurídicos tutelados pela ordem jurídica vigente, como o é a dignidade sexual.
Nesse sentido, passaremos a discussão a respeito dos motivos que levam o assédio sexual a sua tipificação no Código Penal Brasileiro, uma vez que a reprovação social da conduta de assédio sexual e outros motivos são relevantes para o presente trabalho.
4 MOTIVOS QUE LEVAM O ASSÉDIO SEXUAL E SUA TIPIFICAÇÃO NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
O assédio sexual é crime tipificado pelo artigo 216-A do Código Penal, que possui a seguinte redação:
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
§ 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.
Com esta tipificação legal, o legislador pretendeu impedir que ocorram certas “chantagens” para que haja vantagem ou favorecimento sexual dentro do ambiente de trabalho. Em relação ao termo “chantagem”, a jurisprudência vem concordando e se referindo desta maneira, conforme verifica-se pelo julgado a seguir:
ASSÉDIO SEXUAL. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. O assédio sexual é previsto expressamente como crime no art. 216-A do Código Penal . Trata-se do assédio sexual por chantagem, tendo como requisitos a existência de relação hierárquica entre assediador e assediado, bem como a exigência de favores sexuais, em benefício próprio ou de terceiros. Entretanto, no âmbito do Direito do Trabalho, a doutrina mais abalizada já considera existente uma segunda forma de assédio sexual, a qual não caracteriza tipo penal, mas configura uma forma de assédio sexual trabalhista. Essa modalidade é classificada por "intimidação ou ambiental". Diferentemente do crime previsto no art. 216-A do CP , nesta modalidade não se exige superioridade hierárquica do assediador nem favorecimento sexual, mas apenas incitações sexuais inoportunas, solicitações sexuais ou outras manifestações, verbais ou físicas, de natureza sexual e que gerem ofensa ou intimidação à vítima. Essa modalidade de assédio sexual (por intimidação) ofende os direitos fundamentais do (a) trabalhador (a) que concretizam a dignidade da pessoa humana, bem como tem amparo no conceito de assédio sexual adotado pela Organização Internacional do Trabalho. A questão processual do assédio sexual, por sua vez, exige do operador do direito sensibilidade para observar os indícios e as presunções decorrentes do caso concreto, na medida em que o assediador não age "às claras", mas sim de forma velada. Não se pode exigir que a vítima de assédio sexual produza prova robusta do (s) ato (s), sob pena de jamais ser possível responsabilizar o assediador. Havendo boletim de ocorrência policial, bem como indícios de veracidade da tese da vítima, conclui-se pela ocorrência de assédio sexual, o que justifica a dispensa por justa causa do assediador. Recurso da reclamada provido no item. (TRT-4 - Recurso Ordinário RO 00219846820145040404 (TRT-4))
As “chantagens” referidas pelo presente trabalho e corroboradas pela jurisprudência se estendem, inclusive, a situações em que o empregado de nível hierárquico superior (chefe) faz propostas que se traduzem em ameaças com o objetivo de obter favores sexuais da vítima:
ASSÉDIO SEXUAL. CARACTERIZAÇÃO. Está caracterizado o assédio sexual quando o empregado de nível hierárquico superior, que tem o poder de decidir sobre a contratação, promoção ou permanência de outro trabalhador no emprego, aproveita-se de sua posição e importância na empresa para fazer propostas que se traduzem em pressões ou ameaças com o objetivo de obter favores sexuais. Recurso não provido. (TRT-24 - 00243008620095240076 (TRT-24))
Essa interpretação soa ainda mais factível quando se verifica que o legislador trata do polo ativo como alguém que se prevalece de “sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
Dessa maneira, cabe reforçar que é muito importante inibir as condutas de assédio – tanto sexual quanto moral - ocorridas por meio virtual, haja vista que a internet pode ser um instrumento muito útil a abusadores.
Em relação ao assédio sexual e a pandemia da covid-19, Moya (2021, n.p) ensina que os protocolos de saúde para prevenção do coronavírus ressignificaram o assédio moral e sexual, haja vista que nesse momento o que ocorre é a imposição de condutas que são abusivas apesar de ocorrerem a distância:
Diante dos protocolos e práticas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde – OMS para prevenção do contágio pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) - dentre elas, o distanciamento social e o isolamento - grande parte das empresas, escritórios e repartições tiveram que adotar, de forma repentina e compulsória, o teletrabalho como uma maneira de manter suas atividades de forma segura durante a pandemia.
Mas, é possível afirmar que o distanciamento social e desenvolvimento do trabalho virtual afastam a possibilidade de ocorrência de atitudes que possam caracterizar o assédio moral e/ou sexual?
O mais correto é dizer que o home office ressignificou as condutas de assédio moral e sexual. Em tempos de atividades presenciais, eram comuns denúncias de assédio por cobranças excessivas e advertências verbais na frente de outros colegas. No entanto, com o trabalho remoto, essas situações se tornaram fisicamente impossíveis, o que não afasta a possibilidade de assédio através de outros tipos de atitudes.
A exigência da ligação da câmera em videoconferências para que o gestor possa “checar” o ambiente de trabalho do funcionário, cobranças acima de metas tangíveis decorrentes do receio da improdutividade, acionamentos fora do horário do expediente (muito embora o trabalhador em regime de teletrabalho não esteja sujeito ao controle de jornada), o envio de mensagens ou e-mails grosseiros são condutas que podem configurar o assédio moral e gerar o direito de o empregado receber uma indenização em uma eventual reclamação trabalhista.
Com relação ao assédio sexual, salienta-se que, antes mesmo da pandemia, já existia a possibilidade de configuração do mesmo sem que haja a necessidade de contato físico. Com o trabalho virtual, atitudes como o compartilhamento de textos e/ou imagens indesejáveis, elogios para além do profissional e convites para encontros, ainda que virtuais, caracterizam assédio sexual no ambiente de trabalho. O fato de as pessoas estarem em casa e a possibilidade de os encontros e conversas acontecerem de forma privada, apenas entre duas pessoas, sem as restrições que o ambiente corporativo impõe, pode acabar facilitando atitudes caracterizadoras do assédio sexual.
Também é importante destacar que a vulnerabilidade do trabalhador no período da pandemia agrava sua sujeição a comportamentos abusivos e atentatórios à sua dignidade no ambiente de trabalho. Em contrapartida, o empregador, que carrega o peso da necessidade de muitas vezes, ter de reduzir seu quadro funcional, reformular seus processos produtivos e reduzir os riscos do negócio (tudo isso de forma imediata, sem qualquer planejamento prévio), está mais suscetível a praticar assédio moral, ainda que não intencionalmente, e a incorrer em irregularidades trabalhistas, que futuramente podem impactar seu orçamento com condenações ao pagamento de indenizações por danos morais.
Para Alcassa (2021, n.p), uma das maneiras de as empresas conseguirem evitar os assédios sexuais ocorridos por meio do teletrabalho – ou trabalho home office – é a implantação de uma política de compliance criminal e trabalhista, que pode auxiliar muito na prevenção de tais delitos. A autora ressalta ser importante que a empresa possa dar esse passo, uma vez que as inovações tecnológicas devem ser seguidas pelas empresas para que estas possam oferecer as melhores condições de trabalho aos seus colaboradores:
Existem alguns mecanismos adicionais que ajudam a avaliar como os colaboradores estão se sentindo emocionalmente em relação à organização. Um mecanismo importante é ter uma política forte de portas abertas para que qualquer pessoa, a qualquer momento, sem desconforto ou medo de retaliação, possa falar sobre má conduta ou suspeita de má conduta dos superiores hierárquicos ou membros da equipe. O assédio é um vetor de deterioração das relações internas que por vezes se reflete no desempenho das organizações com graves consequências econômicas e reputacionais.
As organizações precisam acompanhar as inovações tecnológicas, sustentabilidade econômica, reconhecimento da imagem corporativa e oferecer melhores condições de trabalho aos colaboradores, sendo de máxima importância a adoção do compliance trabalhista
Outra maneira de evitar os constantes assédios sexuais no ambiente de trabalho – quer seja ele presencial ou virtual – é a estimulação de denúncias para as autoridades competes.
Esse estímulo a denúncias, apesar de ser uma prática recorrente em alguns ambientes de trabalho, ainda tem algumas dificuldades para que seja efetiva apenas efetuar a denúncia.
É necessário que sejam tomadas medidas concretas por parte das empresas e da sociedade civil. Segundo Rodriguez (2021, n.p), as políticas adotadas pelas empresas ainda não são adequadas. É necessário identificar o assédio e, dessa maneira, evitar ele:
Segundo Alice Oleto, professora do Insper e do Centro Universitário Unihorizontes, autora de uma tese de mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre assédio sexual no trabalho, "apesar de muitas organizações terem interesse em trabalhar em ambientes considerados seguros e respeitosos, as políticas para combater o assédio ainda não são adequadas. Para melhorarem, as empresas precisam, primeiro, saber identificar o que é o assédio para conseguir evitá-lo. Além disso, é necessário que elas tenham ciência da complexidade desse tipo de violência laboral. Só assim serão capazes de desenvolver ferramentas para prevenção ou extinção desse mal."
Rodriguez (2021, n.p) ressalta a importância da existência de canais de denuncias com acolhimento e proteção da vítima, além da apuração com o devido rigor do referido crime. Não são todas as empresas, infelizmente, que levam os casos de assédio a sério:
Oleto argumenta que as empresas precisam ter canais para receber denúncias que acolham e protejam a vítima (em vez de culpabilizá-la pelo assédio sofrido), que apurem as denúncias rigorosamente e que apliquem punições compatíveis com as agressões confirmadas", explica Oleto.
Para Ana Addobbati, fundadora da Women Friendly, organização que orienta empresas para combater o assédio e criar um ambiente inclusivo para mulheres, "há empresas levando esse tipo de violência a sério, executando investigações adequadas e punindo com severidade". Como exemplo, ela cita o McDonald's, que incorporou explicitamente o assédio como uma violência inaceitável em suas lojas. "No entanto, essas empresas ainda são minoria", aponta Addobbati
Parte desse grupo restrito é o Grupo Drumattos, holding responsável pelos restaurantes Camarada Camarão e Camarão & Cia. Segundo Fátima Barroso, gerente de gente e gestão da empresa, "há um esforço para esclarecer a todos os colaboradores quais são os passos a serem tomados caso presenciem ou sofram uma situação de assédio. Essa política inclui fornecedores, parceiros e clientes", detalha. "Caso um funcionário seja assediado por um cliente ou um fornecedor, por exemplo, temos procedimentos sobre como agir em relação a isso.".
Feitas estas considerações, passamos a fase de conclusão do presente trabalho, haja vista que já foram esclarecidos os conceitos chave do presente trabalho.
5 CONCLUSÃO
O assédio sexual é problema corriqueiro nos ambientes de trabalho presenciais, que procuram diminuir sua ocorrência através de diálogos entre os colaboradores para que estes entendam a gravidade das condutas deste constrangimento sexual ilegal.
O Poder Público também faz, em tese, sua parte: ao tipificar o assédio sexual como crime dentro do Código Penal, o legislador tenta diminuir o cometimento do referido crime, uma vez que se pretende que a tipificação legal afaste eventuais condutas deste tipo.
Ocorre que as ações por parte do Poder Público e dos ambientes de trabalho nem sempre são totalmente efetivas no sentido de inibir a ocorrência desta prática. E o problema não se estende somente aos ambientes corporativos com trabalho presencial: com a pandemia da Covid-19 e as medidas de distanciamento social, é necessário repensar o modus operandi deste crime, haja vista que com esta situação atípica, os ambientes de trabalho foram flexibilizados até a casa dos trabalhadores, por meio da imposição do regime de trabalho remoto ou “home office”.
Dessa maneira, o presente trabalho se propôs a analisar o problema do assédio sexual ocorrido em ambiente de trabalho na modalidade home office durante o período da pandemia da Covid -19, verificando de que maneira tal crime tem ocorrido neste período.
No decorrer da presente pesquisa, verificou-se que o regime de trabalho remoto ou “home office” não foi um entrave para o cometimento do delito, mas sim uma nova realidade em que o delito continuou sendo praticado, porém com um modus operandi diferente: o assédio agora é praticado por entre as câmeras, por meio deste e outros recursos eletrônicos.
Alguns autores entendem, ainda, que o período de pandemia pode ter facilitado o assédio e que a internet transmite uma relativa sensação de impunidade aos infratores.
Dessa maneira, concluiu-se que cabe ao Poder Público e a sociedade civil que encontrem formas de diminuir o cometimento do presente delito, com a imposição de medidas tais como o incentivo a denúncias de crimes de assédio sexual no trabalho, a promoção de palestras a respeito da gravidade do tema e o apoio e acolhimento das vítimas, que por muitas vezes sentem-se com medo de denunciar o assédio sofrido.
Outra maneira interessante e útil para a prevenção do assédio sexual ocorrido na pandemia pode ser a implantação de uma política de compliance criminal e trabalhista, de tal maneira que as inovações tecnológicas podem oferecer as melhores condições de trabalho aos colaboradores das empresas que implantarem esse tipo de política.
6 REFERÊNCIAS
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Graduando em Direito pelo Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, PEDRO FERREIRA LIMA. Assédio sexual no ambiente de trabalho na modalidade home office durante o período da pandemia de Covid 19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 nov 2021, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57561/assdio-sexual-no-ambiente-de-trabalho-na-modalidade-home-office-durante-o-perodo-da-pandemia-de-covid-19. Acesso em: 23 dez 2024.
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